Sumário:
I – O processo arbitral está sujeito ao princípio dispositivo, previsto no artigo 10.º, n.º 2, alínea c) do RJAT e é ónus do Requerente a exposição das questões de facto e de direito objeto do pedido de pronúncia arbitral, ainda que no procedimento subjacente tenha havido falta do cumprimento do princípio do inquisitório e da procura da verdade material pela AT.
II – Os “ticket infância” e os “ticket educação” que a empresa tenha atribuído a alguns dos seus trabalhadores, mas não a todos os que se encontravam em idêntica situação, que a empresa tenha registado nas contas 63213 e 63214, têm a natureza de gasto para determinação da matéria coletável, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, alínea d) do CIRC e não lhes é aplicável a disciplina das realizações de utilidade social, prevista no artigo 43.º do CIRC, complementada no Decreto-Lei n.º 26/99 de 28 de janeiro e são também gastos relevantes para o cálculo do IRC as comissões que a empresa tenha pago à empresa da especialidade que prestou o serviço de emissão desses vales.
II –. Embora as normas contabilísticas admitam outras formas para o cálculo de imparidades em inventário, com o objetivo de melhor espelhar a realidade económica da empresa nas suas demonstrações financeiras, essas imparidades só têm a natureza de gasto fiscal, a considerar em IRC, até ao limite que a metodologia de cálculo que as normas do artigo 28.º, n.ºs 1 e 2 e do artigo 26.º do CIRC estipulam.
III – As quebras em inventário devem ser determinadas pela empresa através da metodologia fixada no CIRC, mas se a AT pretende desconsiderar como gastos esses valores, declarados pela empresa Requerente, com base na falta de prova documental da respetiva destruição ou inutilização, a AT tem o dever, face ao princípio do inquisitório e da procura da verdade material, de instar a empresa declarante, a fazer prova documental de ter executado essas operações de destruição ou inutilização.
IV – O carregamento dos “cartões oferta” utilizados para a atribuição de ofertas a clientes e fornecedores, não correspondem a uma transmissão de bens ou serviços, ao menos no momento do seu carregamento, mas uma mera troca de meios de pagamento que faz com qua a operação se inclua no conceito de despesa não documentada previsto na norma do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea b) do CIRC.
V – O registo de imparidades causadas por créditos incobráveis, reconhecidos e graduados em processo de insolvência, estão sujeitos ao princípio da periodização do lucro tributável, e o gasto deve ser registado no exercício em que for proferida a sentença de reconhecimento e graduação de créditos. Para considerar esses gastos em período posterior para efeitos de IRC, é necessário que a empresa alegue e prove que ocorreram circunstâncias previstas na lei que admita que as considere em exercício posterior. A dedução do IVA que a empresa tenha entregado ao Estado, relativa aos créditos perdidos, tem de ser documentada através de formalismo próprio, sob certificação de revisor oficial de contas.
VI – O termo “despesas não documentadas” mencionado na norma do artigo 23.-A, n.º 1, alínea b) do CIRC, não tem o mesmo sentido com que é usado no artigo 88.º, n.º 1 do mesmo Código, quando fixa a taxa da tributação autónoma, pois se este se refere a despesas que não têm qualquer suporte documental, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea b) do CIRC compreende também aquelas despesas que embora constem de documento, este não preenche os requisitos legais para poder ser atendido.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Manuel Luís Macaísta Malheiros (presidente), José Coutinho Pires e Nuno Maldonado Sousa (relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-09-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ..., ...-... ..., contribuinte n.º..., doravante designada como “Requerente”, requereu a constituição de tribunal arbitral ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do regime jurídico da arbitragem em matéria tributária constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral onde peticionou a declaração de ilegalidade, com as demais consequências legais do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2020..., dos atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2020 ... e n.º 2020 ... e respetivos atos de liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ... e n.º 2020 ... .
É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada apenas por “AT” ou por “Requerida”.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 09-07-2021 e foi notificado à Requerida na mesma data.
Os árbitros já identificados e signatários manifestaram a aceitação das suas funções no prazo legal. Em 23-08-2022 as partes foram notificadas da designação dos árbitros e não manifestaram intenção de a recusar, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 10-09-2021. Em 03-03-2022, em 04-05-2022 e em 04-07-2022 foram proferidos por este Tribunal despachos de prorrogação do prazo para a decisão, por sucessivos períodos de dois meses.
A Requerida apresentou resposta em 13-10-2021, que concluiu afirmando que o pedido deve ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados. Foi nessa altura junto pela Requerida e foi devidamente incorporado nos autos, o processo administrativo digitalizado, composto por dezasseis ficheiros.
Em 30-11-2022 foi dispensada a reunião do Tribunal Arbitral com as partes e subsequentemente foram apresentadas alegações escritas, sucessivamente pela Requerente e pela Requerida, que mantiveram as posições assumidas nos articulados.
2. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, em subordinação com as normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT e é competente. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10º, n.º 1, alínea a), do já referido regime.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo regime e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades pelo que cumpre decidi-lo.
3. Fundamentação – matéria de facto
3.1 Factos provados
Com relevância para esta decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A A... SA, é uma sociedade anónima, constituída em 2003, tem um capital social de € 200.000, detido na totalidade pela B...- NIF... (entidade não residente), e tem como atividade o comércio por grosso de computadores, equipamentos periféricos e programas informáticos. (PPA: PRG, P1, RIT)
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A Requerente distribui e comercializa em Portugal várias marcas de videojogos e tem como clientes principais a grande distribuição e realiza também transmissões intracomunitárias, que tiveram como destino essencialmente clientes na Grécia e na Polónia. (PPA: PRG, P1, RIT).
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A Requerente registou em 2015, nas contas “63213 Rem. do pessoal - Ticket Infância” e na “conta 63214 Rem. do pessoal – Ticket Educação”, os gastos de € 9.297,98 e de € 1.698,80 €, que beneficiaram 3 dos seus colaboradores, fazendo também parte dos seus quadros pelo menos mais 2 colaboradores que, embora preenchendo as condições necessárias para receber esse apoio, dele não beneficiaram (PPA, 30.º a 32.º: PPA: PRG, P1, RIT).
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A Requerente apurou e registou as imparidades em inventário no exercício de 2015 seguindo o critério da falta de rotação de stocks, aplicando uma imparidade de 25% aos artigos em que praticamente não existiu movimentação no ano, seguindo proposta sustentada em cálculos documentados, da sociedade de revisores oficiais de contas G... - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda., que é o revisor oficial de contas da Requerente, tendo em consideração a sua específica área de negócio e a natureza das mercadorias em inventário, constituído sobretudo por videojogos e respetivos periféricos (artigos 39.º - 40.º PPA e respetivo doc. 17 e . PRG, P1, RIT)
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A A... registou na conta 6842 Perdas em Inventários - Quebras o valor de €48.793,21 relativo a 'quebras' em inventário.
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A Requerente contabilizou como gasto, suportado em fatura da C..., Lda., com a descrição “Carregamento de cartão”, o valor € 6.305,00 correspondente ao carregamento de cartões oferta que utilizou para a atribuição de ofertas a clientes e fornecedores. (56.º e 57.º PPA; PRG, P1, RIT).
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A Requerente era, desde 2010, credora da sociedade D..., Lda. no montante global de € 133.350,58, tendo esta sociedade sido declarada insolvente em 28-02-2012, por sentença do Tribunal do Comércio de Lisboa. (59.º PPA; PRG, P1, RIT)
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A A... regularizou IVA a seu favor, no campo 40 da declaração periódica de 201510, no valor de € 22.219,20, assumindo a incobrabilidade da dívida da sociedade D..., Lda., com base na sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 15-07-2019 pelo Senhor Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 4, no processo de insolvência do seu devedor (63.º-65.º PPA: doc. 12; PRG, P1, RIT).
-
A Requerente fez juntar ao RIT cópia da sentença referida em H), quando exerceu o seu direito de audição no projeto de RIT (63.º-65.º PPA: doc. 12; PRG, P1, RIT).
-
Em 21/05/2018 foi emitida a ordem de serviço externa nº 012018... em nome do sujeito passivo A... SA, NIF ..., pertencente à área do Serviço de Finanças de Cascais ... (cód. 1503), com âmbito parcial (IRC e IVA) e incidente sobre o exercício de 2015. (PPA: PRG, P1, RIT; R-AT, 10.º)
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Por despacho do chefe de divisão (em substituição, por delegação do DFA) de 17-03-2020 foi proferido despacho de concordância com o parecer do Chefe de Equipa, e com o relatório da ação inspetiva e determinação para “(…) que se proceda à alteração do lucro tributável declarado, relativo ao exercício de 2015 e ao apuramento do IVA em falta, relativamente aos períodos de IVA de ano de 2015, bem como à retenção na fonte em sede de IRS.” nos exatos termos que constam do RIT[1]. (PPA: PRG, P1, RIT)
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O parecer do Chefe de Equipa de 26-03-2020 apresenta as seguintes conclusões, que se reproduzem, sem prejuízo dos exatos termos que constam do RIT (PPA: PRG, P1, RIT):
Em conclusão, da ação inspetiva, resultam as seguintes correções:
|
2015
|
IVA Regularizado/Deduzido Indevidamente
|
Lucro Tributável Declarado
|
€ 241.946,79
|
201510-
|
€ 22.219,20
|
Correções Fiscais
|
€ 179.853,69
|
201512-
|
€ 101,17
|
Lucro Tributável Corrigido
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€ 421.800,48
|
|
|
Tributação Autónoma - Imposto em Falta: € 14.965,00 Retenções na Fonte de IRS – março:€ 25.937,50
Notificado para o exercício do direito de audição, nos termos do artigo 60.º da LGT e do artigo 60.º do RCPITA o sujeito passivo veio exercer tal direito, conforme detalhado no capítulo VIII do Relatório Final de Inspeção Tributária.
Para concretização das correções propostas foram elaborados os respetivos documentos de correção.
-
A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária por ofício da AT da30-03-2020, e da existência de correções meramente aritméticas que dariam lugar a liquidação respetiva, a proceder pela AT. (PPA, 3.º e 4.º: doc. 2).
-
No RIT consta a seguinte fundamentação a propósito de “Gastos com vales sociais não aceites fiscalmente”, que se reproduzem por facilidade de compreensão, sem prejuízo dos exatos termos que constam do citado RIT (PPA: PRG, P1, RIT, pp. 133-134[2]):
A A... registou em 2015, nas contas 63213 Rem. do pessoal - Ticket infância e 63214 Rem. do pessoal - Ticket Educação o gasto de €9.297,98 e €1.698,80 de diversos valores a título de vales sociais (Anexo 2), de acordo com o seguinte quadro resumo:
Fatura
|
Conta
|
Nº Lanç Diário
|
Diário
|
V. Ticket
|
Comis-sões
|
IVA
|
V. Total
|
1360
|
63214
|
5000011
|
Fornecedores
|
900,00
|
36,00
|
8,28
|
944,28
|
2719
|
63213
|
5000012
|
Fornecedores
|
5.300,00
|
212,00
|
48,76
|
5.560,76
|
15/2292
|
63214
|
7000084
|
Fornecedores
|
492,60
|
19,70
|
4,53
|
516,83
|
15/6052
|
63213
|
7000085
|
Fornecedores
|
492,60
|
19,70
|
4,53
|
516,83
|
15/4437
|
63214
|
8000064
|
Fornecedores
|
306,20
|
12,25
|
2,82
|
309,02
|
15/3294
|
63213
|
9000056
|
Fornecedores
|
301,20
|
12,05
|
2,77
|
316,02
|
15/7886
|
63213
|
9000057
|
Fornecedores
|
588,80
|
23,55
|
5,42
|
617,77
|
15/3954
|
63213
|
11000027
|
Fornecedores
|
200,00
|
8,00
|
1,84
|
209,84
|
15/9437
|
63213
|
11000037
|
Fornecedores
|
762,28
|
30,49
|
7,01
|
799,78
|
15/9977
|
63213
|
11000098
|
Fornecedores
|
653,10
|
26,12
|
6,01
|
6B5,23
|
15/4529
|
63213
|
12000043
|
Fornecedores
|
1.000,00
|
40,00
|
9,20
|
1.049,20
|
Total
|
|
|
|
10.996,78
|
439,86
|
101,17
|
11.525,56
|
O serviço foi prestado pela empresa E... SA. - NIF ..., que emitiu e carregou os títulos/cartões com os valores dos vales.
Os gastos contabilizados nestas rubricas caem na categoria de 'vales sociais', com enquadramento legal no decreto-lei 26/99, de 28 de janeiro, que veio estabelecer as condições de emissão e atribuição com carácter geral de vales denominados 'vales sociais', destinados ao pagamento de creches, jardins-de-infância e lactários. Os vales sociais incorporam o direito à prestação de serviços de educação e de apoio à família com filhos ou equiparados e têm, segundo aquele decreto-lei, por finalidade potenciar o apoio das entidades empregadoras aos seus trabalhadores que tenham a cargo filhos ou equiparados com idade inferior a 7 anos.
O decreto-lei 26/99 veio definir quais as entidades que podem emitir os vales sociais e que os mesmos serão considerados gastos fiscais nos termos do n.º 7 do artigo 38.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (atual nº 9 do art.º 43.0 do CIRC).
Por outro lado, o n.º 1 do artigo 43.º do CIRC define por sua vez que são dedutíveis gastos com "realizações de utilidade social feitas em benefício do pessoal ou dos reformados da empresa e respetivos familiares, desde que tenham caráter geral e não revistam a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários."
Importa assim analisar se a atribuição destes vales respeitou a restrição do nº 1 do art.0 43.0 do CIRC relativa ao carácter geral da distribuição, isto é, se foi extensiva a todos os trabalhadores. Considera-se, assim, que o enquadramento dos vales sociais no n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRC está dependente das realizações revestirem, como acima referido, carácter geral.
Assim, em 2015, 3 colaboradores (…) beneficiaram destes vales, mas houve pelo menos mais dois colaboradores que, embora preenchendo as condições necessárias para receber esse apoio, dele não beneficiaram, pelo que inequivocamente não foram abrangidos a totalidade dos colaboradores em igualdade de circunstâncias, isto é, com dependentes a seu cargo. A título de exemplo, enumeram-se os seguintes colaboradores que, apesar de terem dependentes a seu cargo, não receberam vales:
(…)
Deste modo, não verificados os requisitos impostos n.º 1 do art.º 43.º do CIRC e conjugado com o artigo 23.º do CIRC, consideram-se como não dedutíveis ao lucro tributável os gastos relativos a vales sociais contabilizados em 2015 nas contas 63213 e 63214, no valor total de €10.996,78, a que acrescem os gastos com esta conexos no valor de €439,86 de Comissões e €4.398,71 considerados no campo 412 do Quadro 04 do Anexo D- Benefícios Fiscais da Declaração Modelo 22, relativos à majoração de 40% do n.º 9 do artigo 43.º do CIRC, que conforme se demonstrou foi indevidamente efetuada.
-
No RIT consta a seguinte fundamentação a propósito de “Imparidade em inventários”, que se reproduzem por facilidade de compreensão, sem prejuízo dos exatos termos que constam do citado RIT (PPA: PRG, P1, RIT, pp. 134-135):
A A... registou na conta 6522 Perdas por imparidade -Ajustamentos em inventários - Mercadorias o valor de €24.576,00, com a fundamentação do quadro em anexo (Anexo 7), correspondendo o valor de €24.576,00, na ótica do sujeito passivo, a "uma imparidade de 25% do inventário sem rotação e sem desvalorização de preço", isto é, a perda por imparidade é calculada mediante a aplicação de uma taxa de 25% aos stocks de mercadorias com pouca ou nenhuma rotação em 2015.
Nos termos do n.º 1 do artigo 28.º são dedutíveis, no apuramento do lucro tributável, "as perdas por imparidade em inventários, reconhecidas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele."
Esclarecendo ainda o n.º 2 do mesmo artigo que o valor realizável líquido corresponde ao "preço de venda estimado no decurso normal da atividade do sujeito passivo nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda”
Deste modo, para poderem ser aceites como gasto fiscal nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC, as perdas por imparidade em inventários têm assim que respeitar as condições do referido artigo 28.º do CIRC, isto é, o valor do preço de venda terá que ser inferior ao preço de aquisição, correspondendo o preço de venda ao preço que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo ou ainda os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco, pelo que terão que estar suportados em documentação que comprove/demonstre a referida quebra ou redução de preços.
Ora, analisados os documentos que suportam o cálculo da imparidade contabilizada não podemos senão concluir que não se encontram reunidas as condições necessárias, uma vez que o critério que presidiu à constituição da perda foi a diminuta rotação das mercadorias, e não o seu preço de venda.
Assim, nos termos do artigo 23.º conjugado com o 28.º, ambos do CIRC, não é aceite como gasto fiscal o valor de € 24.576,00, que será assim acrescido ao valor tributável.
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No RIT consta a seguinte fundamentação a propósito de “Quebras em inventários”, que se reproduz por facilidade de compreensão, sem prejuízo dos exatos termos que constam do citado RIT (PPA: PRG, P1, RIT, pp. 135-136):
A A... registou na conta 6842 Perdas em Inventários - Quebras o valor de €48.793,21 relativo a 'quebras' em inventário, tendo-nos remetido a respetiva lista de mercadorias (Anexo 4).
Questionado o sujeito passivo sobre a natureza deste gasto, foi-nos explicado que se tratam de mercadorias que se encontram em mau estado (embalagens danificadas, por exemplo), as quais se encontram nos armazéns da empresa.
De acordo com o artigo 23.º do CIRC, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Neste sentido apenas poderão ser aceites como gastos fiscais as quebras extraordinárias se os bens e mercadorias em causa foram inequivocamente dados como perdidos para a atividade da empresa, isto é, que já não possam ser vendidos, por terem sido, por exemplo, objeto de sinistro ou tenham sido inutilizados/destruídos.
E sendo este o caso deverá o sujeito passivo apresentar prova cabal de que os bens se encontram de facto destruídos ou inutilizados, tal como salienta o acórdão do TCA Sul de 10/07/2015, no Processo nº 07692/14:"Nesta medida, para afastar eventuais contingências fiscais, é indispensável fazer a prova real e objetiva dos factos de modo a ilidir a presunção de aquisição ou de transmissão dos bens, conforme for o caso, ou outras ocorrências de que são exemplo o roubo de bens ou a destruição ou inutilização dos bens objeto de abate.
Assim, e nos termos, agora, do Acórdão do TCA Sul de 13/07/2016, no processo n.º 07098/13, “é, pois, indispensável que o sujeito passivo faça prova real e objetiva dos factos de modo a ilidir a presunção, nomeadamente de roubos destruição ou inutilização dos bens em causa, e que prove que o destino dos mesmos foi outro que não a sua venda."
Nestes termos, a aceitação/comprovação do respetivo gasto fiscal fica condicionado à existência, por exemplo, no caso em apreço, de um auto de destruição das mercadorias, o que até à presente data não aconteceu, pelo que, nos termos do artigo 23.º do CIRC, não podemos senão proceder à desconsideração fiscal dos € 48.793,21, relativa a quebras de inventários, desde logo porque estas se encontram em armazém, segundo o sujeito passivo, não se demonstrando, por conseguinte, o seu abate/inutilização.
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No RIT consta a seguinte fundamentação a propósito de “carregamento de cartões oferta”, que se reproduz por facilidade de compreensão, sem prejuízo dos exatos termos que constam do citado RIT. (PPA: PRG, P1, RIT, p. 136)
O sujeito passivo contabilizou na conta 6884 - Ofertas/Amostras o valor de €6.305,00 relativas ao carregamento de cartões que permitem a realização de compras nos centros comerciais F... .
Questionado o sujeito passivo sobre a natureza destes carregamentos este informou que se tratam de ofertas a clientes e fornecedores.
Analisados os documentos de suporte (Anexo 5) verifica-se que se trata de uma fatura emitida pela C..., Lda. com a descrição Carregamento de Cartão, com a indicação de Operações não sujeitas a IVA. - Art. 1.º do CIVA (a contrario).
Com efeito, esses documentos não titulam a real e efetiva transmissão de bens ou serviços, apenas se traduzindo numa mera troca de meios de pagamento, e que como tal não podem ser aceites como gasto fiscal.
Deste modo, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, propõe-se o acréscimo ao Lucro Tributável de 2015 do valor de € 6.305,00, pois as faturas apresentadas não dizem respeito à aquisição de qualquer bem ou serviço, tendo que ser consideradas como despesas não documentadas, conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, e, como tal, sujeitas a tributação de autónoma de 50%, como adiante se demonstrará.
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No RIT consta a seguinte fundamentação a propósito de “Créditos incobráveis não aceites fiscalmente e Reversão de lmparidades”, que se reproduz por facilidade de compreensão, sem prejuízo dos exatos termos que constam do citado RIT (PRG, P1, RIT, p. 137-138)
A A... procedeu ao lançamento a crédito da conta 56 Resultados Transitados do valor de €60.957,60 (5.717,69 + 55.239,91) em 31/10/2015 com a descrição Anulação de imparidades (Anexo 6).
A A... apresentava, em 01/01/2015, um saldo inicial de €133.350,58, na conta 219110167, relativo a imparidades acumuladas relacionadas com as dívidas da sociedade D..., Lda - NIF ... cliente da A..., que foi declarada insolvente em 28-02-2012, no âmbito do processo .../12...TYLSB, não havendo ainda, no final de 2015, novos desenvolvimentos no processo de insolvência.
Em 31/10/2015, através do Aviso de Lançamento nº 10000242 (Anexo 8) do diário de Bancos, o sujeito passivo procedeu a uma série de lançamentos com a descrição Anulação de imparidades, tendo debitado as contas de clientes, no valor de' €133.350,58, por contrapartida das contas 76211 - Reversão de perdas por imparidade, no valor de €72.392,98, e 56 Resultados Transitados, no valor de €60.957,60 (5.717,69+55.239,91).
Simultaneamente, o sujeito passivo debitou ainda as contas 683 Dívidas incobráveis no valor de €111.131,38 e 243416 Out. Reg. M/Trim. Favor Suj. Pass. no valor de €22.219,20 por contrapartida da conta de clientes 2111110167, num movimento com a descrição Dívida incobrável
Questionado o sujeito passivo sobre a natureza e oportunidade destes lançamentos, com efeitos ao nível do apuramento do lucro tributável da sociedade, foi-nos informado que se tratava de reconhecer na contabilidade da empresa a incobrabilidade das dívidas do cliente D..., Lda, cujas perdas por imparidade haviam sido reconhecidas anteriormente na contabilidade.
Importa, pois, analisar tais registos contabilísticos, à luz das notas de enquadramento do Código de contas do SNC e da NCRF 27 bem como do Código do IRC.
Ora, desde já se diz que se desconhece qualquer facto tributário suscetível de originar os registos e procedimentos contabilísticos acima descritos {todos eles constantes do Anexo 6 bem como os respetivos documentos de suporte), sendo, no entanto, certo que:
1. O reconhecimento de um crédito incobrável no valor € 111.131,38 na conta 683, não pode, à luz do artigo 23.º do CIRC, conjugado com o artigo 41.º do mesmo código, ser aceite fiscalmente. Efetivamente, a aceitação fiscal de créditos incobráveis nos termos do artigo 23.º do CIRC está condicionada à verificação dos requisitos impostos pelo artigo 41.º do CIRC o que factualmente não ocorre relativamente ao referido gasto no valor de € 111. 131,38, desde logo porque não existe no exercício de 2015 qualquer declaração/decisão do tribunal, no âmbito do processo de insolvência, relativamente à incobrabilidade de tal crédito/montante. Isto é, inexiste qualquer facto tributário que possa suportar o reconhecimento de tal gasto como incobrável, acrescendo ainda que tal crédito foi objeto do reconhecimento de imparidades em exercícios anteriores, pelo que tais factos obstam, só por si, à aceitação fiscal de tais gastos, no valor de €111.131,38, reconhecidos contabilisticamente como créditos incobráveis, à luz dos já citados artigos 23.º e 41.º, ambos do CIRC.
2. Relativamente à reversão da imparidade reconhecida na conta 76211 Reversão de perdas por imparidade, no valor de€ 72.392,98, e tendo em conta o documento de suporte apresentado pelo sujeito passivo, datado de 01/08/2015, no qual apenas consta que a sociedade A..., SA é credora (sendo que, em boa verdade já o era, facto que motivou o reconhecimento, em exercícios anteriores, de imparidades no valor de €133.350,58) do insolvente D..., Lda. Ora, mais uma vez se diz que inexiste qualquer novo facto tributário, suscetível de suportar a reversão da imparidade, pelo que à luz do artigo 17.º e 20.º do CIRC, tal rendimento será de desconsiderar fiscalmente.
Em suma por via dos procedimentos contabilísticos adotados o sujeito passivo afetou negativamente os resultados fiscais no valor de €38.738,40, sendo que face ao exposto se corrigem/desconsideram fiscalmente quer os gastos, no valor de €111.131,38 quer os rendimentos, no valor de €72.392,98, de acordo com os factos e fundamentação que acima se explanou.
Acrescenta-se que, não se vislumbrando, em sede de IRC, os factos/motivos para os registos contabilísticos atrás descritos, desde logo porque inexiste qualquer facto documentalmente suportado que o justifique, admite-se que tais registos contabilísticos tenham sido efetuados com o objetivo de proceder à regularização do IVA relativo aos créditos/faturas ora em apreço. Tal regularização de IVA no valor de € 22.219,20 será também ela corrigida como adiante se concretizará.
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No RIT consta a seguinte fundamentação a propósito de “Regularizações de IVA”, que se reproduz por facilidade de compreensão, sem prejuízo dos exatos termos que constam do citado RIT (PRG, P1, RIT, pp. 139-140):
Como resulta da alínea g) do número anterior, a A... regularizou IVA a seu favor (no campo 40 da declaração periódica (DP) do período 201510) no valor de €22.219,20, tendo, aparentemente, assumido a incobrabilidade da divida da D..., Lda.
Nos termos da alínea b) do número 7 do artigo 78.º "Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis (...) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código".
No entanto, consultados os documentos e elementos disponibilizados e as ferramentas em linha (citius.pt) não se vislumbra qualquer documento e/ou decisão no processo de insolvência que permita suportar/concluir que exista, em 2015, sentença de verificação e graduação de créditos ou homologação de plano que tenha como consequência a incobrabilidade da divida em questão e, como consequência, permita a regularização do IVA respetivo.
Mas ainda que fosse esse o caso, que não é, todo o processo deveria estar documentalmente comprovado e certificado por um revisor oficial de contas, sendo que a regularização do imposto deveria obrigatoriamente ser comunicada ao adquirente dos bens, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, conforme expressamente impõe o n.º 9, 10 e 11 do artigo 78.º do CIVA.
Oeste modo, inexistindo qualquer sentença de verificação e graduação de créditos no processo de insolvência e demonstrando-se em falta a verificação de requisitos essenciais para a regularização do imposto, ora em análise, só pode a Administração Fiscal concluir que o IVA, no valor de € 22.219,20, foi indevidamente deduzido/regularizado, no período em 201510.
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No RIT consta a seguinte fundamentação a propósito da correção do IVA relativo a serviços prestados à Requerente pela E..., SA, que se reproduz por facilidade de compreensão, sem prejuízo dos exatos termos que constam do citado RIT (PRG, P1, RIT, p. 140-144):
Como ficou exposto no ponto 111.1.b) a A... recorreu, em 2015, à empresa E... SA. - NIF ..., para o serviço de fornecimento de vales sociais, serviços esses (comissões) pelos quais foi cobrado e deduzido o respetivo IVA à taxa de 23%.
Ora, não tendo sido aceite o respetivo gasto fiscal relativo aos vales sociais, o IVA relativo às comissões, conexas com o gasto desconsiderado demonstra-se indevidamente deduzido ao longo do ano de 2015, no valor de €101,17, nos termos do n.º 1 do art.º 20 do CIVA, pelo que a referida correção no total de €101,17, será efetuada no campo 41 da declaração periódica de IVA do período de dezembro de 2015, resultando o seu valor do IVA deduzido indevidamente que seguidamente se apresenta:
Fatura
|
Conta
|
Nº Lanç Diário
|
Diário
|
V. Ticket
|
Comis-sões
|
IVA
|
V. Total
|
1360
|
63214
|
5000011
|
Fornecedores
|
900,00
|
36,00
|
8,28
|
944,28
|
2719
|
63213
|
5000012
|
Fornecedores
|
5.300,00
|
212,00
|
48,76
|
5.560,76
|
15/2292
|
63214
|
7000084
|
Fornecedores
|
492,60
|
19,70
|
4,53
|
516,83
|
15/6052
|
63213
|
7000085
|
Fornecedores
|
492,60
|
19,70
|
4,53
|
516,83
|
15/4437
|
63214
|
8000064
|
Fornecedores
|
306,20
|
12,25
|
2,82
|
309,02
|
15/3294
|
63213
|
9000056
|
Fornecedores
|
301,20
|
12,05
|
2,77
|
316,02
|
15/7886
|
63213
|
9000057
|
Fornecedores
|
588,80
|
23,55
|
5,42
|
617,77
|
15/3954
|
63213
|
11000027
|
Fornecedores
|
200,00
|
8,00
|
1,84
|
209,84
|
15/9437
|
63213
|
11000037
|
Fornecedores
|
762,28
|
30,49
|
7,01
|
799,78
|
15/9977
|
63213
|
11000098
|
Fornecedores
|
653,10
|
26,12
|
6,01
|
6B5,23
|
15/4529
|
63213
|
12000043
|
Fornecedores
|
1.000,00
|
40,00
|
9,20
|
1.049,20
|
Total
|
|
|
|
10.996,78
|
439,86
|
101,17
|
11.525,56
|
-
No RIT consta a seguinte fundamentação a propósito da tributação autónoma pelo montante despendido com o carregamento de “cartões oferta” que se reproduz por facilidade de compreensão, sem prejuízo dos exatos termos que constam do citado RIT (PRG, P1, RIT, p. 141):
Face ao exposto na alínea e) do ponto 111.1[3] e vedado que está, à Administração Fiscal, saber qual a natureza das despesas e respetiva finalidade, bem como quem foram os efetivos beneficiários de tais montantes (face à ausência ou inexistência de documentos justificativos que explicitem as características essenciais das operações), e qualificando a Administração Fiscal tais despesas no valor de €6.305,00 como não documentadas há que proceder à sua tributação autónoma à taxa de 50% conforme determina o nº 1 do artigo 88º do CIRC, pelo que se encontra devido o valor de €3.152,50 (€6.305,00 x 50%).
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No RIT consta a seguinte fundamentação a propósito da liquidação de juros, que se reproduz por facilidade de compreensão, sem prejuízo dos exatos termos que constam do citado RIT (PRG, P1, RIT, p. 149):
Atentas as correções expostas no presente capítulo III e conforme demonstrado, tendo sido, por razões imputáveis ao contribuinte, retardada a liquidação do imposto, verifica-se que, ao abrigo do disposto no artigo 35.º, da Lei Geral Tributária e do artigo 102.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e do n.º 1 do artigo 96.º do CIVA todos conjugados com o preceituado no artigo 559.º do Código Civil subsidiariamente aplicável às obrigações tributárias ex vi do artigo 2.º da LGT, se demonstra devida, a título de juros compensatórios, a quantia correspondente à aplicação da taxa consignada na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, ao montante de imposto em falta.
-
A AT praticou e notificou à Requerente os atos tributários de demonstração de liquidação de IRC n.º 2020 ..., de demonstração de liquidação de IVA n.º 2020 ... e n.º 2020 ..., bem como os respetivos atos de liquidação de juros compensatórios, com o seguinte detalhe: (PPA, 4.º: docs. 3, 8, 9 e 10).
Data
|
Tributo
|
Valor
|
01-04-2020
|
IRC - 2015
|
62.766,54 €
|
01-04-2020
|
IVA - 201510
|
22.219,20 €
|
01-04-2020
|
IVA - 201512
|
101.17 €
|
01-04-2020
|
Juros - IVA
|
3.813,17 €
|
03-04-2020
|
Juros - IRC
|
8.301,14 €
|
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No dia 18 de agosto de 2020 a Requerente deduziu reclamação graciosa contestando a legalidade dos atos tributários de liquidação adicional de IRC, de IVA e de juros compensatórios (PPA, 5.º: PA, PRG Compressed, I, p. 2 e seguintes; R-AT 13.º).
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Por ofício datado de 30-04-2021 e expedido por via postal em 04-05-2021 e entregue ao mandatário da Requerente em 05-05-2021 (quarta–feira), esta foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (PPA, 6.º: PRG Compressed, II, pp. 511-515; R-AT, 14.º)
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Por despacho da Sr.ª Subdiretora Geral da AT de 15 de Setembro de 2021, por delegação de competências, foi parcialmente revogado o ato ora impugnado no que se refere aos “Acréscimos não regularizados” no montante de €17.747,30. (R-AT[4], 5.º)
Não houve matéria alegada e relevante para a decisão que não tenha sido considerada provada.
3.2. Convicção do tribunal para julgamento da matéria de facto
O julgamento da matéria de facto assentou na prova documental trazida aos autos pela Requerente e pela que consta do processo administrativo que foi junto e da posição que a Requerida tomou relativamente a cada facto e a cada documento. A prova documental foi apreciada à luz da experiência do tribunal. Não se identificaram outras alegações de factos relevantes, da qual se excluem, obviamente, as conclusões e invocação de direito pelas partes.
4. Fundamentação – matéria de direito
4.1 Objeto do litígio
Em síntese, a Requerente pretende contestar a legalidade dos atos tributários de demonstração de liquidação de IRC n.º 2020..., de demonstração de liquidação de IVA n.º 2020... e n.º 2020..., bem como dos respetivos atos de liquidação de juros compensatórios, já identificados, com os seguintes fundamentos:
; Preterição de formalidade legal, consubstanciada na falta de cumprimento do dever da descoberta da verdade material nas quebras em inventário;
Errónea qualificação jurídica dos factos em causa.
O objeto do litígio consiste assim na verificação da legalidade dos atos de liquidação identificados, face ao direito regulado no CIRC e IVA, relativamente ao exercício de 2015, compreendendo as questões que se organizam nas secções seguintes:
4.2 A alegada falta de cumprimento de dever da descoberta material
A este propósito a Requerente considera que a AT, quer na ação inspetiva, quer na decisão da reclamação graciosa, estava adstrita, “a um especial dever funcional de apuramento e de análise de todos os factos relevantes para a apreciação da concreta situação tributária da Requerente” e que a falta do cumprimento desta obrigação, na forma como alega ter sido praticada pela AT é suscetível de ser qualificada como ilegal, levando à consequente anulação das liquidações (9.º e 10.º do PPA).
Na tese da Requerente cabia à AT realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido, cabendo-lhe tomar a iniciativa de realizar as diligências que se afigurem relevantes para a correta averiguação da realidade factual, independentemente de tais factos lhe serem desfavoráveis (11.º- 13.º e 17.º PPA) e que a execução deste princípio geral tem uma incidência particular no âmbito do procedimento de inspeção tributária, para controlo e comprovação dos valores declarados pelo contribuinte, com a consequentes correções, quando for caso para isso (18.º do PPA).
É inquestionável que a ação da AT no apuramento dos factos tributários, no âmbito do procedimento tributário está subordinada ao princípio do inquisitório, bem expresso no artigo 58.º da Lei Geral Tributária “(LGT”). No entanto é preciso ter presente que o princípio do inquisitório enquadra o procedimento tributário a par de outros princípios, v.g. os princípios da colaboração, da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, que no processo que este Tribunal tem de decidir, têm ainda de ser conciliados com o princípio dispositivo previsto no artigo 10.º, n.º1, alínea c) do RJAT e nas regras do ónus da prova que constam do artigo 74.º, n.º 1 da LGT. A tramitação do procedimento tributário é feita através de normas que harmonizam e concretizam esses princípios. Essa natureza concretizadora das normas há de decidir, em cada caso concreto, se a AT, nos procedimentos em causa, incumpriu os deveres que resultam da interpretação dos dispositivos e da sua aplicação a cada caso concreto e se a Requerente os apresenta a este Tribunal pela forma exigida pelas leis de processo. Cabe a este Tribunal fazer essa análise e julgar se as concretas situações trazidas aos autos pela Requerente se situam ou não situam dentro dos parâmetros normativos adequados e dentro das regras do processo arbitral que todos estão obrigados a observar, designadamente, frisa-se de novo, ao ónus de alegação e prova. Vejamo-las então uma por uma.
4.3 Acréscimos de gastos não regularizados (IRC)
No seu PPA (23.º a 29.º) a Requerente pede que seja verificada a legalidade da desconsideração como gasto do valor de € 17.747,30 que a Requerente declarou ter regularizado através da sua inclusão como acréscimo de gastos.
Relativamente a este tema, há que ter em consideração a posição da AT, que sustentou que nesta parte a instância devia ser considerada extinta.
Como se assentou em Y) da matéria de facto, em data posterior à propositura desta impugnação da legalidade destes atos, foi proferido despacho da Sr.ª Subdiretora Geral da AT de 15 de Setembro de 2021, por delegação de competências e foi parcialmente revogado o ato ora impugnado no que se refere aos “Acréscimos não regularizados” no montante de € 17.747,30.
A revogação do ato é expressamente admitida pela lei (vejam-se as normas do artigo 112.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”)) e determina a cessação de efeitos do ato revogado nos termos do artigo 165.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), dispositivos aplicáveis ex-vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) e alínea d) do RJAT e tem como efeito direto a redução da liquidação de IRC e respetivos juros nessa parte. A revogação de 15-07-2021 é posterior à propositura deste pedido de pronúncia em 08-07-2021 e só foi trazida aos autos com a Resposta da AT em 13-10-2021, pelo que há que julgar a inutilidade superveniente da lide, nesta parte, sem prejuízo da responsabilidade pelas custas respetivas por parte da AT.
4.4. Gastos com “Ticket Infância” e “Ticket Educação” (IRC)
4.4.1 A consideração como gastos com relevância fiscal
Está em causa determinar se vales sociais, na nomenclatura usada pela AT, i.e. vales que a Requerente denominou de “Ticket Infância” e “Ticket Educação”, podem constituir gastos com relevância para a determinação da matéria coletável, quando não cumpram com as condições previstas na norma do artigo 43.º do CIRC
A Requerente reclama da qualificação jurídica que a AT faz dos gastos em que incorreu com alguns seus trabalhadores. Para a Requerente, que registou estes gastos nas contas 63213 e 63214, em qualquer caso como “despesas de pessoal”, estes consubstanciam inequívocas remunerações do trabalho dependente e como tal gastos com relevância fiscal, nos termos gerais previstos nas normas do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”) (34.º e 35.º do PPA).
Por seu lado a AT entende que a atribuição dos “vales infância” em questão sempre poderia ser aceite como gasto na esfera da Requerente, sem qualquer majoração, de acordo com o disposto no art.º 23.º do CIRC, caso fossem tributados em sede de IRS na esfera dos trabalhadores, como rendimentos do trabalho dependente.
É indiscutível que a norma do artigo 23.º, n.º 2, alínea d) considera como gasto para determinação da matéria coletável as retribuições dos trabalhadores, no seu mais amplo espetro, como se alcança da diversidade de tipos de remuneração que a citada norma identifica e que vão das comuns remunerações até aos benefícios pós- emprego, que atribua aos seus antigos trabalhadores. A AT utiliza dois argumentos distintos para desconsiderar os gastos em causa como parcelas negativas da soma algébrica que é a determinação da matéria coletável, nos termos em que o artigo 15.º do CIRC a conceptualiza. São eles (i) a exclusão do conceito de gasto feita por via da interpretação conjunta das normas do citado artigo 23.º com a norma do artigo 43.º, n.º 1 do CIRC (veja-se N) da matéria de facto assente); (ii) e a necessidade de fazer tributar esses rendimentos dos trabalhadores como rendimentos de trabalho dependente, nos termos em que o Código do Imposto sobre o rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”) impõe (veja-se o artigo 26.º da Resposta da AT). Vejamos se esses argumentos têm suporte legal.
O artigo 43.º do CIRC utiliza uma técnica legislativa própria; contém nos seus números 1 e 2 regras que parecem ampliar o conceito de gasto em geral, permitindo que sejam deduzidos, para determinação da matéria coletável, gastos com realizações sociais, que em determinada perspetiva podem nem ser essenciais para à obtenção do seu rendimento. Uma leitura cuidada do n.º 1 deste artigo revela que os beneficiários dessas realizações vão muito para além dos trabalhadores da empresa, incluindo os reformados da empresa e respetivos familiares. Veja-se que as duas normas começam justamente pelas expressões “são também dedutíveis” e “são igualmente considerados gastos do período de tributação”, dando desde logo a ideia de se pretender a ampliação do espetro dos gastos e não a criação de requisitos que restrinjam a dedutibilidade geral regulada no artigo 23.º do CIRC.
Quer dizer, as normas do artigo 43.º, n.º1 e n.º 2, que sistematicamente o CIRC arrumou na “subsecção V – Regime de outros encargos”, não pretendem reduzir o conceito de gastos com pessoal; criam uma classe de encargos que são completamente diferentes da retribuição prevista na identificada norma do artigo 23.º, n.º 2, alínea d), que é afinal a contrapartida do trabalhador pelo seu trabalho, que é, nos termos da norma do artigo 258.º, n.º 1 do Código do Trabalho (CdT”) “a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho” e, note-se, a lei, no artigo 258.º, n.º 3 do CdT consagra a presunção que constitui “retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador”.
Não se vê que interpretação conjugada das normas do artigo 43.º, n.º 1 e do artigo 23.º do CIRC possa constituir uma restrição à consideração como gasto de retribuições, ainda que sobre a forma de vales, que a empresa decida pagar a seus trabalhadores devidamente identificados, independentemente de esse benefício ser aplicável a um a vários ou a todos os seus trabalhadores, individualmente considerados. A gestão dos recursos humanos da empresa é uma prerrogativa exclusivamente sua e ela atribuirá essas retribuições aos trabalhadores que entender, sem prejuízo da sindicância desses seus procedimentos no quadro do CdT.
No caso concreto a Requerente atribuiu vales “Ticket Infância” e “Ticket Educação” a 3 dos seus trabalhadores que estão devidamente identificados e os benefícios estão individualmente apurados e considerou-os gastos com natureza tributária legitimamente, a coberto da norma artigo 23.º, n.º 2, alínea d). Aliás, tenha-se presente que a contabilidade das empresas é a fonte natural de informação da sua realidade económica e desempenha um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável (como reconhece o Preâmbulo do CIRC). Neste caso concreto a Requerente contabilizou os gastos em causa nas contas 63213 e 63214. Nos termos da Portaria n.º 218/2015 de 23 de julho, que aprova o Código de Contas, as contas da classe 6 compreendem os gastos respeitantes ao período, e a as contas 6332 são utilizadas para registar “outros benefícios”, dentro dos “Gastos com Pessoal” (conta 63). Diferente seria se tivesse registado esses gastos na conta “637 Gastos de ação social” e a Requerente não o fez, porque não foi com esse escopo que remunerou os trabalhadores em causa.
Embora a alusão à necessidade de fazer tributar os gastos com o pessoal como rendimentos de trabalho dependente, não conste na fundamentação do RIT e não poderia por isso fundamentar o ato, o argumento é trazido a este Tribunal na Resposta da Requerida, que não pode deixar de o apreciar. Pouco há a dizer sobre esta questão; a AT não indica em que norma funda o seu raciocínio, o que constitui afronta ao princípio da legalidade tributária; ou o comportamento da Administração está previsto na lei e é obrigatório e pode ser coercivamente imposto ou é ilegal. Como a AT não indica a norma em que fundamenta a sua conclusão e o Tribunal não descortina qual ela seja, há que concluir, também, pela ilegalidade desse fundamento.
Questão diferente, que a AT parece querer levantar na sua Resposta, é a de saber se os benefícios atribuídos constituem rendimentos de trabalho dependente, em sede de IRS, e se a Requerente os tratou como tal, mas essa não é matéria que possa ou deva ser analisada neste processo.
Nestes termos há que anular a liquidação de IRC, na parte que se refere à desconsideração como gastos dos vales “Ticket Infância” e “Ticket Educação”, identificados no RIT.
4.4.2 Os gastos no valor de €439,86 de comissões
A AT considerou também que não constituíam gastos as comissões pagas à empresa E... SA. – NIF..., que emitiu e carregou os títulos/cartões com os valores dos vales. As comissões estão umbilicalmente ligadas aos tickets; admitindo-se a legalidade da sua emissão há que entender que é regular o serviço prestado e é lícito à Requerente considerar essa prestação de serviços como gasto, nos termos da norma do artigo 23.º, n.º 2, alínea a) do CIRC.
Nestes termos e pelas razões invocadas na secção anterior, há que anular a liquidação de IRC, na parte que se refere à desconsideração como gastos das comissões suportadas pela Requerente pelo serviço de emissão dos “Ticket Infância” e “Ticket Educação” no valor de € 439,86.
4.4.3 O benefício da majoração de encargos com realizações de utilidade social no valor de € 4.398,71.
Nunca é demais afirmar claramente a competência deste Tribunal; não está em causa no seu julgamento apurar, só por si, qual o regime tributário aplicável a determinada situação; está mais exatamente em causa determinar se os atos praticados pela AT cumprem com as determinações da lei, i.e., declarar, quando houver desconformidade da atuação com o regime aplicável, a ilegalidade de atos de liquidação de tributos, com afirma claramente a norma do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Daqui decorre que nos casos em que a liquidação possa ser sustentada noutras normas, ao Tribunal apenas cabe verificar se os concretos fundamentos de facto e de direito invocados pela AT para esse efeito, cumprem com os parâmetros legais. Crê-se que esta é justamente uma dessas situações.
A construção da decisão relativamente ao tratamento tributário dos tickets é feita de forma unitária o que dificulta, mas não impede, a análise da justeza dos fundamentos de facto e de direito relativamente a cada uma das correções que introduziu no apuramento do IRC da Requerente. No caso concreto deste benefício a AT, numa perspetiva factual, sustenta que a atribuição da majoração depende do respeito pela Requerente da ”restrição do nº 1 do art.º 43.º do CIRC relativa ao carácter geral da distribuição, isto é, se foi extensiva a todos os trabalhadores.” e acrescenta que em 2015, três colaboradores devidamente identificados beneficiaram destes vales, mas houve pelo menos dois outros colaboradores que, embora preenchendo as condições necessárias para receber esse apoio, dele não beneficiaram, pelo que inequivocamente não foram abrangidos a totalidade dos colaboradores em igualdade de circunstâncias, isto é, com dependentes a seu cargo e identifica-os. Na perspetiva do direito, no RIT sustenta que a majoração a que se refere o artigo 43.º, n.º 9 do CIRC, foi indevidamente efetuada porque “não [foram] verificados os requisitos impostos no n.º 1 do art.º 43.º do CIRC, conjugado com o artigo 23.º do CIRC”.
A Requerente sustenta, em 30.º e 31º do PPA que a norma que regula a aplicação da majoração não é a que consta do artigo 43.º, n.º 9 do CIRC, mas antes o regime do Decreto-Lei n.º 26/99 de 28 de janeiro (“DL 26/99”), que regula a emissão dos vales sociais.
A AT não se pronunciou na sua Resposta quanto a este aspeto em particular.
O regime que consta do DL 26/99 reconhece no seu preâmbulo que o regime consagrado no CIRC para os encargos das empresas com benefícios sociais tem trazido dificuldades de aplicação, pela tendência de “as empresas que tinham a gestão direta de equipamentos sociais de apoio aos trabalhadores como creches e jardins-de-infância foram paulatinamente transferindo essa gestão para organizações de economia social ou privadas, e a gestão direta foi, muitas vezes, substituída por apoios financeiros destinados aos filhos dos trabalhadores”, pelo que criou este regime para permitir “a adequação dos apoios do Estado de natureza fiscal ao contributo das empresas no esforço desenvolvido pelos pais que se encontram ao seu serviço, à luz das novas realidades económicas em que a sua atividade se desenvolve. Nessa linha de orientação, este regime criou condições para a criação dos vales sociais, que são títulos que, incorporam o direito à prestação de serviços de educação e de apoio à família com filhos ou equiparados com idade inferior a 7 anos dos trabalhadores por conta de outrem.
Analisou-se já o regime dos gastos com pessoal, ou remunerações, previstos na norma do artigo 23.º n.º 2, alínea a) do CIRC por um lado e os encargos com realizações de utilidade social, previstas nas normas do artigo 43.º, n.º 1 e n.º 2 por outro. Os gastos com pessoal são a contrapartida paga aos trabalhadores pela prestação da sua atividade. São uma prestação que tem natureza obrigatória no sistema jurídico português e são contabilizados na conta 63, como bem fez a Requerente.
Já as realizações de utilidade social destinam-se a beneficiar a comunidade em que a empresa se insere, que com natureza facultativa se dispõe a manter creches, lactários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas, bem como outras realizações de utilidade social. Pela utilidade social que têm para as comunidades locais, o Estado, que seria muitas vezes obrigado a suportar parte desses custos no cumprimento das suas obrigações sociais, majora esses encargos, considerando-os em 140 % do gasto efetivo, nos termos da norma do artigo 43.º, n.º 9 do CIRC. O DL 26/99 apenas veio trazer uma novidade: os encargos com realizações de utilidade social passaram a poder ser feitos através de vales sociais. Estes encargos são contabilizados na conta “637 Gastos de ação social”.
Como se afirmou na secção 4.4.1, os tickets infância e os tickets educação, que são enumerados no RIT são verdadeiros gastos com pessoal e não são vales sociais regulados no artigo 43.º, nº 1 do CIRC, que é o fundamento de direito invocado pela AT no RIT e não havia, como afirma, que verificar os “requisitos impostos n.º 1 do art.º 43.º do CIRC e conjugado com o artigo 23.º do CIRC”.
Não tem por isso fundamento jurídico a correção correspondente ao benefício de € 4.398,71 efetuada pela AT, que é por isso ilegal e, nessa justa medida, haverá que anular a liquidação de IRC.
4.5. Imparidade em inventário (IRC)
No RIT a AT sustenta a correção que fez ao valor tributável pelo registo que considera irregular, afirmando que da análise dos documentos que suportam o cálculo da imparidade contabilizada, conclui-se que não se encontram reunidas as condições necessárias, uma vez que o critério que presidiu à constituição da perda foi a diminuta rotação das mercadorias, e não o seu preço de venda. A fundamentação jurídica é alicerçada nas normas do artigo 23.º, conjugado com o 28.º, ambos do CIRC. Termina com a decisão de que “não é aceite como gasto fiscal o valor de € 24.576,00, que será assim acrescido ao valor tributável”.
A Requerente sustenta que as imparidades em inventário que registou no exercício de 2015 foram apuradas e propostas pelo seu revisor oficial de contas, que considera ser uma entidade independente, que, tendo em consideração a específica área de negócio da Requerente e a natureza das mercadorias em inventário, constituído sobretudo por videojogos e respetivos periféricos, entendeu dever implementar, para efeitos de apuramento das imparidades em inventário, o critério da falta de rotação de stocks (artigos 39.º e 40.º PPA e respetivo doc. 17)
Na sua Resposta a Requerida considera que o critério utilizado para cálculo das imparidades é arbitrário e subjetivo e não é legalmente sustentável recorrer um indicador de 25% para estimar as perdas que poderão decorrer da venda de produtos abaixo do preço de venda. Funda juridicamente a sua afirmação nas normas do CIRC e nas Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (“NCRF”)
Parece ser pacífico para as partes que as imparidades constituem um gasto dedutível para determinação do lucro tributável, como estipula a norma do artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) do CIRC. Concentremo-nos por isso no método de cálculo das imparidades.
A matéria em causa é regulada, em primeira linha, pelas normas do artigo 28.º, n.ºs 1 e 2 e do artigo 26.º do CIRC que estipulam:
Artigo 28.º - Perdas por imparidade em inventários
1 — São dedutíveis no apuramento do lucro tributável as perdas por imparidade em inventários, reconhecidas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por valor realizável líquido o preço de venda estimado no decurso normal da atividade do sujeito passivo nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda.
(…)
Artigo 26.º - Inventários
(…)
4 — Consideram-se preços de venda os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo ou ainda os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.
(…)
Refira-se desde já que o cálculo das imparidades tem sempre alguma subjetividade, porque a própria lei utiliza como referência o preço de venda estimado no decurso normal da atividade e fazer estimativas pode até ter regras técnicas para o efeito, mas na maioria das situações, quando não existem mercados organizados como as bolsas de valores ou de mercadorias, é impossível afastar da aplicação dessas regras a perceção do técnico, i.e. do sujeito que faz a estimativa. Nos casos em que não exista mercado organizado, como é o caso dos produtos comercializados pela Requerente, o que releva para a aferição da legalidade é saber se a estimativa foi feita dentro dos parâmetros que a lei estipula e obedecendo a um critério tecnicamente correto que obviamente não pode ser arbitrário.
Tenha-se como ponto de partida que o regime das imparidades em inventários tem como objetivo prescrever os procedimentos que uma entidade deve aplicar para assegurar que os seus ativos sejam escriturados por não mais do que a sua quantia recuperável (NCRF 12, n.º1) e cada empresa deve avaliar em cada data de relato se há qualquer indicação de que um ativo possa estar com imparidade. Se existir qualquer indicação, a entidade deve estimar a quantia recuperável do ativo (NCRF 12, n.º 5). Em complemento a este princípio a NCRF 18 “proporciona orientação prática na determinação do custo e no seu subsequente reconhecimento como gasto, incluindo qualquer ajustamento para o valor realizável líquido. Também proporciona orientação nas fórmulas de custeio que sejam usadas para atribuir custos aos inventários” (o realce é da autoria do relator). Estas normas devem ser seguidas nos registos contabilísticos das empresas.
No entanto, como se sabe e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) tem esclarecido, “o princípio da tributação do rendimento empresarial pelo lucro real, que está na base do princípio da dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade, determina ou conduz a soluções diferentes”[5] consoante se pretenda expressar a situação financeira da empresa para analisar a sua situação comparativamente com outras empresas, que está espelhada na sua contabilidade, em que se pretende apurar o rendimento líquido do exercício, para efeitos de tributação porque, entende a lei, é através deste apuramento que se expressa a efetiva capacidade contributiva do sujeito passivo[6]. Quer dizer, nem sempre o critério utilizado para calcular a depreciação de ativos é adequado para determinar o rendimento tributável, sem prejuízo da sua correção técnica. As normas do CIRC mais não fazem do que fixar as regras aceitáveis, na perspetiva do cálculo do rendimento tributável; dito de outro modo, as normas do CIRC delimitam as situações em que as imparidades têm relevância fiscal. Vejamos então se a metodologia utilizada pela Requerente cumpre com os cânones do CIRC como refuta a AT.
Sem cuidar para já dos limites quantitativos que são admissíveis considerar para efeitos tributários, na interpretação conjunta das normas dos artigos 28.º n.º 3 e 26.º, n.º 4, a imparidade apura-se pela subtração entre o custo de aquisição ou de produção e o respetivo valor realizável líquido. Haverá imparidade se o resultado dessa subtração for negativo. Para que a fórmula possa ser operacionalizada há que determinar o que é afinal o “valor realizável líquido” e para isso precisamos de interpretar, de forma integrada a norma do artigo 26.º, n.º 4. O valor realizável líquido, resulta da subtração ao preço de venda estimado no decurso normal da atividade do sujeito passivo, dos custos necessários de acabamento e venda.
Esta sequência de operações continua a encerrar em si uma incógnita: como se determina afinal o preço de venda; para isso há que consultar a norma do artigo 26.º, n.º 4, que estipula que os preços de venda são obtidos através de um de três métodos:
iii. Os constantes de elementos oficiais; ou
iv. Os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo; ou ainda,
v. os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.
Postas as coisas nestes termos, cabia à Requerente calcular as eventuais imparidades através da sequência descrita, que é apenas, subtrair ao custo de aquisição ou de produção, os custos necessários de acabamento e finalmente subtrair o preço de venda realizável, determinado através de um dos três métodos. Sabendo-se que os produtos em causa não fazem parte dos elementos oficiais, restar-lhe-ia utilizar o último preço que praticou ou determinar o preço corrente de mercado, através de metodologia idónea e controlável.
A Requerente optou por seguir outra opção para determinação das imparidades, porventura adequada em termos de contabilidade convencional, mas que não é admissível face às citadas normas do CIRC.
A AT fundamenta factualmente a sua decisão de desconsiderar o gasto para efeitos tributários, afirmando que “A A... registou na conta 6522 Perdas por imparidade -Ajustamentos em inventários - Mercadorias o valor de €24.576,00, correspondendo o valor de € 24.576,00, na ótica do sujeito passivo, a "uma imparidade de 25% do inventário sem rotação e sem desvalorização de preço", concluindo que a perda por imparidade é calculada mediante a aplicação de uma taxa de 25% aos stocks de mercadorias com pouca ou nenhuma rotação em 2015. Seguidamente identifica as normas jurídicas aplicáveis, designadamente o artigo 28.º, n.º 1 e 26.º, n.º 4 do CIRC e aplica-as afirmando que as imparidades assim calculadas não podem constituir gasto com relevância fiscal, nos termos em que este é definido na norma do artigo 23.º, n.º 2, alínea h) do CIRC, que permite que as perdas por imparidade sejam consideradas gastos do exercício, se observarem as regras de cálculo previstas na lei.
No caso concreto a determinação da imparidade de inventário não respeitou o procedimento legal e a decisão da AT encontra-se corretamente fundamentada, identificando os elementos de facto e o direito aplicável, indicando até o procedimento adequado, Não merece qualquer crítica esta decisão pelo que, nesta parte, há que manter em vigor a liquidação de IRC sub judicio.
4.6. Quebras em inventário (IRC)
A Requerente não é particularmente elucidativa quanto aos factos que subjazem à liquidação que pretende anular. Se bem entendemos a situação que a Requerente nos traz em 49.º a 55.º do PPA, com apoio no RIT, cremos que a A... registou na conta 6842 Perdas em Inventários - Quebras o valor de €48.793,21 relativo a 'quebras' em inventário, i.e., mercadorias que se encontram em mau estado (embalagens danificadas, por exemplo), as quais se encontram nos seus armazéns. Insurge-se por considerar que foi violado o princípio do inquisitório e o dever de procura da verdade material, por não terem sido promovidas pela AT as diligências necessárias a apurar a real situação dos artigos em causa.
A AT desconsiderou estes gastos por não estar devidamente documentada a efetiva perda desses bens, nem ter sido apresentada prova de terem sido inequivocamente dados como perdidos para a atividade da empresa, por terem sido inutilizados ou destruídos. Não é indicada a norma que conduz à sua conclusão, referindo genericamente o artigo 23.º do CIRC e chamando à colação jurisprudência do Ilustre Tribunal Central Administrativo – Sul.
Na sua Resposta a Requerida acrescenta que se admite que as quebras em inventários poderão ser uma componente negativa na determinação do lucro tributável, quando forem observados os condicionalismos previstos no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC.
A análise da legalidade da decisão da AT encontra-se dificultada porque no RIT não é indicado o fundamento jurídico para a desconsideração do gasto, não bastando obviamente a mera referência ao artigo 23.º do CIRC, que contém em si grande número de normas, organizadas em seis números, que se subdividem em 18 alíneas. A fundamentação de direito impõe a identificação concreta da norma, de modo que o Tribunal possa reconstituir o percurso decisório e confrontá-lo com o parâmetro legal. Note-se também que a indicação de jurisprudência é muitas vezes útil, para apoiar determinada interpretação e para orientar o Tribunal na aplicação uniforme do direito, mas ela não é em si fonte de direito, com regula a norma do artigo 1.º do Código Civil.
Se porventura se admitisse que a fundamentação do ato pode ser complementada na Resposta da Requerida, haveria que considerar, face ao respetivo artigo 53.º, que o fundamento jurídico seria afinal a norma do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, quer dizer, a dedução da perda seria admitida se esta estivesse comprovada documentalmente como exige o n.º 3 do mesmo artigo. A jurisprudência citada pela AT manifesta a exigência qualificada de prova real e objetiva dos factos.
Apreciando-se a descrição dos procedimentos que constam do RIT, pode concluir-se que a AT questionou a Requerente “sobre a natureza do gasto”, mas já não lhe pediu que comprovasse documentalmente a perda, que é justamente a condição para aplicação da norma que permite a dedução. E é este justamente o fundamento que subjaz à reclamação da Requerente; a obrigação de busca da verdade material e o princípio do inquisitório exigiam que a AT pedisse à Requerente que comprovasse documentalmente as perdas que registou e esta não o fez e com essa omissão violou as normas do artigo 58.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e do artigo 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, como refere a Requerente. Aliás, à luz deste princípio, mal se compreende que a AT tenha pedido para ser esclarecida quanto à natureza dos gastos e não tenha de seguida requerido a comprovação documental, sabendo-se como são hoje expeditas as formas de comunicação.
Há, pois, que considerar ilegal a desconsideração das quebras em inventários no valor de € 48.793,21, feita pela AT, anulando-se, nessa parte, a liquidação de IRC.
4.7. Carregamento de cartões oferta (IRC)
Em F) do da matéria de facto relevante assentou-se que a Requerente contabilizou como gasto o valor € 6.305,00 correspondente ao carregamento de cartões oferta que utilizou para a atribuição de ofertas a clientes e fornecedores.
A AT desconsiderou este gasto e determinou o correspondente acréscimo ao lucro tributável de 2015 do valor de € 6.305,00, e incluindo essa correção na liquidação de IRC posta em crise. Fundamenta a correção dizendo que os cartões oferta não correspondem a uma “real e efetiva “transmissão de bens ou serviços, mas uma mera troca de meios de pagamento. Justifica a sua decisão com a norma do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea b) do CIRC. A Requerida sustenta a posição que consta do RIT, reforçando com crítica ao próprio documento que pretende titular o gasto.
Importa determinar o que são afinal os cartões oferta. Para Felícia Teixeira[7] “O cartão- -presente, ou designado cheque-prenda/ voucher, tem a finalidade de ser utilizado numa compra de bens ou de serviços no futuro”, deixando implícito que a transmissão do cartão ao donatário, não constitui em si uma operação de compra de bens pois esta apenas se realizará no futuro, quando o cartão for afinal utilizado. A citada autora esclarece que nos casos em que os cartões presente tenham a qualidade de vales de finalidade múltipla, podendo ser utilizados para adquiri todo o tipo de bens ou serviços, a emissão/carregamento do cartão deve ser considerada uma mera operação monetária. Em sentido consentâneo a Informação Técnica daa Ordem dos Contabilistas Certificados, no seu parecer técnico de 14-12-2020[8], adverte nos seguintes termos, que pela sua clareza e interesse merecem ser reproduzidos:
Chamamos particular atenção que a empresa deve documentar as ofertas de tais cheques oferta, nomeadamente, identificando sempre o beneficiário. De facto, se não for possível conhecer as pessoas às quais foram atribuídos os citados cheques oferta, além da não aceitação fiscal do gasto (porque não é conhecido o destino dado, torna-se impossível fazer prova do nº 1 do art.23º do CIRC), tais encargos podem assumir-se como despesas não documentadas ficando sujeitas a tributação autónoma (taxa de 50% ou 60% caso existam prejuízos fiscais).
Aliás, uma simples consulta à webpage[9] de unidade comercial do emissor que foi a F..., esclarece que “ um cartão-presente pode ser, provavelmente, das melhores prendas que alguém lhe pode oferecer: é versátil, permite comprar uma grande variedade de artigos diferentes, de serviços no futuro”, que pode ser utilizado “em qualquer um dos Centros F... para comprar, literalmente, o que quiser nas 1600 lojas aderentes”. Note-se que nem a própria entidade emissora da fatura considera que efetuou qualquer transmissão de bens ou serviços e por isso aplicou-lhe consequentemente o regime das operações não sujeitas a IVA, por referência ao artigo 1.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“CIVA”), interpretado a contrario; como é sabido esta é a principal norma de incidência do CIVA, que torna tributáveis as transmissões de bens e as prestações de serviços a título oneroso; a interpretação enunciativa a contrario sensu permite por isso afirmar que as operações que não sejam transmissões de bens e prestações de serviços com natureza onerosa não estão sujeitas a IVA. Como a emissora dos cartões fez neste caso.
Há assim que concluir que a aquisição ou carregamento dos cartões presente, cuja aplicação se destina a futuras transmissões de bens e prestações de serviços se inclui no conceito de despesa não documentada previsto na norma do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea b) do CIRC.
Encontrando-se devidamente fundamentado, nada há a apontar neste caso à decisão tomada no RIT, mantendo-se, na parte respetiva, a liquidação de IRC impugnada.
4.8. Despesas indevidamente documentadas (IRC)
Embora a Requerente declare que pretende impugnar a liquidação de IRC na sua totalidade (8º do PPA), de entre as correções que a geraram consta no RIT as correções resultantes de gastos com ajudas de custo não documentadas. Apesar disso a Requerente não articula quaisquer factos que permitam ao Tribunal ajuizar da correção em causa e é a si que cabe o ónus de exposição das questões de facto e de direito que sustentam o pedido de pronúncia arbitral (artigo 10.º, n.º 2, alínea c) do RJAT, a exemplo do que estipula o artigo 108.º, n.º 1 do CPPT).
Na ausência de factos e fundamentos que permitam ao Tribunal pronunciar-se, há que absolver a AT da instância na parte da liquidação correspondente a esta correção, no valor correspondente à desconsideração dos gastos de € 27.858,43.
4.9. Créditos incobráveis e reversão de imparidades (IRC)
Assentou-se em G) que a Requerente era, desde 2010, credora da sociedade D..., Lda., no montante global de € 133.350,58, tendo esta sociedade sido declarada insolvente em 28-02-2012, por sentença do Tribunal do Comércio de Lisboa. No seu PPA a Requerente acrescenta que esses créditos assumiam inequívoca relevância fiscal no exercício de 2015.
A AT efetuou correção ao apuramento do lucro tributável, que diz ter sido afetado negativamente no valor de € 38.738,40, e desconsiderou fiscalmente quer os gastos, no valor de €111.131,38 quer os rendimentos, no valor de €72.392,98. Para sustentar essa correção afirma que o reconhecimento de um crédito incobrável no valor de € 111.131,38 não pode ser aceite fiscalmente se não cumprir os requisitos do artigo 41.º do CIRC e no caso concreto não ocorreu nenhum facto com relevância tributária no exercício que justifique que se produza o impacto dessa incobrabilidade no lucro tributável. Assenta juridicamente a sua decisão na interpretação conjugada das normas dos artigos 23.º e 41.ºdo CIRC.
No PPA (60.º- 62.º) a Requerente insurge-se contra a correção porque a entende como uma mera alteração da qualificação contabilística, i.e., “a da conversão de tais créditos de créditos de cobrança duvidosa para créditos incobráveis” e que não pode ser negada a relevância fiscal dos créditos perdidos na insolvência.
Cremos que a questão reside afinal na divergência que existe quanto ao exercício económico em que a perda dos créditos tem relevância. A Requerente afirma que têm relevância fiscal no exercício de 2015; já a AT afirma que no exercício em causa não ocorreu nenhum facto com relevância tributária que justificasse a consideração como gasto deste montante.
A Requerida na sua Resposta reafirma a tese que consta do RIT e sumariza a situação afirmando que “em períodos de tributação anteriores, já haviam sido reconhecidas contabilisticamente imparidades no valor de €133.350,58 relativas às dívidas da sociedade D..., Lda., pelo que considerar de novo essa imparidade, através da movimentação contabilística, constituiria uma duplicação dos gastos, baseados num mesmo e único facto tributário e cremos que cabia à Requerente alegar e provar que assim não era, como impõem as regras sobre o ónus da prova que constam do artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
Note-se que a AT pediu explicações à Requerente sobre a contabilização destes créditos no exercício de 2015, cumprindo com as suas obrigações de averiguação e colaboração, mas a documentação enviada, que consta do PA (PRG_Parte 2, pp. 70-88) não sustenta a tese da Requerente. Se bem entendemos a documentação instrutória, a Requerente obteve em data próxima a 03-11-2015, certidão do Tribunal do Comércio de Lisboa de 08-10-2015, da sentença que transitou em julgado em 23-07-2012, da declaração de insolvência do seu devedor D..., Lda..
Como a Requerente reconhece, o valor perdido na insolvência do seu devedor havia já sido reconhecido, ao menos em parte, em exercícios anteriores e cabia-lhe agora, nestes autos, sustentar que não houve afinal duplicação da dedução e que só em 2015 pode contabilizar essa incobrabilidade, afinal reconhecida em 2012, com a declarou a sentença citada.
É verdade que a AT está sujeita ao princípio do inquisitório, mas esse princípio tem de ser devidamente interpretado dentro do sistema jurídico, como todas as normas do nosso ordenamento (artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil e artigo 11.º, n.º 1 da LGT). A AT pediu explicações à Requerente, que esta, assistida pelo seu Contabilista Certificado, prestou mas documentação que trouxe por ocasião do RIT não demonstra a realidade que sugere. Tem todo o direito de pedir a verificação da legalidade da correção, mas para que este Tribunal se pronuncie, precisa que seja também cumprido o princípio dispositivo (artigo 10.º, n.º1, alínea c) do RJAT), que exige a formulação de factos e cumprido o ónus da prova nos termos já aludidos. Sendo seguro que a insolvência ocorreu em 2012 e que o apuramento do lucro tributável está sujeito ao princípio da periodização do lucro tributável (artigo 18.º, n.º 1 do CIRC) cabia à Requerente alegar e provar fundamentos para registar em 2015 a dedução que podia ter reconhecido em 2012. Como já se referiu neste acórdão, não há um paralelismo rigoroso entre a contabilidade e o apuramento do lucro tributável e não é por isso possível obter através de movimentação de contas da contabilidade um resultado que a lei não permite.
Não se vê por isso razão para, neste particular, criticar a atuação da AT e há que manter, nesta parte, a liquidação de IRC impugnada.
4.10. A regularização de IVA em operações com a D..., Lda.
Parte da factualidade necessária para decidir a questão discutida neste ponto já foi referida na secção imediatamente anterior, mas a sua base é o facto assente H), que reporta que a Requerente regularizou IVA a seu favor, no campo 40 da declaração periódica de 201510, no valor de € 22.219,20, assumindo a incobrabilidade da dívida da sociedade D..., Lda., com base na sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 15-07-2019, cuja cópia fez juntar ao RIT.
A AT fundamenta a correção oficiosa desta regularização com a falta de cumprimento do procedimento próprio para deduções de IVA, que exigem a declaração de revisor oficial de contas e de comunicação da anulação ao insolvente, como impõem as normas do artigo 78.º, n.ºs 9, 10 e 11 do CIVA.
A divergência de posições relativamente a esta matéria é que enquanto a Requerente baseia a incobrabilidade do crédito na sentença de verificação de créditos e na conclusão, porventura acertada, que face à situação concreta da insolvente e à graduação de créditos, há que dar como perdido o seu crédito, a AT afirma que essa conclusão de incobrabilidade tem de ser reconhecida e formalizada através de procedimento próprio. A interpretação das normas invocadas pela AT permite afirmar que esta tem razão, i.e., que o crédito até pode ser incobrável e o imposto dedutível, nos termos do artigo 78.º, n.º 7, alínea a), mas para isso a Requerente deveria ter seguido o formalismo que a AT refere, designadamente a certificação dos requisitos de incobrabilidade por revisor oficial de contas.
A Requerente aponta ainda à AT a falta de cumprimento do princípio do inquisitório, mas fá-lo sem razão. O que está em causa não é a realização de qualquer diligência pela AT, junto do Tribunal do Comércio ou sobre outra qualquer entidade. O que está em causa é a correção do tratamento contabilístico deste tipo de regularizações, que tem de ser instruído pela própria empresa, através de sucessivos atos que lhe cabem praticar. Não está em causa a dedutibilidade do IVA liquidado; está em causa a organização documental para que o possa fazer. E essa organização só pode ser feita por sua iniciativa e participação.
Não merece, neste aspeto, qualquer crítica a liquidação de IVA do período 201510, relativamente ao valor de € 22.219,20.
4.11. A regularização de IVA relativo a vales sociais
A situação de facto que é tratada nesta secção foi já apreciada em 4.4.2 deste acórdão, onde se deixou dito que os gastos no valor de €439,86 de comissões correspondem a serviço prestado regular e é lícito à Requerente considerar essa prestação de serviços como gasto, nos termos da norma do artigo 23.º, n.º 2, alínea a) do CIRC.
No seu PPA, em 69.º a Requerente remete os seus argumentos para o que havia dito em sede de IRC não trazendo mais nenhum elemento nem apontando diferente vício relativamente aos que referiu em 30.º a 37.º da citada peça, i.e., “erro sobre os pressupostos de direito”.
Está afinal em questão saber se o IVA relativo aos serviços de emissão de tickets é dedutível, como sustenta a Requerente ou se não o é, como defende a AT, com base nas normas do artigo 20.º, n.º 1 do CIVA.
Este Tribunal já afirmou que as comissões pagas pela Requerente são um gasto próprio da sua atividade e esse reconhecimento impõe que se considere que o IVA suportado seja deduzido, por lhe ser conferido o direito a essa dedução pela norma do artigo 20.º, n. 1, alínea a) do CIVA.
Há assim que anular, nesta parte a liquidação de IVA, relativamente à dedução do valor de € 101,17.
4.12. Despesas não documentadas (tributação autónoma)
A questão que cabe agora analisar tem suporte factual em F) da matéria assente e foi já vista em 4.7, a propósito da qualificação tributária do carregamento de cartões oferta.
A AT sustenta que o documento que consta da contabilidade da Requerente, que é uma fatura da C..., Lda, com a descrição “Carregamento de cartão”, o valor € 6.305,00 (veja-se o RIT, p. 28) e que suporta o pretenso gasto, é afinal uma “despesa não documentada” e por isso há que submetê-la a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.º 1 do CIRC. A Requerente sustenta que a despesa está devidamente documentada, justamente com a fatura emitida pela C..., Lda. que a AT verificou e criticou (71.º do PPA).
Para que não se acuse a coerência do Tribunal nesta matéria, reproduza-se aqui o que já se disse sobre esta questão:
Há assim que concluir que a aquisição ou carregamento dos cartões presente, cuja aplicação se destina a futuras transmissões de bens e prestações de serviços se inclui no conceito de despesa não documentada previsto na norma do artigo 23.º-A n.º 1, alínea b) do CIRC.
Há que reconhecer que as normas relativas às tributações autónomas têm um caráter especial, pois em grande parte destinam-se a desincentivar determinados usos; já as normas que se incluem no capítulo II do CIRC, como é o caso do artigo 23.º-A, destinam-se a determinar a matéria coletável. Já o artigo 88.º, que regula as tributações autónomas, insere-se no capítulo destinado a fixar as taxas, quer dizer, as normas do artigo 23.º-A e as normas do artigo 88.º do CIRC têm diferentes razões de ser. Sabendo-se que a ratio legis é o elemento fundamental da interpretação das normas, é bom de ver que determinado termo pode ser interpretado de forma diferente, consoante a norma em que se insira. Crê-se que este é justamente o caso.
Quando o artigo 23.º-A se refere a despesas não documentadas, tem como pressuposto que elas foram contabilizadas como gastos do período de tributação, como se pode ler no seu n.º 1, quer dizer, quando a despesa não tem um documento que a contabilidade económica admitiu como gasto, ele não deve ser considerado para efeitos tributários. Note-se que enquanto a artigo 23.º-A, n.º 1 se refere a gastos que contribuem para a determinação do resultado, o artigo 88.º, n.º 1 refere-se a despesas, que movimentam contas do balanço, mas que não têm forçosamente esse efeito sobre a demonstração de resultados.
Já o artigo 88.º, n.º 1 que determina a taxa aplicável às despesas não documentadas tem como objetivo evitar pagamentos ou prevenir a quebra da receita fiscal, relativamente a transações que não são rastreáveis e por isso não conduzem à tributação do rendimento dos beneficiários.
Na linha do que afirmamos veja-se o recentíssimo acórdão do STA de 02-02-2022[10], em que se sumariou:
I - Despesa não documentada é aquela a que falta em absoluto o comprovativo documental.
II - Falando a lei em despesa não documentada, está a reportar-se à documentação do ato pelo qual o sujeito passivo suporta a despesa que é suscetível de afetar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC, não relevando nesse âmbito a documentação do destino da despesa, ou da identificação do seu beneficiário.
Aliás, o acórdão do STA citado tem natureza doutrinária e explica cuidadosamente o que se deve entender por despesas não documentadas para efeitos de tributação autónoma e para efeitos de gasto relevante em termos tributários, nos seguintes termos:
O que se deve entender por despesas não documentadas não é questão nova neste Tribunal, que tem vindo a afirmar que despesa não documentada é aquela a que falta em absoluto o comprovativo documental (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/04/2017, proferido no processo 01320/16). A despesa é contabilizada pelo sujeito passivo sem suporte documental. Ora, esta não é manifestamente a situação dos autos em que as despesas foram registadas na contabilidade com apoio em documentos (vendas a dinheiro e faturas), o que é, aliás, reconhecido pela Recorrente, que acaba, em defesa da sua tese, por sustentar que a documentação se deve reportar à saída dos bens da empresa, designadamente quanto ao destinatário, e que se assim não acontecer, a despesa documentada deve ter-se por não documentada. Ora, falando a lei em despesa não documentada, está a reportar-se à documentação do ato pelo qual o sujeito passivo suporta a despesa que é suscetível de afetar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC, não relevando nesse âmbito a documentação do destino da despesa, ou da identificação do seu beneficiário. Despesa não documentada é uma despesa sem documento e só estas o legislador sujeitou a tributação autónoma.
Naturalmente que apesar de a despesa estar documentada e, por isso, não estar sujeita à tributação autónoma, tal não significa que passe o crivo da “indispensabilidade”, ao ponderar-se a atividade do sujeito passivo, a natureza e valor dos bens adquiridos para “oferta”, e a não identificação dos beneficiários desses bens, e seja aceite como gasto ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC (cf. o n.º 1 do citado artigo 88.º do Código do IRC), como bem entendeu o Tribunal recorrido dando nesta parte razão à Administração Tributária.
Este Tribunal adere in totum à doutrina explicitada pelo STA e nessa linha anula a liquidação relativa à tributação autónoma das designadas despesas não documentadas.
4.13. Despesas/Pagamentos sujeitos a tributação autónoma à taxa de 35%
Como se referiu já em 4.8., embora a Requerente declare que pretende impugnar a liquidação de IRC (que inclui as tributações autónomas), na sua totalidade (8º do PPA), de entre as correções que a geraram consta no RIT a tributação autónoma à taxa de 35% de gastos incorridos com entidade sujeita a um regime fiscalmente mais favorável.
Apesar disso a Requerente não articula quaisquer factos que permitam ao Tribunal ajuizar da correção em causa e é a si que cabe o ónus de a exposição das questões de facto e de direito que sustentam o pedido de pronúncia arbitral (artigo 10.º, n.º 2, alínea c) do RJAT, a exemplo do que estipula o artigo 108.º, n.º 1 do CPPT).
Na ausência de factos e fundamentos que permitam ao Tribunal pronunciar-se, há que absolver a AT na parte da liquidação correspondente a esta correção, que liquida tributação autónoma no valor de 11.812,50 €, por importâncias pagas a pessoas coletivas não residentes e sujeitas a um regime fiscal mais favorável.
5. Os juros compensatórios
A Requerente impugna as liquidações de juros com base no que considera terem sido erros sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito e por falta de fundamentação porque os atos de liquidação não foram acompanhados de fundamentação que justificasse, de facto e de direito a sua exigibilidade, não observando consequentemente a norma do artigo 35.º, n.º 1 da LGT. Sustenta também que os juros compensatórios são de liquidar quando haja prejuízo para a Fazenda Pública e que os factos praticados lhe sejam imputáveis a título de culpa, decorram de uma ação intencional (73.º a 75.º do PPA).
A Requerida invoca que no período de 2015, a Requerente considerou indevidamente como componente negativa do lucro tributável, um conjunto de gastos que não reuniam os pressupostos de direito para a sua aceitação fiscal e que a sua conduta originou uma redução da matéria coletável sujeita a imposto e que o atraso nas liquidações são da sua responsabilidade (82.º a 84.º da R-AT).
Vejamos se os fundamentos invocados para impugnar as liquidações de juros têm razão de ser.
Como se assentou em V), no RIT a AT afirma que em resultado das correções determinadas e como se descreveu em cada caso foi retardada a liquidação dos tributos por razões imputáveis ao contribuinte. Há que reconhecer que diretamente e por remissão para outros pontos do RIT, há fundamentação de facto, i.e., houve retardamento da liquidação devida e que esse retardamento é imputável à Requerente. Justifica a sua decisão com o disposto no artigo 35.º, da LGT, conjugado com o artigo 102.º do CIRC e do artigo 96.º do n.º 1 do CIVA, todos conjugados com o preceituado no artigo 559.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável às obrigações tributárias ex-vi do artigo 2.º da LGT. Conclui dizendo que se demonstra devida, a título de juros compensatórios, a quantia correspondente à aplicação da taxa consignada na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, ao montante de imposto em falta. Crê-se que não há dúvida que a fundamentação de facto e de direito está feita de forma clara.
Note-se que os próprios documentos que titulam as liquidações de juros de IVA contêm a fundamentação legal para o ato, referindo expressamente as normas que suportam o ato, remetendo para o artigo 96.º do CIVA e para o “artigo 35.º e/ou 44.º da LGT” e indicam o período a que se reportam. A liquidação de juros de IRC contem referência a ter existido retardamento na liquidação, o período em que isso ocorreu e as normas jurídicas aplicadas, designadamente os artigos 102.º do CIRC e 35º da LGT.
A Requerente assinala ainda que a imputação dos erros que geram as correções tem de lhe ser imputado a título de negligência. Não apresenta qualquer facto, norma ou parecer que justifique a forma desadequada como apresentou os seus gastos, para determinar o lucro tributável.
Não pode deixar de se ter em conta que a Requerente é uma sociedade anónima que tem ao seu dispor o apoio do seu Revisor oficial de Contas. Além disso, a Requerente é uma sociedade comercial com Contabilista Certificado abrangido pelo Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, aprovado pela Lei n.º 139/2015, de 7 de setembro, a quem cabe, em regime de exclusividade, assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal da Requerente e assinar, conjuntamente com o representante legal da Requerente, as respetivas demonstrações financeiras e declarações fiscais, nos termos das normas do artigo 10.º, n.º 1, alíneas b) e c), sendo que entende-se por regularidade técnica, a execução da contabilidade nos termos das disposições previstas nos normativos aplicáveis, designadamente as normas do CIRC e do CIVA e respetiva legislação complementar. Tenha-se também presente que a Requerente é uma pessoa coletiva e que a sua vontade é expressa por um órgão mas essa vontade forma-se através do conhecimento veiculado pelos colaboradores, que também a compõem e se a lei impõe, como impõe, que a Requerente disponha de contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor e tem de ser elaborada por Contabilista Certificado, nos termos do Estatuto referido, não é possível afirmar que desconhecia a forma correta de contabilizar os gastos corrigidos, para efeitos tributários. A descrição das irregularidades cometidas a propósito da qualificação jurídica na parte do tratamento do IRC sobre imparidades em inventário, sobre a parte correspondente ao carregamento de cartões oferta, sobre a parte correspondente a correções resultantes de gastos com ajudas de custo não documentadas, na parte que efetua correção ao apuramento do lucro tributável, que foi afetado negativamente e no tratamento da tributação autónoma incidente sobre importâncias pagas a pessoas coletivas não residentes e sujeitas a um regime fiscal mais favorável e do tratamento do IVA das operações com a D..., Lda. são de resolução relativamente simples e sucedem-se repetidamente. Não cabe a este Tribunal fazer qualquer apreciação ou juízo quanto ao desempenho das funções profissionais do Contabilista Certificado, porque não cabem na sua competência, nem vêm ao caso, mas cabe-lhe afirmar que, com os fundamentos de facto e de direito que constam do RIT, a atuação da Requerente não se pautou pelo cuidado que lhe era exigível.
Aliás a jurisprudência que ainda nos parece paradigmática em matéria de juros compensatórios está expressa no acórdão do STA de 23-09-1998[11], na parte que permitiu tirar o seguinte sumário, reproduzido na parte que interessa a esta situação:
(…)
X - Quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo, não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que em regra ou prima-facie, se liga ao carácter ilícito-típico do facto respectivo.
X - Por isso, demonstrado o enquadramento de uma conduta na previsão legal de um ilícito-típico, apurar a existência de culpa traduz-se em saber se a culpa se encontra excluída.
XI - Integrando a conduta do contribuinte a hipótese de uma infracção fiscal, deverá concluir-se pela existência de culpa por parte deste no retardamento da liquidação de imposto por ela gerado, se não se demonstrar que ela se encontra excluída.
Nada há a apontar à Requerida na liquidação dos juros compensatórios, calculados nos termos das normas citadas, excetuando-se aqueles que se reportam à parte das liquidações de imposto que vão ser anuladas e que consequentemente deverão ter a mesma sorte.
6. Decisão
Pelos fundamentos invocados este Tribunal decide:
vi. Julgar a inutilidade superveniente da lide face à revogação do ato tributário no que se refere aos “Acréscimos não regularizados”, no montante de € 17.747,30, condenando a AT a suportar as custas correspondentes;
vii. Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação de liquidação de IRC e determinar a anulação na justa medida:
-
na parte que se refere à desconsideração como gastos dos vales “Ticket Infância” e “Ticket Educação”, no valor de € 10.996,78;
-
na parte que se refere à desconsideração como gastos das comissões suportadas pela Requerente pelo serviço de emissão dos “Ticket Infância” e “Ticket Educação” no valor de € 439,86;
-
na parte correspondente ao benefício da majoração em 40 % dos vales sociais, no valor de € 4.398,71;
-
na parte correspondente à desconsideração como gasto das quebras em inventários no valor de € 48.793,21;
-
Na parte correspondente a tributações autónomas liquidadas sobre alegadas despesas não documentadas no valor de € 6.305,00, a que correspondeu uma tributação de € 3.152,50.
viii. Julgar parcialmente improcedente e nessa medida absolver a Requerida do pedido de anulação de liquidação de IRC e determinar a manutenção da liquidação na justa medida:
-
Na parte que liquida IRC sobre imparidades em inventário, que correspondem a um gasto corretamente desconsiderado no valor de € 24.576,00;
-
Na parte que liquida IRC sobre o carregamento de cartões oferta, no valor de € 6.305,00;
-
Na parte que liquida IRC sobre a parte correspondente a correções resultantes de gastos com ajudas de custo não documentadas, no valor de € 27.858,43;
-
Na parte que efetua correção ao apuramento do lucro tributável, que foi afetado negativamente no valor de € 38.738,40, a título de créditos incobráveis;
-
Na parte que liquida à Requerente tributação autónoma no valor de 11.812,50 €, incidente sobre importâncias pagas a pessoas coletivas não residentes e sujeitas a um regime fiscal mais favorável.
ix. Julgar improcedente e absolver a Requerida do pedido de anulação de liquidação de IVA correspondente a operações com a D..., Lda. no valor de € 22.219,20.
x. Julgar procedente o pedido de anulação de liquidação de IVA correspondente à emissão de vales, no valor de € 101,17 e determinar a sua anulação;
xi. Julgar parcialmente procedente o pedido da Requerente de anulação da liquidação de juros sobre a liquidação em IRC, na parte que foram calculados sobre os gastos referidos nesta decisão, incluídos em i) e ii), e absolver a Requerida na parte restante;
xii. Julgar parcialmente procedente o pedido da Requerente de anulação das liquidações de juros sobre as liquidações de IVA, na parte referida em v) e julgá-lo improcedente na parte referida em iv) absolvendo a Requerida e a Requerente na medida correspondente.
xiii. Condenar a Requerente e a Requerida no pagamento das custas correspondentes, de acordo com o decaimento das suas posições, nos termos calculados no capítulo próprio.
7. Valor do processo
Nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e cumprindo com a previsão do artigo 306.º, n.º 2 do CPC e do artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicáveis ex-vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) e alínea e) do RJAT, fixa-se ao processo o valor de € 97.201,22, calculado com base nas seguintes parcelas identificadas no PPA:
Doc .da Requerente
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Número da liquidação
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Tributo
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Valor
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doc. 3 a 11, p. 4
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2020 ...
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Juros compensatórios IVA
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3 813,17 €
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doc. 3 a 11, p. 6
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2020 ...
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DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IRC
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62 766,54 €
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doc. 3 a 11, p. 7
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2020 ...
|
DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IVA
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22 219,20 €
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doc. 3 a 11, p. 8
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2020 ...
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DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IVA
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101,17 €
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doc. 3 a 11, p. 9
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2020 ...
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DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS (IRC)
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8 301,14 €
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Total
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97 201,22 €
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8. Custas
O valor da taxa de arbitragem é fixado em € 2 754.00 € (dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e fica a cargo da Requerente em 40 % e da Requerida em 60 %.
Notifique-se.
Lisboa, 31 de agosto de 2022
O árbitro Presidente
(Manuel Luís Macaísta Malheiros)
O árbitro vogal
(José Coutinho Pires)
O árbitro vogal e relator
(Nuno Maldonado Sousa)
[1] Acrónimo de Relatório de Inspeção Tributária
[2] Numeração de páginas do ficheiro no formato “pdf”, atribuída pelo próprio sistema”
[3] Veja-se Q) desta matéria assente.
[4] Utiliza-se a abreviatura “R-AT” para designar a Resposta da AT neste processo.
[5] Veja-se o recente acórdão do STA de 27-10-2021, [Pedro Vergueiro], processo n.º 0610/15.1BELRA., na linha do anterior acórdão do STA de 09-10-2019, [Suzana Tavares da Silva], disponíveis em www.dgsi.pt. Embora a questão decidida nos dois arestos se situe no princípio da especialização dos exercícios, não deixa de sumariar esta interpretação.
[6] A este propósito veja-se o próprio preâmbulo do CIRC que, no seu n.º 10 declara que [entre contabilidade e fiscalidade] está afastada uma separação absoluta ou uma identificação total, continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extra contabilisticamente, as correções - positivas ou negativas - enunciadas na lei para tomar em consideração os objetivos e condicionalismos próprios da fiscalidade.
[10] Acórdão do STA de 02-02-2022, [Paula Cadilhe Ribeiro], processo n.º 02421/15.5BEPRT, acessível em www.dgsi.pt, consultado em 19-08-2022.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-08-1998, [Jorge Lopes de Sousa], proc. n.º 022612, acessível em www.dgsi.pt.