Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 250/2014-T
Data da decisão: 2014-11-17  IUC  
Valor do pedido: € 353.798,34
Tema: IUC – Incidência subjetiva
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 250/2014 – T

Tema: IUC – Incidência subjetiva

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1.         Em 10 de Março de 2014, A., pessoa coletiva n.º … , com sede social na Rua …. , veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

2.         A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade dos actos de liquidação oficiosa de Imposto Único de Circulação (IUC) e respectivos juros compensatórios relativos aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, no valor global de € 353 798,34, respeitantes a 3020 veículos automóveis identificadas em listas anexas ao pedido de pronúncia arbitral.

3.         Requer, ainda, a condenação da Requerida nas custas do processo e o reconhecimento do direito a indemnização relativamente aos encargos suportados com a prestação de garantias bancárias para suspensão das respectivas execuções fiscais.

4.         A Requerente optou pela não designação de árbitro.

 

5.         O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Sr. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12 de Março de 2014.

 

6.         Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Dr. José Pedro Carvalho, o Prof. Doutor Luís Menezes Leitão e o Dr. Álvaro Caneira, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

7.         Em 30 de Abril de 2014, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

8.         Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 19 de Maio de 2014.A Requerida (AT) apresentou resposta em que, além de defender a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, suscitou a excepção da cumulação ilegal de pedidos bem como a da incompetência do tribunal arbitral para apreciar e decidir o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.

 

9. A Requerente respondeu por escrito às excepções invocadas pela Requerida.

 

 

10. Em 5 de Setembro de 2014, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

Tendo a partes declarado nada ter a acrescentar, procedeu-se à produção de prova       através das testemunhas arroladas pela Requerente, tendo as Partes prescindido da respectiva gravação áudio.

 

11. Terminada a produção de prova testemunhal, foram as Partes convidadas a pronunciarem-se sobre a realização das alegações. A pedido da Requerente, foi concedido

 o prazo sucessivo de 10 dias para esta e a Requerida, por esta ordem, apresentarem

 alegações por escrito, sendo-lhes comunicado que a decisão seria proferida até 30 dias após a apresentação das alegações pela Requerida.

 

12. As partes apresentaram alegações no prazo fixado pelo Tribunal.

 

13. Através de requerimento apresentado em 23 de Setembro de 2014, a Requerida

solicitou a junção aos autos de duas decisões proferidas no CAAD.

 

14. Tendo em conta o disposto no artigo 423.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, bem

 como a circunstância de os documentos apresentados não se destinarem a prova ou contraprova de qualquer facto alegado pelas Partes, mas unicamente a sustentar a respectiva posição de direito, o Tribunal, por despacho de 29 de Outubro de 2010, admitiu a junção aos autos das referidas decisões.

 

15. Considerando o disposto no artigo 16.º, alínea a), do RJAT, foi, pelo mesmo despacho, concedido à Requerente o prazo de 10 dias para se pronunciar sobre os referidos documentos, sendo determinada a suspensão do prazo anteriormente fixado para a prolação da decisão.

 

 

 

 

II. Saneamento

 

16. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

17. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram- se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e

art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

18. O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

III. Matéria de facto

 

19. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo e, designadamente, no depoimento das testemunhas arroladas pela Requerente, destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pela Requerida, se consideram inteiramente provados:

 

 19.1. A Requerente tem como objecto social o comércio de automóveis, respectivas peças e acessórios.

 

19.2. No âmbito da sua actividade, procede à admissão, em território português, de todos os veículos automóveis da marca …, que, no estado de novos, adquire directamente junto do fabricante.

 

19.3. Os veículos admitidos em território português são, de imediato, transmitidos a

outras empresas, invariavelmente concessionários da marca que, por sua vez, os     vendem aos clientes finais.

 

 

 

19.4. As transmissões para os concessionários são tituladas por facturas emitidas nos termos legais, nelas se fazendo referência a "reserva de propriedade" com vista a salvaguardar o pagamento do preço o que, normalmente, ocorre no dia imediatamente a seguir.

 

19.5. As viaturas transmitidas aos concessionários, logo que entram em território português, são transportadas e depositadas nas instalações dos concessionários adquirentes.

 

19.6. Dado que, no momento da venda, as viaturas transmitidas ainda não se encontram matriculadas em Portugal, são as mesmas identificadas, na facturação respectiva, através da indicação do correspondente número de chassis.

 

19.7. Somente depois da venda aos concessionários é que a Requerente, na qualidade de operador registado, suporta ao correspondente Imposto sobre Veículos, que repercute aos adquirentes, promovendo então a respectiva matrícula em Portugal.

 

19.8. Resulta, assim, que no momento em que é efectuada a matrícula dos veículos, a Requerente, em geral, transmitiu já a terceiros a propriedade dos veículos.

 

19.9. A situação acima descrita abrange 2946 veículos, identificados em lista anexa

 (Doc. …), que aqui se dá por inteiramente reproduzida, a que, nas liquidações ora impugnadas, corresponde a importância total € 345 169,41, de IUC e juros compensatórios.

 

19.10. Relativamente aos veículos que se encontram na situação supra referida, são disponibilizadas as respectivas facturas de venda (Docs. … a …) bem como uma listagem em que vem relacionado o número de chassis de cada viatura com a respectiva matrícula.

 

19.11. Para além dos veículos transaccionados em data anterior à da respectiva matrícula, as liquidações impugnadas abrangem ainda outros que, não se encontrando nessa situação, haviam já sido objecto de venda no decurso dos 60 dias posteriores à data de atribuição das matrículas.

 

19.12. Os casos referidos no subponto anterior - 74 veículos - são evidenciados em listagem anexa ao pedido de pronúncia arbitral (Doc. …), a que nas liquidações ora impugnadas, corresponde a importância total de € 8 628, 93, de IUC e juros compensatórios.

 

19.13. Relativamente às liquidações questionadas, foi a Requerente notificada para exercer o direito de audição (Docs. … a …).

 

19.14. A Requerente exerceu o referido direito em 11 de Outubro de 2013 (Docs. … a ….), tendo, por esta via, levado ao conhecimento da AT os factos acima referidos, tendentes a demonstrar, nesta fase procedimental, não dever ser qualificada como sujeito passivo da obrigação de imposto em causa, visto não ser efectiva proprietária dos veículos nos períodos o que a tributo respeita.

 

19.15. Em resposta aos elementos oferecidos pela Requerente no exercício do direito de audição, o competente Serviço de Finanças, informou a Requerente, através do Ofício n.º 6309, de 23 do mesmo mês (Doc. …), que a "os veículos eram sua propriedade nas datas de exigibilidade dos impostos, conforme informação existente na base de dados, transmitida pelo IRN. Conforme informação enviada na notificação para audição prévia, da conjugação do artigo 2.º. n.º 1, alínea a) com os artigos 3.º, 4.º e 6.º a contribuinte encontra-se em falta relativamente aos impostos referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012."

 

19.16. A Requerente foi oportunamente notificada dos actos de liquidação oficiosa a que se refere o presente pedido, conforme consta dos documentos que constituem anexos 5588 a 8648, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

 

 

19.17. Não tendo sido efectuado o pagamento voluntário do imposto e juros a que se referem as liquidações ora impugnadas, foram instaurados os competentes processos de execução fiscal.

 

19.18. Para obter a suspensão das referidas execuções foram apresentadas garantias bancárias (Doc. 8655).

 

IV - Questões prévias

 

20. Sintetizados os elementos factuais relevantes, importa, antes de mais, analisar e decidir as questões prévias suscitadas pela Requerida que, como acima referido, se prendem com a ilegalidade da cumulação de pedidos e com a incompetência do tribunal arbitral para apreciar e decidir o pedido de indemnização por prestação de garantia bancária.

 

 

Da excepção por ilegalidade da cumulação de pedidos

 

21. Considerando a existência de uma relação directa entre as liquidações tributárias cuja legalidade questiona, a Requerente optou por pedir a apreciação conjunta dos actos tributários em causa alegando, no essencial, que a procedência do pedido depende das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das normas legais relativas à incidência subjectiva do IUC.

 

22. Na sua resposta, porém, vem a Requerida suscitar excepção relativa à ilegalidade da cumulação de pedidos, com o fundamento de se não encontrar verificada a existência das mesmas circunstâncias de facto, por se estar " (...) perante situações fácticas díspares, consubstanciadas em veículos diferentes, com datas de venda diferentes, procedimentos

diferentes caso estejamos perante vendas a concessionários e vendas a empresas de rent-a-car, em datas diferentes e a proprietários totalmente díspares, por valores completamente diferenciados".

 

23. Consequentemente, entende a Requerida, "a cumulação efectuada pela Requerente é ilegal, não devendo ser a mesma admitida por parte do Tribunal Arbitral Colectivo, o qual deverá notificar a Requerente nos termos e para os efeitos do artigo 47.º/r e 5 do CPTA, sob cominação de absolvição da instância."

 

24. Pronunciando-se sobre a excepção invocada, a Requerente sustenta a legalidade da cumulação de pedidos, nos termos em que é admitida no artigo 3.º do RJAT, porquanto, no presente pedido, está essencialmente em questão a apreciação das mesmas circunstâncias

de facto e aplicação das mesmas normas legais acerca da incidência subjectiva do IUC.

 

25. Com efeito, determina o citado preceito, bem como o artigo 104.º do CPPT, que é admissível a cumulação de pedidos "quando a procedência dos pedidos dependam essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito."

 

26. Saliente-se que as referidas normas legais não exigem uma identidade plena dos actos impugnados nem tampouco a coexistência, a par dos fundamentos comuns, de um fundamento específico de anulação de algum ou alguns dos actos impugnados.

 

27. No presente caso, estão essencialmente em causa actos tributários relativos ao IUC, envolvendo um número elevado de viaturas automóveis, e, no plano do direito, a aplicação das normas legais relativas à incidência subjectiva deste tributo.

 

28. Não pode, assim, entender-se que as situações fácticas alegadas pela Requerida tenham relevo suficiente para afastar a possibilidade de cumulação de pedidos, nos termos legais, pelo que improcede a excepção por ela suscitada.

 

29. Nestes termos, considerada a identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, nada obsta, face ao disposto nos arts. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, à pretendida cumulação de pedidos.

 

Da excepção relativa à incompetência do Tribunal Arbitral

 

30. A par da excepção da ilegalidade da cumulação de pedidos, a Requerida suscita ainda uma outra, esta relativa à incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de indemnização por prestação indevida de garantias bancárias.

 

31. Como fundamento, alega que "a fixação do valor de uma indemnização está por lei

afastada das competências do Tribunal Arbitral, dado não constar da delimitação taxativa presente no artigo 2.º do RJAT."

 

32. A esta matéria se referem os artigos 53.º da Lei Geral Tributária e 171.º do CPPT.

 

33. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º da Lei Geral Tributária, o devedor

que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado

total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. E sem

prazo caso se verifique que houve erro imputável aos serviços na liquidação do trbuto.

 

34. Por seu lado, estabelece o artigo 171.º do CPPT que "a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência"

 

35. O processo de impugnação judicial, em que se decide sobre a legalidade do acto

tributário, constitui, pois, meio processual adequado para formular o pedido de indemnização por garantia indevida. Neste sentido, vd. STA, Ac. de 16.11.2011, Proc. 608/11.

 

 

36. Conforme reiterada jurisprudência arbitral, " O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida." .

 

37. Assim, acolhendo a bem fundamentada, e invariavelmente seguida, jurisprudência arbitral, o Tribunal Arbitral julga improcedente a excepção suscitada pela Requerida  quanto à sua incompetência para apreciar e decidir sobre o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

 

 

V. Matéria de direito

 

38. A Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral, essencialmente, com base na ilegitimidade da sua qualificação como sujeito passivo do IUC, relativamente aos veículos

e período de tributação que identifica em documentos anexos, considerando duas situações distintas:

a) Ter sido transmitida a terceiros a propriedade dos veículos antes da data da sua matrícula em Portugal (Doc. 8653);

b) Ter sido transmitida a terceiros a propriedade dos veículos depois da data da matrícula, mas no prazo de 60 dias a contar da data desta.

39. No primeiro caso, segundo entende a Requerente, embora os veículos em causa se encontrassem registados em seu nome na Conservatória do Registo Automóvel, não era a sua efectiva proprietária à data da ocorrência dos factos que determinam a obrigação de imposto, dado terem os mesmos sido já vendidos aos respectivos concessionários, conforme facturação emitida, que junta como elemento probatório. (Vd. entre outras, Decisões Arbitrais de 14.5.2013, Proc. 1/2013 e de 2.4.2014, Proc. 224/2013-T)

 

 

40. No segundo caso, considera a Requerente, embora à data da ocorrência dos factos tributários os veículos, além de registados em seu nome da Conservatória do Registo Automóvel, eram sua efectiva propriedade, mas que foram os mesmos objecto de transmissão no período de 60 dias subsequentes à data da matrícula, pelo que o imposto em causa apenas se tornaria exigível depois de decorrido o referido prazo.

 

41. Esta consideração, decorrente da interpretação que a Requerente faz das normas do n.º 1 do artigo 17.º e do artigo 18.º do CIUC, relativas ao prazo de pagamento do imposto e liquidação oficiosa, respectivamente, assenta no pressuposto de que "no ano da matrícula o sujeito passivo do IUC é o proprietário do veículo na data em que findarem aqueles 60 dias contados da data da atribuição da matrícula, que o deverá liquidar e entregar ao Estado nos 60 dias subsequentes."

 

42. Para além do invocado vício de ilegitimidade da sua qualificação como sujeito passivo das obrigações tributárias a que se referem as liquidações ora impugnadas, a Requerente aponta ainda os outros, comuns a todas elas, a saber:

a) Insuficiência de fundamentação;

b) Violação do direito de audição prévia;

c) Violação do princípio do inquisitório.

 

43. Vejamos, pois, as questões a apreciar no presente processo, seguindo a ordem por que são acima colocadas.

 

Da transmissão da propriedade dos veículos antes da data da matrícula

 

44. No âmbito da sua actividade empresarial, a Requerente procede à admissão em território português de veículos novos, que, em momento anterior ao da respectiva matrícula, transmite aos seus concessionários, facto que comprova através da respectiva facturação.

 

 

 45. Todavia, por força das normas legais aplicáveis, o registo dos veículos em causa é efectuado em nome da Requerente, ainda que, no momento em que se efectiva, não seja esta a sua proprietária.

 

46. É o que resulta da leitura conjugada dos artigos 117.º, n.º4, do Código da Estrada - que atribui à pessoa, singular ou colectiva, que proceder à admissão, importação ou introdução no consumo em território nacional, a obrigatoriedade de requerer a matrícula dos veiculos - e 24.º, n.º 1, do Regulamento do Registo Automóvel, que determina que o registo inicial de propriedade de veículos importados, admitidos, montados, construídos ou reconstruídos tem por base o respectivo requerimento.

 

47. Das referidas normas resulta, pois, que a Requerente, na qualidade de operador registado que procede à admissão de veículos novos em território nacional, necessariamente figura no respectivo registo inicial como sua proprietária, ainda que no momento em que este se efectua, a propriedade dos mesmos tenha sido já transmitida a terceiros.

 

48. Do exposto, extrai a Requerida que, "tendo a Requerente solicitado a emissão de certificado de matrícula, encontrando-se o mesmo registado em nome desta, encontram-se reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade, sendo a Requerente sujeito passivo do imposto."

 

49. Diversamente, entende a Requerente que a norma de incidência subjectiva do referido tributo consagra uma presunção legal de propriedade, susceptível de elisão mediante prova em contrário.

 

50. Nesta vertente do presente pedido de pronúncia está, pois, em causa a interpretação do artigo 3.º, n.º1, do CIUC, no sentido de se determinar se a mesma consagra, ou não, uma presunção relativa à qualificação como proprietário, e consequentemente, como sujeito passivo deste imposto, a pessoa, singular ou colectiva, em nome da qual na propriedade do veículo se contra registada e, caso de conclua nesse sentido, a sua elisão com base dos elementos probatórios que o integram.

 

Da incidência subjectiva do IUC

 

51. Não obstante o Código do IUC erigir como princípio estruturante deste tributo o princípio da equivalência, entendido como compensação pelos efeitos nefastos em termos ambientais e energéticos resultantes da circulação de veículos 3, o referido Código elege, no tocante à incidência subjectiva, o proprietário do veículo, considerando como tal a pessoa em nome da qual o mesmo se encontre registado (art. 3.º, n.º 1, do CIUC).

 

52. Não atribuindo, em geral, especial relevância à utilização efectiva dos veículos, o legislador não deixa, porém, de considerar tal facto em situações específicas que envolvem a sua presuntiva e potencial utilização, equiparando a proprietários, os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direito de opção de compra por força de contrato de locação (art.3.º, n.º 2, do CIUC).

 

53. A norma de incidência, ao remeter para os elementos do registo automóvel, não distingue entre o registo inicial do veículo e registos posteriores: o sujeito passivo do imposto é o proprietário do veículo, considerando-se como tal a pessoa, singular ou colectiva em nome da qual o veículo se encontrar registado.

 

54. É, pois sobre a interpretação da norma do n.º 1 do artigo 3.º que, como já referido, se evidenciam as diferentes posições expressas pela Requerente e pela Requerida.

(Vd. Sérgio Vasques, "Os Impostos Especiais de Consumo", Almedina, 2000 e Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 118-X, que deu origem à Lei n.º 22-A/2007, de 29/05 (reforma da tributação automóvel).

 

55. Segundo a Requerente, a referida norma estabelece uma presunção de propriedade, com base no registo, ilidível nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária.

 

56. Diversamente, entende a Requerida que estabelecendo o CIUC a sujeição passiva bem como o facto gerador da obrigação de imposto, por referência aos elementos constantes do registo automóvel, conforme decorre dos artigos 3.º e 6.º do respectivo Código, sendo a

Requerente a solicitar a emissão do certificado de matrícula e encontrando-se os veículos registados em seu nome nos períodos de tributação a que se referem as questionadas liquidações, "encontram-se reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade, sendo a Requerente sujeito passivo do imposto."

 

57. Esta matéria tem sido objecto de diversas decisões arbitrais que, reiterada e uniformemente, se têm pronunciado no sentido da que a norma do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC estabelece um presunção, ilidível, nos termos gerais e, em especial, for força do disposto no artigo 73.º da LGT.  É esta a orientação a que se adere e se seguirá de perto.

 

58. Com efeito, com ressalva do disposto no n.º 2, relativamente a situações de venda com reserva de propriedade e locações que assumam natureza de financiamento, estabelece o art. 3.º do CIUC, que são sujeitos passivos deste imposto os proprietários dos veículos, sendo como tal consideradas as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

 

59. O recurso ao registo automóvel como elemento estruturante do sistema de liquidação deste tributo evidencia-se ao longo de todo o respectivo Código. Refira-se, designadamente, o seu artigo 6.º relativo à definição do facto gerador da obrigação de imposto, cujo n.º 1 prevê ser constituído pela propriedade do veículo, " tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional". Deste preceito decorre que os veículos

(Neste sentido, Decisões Arbitrais de 19.7.2013, Proc. 26/1013-T, de 10.9.2013, Proc. 27/2013-T, de 15.10.2013, Proc. 14/2013-T, de 5.12.2013, Proc. 73/2013-T, de 14.2.2014, Proc. 170/2013-T, de 30.4.2014, Proc. 256/2013-T, de 2.5.2014, Proc. 286/2013, de 16.6.2014, Proc. 289/2013-T, de 14.7.2014, Proc. 43/2014-T, de 6.6.2014, Proc. 294/2013-T, de 15.9.2014, Procs. 63/2014-T e 220/2014) automóveis que não estejam, nem devam estar, registados em território português, apenas ficam abrangidos pela incidência objectiva deste tributo se no mesmo permanecerem por período superior a 183 dias, conforme dispõe o n.º 2 do mesmo artigo. É, pois, uma norma que, recorrendo ao elemento registral, estabelece, simultaneamente, o facto gerador do imposto e a respectiva conexão fiscal. É, também, dos elementos do registo automóvel que se extrai o momento do início do período de tributação e constituição da obrigação tributária e, de uma maneira geral, todos os elementos necessários à liquidação do imposto em causa, como, de resto, bem acentuado vem na resposta elaborada pela AT.

 

60. Todavia, da dependência do regime de tributação do IUC em relação ao registo automóvel não se pode extrair, como imediata conclusão, que a norma de incidência subjectiva, no segmento em que considera como proprietário a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado, não constitua um presunção de incidência.

 

61. Haverá, pois, que recorrer a outros elementos interpretativos, com a especial relevância da noção legal de presunção.

 

62. Segundo noção vertida no artigo 349.º do C. Civil, presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. As presunções constituem meios de prova, tendo esta por função a demonstração da realidade dos factos (art. 341.º do C. Civil). Assim, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (art. 350.º, n.º1, do C. Civil). Todavia, as presunções, salvo nos casos em que a lei o proibir, podem ser ilididas, mediante prova em contrário (art. 350.º, n.º 2, do C. Civil). Tratando-se de presunções de incidência tributária, estas são sempre ilidíveis, conforme expressamente dispõe, o artigo 73.º da LGT.

 

63. As presunções podem ser explícitas ou meramente implícitas no texto da lei.

 

64. Com efeito, na definição da incidência subjectiva do ICI, do ICA e do IMV, impostos que o actual IUC veio substituir, foi essa a expressão utilizada pelo legislador. No âmbito dos impostos abolidos, estabelece-se que "o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados" 5

 

65. No mesmo sentido, estabelece o art. 3.º, n.º 1, do Regulamento dos Impostos de Circulação e Camionagem, aprovado pelo DL n.º 116/94, de 3/05, que são sujeitos passivos destes tributos "os proprietários dos veículos presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou colectivas em nome das quais os mesmos se encontrem registados."

 

66. No que ao IUC diz respeito, o legislador optou por utilizar uma formulação diversa da norma de incidência subjectiva. Tal como nos impostos abolidos, continua a atribuir aos proprietários dos veículos a qualidade de sujeitos passivos. Porém, abandona a expressão "presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome quem os mesmos se encontrem registados" em favor de "considerando-se como tais as pessoas (...) em nome das quais os mesmos se encontrem registados".

 

67. Diversamente da posição expressa pela AT, entendemos que se está perante uma mera questão semântica, que não altera minimamente o conteúdo da norma em questão e por duas ordens de razões: Para que se esteja perante uma presunção legal, é necessário que a norma que a estabelece se amolde ao respectivo conceito legal, vertido no art. 349.º do C. Civil, sendo para tal irrelevante que a mesma seja explícita, revelada pela utilização da expressão "presumem-se" ou apenas implícita.

 

68. É, pois, no sentido do conceito legal de presunção e no respeito dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva que o legislador atribui plena eficácia à presunção derivada do registo automóvel acolhendo-a, como tal, na definição da incidência subjectiva deste tributo estabelecida no n.º 1 do art. 3.º do CIUC.

(Vd. artigo 3.º, n.º1 do Regulamento do Imposto Municipal sobre Veículos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 143/78, de 12 de Junho. Cfr. Jorge de Sousa, CPPT, 6.ª Edição, Áreas Editora. Lisboa, 2011, pags. 586 e STA, Acs. de 29.2.2012 e de 2.5.2012, Procs. 441/11 e 381/12.

69. Acresce que o DL n.º 54/75, de 12/02, que disciplina o registo de veículos automóveis, não prevendo qualquer norma acerca do carácter constitutivo do registo da propriedade automóvel, estabelece, no n.º 1 do seu artigo 1.º que o registo automóvel visa apenas dar publicidade à situação jurídica dos bens. De acordo com o artigo 7.º do Código do Registo

Predial, supletivamente aplicável ao registo automóvel, por remissão do artigo 29.º daquele diploma, determina que o registo apenas "(...) constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define."

 

70. Pronunciando-se sobre esta matéria, o STJ, em acórdão de 19-02-2004, proferido no processo n.º 3B4369, conclui que "(...) o registo não surte eficácia constitutiva, pois que se destina a dar publicidade ao acto registado, funcionando (apenas) como mera presunção, ilidível (presunção "juris tantum") da existência do direito (arts- 1.º, n.º 1, e 7.º, do CRP84

e 350.º, n.º2, do C. Civil) bem como da respectiva titularidade, nos termos dele constantes (...)".

 

71. Assim, acompanhando-se a reiterada jurisprudência arbitral relativa a situações idênticas, não pode deixar de se entender que a expressão "considerando-se como tais" constante da referida norma, configura uma presunção legal, e que esta é ilidível, nos termos gerais, e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da LGT que determina que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

Da elisão da presunção

 

72. As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos actos tributários que nelas se baseiem.

 

73. No presente caso, a Requerente não utilizou aquele procedimento próprio, tendo antes optado pelo presente pedido de decisão arbitral que, assim, constitui meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjectiva do IUC em que se suportam as liquidações tributárias cuja anulação constitui o seu objecto, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência material deste tribunal arbitral (arts. 2.º e 4.º do DL 10/2011).

 

74. Para ilidir a presunção derivada da inscrição do registo automóvel, a Requerente oferece, como meio de prova, a facturação emitida com referência à transmissão dos veículos a que respeitam as liquidações questionadas (Docs.1 a 5586 e 5587).

 

75. Pronunciando-se, em sede de alegações, sobre a prova documental apresentada, a Requerida limita-se a considerar que "Ainda que por hipótese se seguisse jurisprudência arbitral no sentido de que as pessoas em nome de quem os veículos estejam matriculados ou registados poderem ilidir a presunção legal que decorre dessa matrícula ou registo automóvel, a verdade é que a Requerente não conseguiu ilidir essa presunção, não sendo obviamente suficiente para o efeito a junção de facturas, documentos unilaterais, internos, comerciais, por si emitidos."

 

76. Em abono desta tese, a Requerida refere o processo 63/2014-T do CAAD em que, embora com voto de vencido, o Tribunal Arbitral considerou serem as facturas "documentos unilaterais e internos, aos quais a jurisprudência tem reconhecido um muito reduzido valor para provar a existência de um contrato sinalagmático."

 

77. Posteriormente, veio requerer a junção aos autos de decisões arbitrais proferidas em 15-09-2014, nos processos 150/2014-T e 220/2014-T, em que, no mesmo sentido daquela decisão, se concluiu que "as facturas enquanto documentos unilaterais não possuem valor probatório bastante com vista à elisão da presunção registral."

 

78. Se bem se extrai da posição da Requerida quanto à prova produzida, escorada na fundamentação das citadas decisões jurisprudenciais, seria aquela insuficiente para ilidir a presunção consagrada na norma de incidência tributária, definida com base da propriedade, tal como consta do registo, que, em coerência com a posição de fundo por ela assumida, apenas seria afastada em função de actualização, atempada, do próprio registo.

 

79. Não sendo, porém, esse o entendimento do tribunal, importa avaliar a prova produzida pela Requerente no sentido de se determinar se é esta bastante para ilidir a presunção derivada do registo automóvel que, no plano da incidência subjectiva, é acolhida para efeitos do IUC.

 

80. Para tanto, importa ter-se presente que, na situação em análise, se está perante contratos de compra e venda que, relativos a coisa móveis e não estando sujeitos a quaisquer formalismos especiais (C. Civil, art. 219.º), operam a correspondente transferência de direitos reais (C. Civil, art. 408.º, n.º 1).

 

82. Tratando-se de contractos que envolvem a transmissão da propriedade de bens móveis mediante o pagamento de um preço, têm aqueles, como efeitos essenciais, entre outros, o de entregar a coisa (C. Civil, arts. 874.º e 879.º).

 

83. No entanto, estando em causa um contrato de compra e venda que tem por objecto um veículo automóvel, em que o registo é obrigatório, o seu cumprimento pontual pressupõe a emissão da declaração de venda necessária à inscrição no registo da corresponde aquisição

a favor do comprador, conforme vem sendo entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores.

 

84. Tal declaração, relevante para efeitos de registo, poderá constituir prova da transacção, mas não constitui o único ou exclusivo meio de prova de tal facto.

 

85. Para efeitos registrais, também não é exigível qualquer formalismo especial, bastando a apresentação à entidade competente de requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor, que, através de declaração de venda confirma que a propriedade do veículo foi por aquele adquirida por contrato verbal de compra e venda (vd. Regulamento do Registo Automóvel, art. 25.º, n.º 1, alínea a) (Cfr. STJ, Acs. de 23.3.2006 e de 12.10.2006, Procs. 06B722 e 06B2620.)

 

 

86. Não obstante serem estas as regras decorrentes das disposições da lei civil, relativas ao informalismo da transmissão de coisas móveis e, sendo o caso, do respectivo registo, não pode deixar de ter-se também presente que, na situação em análise, estamos perante transacções comerciais, efectuadas por uma entidade empresarial no âmbito da actividade que constitui seu objecto social.

 

87. Nesse âmbito, a empresa está vinculada ao cumprimento de normas contabilísticas e fiscais específicas, em que a facturação assume especial relevância.

 

88. Desde logo, por força de normas fiscais, a entidade transmitente dos bens está obrigada a emitir uma factura relativamente a cada transmissão de bens qualquer que seja a qualidade do respectivo adquirente (CIVA, art. 29.º, n.º 1, alínea b).

 

89. Também de acordo com o disposto em normas tributárias, a factura deve obedecer a determinada forma, detalhadamente regulada nos artigos 36.º do Código do IVA e artigo

5.º do Decreto-Lei n.º 198/90, de 19 de Junho.

 

90. É com base nesse documento emitido pelo fornecedor dos bens que o adquirente, quando se trate de um operador económico - como é o caso da generalidade das situações a que se refere o presente processo - irá deduzir o IVA a que tenha direito (CIVA, art. 19.º, n.º 2) e contabilizar o gasto da operação (CIRC, arts. 23.º, n.º 6 e 123.º, n.º 2).

 

91. Por seu lado, é também com base na facturação por si emitida que o fornecedor dos bens deverá contabilizar os respectivos rendimentos, conforme decorre do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 123.º do CIRC.

 

92. Desde que emitidas na forma legal e constituam elementos de suporte dos lançamentos contabilísticos em contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, os dados que delas constem são abrangidos pela presunção de veracidade a que se refere o artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

 

93. Com efeito, a referida presunção abrange não só os livros e registos contabilísticos, mas também os respectivos documentos justificativos, conforme, de resto, constitui entendimento pacífico da própria administração tributária 8 e da jurisprudência firme dos tribunais superiores.

 

94. A presunção de veracidade das facturas comerciais emitidas nos termos legais pode, porém, ser afastada sempre que as operações a que se referem não correspondam realidade, bastando, para tanto, que a Administração Tributária recolha e demonstre indícios fundados desse facto (LGT, art. 75.º, n.º 2, al. a).

 

95. No presente caso, a Requerida não impugnou, nem suscita qualquer dúvida, quanto às operações tituladas pelas facturas apresentadas pela Requerente.

 

96. Considerada, pois, a relevância atribuída pela legislação tributária às facturas emitidas, nos termos legais, pelas empresas comerciais no âmbito da sua actividade empresarial e a presunção de veracidade das operações por elas tituladas, não pode deixar de considerar-se que as mesmas constituem, só por si, prova bastante das transmissões invocadas pela

 Requerente, acompanhando-se, nesta matéria, a jurisprudência arbitral maioritária.

 

97. Considerando-se, assim, provada documentalmente a transmissão do direito de propriedade dos veículos em causa, há apenas que determinar a data em que, segundo a respectiva factura, a mesma se terá verificado, atendendo a que a exigibilidade do imposto,

(Cfr. Parecer do Centro de Estudos Fiscais, homologado por despacho do Director-Geral dos Impostos, de 2 de Janeiro de 1992, publicado em Ciência e Técnica Fiscal n.º 365. Cfr. STA, Ac. de 27.10.2004, Proc. 0810/04, TCAS, Ac. de 4.6.2013, Proc. 6478/13 e TCAN, Ac. de 15.11.2013, Proc. 00201/06.8BEPNF, entre outros. Cfr. STA, Acs. de 24.4.2002, Proc. 102/02, de 23.10.2002, Proc. 1152/02, de 9.10.2002, Proc.

871/02, de 20.11.2002, Proc. 1428/02, de 14.1.2004, Proc. 1480/03, entre muitos outros.

 Neste sentido, cf. Decisões Arbitrais de 19.7.2013, Proc. 26/2013-T, de 10.9.2013, Proc. 27/2013-T, den15.10.2013, Proc. 14/2013-T, de 5.12.2013, Proc. 73/2013-T, de 14.2.2014, Proc. 170/2013-T, de 30.4.2014, Proc., 256/2013-T, de 2.5.2014, Proc. 289/2013-T, de 6.6.2014, Proc. 294/2013-T, de 25.6.2014, Proc. 42/2014 e de 6.7.2014, Proc. 52/2014-T.) relativamente a veículos terrestres novos, ocorre no primeiro dia do período de tributação, que se inicia na data da matrícula, conforme prevê o artigo 6.º, n.º3, do CIUC, sendo esse o momento em que se define a relação jurídica tributária.

 

98. Com base nos documentos que integram o presente processo (Docs. 8653 e 1 a 5586) verifica-se que, à data da exigibilidade do imposto, a situação dos veículos aí identificados já não eram propriedade da Requerente em virtude de, por esta, terem sido transmitidos a terceiros.

 

99. Nestes termos, considera-se ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel acolhida no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, relativamente aos veículos e períodos a que se reportam as liquidações questionadas, com referência aos 2946 veículos identificados em lista anexa ao presente pedido de pronúncia arbitral (Doc. 8653).

 

Da transmissão da propriedade dos veículos depois da data da matrícula

 

100. Para além das situações previstas no artigo 3.º, n.º 2, do CIUC, em que são equiparados a proprietários, para efeitos da sua qualificação como sujeitos passivos da obrigação de imposto, os locatários financeiros e adquirentes com reserva de propriedade bem como, em geral, outros titulares de direito de opção de compra por força de contrato de locação, o aludido Código não prevê qualquer outra situação que afaste a incidência subjectiva definida em função da propriedade do veículo sendo esta aferida em face da presunção derivada do respectivo registo.

 

101. Assim, na ausência de previsão legal expressa, o operador registado, cujo estatuto e requisitos de atribuição se encontram definidos nos artigos 12.º e 13.º do Código do

Imposto sobre Veículos, não beneficia de qualquer regime ou estatuto especial, para efeitos de IUC.

 

102. Tendo em vista a comercialização dos veículos novos importados ou admitidos em território português, o referido operador terá de obter a respectiva matrícula, sem o que não poderão os mesmos ser admitidos à circulação em Portugal, conforme decorre do disposto no artigo 117.º, n.ºs 1 e 4, do Código da Estrada.

 

103. Atribuída aquela, o operador, por força das normas relativas ao registo obrigatório de veículos automóveis, constantes, designadamente, dos artigos 24.º e 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, deverá proceder ao respectivo registo, no prazo máximo de 60 dias a contar da atribuição da matrícula.

 

104. Consequentemente, o primeiro registo de um veículo novo é, necessariamente, efectuado em nome do operador que procede à sua importação ou admissão em território português que, na ausência de qualquer excepção ou regime especial, assume, desde logo, a qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária.

 

105. De acordo com a norma do n.º 1 do artigo 6.º do CIUC, constitui facto gerador da obrigação de imposto a propriedade do veículo, conforme atestado pela respectiva matrícula em território nacional.

 

106. Verificados os pressupostos legais - existência de um veículo tributável, cujo elenco consta do artigo 2.º do CIUC e atribuição da respectiva matrícula - fica constituído o facto tributário. E identificada, nos termos acima referidos, a pessoa, singular ou colectiva, vinculada ao cumprimento da prestação tributária, mostra-se integralmente definida a relação jurídica tributária, ficando assim reunidas as condições necessárias à exigibilidade do tributo.

 

107. Sendo o IUC um imposto periódico anual, cuja periodicidade, no caso de veículos automóveis, corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula e, posteriormente, em cada um dos seus aniversários, a respectiva exigibilidade ocorre no primeiro dia de cada período de tributação (arts. 4.º, n.º 2, e 6.º, n.º 3, do CIUC).

 

108. No caso de veículos sujeitos a primeira matrícula, é, pois, na data em que esta é

efectuada que se define o momento da exigibilidade do imposto, entendido este como o momento a partir do qual o credor tributário pode fazer valer, face ao devedor, o seu direito ao pagamento do imposto, muito embora este possa ser diferido no tempo.

 

 

109. Sem prejuízo do disposto no artigo 18.º, n.º1, do CIUC, aplicável em caso de incumprimento da obrigação de registo de um veículo a que tenha sido atribuída a primeira matricula, o prazo para a liquidação e pagamento do imposto encontra-se estabelecido no artigo 17.º do CIUC, cujo n.º 1 prevê que, no ano da matrícula dos veículos em território nacional o imposto deve ser liquidado e pago pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respectivo registo.

 

110. Tal prazo, relativo ao cumprimento da obrigação tributária, já anteriormente constituída nos termos atrás expostos, não configura um prazo de suspensão de imposto nem contende com a respectiva exigibilidade.

 

111. Diversamente do entendimento sufragado pela Requerente, a exigibilidade do imposto não ocorre no momento em que este é, ou deva ser, liquidado, mas no momento que a lei fixa. E este é situado na data em que se inicia o período de tributação que, no ano da matrícula, corresponde à data em que esta é atribuída, conforme expressamente prevê o art. 6.º, n.º 3, do CIUC.

 

112. A circunstância de, no decurso do prazo que a lei concede ao operador para efectuar o registo, se verificar a transmissão para um terceiro - consumidor final ou outro - do veículo a que o imposto respeita, não implica, concomitantemente, a transmissão da obrigação tributária nem altera a relação jurídica tributária já constituída (vd. art. 36.º da LGT), em que a pessoa em nome da qual se encontra registado naquela data, e sendo o efectivo proprietário do veículo, detém a qualidade de sujeito passivo e devedor do imposto.

 

 

113. Não procede, pois, o pedido de pronúncia, no tocante aos casos relativos aos veículos que, à data da exigibilidade do imposto, eram propriedade da Requerente, embora tenham sido transmitidos a terceiros no decurso dos 60 dias posteriores, evidenciados em listagem anexa ao pedido (Doc. 8654), compreendendo 74 veículos, na mesma identificados, a que correspondem nas liquidações impugnadas, a importância total € 8 628,93, de IUC e juros compensatórios.

 

Dos vícios comuns às liquidações

 

114. A Requerente imputa, ainda, diversos vícios, comuns às questionadas liquidações, a saber:

 - Insuficiência de fundamentação;

- Violação do direito de audição prévia; e

 - Violação do princípio do inquisitório;

 

Da insuficiência de fundamentação

 

115. Alega a Requerente que os actos tributários impugnados se não encontram devidamente fundamentados, designadamente pelo facto de deles não constarem as taxas de IUC concretamente aplicadas, não serem indicadas as datas das matrículas dos veículos nem serem explicitadas as operações de cálculo e apuramento do imposto.

 

116. Respondendo ao alegado, sustenta a Requerida que "cada acto de liquidação teve exclusivamente e unicamente por base os elementos de facto identificados, revelados e preenchidos pela Requerente nos pedidos de atribuição de matrículas".

 

117. Prosseguindo, considera a Requerida que o teor do presente pedido de constituição do

Tribunal Arbitral bem como a pronúncia da Requerente em sede de audição prévia revelam claramente que esta entendeu perfeitamente os fundamentos de cada acto tributário de per si.

 

 

118. Como é sabido, o dever de fundamentação dos actos tributários, não é uma vinculação rígida, estanque, mas, antes, dinâmica e funcionalizada. Desta forma, o conteúdo do referido dever, varia em cada situação concreta, em função de várias circunstâncias, como sejam o tipo de acto que está em causa e o respectivo destinatário.

 No presente caso, estamos, evidentemente, perante a prática de actos tributários em massa

(basta atentar no número de actos que são objecto deste processo), e de um contribuinte que é, notoriamente, um grande contribuinte, dotado de meios e estruturas que lhe permites compreender e alcançar o significado das notificações que lhe são feitas, muito para além daquilo que é o contribuinte normal. Neste contexto, tendo em conta que dos elementos do processo, designadamente dos que vêm referidos pela Requerida, se extrai com evidência que a Requerente ficou a conhecer as razões factuais e jurídicas que se encontram na origem de cada acto tributário impugnado, não pode deixar de se considerar que os questionados actos de liquidação se encontram suficientemente fundamentados.

 

119. Improcede, assim, o pedido, no tocante à alegada insuficiência de fundamentação.

 

Da violação do direito de audição e do princípio do inquisitório

 

120. Também como vícios comuns às liquidações ora impugnadas alega a Requerente terem sido violados o direito de audição prévia e o princípio do inquisitório.

 

121. No essencial, considera a Requerente que os alegados vícios se traduzem na circunstância de "a AT se ter limitado a reproduzir a letra da lei e a remeter para as bases de dados da AT, sem apreciar os factos invocados pela Requerente no exercício do seu direito de audição", demonstrando " total desinteresse na procura da verdade material".

 

122. Concretamente, diz a Requerente, em síntese, que, em sede de audição prévia, informou a AT da circunstância de, à data dos factos a que se reportam as liquidações ora (Em sentido análogo, cfr. por exemplo os Acs. do STA de 17-06-2009, proferido no processo 0246/09, e de 27-04-2005, proferido no processo 07/05, ambos disponíveis em www.dgsi.pt) impugnadas, não era a proprietária efectiva dos veículos em causa, tendo identificado os respectivos proprietários.

 

123. Segundo a Requerida, não deve proceder o pedido quanto aos invocados vícios, porquanto " os elementos apresentados pela Requerente em sede de procedimento tributário não foram passíveis de afastar o facto e a prova relevantes de ser a mesma, na data da exigibilidade dos impostos, a proprietária dos veículos e devedora do imposto, de acordo com o registo automóvel e com o Código do IUC, pelo que se refuta a tese apresentada pela Requerente de não terem sido efectuadas diligências por parte da Autoridade Tributária."

 

124. Com efeito, tem vindo a AT a sustentar, como se extrai da posição assumida em numerosos pedidos de pronúncia arbitral, incluindo no presente pedido, que a incidência subjectiva do IUC é definida em função do registo automóvel, recaindo a tributação sobre a pessoa que dele conste como proprietário, à data da exigibilidade do imposto.

 

125. Segundo a AT, a norma de incidência constante do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, conjugada com outras disposições do mesmo Código, designadamente, do seu artigo 6.º relativo à facto gerador e exigibilidade do imposto, não configura presunção, no entendimento de que "o legislador fiscal pretendeu criar um IUC assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel."

 

126. Sendo esta a interpretação invariavelmente seguida pela AT no que concerne à  incidência subjectiva do IUC, não se vê que, no procedimento administrativo, designadamente de audição prévia, se encontre vinculada a diligências decorrentes de interpretação diversa, propugnada pelos respectivos destinatários.

 

127. Conforme resulta da norma do n.º 7 do artigo 60.º da LGT, a AT, na fundamentação do acto tributário, está obrigada a ponderar os novos elementos que tenham sido trazidos pelo respectivo destinatário em sede de audiência prévia devendo, caso entenda não lhes atribuir relevância, explicitar as respectivas razões. 

128. Pese embora a decisão da AT se fundamentar em errada interpretação do direito

aplicável, certo é que resulta evidente da decisão proferida em sede de audiência prévia que os novos elementos aduzidos pela Requerente não seriam minimamente susceptíveis de alterar o projecto de liquidação, suportado em fundamentação decorrente daquela

interpretação, pelas razões que, clara e expressamente, a entidade decisora comunicou à

 Requerente. Neste campo, não se poderá deixar de ter em conta a já sobredita circunstância de nos encontrarmos perante actos tributários em massa, bem como a especial capacidade de compreender e alcançar do contribuinte em questão.

 Tendo em presente estes factos, compreender-se-á que se está perante uma situação, pelo menos, no limiar da imposição do dever de audiência prévia 13 , pelo que, necessariamente, a bitola do respectivo cumprimento há-de reconhecer-se suficientemente folgada para que o mesmo se tenha como, minimamente, assegurado nos casos dos autos.

 

129. Nestes termos, julga-se improcedente o pedido no que concerne à alegada violação do direito de audição e do princípio do inquisitório.

 

Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios

 

130. A par da anulação das liquidações oficiosas de IUC, a Requerente questiona, também, a legalidade da liquidação dos juros compensatórios que integram a dívida tributária, com o fundamento de, atenta a factualidade descrita, não se poder imputar-lhe qualquer comportamento censurável. (Cfr. a este propósito, por exemplo, os Acs. do STA de 28-11-2007, proferido no processo 0469/07, e de 13-02-2008, proferido no processo 0346/07, disponíveis em www.dgsi.pt, onde se pode ler que a “impraticabilidade da realização da audiência a que se refere a al. c) do nº 1 do artº 103º do CPA é a que resulta do comprometimento da sua utilidade para os fins do procedimento, não só por razões de morosidade, mas de agravamento complexivo do procedimento decisório, em face da interdependência e multiplicidade das questões que possam ser levantadas”.)

 

 

 

131. Os juros em causa encontram previsão legal no artigo 35.º da Lei Geral Tributária, cujo n.º 1 estabelece os respectivos pressupostos legais.

 

132. De acordo com o citado preceito, constituem requisitos da liquidação de juros compensatórios a existência de dívida tributária e o atraso na respectiva liquidação, desde que este seja imputável a actuação culposa, a título de dolo ou negligência, do contribuinte.

 

133. Assim, e considerando as diversas situações evidenciadas no presente pedido de pronúncia arbitral, verifica-se que:

 

a) Relativamente às liquidações respeitantes a veículos que, à data da exigibilidade do imposto não eram propriedade da Requerente por haverem sido já transmitidos a terceiros e tendo sido ilidida a presunção derivada do registo, resulta não ser por ela devido o respectivo imposto, o que, consequentemente, implica não serem devidos os juros compensatórios que lhe estão associados;

 

b) No que concerne às liquidações respeitantes a veículos que, sendo propriedade da Requerente no momento em que se verificou a exigibilidade do imposto, embora tenha os mesmos sido transmitidos no decurso dos 60 dias posteriores ao registo, não só se mostra devido o imposto liquidado, como os juros compensatórios que lhe estão associados.

 

134. Quanto às situações referidas em b), embora a Requerente sustente não ser o respectivo sujeito passivo e devedor do imposto, com base na interpretação que explana, não se afigura que se verifique a ausência de culpa (negligência) no retardamento das liquidações.

 

135. A argumentação da Requerente, no sentido de que o prazo previsto no n.º 1 do artigo

17.º do CIUC implica o diferimento da exigibilidade do tributo, conferindo, assim, ao importador "a possibilidade de evitar a incidência do IUC no caso de alienar viatura

dentro dos 60 dias subsequentes à data da respectiva matrícula", não se afigura defensável.

 

136. Refere-se a citada norma ao prazo para se efectuar a liquidação e o pagamento do imposto, matéria que, como já acima se salientou, se não confunde com a constituição da obrigação tributária que, no caso do IUC, se verifica no primeiro dia do período (anual) de tributação. Este período, quando se trate de veículos terrestres tributáveis, corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula (Cf. CIUC, arts. 6.º, n.º 3 e 4.º, n.º 2).

 

137. É, pois, a partir do primeiro dia do período de tributação que o IUC se torna devido, constituindo-se o direito do Estado a exigir o respectivo pagamento ao devedor, muito embora o respectivo prazo de liquidação e pagamento possa ser diferido no tempo.

 

138. No presente caso, resultando provado que os veículos em causa eram propriedade da Requerente no momento em que ocorreu a exigibilidade do imposto, era a ela que se impunha efectuar a liquidação e pagamento nos termos e prazo previstos no artigo 17.º, n.º

1, do CIUC.

 

139. Da inércia da Requerente resultou, pois, o atraso da liquidação do tributo em causa, e sendo este facto exclusivamente imputável à Requerente, são por ela devidos os correspondentes juros compensatórios, nos termos legais.

 

 

Do pedido por indemnização por garantia indevida

 

140. A Requerente peticiona, ainda, indemnização pelos encargos suportados com a prestação de garantias bancárias com vista a obter, nos termos do artigo 169.º do CPPT, a suspensão dos processos de execução fiscal relativos à cobrança das dívidas fiscais a que

se refere a presente pronúncia arbitral.

 

141. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º da Lei Geral Tributária, o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

 

 

 

142. Conforme decorre do n.º 2 do citado artigo, são indemnizados, sem dependência do referido prazo, todos os prejuízos suportados com a prestação das garantias prestadas para suspender a execução no caso de vencimento total em acção em que se verifique ter havido erro imputável aos serviços na liquidação do tributo .

 

143. Todavia, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, o montante da indemnização por garantia indevida está sujeito a um limite máximo equivalente ao montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista no artigo 43.º, n.º 4, daquela lei.

 

144. Por seu lado, estabelece o artigo 171.º do CPPT que "a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência"

 

145. Conforme já acima se decidiu, na apreciação da excepção invocada pela Requerida, o processo de impugnação judicial, em que se decide sobre a legalidade do acto tributário, constitui, pois, meio processual adequado para formular o pedido de indemnização por garantia indevida. O conceito de erro imputável aos serviços é esclarecido no n.º 2 do art. 43.º da LGT, a propósito dos juros indemnizatórios.

 

146. No caso em apreço, evidenciam-se duas situações distintas: uma relativa a liquidações de IUC com referência a veículos que à data da exigibilidade do imposto, não eram propriedade da Requerente, ainda que se encontrassem registados em seu nome e outra que, na referida data, eram sua propriedade, embora tivessem sido por ela transmitidos a terceiros no decurso do prazo para liquidação e pagamento do imposto.

 

147. Relativamente à primeira das referidas situações, não pode o Tribunal deixar de que considerar que as liquidações respeitantes aos veículos que se encontravam nas condições aí referidas, decorrem de erro de direito exclusivamente imputável à Administração

Tributária, assistindo, assim, à Requerente o direito à peticionada indemnização.

 

148. Com efeito, entendendo-se, diversamente da interpretação acolhida pela AT, que a norma do n.º 1 do artigo 3.º constitui uma presunção ilidível, não pode deixar de considerar-se o facto de a Requerente, em sede de audição prévia, ter facultado à AT elementos factuais tendentes à sua elisão, não só alegando os factos relevantes relativos à transmissão dos veículos como, também, identificando os respectivos adquirentes.

 

149. Entendendo que a referida norma não consagra uma presunção, e que a incidência subjectiva do referido tributo decorre, exclusivamente, da inscrição registral, a AT, incorrendo em erro de direito, não considerou os elementos factuais que lhe foram facultados pela Requerente, promovendo, oficiosamente, as correspondentes liquidações.

 

150. Conforme já se decidiu, tal entendimento não viola as normas legais relativas ao direito de audição, porquanto na instrução do procedimento a entidade decisora não está vinculada a seguir outra orientação que não a que decorre da interpretação que faz do direito aplicável.

 

151. Todavia, não pode ignorar-se o facto de a Requerente, no exercício daquele direito, ter questionado tal orientação e, atempadamente, facultado à AT elementos factuais relevantes tendentes a permitir que os actos tributários em causa tivessem como destinatários os efectivos proprietários dos veículos à data a que os mesmos se reportam.

 

 

 

152. Do exposto decorre que, à data em que foi proferida a decisão final do procedimento, a AT dispunha de elementos suficientes para, caso seguisse uma interpretação correcta do direito aplicável, se abster de praticar os questionados actos de liquidação. E, se assim considerasse necessário, desenvolver as diligências adequadas no sentido da descoberta da verdade material, fazendo recair o tributo devido sobre os efectivos proprietários dos veículos à data da exigibilidade do imposto.

 

153. É certo que poderia a Requerente ter recorrido ao procedimento contraditório para elisão da presunção, previsto no artigo 64.º do CPPT e não o fez. Porém, a apresentação de pedido, em sede de audição prévia, em que a interessada expõe a sua pretensão, indicando as razões que a justificam e juntando os respectivos elementos de prova documental, não poderia deixar de produzir efeitos, sob pena de reduzir este instituto a uma mera formalidade sem quaisquer consequências.

 

154. Nestes termos, e com referência às garantias oferecidas pela Requerente com vista a obter a suspensão das execuções relativas aos veículos que, à data da exigibilidade do imposto, não eram sua propriedade, identificados em listagem anexa (Doc. 8653), considera-se ser-lhe devida indemnização, ao abrigo das citadas normas legais.

 

155. Não dispondo o Tribunal de elementos que permitam fixar o exacto valor da

indemnização peticionada, deve o respectivo valor ser calculado com base nos custos efectivamente suportados com as garantias prestadas desde a data em que foram constituídas até ao dia em que forem libertadas, com o limite máximo previsto no artigo 53.º. n.º 3, da LGT.

 

156. Estando o Tribunal impossibilitado de quantificar os exactos custos das garantias prestadas bem como de apurar aquele limite máximo, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente decisão (artigos 609.º do C. P. Civil e 565.º do C. Civil).

 

157. Relativamente aos veículos que eram propriedade da Requerente à data da exigibilidade do imposto, ainda que transaccionados no prazo de 60 dias posteriores ao registo, as liquidações mostram-se correctamente efectuadas, não enfermando e vícios que as invalidem, pelo que, sendo por ela devido o imposto liquidado, não tem a mesma direito a ser indemnizada pelos custos suportados com as garantias prestadas para suspender as correspondentes execuções fiscais.

 

 

 

VI - Decisão

 

 

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

 

a) Julgar improcedentes às questões prévias suscitadas pela Requerida;

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à elisão da presunção

de incidência subjectiva do IUC, com a consequente anulação das liquidações de imposto e

de juros compensatórios, relativamente aos períodos de tributação e veículos identificados

em lista anexa ao presente pedido de pronúncia arbitral (Doc. …);

c) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, no que respeita à ilegalidade das

liquidações de imposto e juros compensatórios, relativamente aos períodos e veículos que,

à data da exigibilidade do imposto, eram propriedade da Requerente, identificados em lista

anexa (Doc. …);

d) Julgar improcedente o pedido relativamente aos invocados vícios de violação do direito

de audição e do princípio do contraditório;

e) Condenar a Requerida no pagamento de indemnização pelos custos suportados com a prestação e manutenção, pela Requerente, de garantias indevidas correspondentes às execuções fiscais a que respeitam as liquidações ora anuladas, a liquidar em execução de sentença, sempre tendo como limite máximo o previsto no n.º 3 do artigo 53.º da LGT.

 

f) Condenar a Requerente e Requerida nas custas do presente processo, na proporção do respectivo vencimento.

 

Valor do processo: € 353.798,34

 

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao

Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 6.120,00.

 

 

À Requerente imputa-se o pagamento de € 149,33 (2,44%);

À Requerida imputa-se o pagamento de € 5.970,67 (97,56%).

 

 

 

 

 Lisboa, 17 de Novembro de 2014,

 

 

 

Os árbitros,

José Pedro Carvalho (árbitro-presidente)

Luís Menezes Leitão

l Álvaro Caneira (relator).