Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 60/2022-T
Data da decisão: 2022-08-03  IVA  
Valor do pedido: € 74.046,54
Tema: IVA - Atividade marítimo turística; Verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA; natureza inovadora ou interpretativa da nova redacção; informações vinculativas.
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SUMÁRIO

Padece de vício de violação da lei, por violação do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária, a prática de um ato que contrarie o firmado numa orientação genérica, qualquer que seja a forma que essa orientação tome se, à data em que foram praticados os factos, a AT tiver produzido informações vinculativas, divulgadas como fichas doutrinárias, que apontavam no sentido do tratamento autónomo para efeitos de IVA do transporte marítimo de passageiros, mesmo quando este possuísse finalidades turísticas e mesmo quando lhe fossem associados serviços diferentes, desde que faturados com autonomia.

 

Decisão Arbitral

Os árbitros Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues (árbitro-presidente), Dr. Rui Miguel Zeferino Ferreira e Dr. Paulo Ferreira Alves, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20-04-2022, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

A..., Lda., pessoa coletiva contribuinte fiscal n.º ..., com sede na ..., ..., ... (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação os atos de liquidação adicional de IVA relativo ao exercício de 2017, bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios, de onde resultou um montante total a pagar de € 74.046,54, e pede ainda reembolso daquela quantia, com juros indemnizatórios, e indemnização pela prestação de garantia indevida, apresentando em suma os seguintes argumentos:

Defende a ausência das liquidações de imposto, que a Requerente não foi notificada dos atos de liquidação de imposto que estiveram na origem, da emissão das demonstrações de acerto de contas n.º 2021..., 2021..., 2021..., 2021... e 2021..., e 2021... . 

Mais sustenta que ao não ter sido notificada, ficou prejudicado quer o efetivo conhecimento da sua concreta situação tributária, quer os valores e taxas que estiveram na origem do apuramento dos valores cobrados mediante a emissão das demonstrações de acerto de contas, não conseguindo determinar quais os valores de imposto que estiveram na base do apuramento dos alegados juros compensatórios. Resulta, assim, a falta de fundamentação dos atos tributários aqui impugnados.

Defende, que nos atos tributários notificados não são explicitados todos os fundamentos, que determinam a sua emissão, sendo apenas indicado um conjunto de valores, o exercício, e o imposto a que respeitam, sem qualquer identificação quanto à sua natureza/origem, totalmente impercetíveis para um destinatário normal.

A Requerente, quanto às correções efetuadas, sustenta que ainda que se entendesse que o transporte de passageiros em atividades marítimo-turísticas não se encontrasse respaldado na letra da verba da 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA, a Administração Tributaria estaria sempre adstrita a atuar em conformidade com a suas decisões e posições anteriormente estabelecidas à luz da mesma lei.

Refere que a posição da AT relativamente à aplicação da taxa reduzida de IVA às atividades da Requerente, determina a aplicação desta verba aos passeios marítimo-turísticos, foi alterada apenas em 2018, ou seja, posteriormente à data dos factos ora em análise, o que determina uma aplicação retroativa de uma nova interpretação da AT, desde logo, violadora dos princípios da boa-fé, da igualdade e da confiança.

Por outro lado, muito embora a redação vigente, em 2017 não fizesse menção expressa ao transporte de pessoas no âmbito de atividades marítimo-turística, a inclusão acabou por suceder em 2018, tendo tal alteração espelhado a interpretação que havia sido atribuída à norma antiga, quer pelos sujeitos passivos, quer pela própria AT no âmbito das orientações genéricas publicadas até 2018.

A Requerente organiza e realiza viagem marítimas, em que o principal serviço é o transporte de passageiros, cerca de 80% da atividade da Requerente corresponde à recolha e transporte de passageiros na marina de ... até uma praia que apenas dispõe de acesso marítimo, e à recolha e transporte de passageiros na Marina de ..., até as grutas de ... .

A Requerente sustenta ainda a falta de fundamentação do relatório de conclusões, no caso a AT limitou-se a elencar meros juízos conclusivos, furtando-se a uma concreta fundamentação de facto e de direito que esclarecesse as correções de imposto realizadas.

Ao abrigo da referida ação inspetiva, os serviços de inspeção concluíram que as prestações de serviços realizadas pela Requerente têm natureza complexa, em que o serviço de transporte é apenas um dos elementos necessários à prossecução da finalidade dessa prestação de serviços e, como tal estão excluídas do âmbito da aplicação da verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA, estando portanto sujeitas às regras gerais do imposto, pelo que devem ser tributadas à taxa normal de 23%, de acordo com o previsto no art.º 18.º n.º 1 al. a) do referido Código. 

A atividade da Requerente não é o transporte de passageiros propriamente dito, mas antes a prestação de um serviço enquadrável no conceito de animação turística, em que o transporte dos participantes é um dos elementos necessários à sua prossecução e não o seu fim. O que a Requerente oferece são programas turísticos completos com caraterísticas lúdicas e de lazer, como sejam passeios de barco pela costa, programas de pesca ou aluguer de embarcações tripulada para passeios, festas e eventos (chamados “privados”). 

Nestes programas põe à disposição dos clientes diversos serviços para além do transporte, tais como: staff com conhecimentos específicos, visitas guiadas, drink de boas-vindas, serviço de alimentação e bebidas quer a bordo quer na praia (alimentação e bebida discriminadas nas faturas), faculta equipamento de pesca e isco em alguns tours de pesca, atividades aquáticas como kayak, snorkel ou stand up padel, animação, possibilidade de nadar e fazer praia, possibilidade de observação de golfinhos, etc.

Defende que a atividade da Requerente tem enquadramento no conceito de prestação de serviços de animação turística e não de um simples transporte de passageiros cujo objetivo é apenas a satisfação da necessidade de mobilidade de um local para outro. Conforme é publicitado pela própria empresa, “a nossa missão é tornar o seu dia diferente e inesquecível” e não transportar as pessoas entre diferentes locais. 

É Requerida a Autoridade Tributária E Aduaneira (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 08-02-2022

Em 30-03-2022, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 20-04-2022.

A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, contra-argumentando em suma, o seguinte:

A atividade da Requerente não é o transporte de passageiros propriamente dito, mas antes a prestação de um serviço enquadrável no conceito de animação turística, em que o transporte dos participantes é um dos elementos necessários à sua prossecução e não o seu fim. 

O que a Requerente oferece são programas turísticos completos com caraterísticas lúdicas e de lazer, como sejam passeios de barco pela costa, programas de pesca ou aluguer de embarcações tripulada para passeios, festas e eventos (chamados “privados”). 

Nestes programas põe à disposição dos clientes diversos serviços para além do transporte, tais como: staff com conhecimentos específicos, visitas guiadas, drink de boas-vindas, serviço de alimentação e bebidas quer a bordo quer na praia (alimentação e bebida discriminadas nas faturas), faculta equipamento de pesca e isco em alguns tours de pesca, atividades aquáticas como kayak, snorkel ou stand up padel, animação, possibilidade de nadar e fazer praia, possibilidade de observação de golfinhos, etc.

Sustenta que a atividade da Requerente tem enquadramento no conceito de prestação de serviços de animação turística e não de um simples transporte de passageiros cujo objetivo é apenas a satisfação da necessidade de mobilidade de um local para outro. Conforme é publicitado pela própria empresa, “a nossa missão é tornar o seu dia diferente e inesquecível” e não transportar as pessoas entre diferentes locais. 

Assim, as prestações de serviço da Requerente não podem ser enquadradas na verba 2.14 da lista I anexa ao Código do IVA, face à redação que este normativo tinha no ano de 2017.

Mais defende a Requerida, que a questão colocada é se a nova redação, apesar de não ter sido expressamente qualificada como interpretativa, pode ser assim considerada. Que o uso desta expressão não contém qualquer elemento gramatical, expresso ou tácito que aponte para o seu carácter interpretativo, mas sim para um carácter inovador.

 O legislador poderá ter sido movido por uma intenção clarificadora da aplicação da verba em causa, mas claramente com efeitos inovadores e como tal de aplicação no futuro. 

Em relação à problemática das informações vinculativas, alega que são prestadas pela AT em resposta a um pedido apresentado relativamente a uma situação tributária de um determinado sujeito passivo e apenas são vinculativas quanto ao objeto do pedido (cf. nº 14 do art.º 68º da Lei Geral Tributária), ou seja, especificamente para aquela situação/sujeito passivo. 

Tendo um caráter individual e concreto, as posições vertidas nas informações vinculativas não vinculam a AT na sua extrapolação para outros quadros factuais (ainda que semelhantes) e/ou outros sujeitos passivos. 

Mais refere que, nos termos do n.º 1 do art.º 68º-A a AT, está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza.

Assim, entende que as prestações de serviço da Requerente não podem ser enquadradas na verba 2.14 da lista I anexa ao Código do IVA.

E que o dever de fundamentação dos atos tributários foi plenamente cumprido pela AT, não existindo qualquer prejuízo para o direito de defesa da Requerente, como, aliás, resulta do teor do presente pedido de pronúncia arbitral.

Entende que, subsistindo dúvidas quanto à fundamentação dos atos de liquidação adicional de IVA em apreço, sempre caberia à Requerente lançar mão do disposto no art. 37º do CPPT, solicitando que lhe fosse notificada a fundamentação das liquidações em apreço.

Quanto à ilegalidade dos juros compensatórios, entende a Requerida que se encontram devidamente fundamentados, resultando da aplicação das normas legais referidas nas notas demonstrativas do seu cálculo, pelos períodos aí expresso e à taxa legalmente prevista.

Sendo a culpa do contribuinte um pressuposto associado à falta de entrega do imposto por facto que lhe é imputável, uma vez que o imposto em falta resulta do não cumprimento pela Requerente dos dispositivos legais que fundamentam as correções propostas no RIT.

Quanto ao pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, a sua apreciação tem sede própria na execução do julgado, caso a sua pretensão seja julgada procedente, aí havendo lugar, sendo esse o caso, à verificação dos respetivos pressupostos legais e à sua quantificação.

Quanto à ilegalidade da liquidação de juros de mora, também nesta parte a Requerida entende que a Requerente não tem razão, uma vez que se encontram devidamente fundamentados nas notificações efetuadas, resultando da aplicação das normas legais referidas nas notas demonstrativas do seu cálculo, pelos períodos aí expresso e à taxa legalmente prevista.

Termina a Requerida peticionando a improcedência do pedido arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.

Por despacho de 27-06-2022 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, e proceder ao aproveitamento da prova produzida no processo n.º 243/2021-T.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas. 

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto 

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

A.         A Requerente é uma sociedade por quotas, que tem por objeto a prestação de serviços de transporte de passageiros no âmbito de atividades marítimo-turísticas, com especial enfoque na prestação de serviços de transporte marítimo.

B.         A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção externo, com referência ao ano de 2017, titulado pela ordem de serviço n.º O2018..., que teve início em 8 de junho de 2021 e terminou em 13 de setembro de 2021.

C.         Em 29 de Julho de 2021, a Requerente foi notificada do projeto de Relatório de Inspeção Tributaria, e em 15 de Setembro de 2021, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributaria.

D.         A Requerente foi notificada dos seguintes atos:

Atos de demonstração de acerto de contas, n.º 2021..., 2021..., 2021..., 2021... e 2021..., e 2021..., no valor de 65.013,83€.

Atos de liquidação de IVA n.ºs 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 20217... . 

Atos de liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., 2021..., 2021..., 2021... .

Ato de liquidação de juros moratórios n.º 2021... .

Atos demonstrações de acerto de contas n.º 2021..., 2021..., 2021... . 

E.         A Requerente encontra-se registada no Registo Nacional de Turismo como agente de animação turística (registo n.º .../2010) com autorização para o exercício das seguintes atividades: aluguer de embarcações com tripulação, passeios marítimo-turísticos e Pesca Turística.

F.          Em sede de IVA está enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral desde 1991-11-14, e em sede de IRC no regime geral com contabilidade organizada por exigência legal informatizada.

G.         A Requerente entregou as suas declarações periódicas de onde foi aplicada a taxa reduzida de imposto (6%), prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 18º do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (CIVA), cujos valores da base tributável e imposto liquidado foram inscritos nos campos 1 e 2 das declarações periódicas de IVA.

H.         A Requerente referente a estas operações inscreveu nas suas declarações periódicas de IVA do ano de 2017 os seguintes valores: 

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

I.           No SAFT de faturação relativo a 2017 constam os seguintes descritivos do produto para as operações em que foi liquidado IVA à taxa reduzida de imposto: “barco privado”; “Cruzeiro à Vela ...”; “cruzeiro à vela ...”; “Cruzeiro às Grutas”; “Cruzeiro ás grutas...”; “Island Tour – Ad”; “kayak”; “Pesca ao Fundo (Dia Inteiro) – Spectator”; “Pesca ao Fundo (meio dia) – Spectator”; “Pesca ao Tubarão – Spetator”; “Privado”; “Reef half day...”; “Rock´s & caves ...”; “Rock´s & Caves ... Kid”; “Sailing & Barbecue - transporte -época alta”; “Sunset Emotion (Cruzeiro de Pôr do Sol) Ad”; “Sunset Emotion (cruzeiro por do sol) ...”; “TDF- Spec”; “Transp. mar. BFF Adu”; “Transp. mar. BFF Kid”; “Transporte Marítimo”; “Transporte SBC kid”.

J.          Através do ofício n.º ... datado de 2021-07-05 e do ofício n.º ... datado de 09-07-2021, o sujeito passivo foi notificado no dia 19-07-2021, do projeto de correções do relatório de inspeção, para no prazo de 15 dias exercer o direito de audição, ao abrigo dos artigos 60º da Lei Geral Tributária e 60º do Regime Complementar de Inspeção Tributária e Aduaneira.

K.         Nesse seguimento, o sujeito passivo dentro do prazo de 15 dias, pronunciou-se por escrito, tendo sido rececionado pelos serviços em 29-07-2021.

L.          A AT procedeu à correção em sede IVA alterando a taxa reduzida de 6% para a taxa normal de 23%, procedendo a seguinte correção:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

M.        Em 27-11-2020, a Requerente entregou declaração de alteração, os CAE da sua atividade passaram a ser os seguintes: CAE principal: 50102 – Transportes Costeiros e Locais de Passageiros; ii. CAE secundário 1: 93293 – Organização de Atividades de Animação Turística; iii. CAE secundário 2: 52220 – atividades Auxiliares dos Transportes por Água 

N.         A Requerente estava registada no Registo Nacional de Turismo, como agente de animação turística com autorização para o exercício de aluguer de embarcações com tripulação, passeios marítimo-turísticos e pesca turística.

O.         A Requerente efetua prestações de serviço marítimo-turísticas consistindo num conjunto de atividades desenvolvidas no mar, e vão desde os passeios junto à costa, visitas a grutas, pesca desportiva de fundo, pesca ao tubarão, observação de golfinhos e passeios com refeição a bordo.

 

2.2. Factos não provados 

Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos junto pela Requerente, os que constam do processo administrativo e da prova testemunhal realizada no âmbito do processo arbitral n.º 243/2021-T.

 

3. Matéria de direito 

Atendendo às posições assumidas pelas partes nos seus articulados, o pedido de pronúncia arbitral a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar a legalidade das demonstrações de acerto de contas n.º 2021..., 2021..., 2021..., 2021... e 2021..., e 2021.... 

A Requerente, em suma, alegou a ausência de notificação das liquidações de imposto, a falta de fundamentação dos atos de liquidação, a falta de fundamentação do relatório de conclusões, erro na aplicação da taxa de IVA, violação do disposto no art. 68.º-A da LGT e erro na quantificação do IVA devido.

A Requerida contra-alegou no sentido de que a Requerente foi notificada das correções efetuadas à excessos a reportar, o que gerou acertos na sua conta corrente, pelos montantes que lhe foram notificados e sobre os quais incidiram juros compensatórios, contados desde o dia seguinte à data-limite para entrega da respetiva declaração periódica, bem como juros de mora até à regularização do imposto. Que os atos se encontram corretamente fundamentados, além de claros, suficientes e congruentes, a fim de que o sujeito passivo possa apreender as razões de facto e de direito que sustentam a prática daquele ato, o dever de fundamentação dos atos tributários foi plenamente cumprido pela AT. Mais referiu, que as liquidações não são ilegais por violação do disposto no nº 2 do art. 68º A da LGT ou por violação da verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA e que a forma de cálculo do IVA em falta está não esteja correta uma vez que esse cálculo incidiu, como não podia deixar de ser, sobre a importância da prestação tributária objeto de imposto, sobre a qual incide a respetiva taxa.

 

      i.         ausência de notificação das liquidações de imposto, a falta de fundamentação dos atos de liquidação e a falta de fundamentação do relatório de conclusões

Iniciaremos pela análise dos alegados vícios, em concreto, a ausência de notificação das liquidações de imposto, da falta de fundamentação dos atos de liquidação e da falta de fundamentação do relatório de conclusões.

A Requerente, sustenta, que não foi notificada de quaisquer atos de liquidação de imposto, tendo sido apenas notificada das demonstrações de acerto de contas referente ao IVA do período de 2017, mais sustenta que as demonstrações de acerto de contas já identificados e o relatório de conclusões não cumprem com os requisitos previstos no artigo 77.º da LGT, não resultando a suficiente fundamentação dos mesmos, nem de facto nem de direito.

Sobre a alegada ausência de notificação das liquidações de imposto, resulta da factualidade supra descrito, que a Requerente foi corretamente notificada dos atos aqui em análise, pelo que improcede o vício invocado pela Requerente.

Sobre a alegada falta de fundamentação dos atos de liquidação e relatório de conclusões, vejamos se lhe assiste razão.

O nº1 e 2 do artigo 77º da LGT determina que “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo as que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) preconiza que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro – vide a título de exemplo os acórdãos do STA, processos n.ºs 065/09, de 15 de abril de 2009, e 01114/05, de 2 de Fevereiro de 2006. 

Diz-nos JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, que a insuficiência da fundamentação conduz a um vício de forma equivalente à falta de fundamentação, quando for manifesta – cf. O Dever da Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, Coleção Teses, 2003, Almedina, pp. 232-239. 

A fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que o praticou, i.e., quando um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (cf. acórdãos do STA, processos n.ºs 0512/17, de 14 de março de 2018, 42180, de 20 de novembro de 2002, e 46796, de 14 de março de 2001.

Com efeito, para se atingir aquele objetivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual, sendo a fundamentação do ato administrativo-tributário suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.

Acresce referir que a exigência legal de fundamentação se prende por razões, que:

“(…) vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o ato, até à garantia da transparência e da ponderação da atuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do ato.” [cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, e Jorge Lopes de Sousa – Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 3.ª edição, Lisboa, Vislis, 2003, pág. 382.].

Ora, retomando os autos, resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo da Requerente quer através do exercício do direito de audição, quer através do presente pedido de pronúncia arbitral que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance dos atos de liquidação e do relatório de conclusões. 

Pelo exposto, não se pode deixar de concluir, como conclui a boa jurisprudência, que:

“Não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido…”, [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0105/12 de 30-01-2013].

A liquidação de IVA em crise resulta de correções devidamente especificadas no relatório de inspeção tributária, de que a Requerente foi devidamente notificada. Também o relatório emitido pela AT que sustenta as mesmas, encontram-se igualmente devidamente fundamentado.

Em conclusão, é assim manifesto e inquestionável que a Requerente identicamente demonstrou ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral, uma perfeita compreensão dos atos ora em crise, motivo pelo qual improcede o vício invocado pela Requerente.

 

    ii.         Da ilegalidade das liquidações por erro de direito cometido pela Requerida na interpretação e aplicação da verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA referente a bens e serviços sujeitos à taxa reduzida e da ilegalidade das liquidações de imposto por violação do art. 68.º-A da LGT.

Aqui chegados, é altura de abordar, em especial, as questões suscitadas pela Requerente de ilegalidade das liquidações por erro de direito cometido pela Requerida na interpretação e aplicação da verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA referente a bens e serviços sujeitos à taxa reduzida, referente ao ano de 2017, e da violação do disposto no art. 68.º-A da LGT.

São duas as questões que aqui se discute, primeira se os serviços prestados pela Requerente estão abrangidos pela verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA e qual o alcance da alteração legislativa à norma Lei º 71/2018, de 31 de dezembro, e a segunda questão saber se existe violação do disposto no art. 68.º-A da LGT atendendo às informações assumidas pela AT quanto à aplicação desta Verba aos transportes marítimo-turísticos.

Refira-se que a Requerente já foi alvo de correções efetuadas pela AT em sede de IVA com base nos mesmos fundamentos aqui em apreciação, em concreto da aplicação da Verba 2.14, da lista I anexa ao Código do IVA, aos serviços e atividade relativos ao transporte de passageiros no âmbito de atividades marítimo-turísticas, referente aos anos de 2015 e 2016. 

Essas liquidações foram impugnadas pela Requerente e alvo de pronúncia arbitral, concretamente, nos processos arbitrais n.º 450/2020-T de 29 de novembro de 2021 e n.º 243/2021-T de 5 de março de 2022. Sucintamente foi decidido, em ambos os processos, que as correções não violaram a Verba 2.14, da lista I anexa ao Código do IVA, contudo existiu violação do disposto no art. 68.º-A da LGT por parte da AT.

Retomando a análise do caso sub judice, vejamos à data dos factos a verba 2.14 da lista I anexa ao CIVA (antes da entrada em vigor da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro) tinha a seguinte redação:

“Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar.”

Nos termos do Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 108/2009 de 15.05.2009:

“1 - São consideradas actividades próprias das empresas de animação turística, a organização e a venda de actividades recreativas, desportivas ou culturais, em meio natural ou em instalações fixas destinadas ao efeito, de carácter lúdico e com interesse turístico para a região em que se desenvolvam.

Dispõe o artigo 4.º do mesmo diploma:

“(…) 2 - As actividades de animação turística desenvolvidas mediante utilização de embarcações com fins lucrativos designam-se por actividades marítimo-turísticas e integram as seguintes modalidades:

a) Passeios marítimo-turísticos;

b) Aluguer de embarcações com tripulação;

c) Aluguer de embarcações sem tripulação;

(…)”

Estando em causa “serviço de transporte”, a que é inerente a respetiva relação contratual, regulada pelo direito comercial, não decorrendo da lei fiscal um conceito próprio, não pode deixar de se aplicar o artigo 11º, nº 2, da Lei Geral Tributária que determina o seguinte:

“Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”.

Da matéria de facto considerada provada, a Requerente realiza prestações de serviço marítimo-turísticas, designadamente um conjunto de atividades desenvolvidas no mar, que vão desde os passeios junto à costa, visitas a grutas, pesca desportiva de fundo, pesca ao tubarão, observação de golfinhos e passeios com refeição a bordo. No exercício desta atividade a Requerente faturou valores aos seus clientes e liquidou nos períodos a que respeitam as liquidações objeto do presente processo, IVA à taxa reduzida relativamente ao transporte de passageiros e ao aluguer de embarcação com tripulação.

Atendendo ao exposto, realçamos o decidido no processo 450/2020-T:

“A Requerente dedica-se à prestação de serviços de passeios de barco junto à costa, visitas a grutas, pesca desportiva, pesca ao tubarão, observação de golfinhos. Como é bom de ver, a necessidade económica que a prestação de serviços efetuados pela Requerente visa satisfazer não são as mesmas que as do contrato de transporte. No primeiro caso, são necessidades lúdicas. No segundo caso visa-se satisfazer as necessidades de mobilidade e deslocação das pessoas.

É certo que, no âmbito passeios de barco os clientes da Requerente também são transportados, mas tal transporte é instrumental relativamente à atividade lúdico/turística, não sendo a deslocação a necessidade económica que a atividade do transportador visa prosseguir, ao passo que no contrato de transporte a deslocação do utente do serviço constitui o cerne do objeto negocial.

O serviço de passeio de barco é um todo, do qual o transporte é uma componente que naquele se dilui, carecendo de sentido fora do conjunto de que faz parte. Está imbrincado com as finalidades e serviços globais inerentes ao passeio. Não se subsume, pois, no conceito de transporte de pessoas sendo, aliás, manifestamente, uma realidade de tipo diferente, expressamente qualificada pela Lei como “actividades marítimo-turísticas” na modalidade de “Passeios marítimo-turísticos”.

Esta conclusão está em harmonia com a teleologia da norma em causa que é a redução da oneração ao consumidor dum serviço essencial, não se encontrando abrangido pela letra, nem pelo espírito da norma, as “actividades marítimo-turísticas”. Assim, os atos tributários em causa não violaram o disposto na verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, na redação anterior à conferida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.”

Refira-se igualmente, que a questão das atividades marítimo-turísticas foi igualmente alvo de pronúncia no processo n.º 132/2019-T:

“Requerente dedica-se à prestação de serviços de passeios de barco a grutas, para pesca ou observação de golfinhos, festas de barco, e atividades de parasailing.

Como é bom de ver, a necessidade económica que a prestação de serviços efetuados pela Requerente visa satisfazer não são as mesmas que as do contrato de transporte. No primeiro caso, são necessidades lúdicas. No segundo caso visa-se satisfazer as necessidades de mobilidade e deslocação das pessoas.

É certo que, no âmbito passeios de barco os clientes da Requerente também são transportados, mas tal transporte é instrumental relativamente à actividade lúdico/turística, não sendo a deslocação a necessidade económica que a atividade do transportador visa prosseguir, ao passo que no contrato de transporte a deslocação do utente do serviço constitui o cerne do objeto negocial.

O serviço de passeio de barco é um todo, do qual o transporte é uma componente que naquele se dilui, carecendo de sentido fora do conjunto de que faz parte. Está imbrincado com as finalidades e serviços globais inerentes ao passeio. Não se subsume, pois, no conceito de transporte de pessoas sendo, aliás, manifestamente, uma realidade de tipo diferente, expressamente qualificada pela Lei como “actividades marítimo-turísticas” na modalidade de “Passeios marítimo-turísticos”.

Esta conclusão está em harmonia com a teleologia da norma em causa que é a redução da oneração ao consumidor dum serviço essencial, não se encontrando abrangido pela letra, nem pelo espírito da norma, as “actividades marítimo-turísticas”.

Assim, os atos tributários em causa não violaram o disposto na verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, na redacção anterior à conferida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro,”.

E em igual sentido, a decisão arbitral no processo n.º 243/2021-T.

Aderindo por inteiro à jurisprudência enunciada, e retomando os autos, temos que a Requerente efetua prestações de serviço marítimo-turísticas, designadamente um conjunto de atividades desenvolvidas no mar, que vão desde os passeios junto à costa, visitas a grutas, pesca desportiva de fundo, pesca ao tubarão, observação de golfinhos e passeios com refeição a bordo. 

Ora a necessidade económica que a prestação de serviços efetuados pela Requerente visa satisfazer não é a mesma que a do contrato de transporte em que a deslocação do utente do serviço constitui o cerne do objeto negocial.

Já no âmbito dos passeios de barco os clientes da Requerente também são transportados, mas tal transporte é instrumental relativamente à atividade lúdico/turística.

Com efeito, a atividade da Requerente, serviço de passeio de barco é um todo, do qual o transporte é uma componente que naquele se dilui, carecendo de sentido fora do conjunto de que faz parte. Não se subsume, pois, no conceito de transporte de pessoas sendo, aliás, manifestamente, uma realidade de tipo diferente, expressamente qualificada pela Lei como “atividades marítimo-turísticas” na modalidade de “Passeios marítimo-turísticos”.

No que concerne à questão interpretativa da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, veio conferir à verba 2.14 da Lista I a seguinte redação:

2.14 - Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar, bem como o transporte de pessoas no âmbito de atividade marítimo-turísticas.

A Requerente sustenta a natureza interpretativa da lei e a sua consequente aplicação aos factos tributários em causa.

Contudo, e seguindo a mesma linha de raciocínio vertida nos processos Arbitrais n.º 132/2019-T, e igualmente nos processos 450/2020-T e 243/2021-T, entendemos que. com a Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, o legislador limitou-se a acrescentar à lei antiga um segmento normativo com o seguinte conteúdo: “bem como o transporte de pessoas no âmbito de atividade marítimo-turísticas.”.

Ora, do uso desta expressão resulta apenas uma extensão do âmbito da isenção não havendo, na letra da lei, qualquer elemento hermenêutico, expresso ou tácito, que aponte para o carácter interpretativo da lei antiga, antes apontando, para o seu carácter claramente inovador.

Tal como foi decidido nos referidos processos de arbitragem, não resultando do texto da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, qualquer elemento gramatical, expresso ou tácito, que aponte para o seu carácter interpretativo, não pode o intérprete atribuir-lhe tal carácter, pois como escreve, ainda, Batista Machado “O texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei”. (Op. Cit., p. 182)

Em síntese, o legislador terá sido movido por uma intenção clarificadora do regime em causa, mas claramente com efeitos inovadores e, por conseguinte, de aplicação para o futuro, nos termos do artigo 13.º do Código Civil. 

Nesta conformidade, conclui este tribunal que os serviços em causa, à data dos factos tributários, não se subsumiam na norma de redução de taxa em questão, nem lhes é aplicável a redação da norma decorrente da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, pelo que a Requerida, ao praticar os atos tributários objeto do processo, não violou a lei substantiva, não padecendo as liquidações de vício de violação de lei com esse fundamento.

Pelo anteriormente exposto, os atos tributários em causa não violaram o disposto na verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, na redacção anterior à conferida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.

Passamos agora a apreciar o vício alegado pela Requerente de ilegalidade das liquidações de imposto por violação do art. 68.º-A da LGT.

A Requerente, alegou, que à data dos factos, no exercício de 2017, a doutrina administrativa disponível, nomeadamente a informação vinculativa n.º 1768, emitida por despacho de 8 de abril de 2011, determinava de forma expressa e inequívoca, o enquadramento do transporte de passageiros em atividades marítimo-turísticas no âmbito da verba 2.14 da Lita I anexa ao código do IVA, na redação que esta tinha aquela data.

A Requerida contra-alegou, que informações vinculativas prestadas pela AT em resposta a um pedido apresentado relativamente a uma situação tributária de um determinado sujeito passivo e apenas são vinculativas quanto ao objeto do pedido (cf. nº 14 do art.º 68º da Lei Geral Tributária), ou seja, especificamente para aquela situação/sujeito passivo. Tendo um caráter individual e concreto, as posições vertidas nas informações vinculativas não vinculam a AT na sua extrapolação para outros quadros factuais (ainda que semelhantes) e/ou outros sujeitos passivos.

Vejamos o que dispõe a lei sobre esta matéria, designadamente o que estabelece o artigo 68.º-A da LGT “1 - A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias.”

A questão da vinculação da AT às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, já foi alvo de pronúncia pela jurisprudência em diversas ocasiões, em concreto realçamos os acórdãos n.º 142/2012-T, n.º 69/2013-T, n.º 123/2013-T e n.º 443/2018-T do CAAD, o n.º 3078/05.7BELSB do TCA Sul e o n.º 01023/09 e n.º 0583/12 do Supremo Tribunal Administrativo.

Estas decisões sentenciam essencialmente que “não foram alegados nos autos factos suficientes para fundamentar o juízo de que a “questão de direito relevante tenha sido apreciada no mesmo sentido em três pedidos de informação ou seja previsível que o venha a ser”, o que seria necessário para concluir que, efetivamente a Administração Tributária teria violado o dever jurídico que, em função dessa norma lhe assistiria” (neste caso, a contrario, que apenas a falta de factos suficientes impediu que se considerasse convertida a interpretação em orientação genérica); “[u]m afloramento desta interpretação do princípio da igualdade está ínsita no regime do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT [anterior art. 68.º, n.º 4, alínea b)], que impõe à Administração Tributária a observância das orientações genéricas que estejam em vigor no momento do facto tributário, proibindo a aplicação retroativa de novas orientações genéricas, o que significa que estas podem ser alteradas” ; que “[é] por (…) motivos, de inegável relevância constitucional, que se estabelece que as próprias informações vinculativas – todas sujeitas a publicação – devem ser convertidas em circulares administrativas, logo que verificados os pressupostos do artigo 68º-A n.º 3 da LGT” ; que “independentemente de ser ou não correta a interpretação da lei constante de orientações genéricas, tem de se concluir que enfermam de vício de violação de lei, por incompatibilidade com os citados artigos 68.º, n.º 4, alínea b), e 68.º-A, n.º 1, os atos que a Administração Tributária pratique em dissonância com essas orientações”.

Além disto, sublinha-se ainda que “as circulares não constituem regras de decisão para os tribunais e que a circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada, em face do disposto no atual artigo 68.º-A, n.º 1, da Lei Geral Tributária, às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário, não altera esta perspetiva, porque elas não têm força vinculativa nem para os particulares nem para os tribunais”, reafirmando-se que “a Administração Tributária fica vinculada ao teor das circulares que emite sobre o entendimento das normas tributárias aplicáveis, sendo certo que tal vinculação decorre de forma expressa e inequívoca do disposto no artigo 68.º, n.º 4, alínea b) da LGT (atual 68.º-A n.º 1 da LGT) e constitui uma decorrência necessária dos princípios da boa-fé e da igualdade, que presidem ao exercício da actividade administrativa (artigo 266.º n.º 2 da Constituição da República) ” e ainda que “[o] objetivo subjacente à emissão destas orientações genéricas é dotar os contribuintes de um instrumento que os esclareça sobre a interpretação que a AT faz num determinado caso, conferindo segurança adicional em termos de previsibilidade da atuação administrativa” .

Realçamos igualmente as decisões proferias pelo Tribunal Arbitral nos processos 132/2019-T de 3 de março de 2020, n º 450/2020-T de 29 de novembro de 2021 e n.º 243/2021-T de 5 de março de 2022, já citadas, que especificamente relevam sobre a aplicabilidade das informações vinculativas às atividades marítimo-turísticas.

Conforme foi decidido no acórdão 132/2019-T “(…) até à viragem verificada em 2017 e 2018, era legítimo aos sujeitos passivos presumir que “se a factura que titula a referida prestação de serviços (Passeio Turístico), discriminar as operações de acordo com a sua natureza, a taxa a aplicar será a que lhes corresponder, nomeadamente: - No caso do transporte de passageiros 6%, de acordo com a verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA; - Relativamente às prestações de serviços de alimentação e bebidas 13%, de acordo com a verba 3.1 da Lista I anexa ao CIVA” – Informação Vinculativa n.º 1768. (…)

Além disto, é seguro que, à data em que foram praticados os factos, tinha a AT produzido informações vinculativas, divulgadas como fichas doutrinárias, que apontavam no sentido do tratamento autónomo para efeitos de IVA do transporte marítimo de passageiros, mesmo quando este possuísse finalidades turísticas e mesmo quando lhe fossem associados serviços diferentes, desde que facturados com autonomia, como sucedeu efectivamente no presente caso.

Tendo sido instada por sucessivas vezes a clarificar o enquadramento deste tipo de actividades, a AT não foi capaz de enquadrá-las de forma inteiramente clara nem coerente, gerando uma situação de incerteza entre os operadores que obrigaria mais tarde à intervenção legislativa.” 

Com efeito, no exercício de 2017 a doutrina administrativa disponível, nomeadamente a Informação Vinculativa n.º 1768, emitida por Despacho de 8 de abril de 2011, determinava de forma expressa e inequívoca o enquadramento do transporte de passageiros em actividades marítimo-turísticas no âmbito da Verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redacção que esta tinha àquela data.

A este respeito, pode ler-se na referida Informação Vinculativa:“(…) o transporte de passageiros, individual ou coletivo, por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico, é passível de imposto à taxa reduzida (6%), por enquadramento na citada verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA”, esclarecendo, ainda que, nos casos em que sejam prestados outros serviços “se a fatura que titula a referida prestação de serviços (Passeio Turístico), discriminar as operações de acordo com a sua natureza, a taxa a aplicar será a que lhes corresponder, nomeadamente: -No caso do transporte de passageiros 6%, de acordo com a Verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, (...)”.

No mesmo sentido, é de referir a Informação Vinculativa n.º 2283 emitida em 3 de Agosto de 2011, segundo a qual:“(…) se durante o transporte de passageiros forem prestados serviços de alimentação e bebidas, designadamente serviço de snack-bar, e se na fatura constarem discriminados, ao transporte de passageiros deve-se aplicar a taxa reduzida de 4% e às refeições a taxa intermédia de 9% (…)”

e, ainda, a Informação Vinculativa n.º 1153, emitida por Despacho de 29 de Setembro de 2012, subscrito pelo Senhor Diretor Geral do IVA que vem reiterar o entendimento já estabelecido, segundo o qual:“os passeios marítimo-turísticos consubstanciados no mero transporte de passageiros tal como se encontra definido na citada verba 2.14, são tributados à taxa reduzida de 4% (se efetuados na RAM) por enquadramento na referida verba”.~

Ainda que se entendesse que o transporte de passageiros em atividades marítimo-turísticas não encontrasse respaldo na letra da Verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA, a AT estaria sempre adstrita a atuar em conformidade com as suas decisões e posições anteriormente estabelecidas à luz da mesma lei.

Conforme ficou devidamente demonstrado, inclusive, pela prova testemunhal produzida, o que a Requerente efetua é precisamente o transporte marítimo, estando inclusivamente vinculada às regras de segurança do sector dos transportes marítimos.

Com efeito, no caso em apreço, os factos tributários subjacentes aos atos de liquidação emitidos ocorreram durante o exercício de 2017, momento anterior à alteração do entendimento preceituado na doutrina administrativa disponibilizada pela AT.

Face à legislação exposta, à doutrina e da jurisprudência elencada, entendemos que padece de vício de violação da lei a prática de um ato que contrarie o firmado numa orientação genérica, qualquer que seja a forma que essa orientação tome.

Além disso, é seguro que, à data em que foram praticados os factos, tinha a AT produzido informações vinculativas, divulgadas como fichas doutrinárias, que apontavam no sentido do tratamento autónomo para efeitos de IVA do transporte marítimo de passageiros, mesmo quando este possuísse finalidades turísticas e mesmo quando lhe fossem associados serviços diferentes, desde que facturados com autonomia, como sucedeu efectivamente no presente caso.

Em face do exposto, impõe-se a este coletivo concluir pela invalidade dos atos de liquidação praticados, por violação do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária, pelo que fica prejudicado o conhecimento da invocada ilegalidade das liquidações por violação do art. 70º, nº 1, da Lei Geral Tributária em conjugação com o artigo 27º, nº 1, al. c) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária.

Termos em que procede o pedido arbitral e em consequência devem ser anuladas as liquidações adicionais de IVA impugnadas e respetivos juros, com todas as consequências legais.

 

4. Questões de Conhecimento Prejudicado 

Na sentença a proferir deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada à questão relativa à aplicação da taxa de IVA, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões incluídas no pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

5. Da indemnização por prestação de garantia indevida

A Requerente termina pedindo indemnização por custos incorridos com a garantia prestada nos respetivos processos de execução.

Não ficou provado, que, na pendência desta ação, a Requerente tenha prestado efetivamente garantia num processo de execução fiscal.

Assim sendo, improcede o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, sem prejuízo da sua apreciação em sede de execução de sentença.

 

6. Decisão         

  De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)        Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral; 

b)       Anular a liquidação de IVA relativa ao exercício de 2017 com o n.º 2021..., 2021..., 2021..., 2021... e 2021..., e 2021..., bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios e moratórios, de onde resultou um montante total a pagar de € 74.046,54;

c)        Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida em indemnização por prestação de garantia indevida.

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 74.046,54, atribuído pela Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 3 de agosto de 2022

 

Os Árbitros

 

(Nuno Cunha Rodrigues (árbitro-presidente)

 

 

(Rui Miguel Zeferino Ferreira)

 

 

(Paulo Ferreira Alves (relator)