Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 789/2021-T
Data da decisão: 2022-08-01  IRS  
Valor do pedido: € 30.796,24
Tema: IRS – Tributação Conjunta – Comunicabilidade de menos-valias entre cônjuges.
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Sumário:

I – A opção pela tributação conjunta não tem de implicar necessariamente que o rendimento líquido deixe de ser apurado por categoria e por titular, atendendo a que o IRS é um imposto sobre pessoas singulares que assenta no apuramento individual e por categoria sem comunicabilidade entre elas;

II - O Código do IRS acolhe um modelo de limitação de dedução de perdas entre as várias categorias de rendimentos, ou seja, comunicabilidade horizontal mitigada. De modo a viabilizar um regime regra de tributação separada, estabelece a lei a dedução de perdas vertical, isto é, relativamente a cada sujeito passivo, não se comunicando perdas horizontalmente. Assim, o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges, não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra Adelaide Moura, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar Tribunal Arbitral singular, profere a seguinte decisão arbitral:

 

1.   Relatório

 

No dia 26-11-2021, A..., contribuinte fiscal n.º ..., e B..., contribuinte fiscal n.º..., ambos Requerentes, com domicílio na ..., Lote ..., ...-..., Castro Marim, Portugal, apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária).

 

Tendo sido notificados da liquidação de IRS (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) n.º 2021 ..., de 20-07-2021, no valor de € 36.611,94, relativamente ao período de tributação de 2020, os Requerentes, discordando, apresentaram pedido de pronúncia arbitral contra tal ato tributário emitido pela Autoridade Tributária, Requerida.

 

O pedido de constituição do Tribunal foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 29-11-2021 e notificado à Requerida em 30-11-2021, sendo que os Requerentes não procederam expressamente à nomeação de árbitro. 

 

Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, foi nomeada, em 14-01-2022, pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a árbitra Dra. Adelaide Moura, que comunicou ao Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado. 

 

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de a recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 01-02-2022, de harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro. 

 

Em 02-02-2022 foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

Em 28-02-2022 foi apresentada a respetiva resposta pela Requerida.

 

O processo administrativo não foi junto pela Requerida, por economia processual, tendo em consideração que os respetivos documentos já constavam nos autos.

 

Em 25-03-2021, o Tribunal Arbitral proferiu despacho de dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, atendendo tratar-se de processo em que não foi pedida a produção de prova adicional, nem suscitada questão alheia ao fundo da causa que importa discutir, e sem trâmites diferentes dos normalmente seguidos no CAAD, não havendo exceções ou questões prévias a decidir, e concedeu-se um prazo sucessivo de alegações escritas de 10 dias para cada Parte, devendo os Requerentes fazer prova do pagamento da taxa arbitral subsequente, de acordo com o disposto no Regulamento de Custas.

 

Os Requerentes e a Requerida não apresentaram alegações escritas. Com efeito, cabe agora ao Tribunal Arbitral proferir a respetiva decisão arbitral final.

 

2.   Das posições das Partes

 

a)  Da posição dos Requerentes

 

2.1.  Os Requerentes são cidadãos de nacionalidade holandesa e estão casados desde 1986. 

 

2.2.  Desde 2015, ambos fixaram a sua residência em Portugal, onde permanecem até à data, beneficiando do estatuto de Residentes Não Habituais (RNH), que lhes será aplicável até 2024. 

 

2.3.  Sendo residentes fiscais em Portugal, os Requerentes entregam anualmente a declaração ‘Modelo 3’ de IRS, através da qual reportam os rendimentos anualmente auferidos. Em 26 de junho de 2021, os Requerentes cumpriram essa obrigação declarativa, por referência aos rendimentos auferidos em 2020, tendo assinalado a opção pela tributação conjunta.

 

2.4.  Os rendimentos auferidos e declarados pelos Requerentes provêm de fontes estrangeiras, tendo por isso apenas sido preenchidos o Anexo J e o Anexo L, incluindo, em concreto, rendimentos relativos a pensões (categoria H), capitais (categoria E) e a alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários (categoria G).

 

2.5.  Na medida em que a declaração de IRS foi entregue em conjunto, através da opção correspondente, os Requerentes pretendiam que a tributação fosse conjunta, esperando que o saldo apurado na categoria G tivesse em consideração os rendimentos auferidos e declarados quer pelo Sujeito Passivo A, quer pelo Sujeito Passivo B, o que significaria, portanto, um saldo final de menos-valia no montante de € 15.114,48.

 

2.6.  A AT deveria ter considerando o conjunto dos valores declarados por ambos os cônjuges e que se referem à mesma categoria, isto é, incrementos patrimoniais de ganhos de capital, apurando-se, conjuntamente, o saldo da mais-valia ou menos-valia respetiva.

 

2.7.  Sem prejuízo, ainda que o detalhe da liquidação de imposto não se assuma suficientemente claro e detalhado, os Requerentes consideram que a AT apurou de forma independente o saldo das mais-valias para os valores mobiliários dos quadros 9.2-A e 9.2-B do Anexo J, sem que seja possível perceber qual o racional para tal diferenciação.

 

2.8.  A AT ignorou a opção pela tributação conjunta e apurou, separadamente, o saldo das mais-valias e menos-valias de cada um dos Requerentes. Assim, e sem qualquer base legal para o efeito, os Requerentes viram o seu imposto a pagar aumentar consideravelmente devido a uma interpretação que não está de acordo com as regras estipuladas no artigo 43.º do Código do IRS.

 

2.9.  Desta forma, e no que se refere à categoria E, tendo-se apurado um rendimento bruto de € 6.545,00, deveria o mesmo tributar-se à taxa autónoma de 35%, o que perfaz o montante de € 2.290,75. Por outro lado, relativamente à categoria G, tendo o sujeito passivo A apurado uma mais-valia no montante de € 10.071,28, decorrente de operações cuja contraparte beneficia de um regime fiscal claramente mais favorável, deveria tal montante sujeitar-se a tributação à mesma taxa de 35%, resultando em imposto no montante de € 3.524,95. Em suma: deveriam os Requerentes ter suportado um imposto global no montante de € 5.815,70, e não, conforme sucedeu através do ato tributário em crise, no montante de € 36.611,94.

 

2.10.      No limite, a interpretação legal aplicada pela Requerida constitui uma evidente violação dos princípios da segurança e da proteção da confiança, dos princípios da proporcionalidade, tipicidade e capacidade contributiva, da legalidade em matéria fiscal, e, também, da proteção da família, enquanto princípios constitucionais e jurídico-fiscais aplicáveis.

 

2.11.      Embora não concordando com a liquidação, os Requerentes procederam ao pagamento voluntário do imposto apurado, de modo a obstar ao vencimento de juros moratórios. Tal pagamento não acarreta o reconhecimento implícito de legalidade do ato tributário, nem obsta ao exercício dos direitos de defesa dos Recorrentes.

 

2.12.      Nestes termos, e demais fundamentos enunciados, o ato tributário ora impugnado enferma de ilegalidades, por indevida desconsideração da opção pela tributação conjunta no apuramento das mais e menos-valias e indevido apuramento autónomo do saldo das mais e menos-valias referentes a valores mobiliários, ocorrendo erro relativamente ao cálculo do saldo das mais-valias referentes às diversas transações feitas pelos Requerentes no período de tributação de 2020.

 

2.13.      Com efeito, o ato tributário deve ser anulado e a Requerida condenada à restituição do tributo pago pelos Requerentes e ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor, nos termos legais aplicáveis.

 

b)  Da posição da Requerida

 

2.14.      Não assiste qualquer razão aos Requerentes, nenhum vício podendo ser assacado ao ato de liquidação em crise, porquanto o mesmo se baseia na correta aplicação da lei aos factos, suportada em abundante jurisprudência na matéria.

 

2.15.      A AT entende que, ao abrigo do n.º 1 do artigo 55.º do CIRS, o apuramento dos rendimentos líquidos é sempre efetuado por titular de rendimento, não existindo comunicabilidade de rendimentos entre titulares, mesmo que se trate de rendimentos da mesma categoria.

 

2.16.      No caso de haver resultados líquidos negativos relativos às operações previstas nas alíneas b), c), e) e h) do artigo 10.º do CIRS, estes apenas serão dedutíveis nos resultados líquidos positivos da mesma categoria e do mesmo titular e desde que tenha sido efetuada a opção pelo englobamento dos rendimentos. 

 

2.17.      O facto de os Requerentes terem apresentado declaração conjunta não colide, nem afasta, a forma de tributação dos rendimentos das diversas categorias, a qual é feita por titular de rendimento. 

 

2.18.      A tributação conjunta passou a ser uma opção exercida na declaração de IRS e implica uma única declaração para o mesmo agregado, no qual ambos os cônjuges ou unidos de facto são sujeitos passivos. A opção pela declaração conjunta é determinante para apuramento do quociente familiar e para o apuramento de algumas deduções à colecta. Contudo, o rendimento líquido é sempre apurado por categoria e por titular, conforme dispõe o artigo 55.º do CIRS.

 

2.19.      A lei não prevê a possibilidade de comunicabilidade de rendimentos entre os respetivos titulares, mesmo que se trate de rendimentos da mesma categoria.

 

2.20.      A liquidação controvertida foi emitida com base neste preciso entendimento e assentou estritamente nos valores declarados pelos Requerentes. 

 

2.21.      Ou seja, o imposto apurado reporta-se a rendimentos de capitais e incrementos patrimoniais (mais-valias), sendo que parte das operações geradoras de mais-valias foram tributadas à taxa de 35%, pois foram realizadas com contrapartes situadas em países com regime fiscal claramente mais favorável. Na parte respeitante às mais-valias resultantes das operações que não foram realizadas com uma contraparte sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável, aquando do apuramento do rendimento coletável, apenas foram consideradas as mais-valias realizadas pelo Requerente B... (sujeito passivo B), que totalizam o valor de € 111.363,28, as quais foram tributadas à taxa de 28%, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea c) do CIRS. As menos-valias obtidas pela Requerente A... (sujeito passivo A), não foram tidas em consideração no cálculo do saldo das mais-valias tributáveis.

 

2.22.      Com efeito, o ato impugnado não padece dos vícios invocados pelos Requerentes, nem de nenhuns outros, devendo o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, com todas as devidas e legais consequências.

 

3.   Saneamento

 

3.1.  O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, 5.º, n.º 2, 6.º, 10.º e 11.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. 

 

3.2.  As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos legais aplicáveis.

 

3.3.  O processo não enferma de qualquer nulidade.

 

3.4.  Não há qualquer obstáculo à apreciação da causa. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

 

4.   Matéria de facto

 

4.1.  Factos provados

 

a)     Os Requerentes têm nacionalidade holandesa e são casados entre si. 

 

b)    Desde 2015, os Requerentes residem em Portugal, beneficiando do estatuto de Residentes Não Habituais.

 

c)     Os Requerentes apresentaram, em 26 de junho de 2021, declaração fiscal conjunta para efeitos de IRS, conforme ‘Modelo 3’, relativamente ao ano de 2020, com opção por tributação conjunta.

 

d)    A referida declaração fiscal foi submetida com dois Anexos J referentes a rendimentos obtidos no estrangeiro, e dois Anexos L respeitantes ao estatuto de residente não habitual.

 

e)     Em cada Anexo J submetido constam os valores relativos a cada um dos sujeitos passivos individualmente considerados.

 

f)     O sujeito passivo A, A..., declarou rendimentos da categoria H (pensões), da categoria E (capitais) e da categoria G (incrementos patrimoniais).

 

g)    O sujeito passivo B, B..., declarou rendimentos da categoria A (trabalho dependente), da categoria H (pensões), da categoria E (capitais) e da categoria G (incrementos patrimoniais).

 

h)    Os rendimentos declarados pelos Requerentes incluíam rendimentos oriundos de países, territórios ou regiões com regime fiscal claramente mais favorável.

 

i)      Posteriormente, os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS do ano em causa, melhor identificada pelo n.º 2021 ..., de 20-07-2021, no valor de € 36.611,94.

 

j)      Para efeitos dessa liquidação de IRS, a Requerida calculou os saldos de mais-valias e menos-valias por cada sujeito passivo.

 

k)    Os Requerentes procederam ao pagamento do imposto apurado pela AT.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

4.2.  Factos não provados

 

Não se verificaram factos não provados com relevância para a decisão da causa.

 

4.3.  Fundamentação da fixação da matéria de facto provada e não provada

 

Os factos pertinentes para julgamento da causa foram apurados em função da factualidade trazida aos autos e da sua relevância jurídica, resultando a convicção do Tribunal Arbitral da análise crítica dos documentos juntos aos autos pelas partes.

 

5.   Matéria de direito

 

5.1.  Objeto e âmbito do processo

 

No âmbito dos presentes autos arbitrais, a questão essencial em crise é saber se, optando-se por tributação conjunta, o apuramento do saldo de mais-valias deve ser efetuado conjuntamente ou, ao invés, por cada sujeito passivo, separadamente, sem comunicabilidade de menos-valias entre cônjuges para efeitos fiscais.

 

5.2.  Do Direito

 

a)  Dos alegados vícios de ilegalidade do ato tributário

 

Os Requerentes alegam que a Autoridade Tributária, aqui Requerida, que está vinculada aos princípios constitucionais e jurídico-fiscais aplicáveis, violou a lei ao aplicar mecanismo de cálculo incorreto no apuramento dos saldos de mais e menos-valias sujeitas a tributação em IRS, nomeadamente através da indevida desconsideração da opção pela tributação conjunta e do indevido apuramento autónomo dos saldos referentes a valores mobiliários.

 

Ora, para efeitos de prévio enquadramento do tributo relevante, refira-se que o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias legalmente previstas, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos, incluindo as categorias: A – rendimentos do trabalho dependente, B – rendimentos empresariais e profissionais, E – rendimentos de capitais, F – rendimentos prediais, G – incrementos patrimoniais e H – pensões, nos termos do artigo 1.º do Código do IRS.

 

Estão sujeitas a IRS, designadamente, as pessoas singulares que residam em território português, conforme disposto no artigo 13.º, n.º 1 do Código do IRS, sendo que, em regra, os rendimentos, em dinheiro ou espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos.

 

Com interesse para o caso concreto, refira-se que, ao abrigo do artigo 16.º, n.º 8 do Código do IRS, consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 16.º do Código, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores. 

 

O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português. 

 

O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano, conforme prescrito pelo artigo 16.º, n.ºs 9 e 11 do Código do IRS. 

 

Em concreto, o estatuto de residente não habitual, que foi atribuído aos Requerentes, inclui especificidades próprias ao nível da tributação em IRS.

 

Relativamente à incidência pessoal, “Quando exista agregado familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de facto, sem prejuízo do disposto relativamente aos dependentes, a não ser que seja exercida a opção pela tributação conjunta”. Conforme artigo 13.º, n.º 2 do Código do IRS, no “caso de opção por tributação conjunta, o imposto é devido pela soma dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direção”. O agregado familiar é constituído, desde logo, pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, nos termos do artigo 13.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRS.

 

Relevando nos presentes autos, constituem incrementos patrimoniais sujeitos a tributação, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as “mais-valias”, conforme previsto no artigo 9.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

 

Por sua vez, o artigo 10.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS enquadra como mais-valias os “ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais”, resultem da “alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários”.

 

Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos, sendo que o ganho sujeito a IRS, genericamente, é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, nos termos do artigo 10.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS.

 

No que diz respeito ao englobamento de rendimentos, de acordo com o disposto no artigo 22.º, n.º 1 do Código do IRS, “o rendimento coletável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos”, sendo que, de acordo com o n.º 3, alínea b) do mesmo artigo, “não são englobados para efeitos da sua tributação (…) os rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º auferidos por residentes em território português, sem prejuízo da opção pelo englobamento neles previsto”.

 

A propósito das eventuais mais-valias, preceitua ainda o n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRS que o “valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valiasrealizadas no mesmo ano” (sublinhado da signatária).

 

Ora, é a conjugação, em particular, dos artigos 13.º, n.º 2 e 43.º, n.º 1 do Código do IRS, com o disposto no artigo 55.º do mesmo Código, que suscita questões de fundo nos presentes autos arbitrais.

 

O artigo 55.º, n.º 1 do Código do IRS, na redação que vigorou até 31 de dezembro de 2014, dispunha que “é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos”.

 

Considerando esta redação, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de fevereiro de 2010 (acessível em www.dgsi.pt) referia que: “embora os rendimentos (…), se forem positivos, sejam, em princípio, comunicáveis aos rendimentos das outras categorias, já não são comunicáveis se forem negativos, devendo, antes, a perda sofrida ser reportada, para efeitos da respectiva dedução, aos eventuais rendimentos positivos apurados nesta categoria nos anos posteriores.”

 

Posteriormente, aquela disposição legal veio a ser objeto de profundas alterações, com a Reforma do Código do IRS de 2014. Veja-se que, tanto o Anteprojeto, como o Projeto da Comissão de Reforma do Código do IRS, respetivamente, nos pontos 4.3.4 e 5.3.4 referentes à “comunicabilidade de perdas entre cônjuges” expunham o seguinte:

 

O Código do IRS acolhe um modelo de limitação de dedução de perdas entre as várias categorias de rendimentos, ou seja comunicabilidade horizontal mitigada. A Comissão propõe também que, de modo a viabilizar um regime regra de tributação separada, se estabeleça a dedução de perdas vertical, isto é, relativamente a cada sujeito passivo; não se comuniquem perdas horizontalmente. Assim, o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta” (sublinhado da signatária).

 

Ora, a proposta contida no projeto que motivou a reforma do CIRS foi efetivamente acolhida na letra da lei. O atual artigo 55.º, n.º 1 do Código do IRS prevê expressamente:

 

Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria” (sublinhado da signatária).

 

Conforme resulta da factualidade dada como provada, os Requerentes inscreveram na declaração de IRS, referente ao ano de 2020, diversos incrementos patrimoniais, tendo optado pela tributação conjunta. Contudo, relativamente aos rendimentos auferidos nesse ano, a Requerida procedeu à emissão de liquidação de IRS que, pelo menos no que concerne ao apuramento e à sujeição a imposto dos diversos incrementos patrimoniais declarados, não reflete a tributação conjunta conforme percecionada pelos Requerentes.

 

Assim surge a questão decidenda nestes autos. Sem prejuízo, desde já se refira que este assunto foi já objeto de várias pronúncias arbitrais, algumas delas invocadas pelas partes aqui em litígio nos respetivos articulados. Vejamos.

 

A decisão arbitral de 11-01-2019, proferida no âmbito do processo n.º 327/2017-T (acessível em www.caad.pt), abordando esta mesma temática, defende que:

 

A comunicabilidade das perdas está excluída para as categorias dos rendimentos do trabalho independente, dos rendimentos comerciais, industriais e agrícolas e ainda para os rendimentos de mais-valias, isto sem prejuízo do reporte de perdas em anos futuros para as diferentes categorias de rendimentos nos termos previstos no artigo 55º do CIRS. Os cônjuges (…) podem exercer na própria declaração anual a opção de tributação conjunta ou separada, no caso concreto a opção foi de declaração conjunta, o que teve relevância para o apuramento do quociente familiar e das deduções à coleta, observando, desta forma, a situação do agregado familiar, mas isso não implica forma diversa do apuramento por categorias de rendimentos, a cada cônjuge” (sublinhado da signatária).

 

Acrescente que “estamos em presença de um imposto sobre o rendimento de pessoas singulares e não de um imposto sobre sociedades conjugais, daí resulta que o saldo (…) respeita ao saldo apurado a cada sujeito passivo.”

 

Também a decisão arbitral de 13-07-2020, proferida no âmbito do processo n.º 801/2019-T (acessível em www.caad.pt), refere que:

 

O apuramento é feito por titular de rendimento e, no caso de haver resultados líquidos negativos, estes apenas serão dedutíveis nos resultados líquidos positivos da mesma categoria e do mesmo titular.”

 

Sendo que “o IRS é um imposto sobre pessoas singulares e toda a mecânica do CIRS é o apuramento individual e por categoria sem comunicabilidade entre elas e quando o n.º 1 do artigo 43.º do CIRS se refere ao saldo é evidente que tem que ser entendido nesta perspetiva de apuramento individual e não da “sociedade conjugal”. A opção pela tributação conjunta não lhe retira a caraterística de imposto sobre as pessoas singulares, trata-se de técnica legalmente prevista para apuramento do quociente familiar e apuramento de determinadas deduções à coleta, mas o rendimento líquido é sempre apurado por categoria e por titular” (sublinhado da signatária).

 

No mesmo sentido, a decisão arbitral de 04-08-2020, proferida no âmbito do processo n.º 839/2019-T (acessível em www.caad.pt), menciona que:

 

O teor do n.º 1 do artigo 55.º do Código do IRS é claro ao estabelecer que o apuramento é feito por titular e caso haja resultados líquidos negativos apenas serão dedutíveis nos resultados líquidos positivos da mesma categoria e do mesmo titular. A alínea d) do n.º 1 do artigo 55.º prevê a possibilidade de reporte de prejuízos nos cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento, mas também esse reporte é feito por titular e categoria. A interpretação literal da norma não suscita dúvidas. Acresce que os trabalhos da Comissão de Reforma do IRS de 2014 supra referenciados (…) corroboram o sentido resultante dessa interpretação literal. A doutrina também não suscita dúvidas relativamente a este entendimento. Por exemplo, PAULA ROSADO PEREIRA afirma: (…) não existe uma comunicabilidade horizontal de perdas entre as categorias de rendimento do IRS. Deste modo, as perdas apuradas numa categoria de rendimentos apenas podem ser reportadas para os anos seguintes, nos termos legalmente previstos, para serem deduzidas aos rendimentos líquidos positivos da mesma categoria. A dedução de perdas é efetuada relativamente a cada titular de rendimentos. Tal significa que as perdas também não são comunicáveis entre sujeitos passivos. As perdas apuradas por um titular de rendimentos não são dedutíveis aos rendimentos positivos de outro titular, mesmo que se trate de rendimentos da mesma categoria e ainda que estejamos perante sujeitos passivos casados ou unidos de facto que tenham optado pelo regime da tributação conjunta.”

 

Com efeito, “a opção pela tributação conjunta não tem de implicar necessariamente que o rendimento líquido deixe de ser apurado por categoria e por titular, atendendo a que o IRS é um imposto sobre pessoas singulares que assenta no apuramento individual e por categoria sem comunicabilidade entre elas”.

 

Pela mesma banda, e em reação à decisão arbitral de 30-11-2017, proferida no âmbito do processo n.º 739/2016-T (acessível em www.caad.pt), invocada pelos Requerentes, a decisão arbitral de 31-10-2018, proferida no âmbito do processo n.º 268/2018-T (acessível em www.caad.pt), expõe que “não segue este Tribunal Arbitral a posição defendida na já citada decisão arbitral de que “tendo os contribuintes optado por um regime de tributação agregada (…), nenhuma outra hipótese se coloca, que não seja a da tributação conjunta dos rendimentos apurados pelo casal e isso pressupõe a comunicação dos saldos, negativos e positivos, apurados num determinado ano por qualquer um ou por ambos os membros do agregado familiar”, pelos motivos que a seguir se apresentam. (…) Com efeito, face à legislação à data aplicável, concorda-se com a posição defendida pela Requerida de que “(…) o apuramento é feito por titular e que no caso de haver resultados líquidos negativos, estes apenas serão dedutíveis nos resultados líquidos positivos da mesma categoria e titular”, aliás de acordo com o que é referido, expressamente, no texto da própria lei.

 

Na verdade, a decisão arbitral de 13-07-2020, proferida no âmbito do processo n.º 801/2019-T (acessível em www.caad.pt), explicita que “A questão da incomunicabilidade das perdas entre sujeitos passivos que apresentam a declaração de rendimentos IRS conjunta, optando pela tributação conjunta, tem hoje, também, um entendimento pacífico, na jurisprudência.”

 

O mesmo pendor jurisprudencial consta ainda na decisão arbitral de 16-06-2021, proferida no âmbito do processo n.º 730/2020-T (acessível em www.caad.pt), que refere: “Com a nova redacção do artigo 55.º, n.º 1, pretendeu-se aumentar as situações de incomunicabilidade de perdas de um para outro sujeito passivo. (…) Esta confessada opção por este «modelo de limitação de dedução de perdas» implica uma amplificação da referida «solução anómala num imposto de carácter sintético como o IRS», que já constituía o regime anteriormente previsto no artigo 55.º do CIRS, revelando, por isso, uma acentuação das «razões fiscalistas» e preocupações de planeamento fiscal, que já estavam subjacentes à solução adoptada na redacção anterior. Mas, sendo esta a ratio legis, a proibição de comunicabilidade vertical apenas visará obstar a comunicabilidade de perdas entre contribuintes nos casos em que ela resulta da opção pela tributação conjunta, que com a reforma de 2014 passou a ser opcional”.

 

Com base no exposto acima, concordando, afigura-se que da conciliação das normas de incidência com as específicas normas de determinação do rendimento coletável, atento o espírito da lei, a opção pela tributação conjunta não anula per si o apuramento individual dos rendimentos de cada sujeito passivo, no sentido da incomunicabilidade de menos-valias de um cônjuge às mais-valias do outro. E esse apuramento individual dos rendimentos não anula per si os efeitos da tributação conjunta por que os sujeitos passivos optaram, sendo o respetivo imposto apurado e conjuntamente liquidado. 

 

As operações de tributação conjunta e de determinação dos rendimentos coletáveis, embora conectáveis, são autónomas entre si. Por outro lado, uma interpretação restritiva do artigo 55.º do CIRS, no sentido de que remete única a exclusivamente para o reporte de perdas em anos subsequentes, não é consentânea com o fim último dessa mesma norma legal – não permite a compensação de menos-valias em anos subsequentes entre cônjuges, nem no próprio ano de referência. 

 

Considerando a letra da lei, em especial o disposto no artigo 13.º, n.º 2 do Código do IRS, pode até entender-se que o alcance do artigo 55.º não foi adequadamente expresso, mas, socorrendo-nos dos elementos literais, sistemáticos e históricos acima considerados, o entendimento vertido pela AT e acolhido em outras várias decisões arbitrais, conforme atestado, afigura-se admissível e correto.

 

Veja-se que o artigo 9.º do Código Civil prevê que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. (…) Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. (…) Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

O artigo 11.º da Lei Geral Tributária, concomitantemente, dispõe que na “determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

 

Reafirme-se, assim, que o entendimento da AT não esvazia de conteúdo a opção pela tributação conjunta, que não é irrisória, sendo determinante, por exemplo, para apuramento do quociente familiar e de deduções à coleta. Por outro lado, o artigo 55.º do CIRS apenas impede a comunicabilidade de resultados negativos, os quais poderão, eventualmente, ser deduzidos por reporte nos anos seguintes, conforme legalmente previsto.

 

Posto isto, considerando-se admissível o apuramento separado dos rendimentos de cada sujeito passivo, sem comunicabilidade de menos-valias, estando o Tribunal, em regra, limitado aos factos alegados pelas partes e a considerar a prova produzida nos autos, segundo as regras do ónus da prova, e sendo certo que pelos Requerentes apenas foi expressamente considerado incorreto o mecanismo de cálculo dos saldos de mais-valias, no âmbito dos incrementos patrimoniais sujeitos a tributação – que foi acima apreciado –, sem quaisquer pedidos cumulativos ou subsidiários, nomeadamente quanto ao restante rendimento declarado e tributável, não tendo sido postos em causa os demais quantitativos e a aplicação de taxas, afigura-se que, uma vez que foram declarados rendimentos sujeitos a taxas especiais autónomas ao abrigo do artigo 78.º do CIRS, incluindo rendimentos de capital e de incrementos patrimoniais, e não resultando dos autos qualquer tributação indevida, ao Tribunal Arbitral não se afigura qualquer erro na liquidação da AT.  

 

Por conseguinte, não se verifica que o ato tributário impugnado sofra de vícios de ilegalidade conforme impugnado pelos Requerentes.

 

Recorde-se, por fim, que os Requerentes consideram que, se o entendimento da AT fosse acolhido, seria materializada uma evidente violação dos princípios da segurança e da proteção da confiança, dos princípios da proporcionalidade, tipicidade e capacidade contributiva, da legalidade em matéria fiscal, e, também, da proteção da família.

 

Não assiste qualquer razão aos Requerentes, entendendo o presente Tribunal Arbitral que, tendo a AT procedido de forma convergente com o legalmente previsto no Código do IRS, não se mostra fundamentada a violação do princípio da capacidade contributiva, ou de qualquer outro princípio aplicável, contrariamente ao invocado pelos Requerentes.

 

Efetivamente, no âmbito da reforma fiscal de 2014, foram consagrados instrumentos que favorecem a personalização do IRS, respeitando-se a capacidade contributiva através, por exemplo, da possibilidade de opção pela tributação conjunta de casados, do regime do quociente conjugal, das deduções à coleta relacionadas com despesas de natureza pessoal ou familiar. Em conformidade, o impedimento à comunicabilidade de menos-valias entre cônjuges, no âmbito da tributação conjunta do agregado familiar, não constitui violação dos princípios constitucionais e jurídico-fiscais vigentes no ordenamento português.

 

b)  Do reembolso e juros indemnizatórios

 

Atenta a conclusão alcançada acima, não se verifica qualquer erro imputável aos serviços da AT, aqui Requerida, daí não resultando a restituição do tributo pago pelos Requerentes, nem o pagamento de juros indemnizatórios peticionados.

 

6.     Decisão

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral: 

Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral dos Requerentes, incluindo o pedido de reembolso e de pagamento de juros indemnizatórios, mantendo-se o ato tributário conforme emitido pela Requerida.

 

7.     Valor

 

Fixa-se o valor do processo em € 30.796,24, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

8.     Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.836,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelos Requerentes, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4 do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 1 de agosto de 2022

 

A árbitro singular,

 

 

 

(Adelaide Moura)