Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 53/2022-T
Data da decisão: 2022-07-14  IMI  
Valor do pedido: € 759.470,75
Tema: Adicional ao IMI. Terreno para construção. Valor patrimonial tributário.
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Sumário:

I - Não obstante o disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI, a legalidade dos atos de liquidação de Adicional ao IMI pode ser apreciada em processo de impugnação judicial com base em vícios imputáveis aos atos de fixação do valor patrimonial tributário;

II – Na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula consagrada no artigo 38.º do Código do IMI, por existirem regras específicas previstas no artigo 45.º do mesmo Código.

 

 

Decisão Arbitral

I – Relatório

 

1. FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO A..., com o número de identificação fiscal...,representado pela Sociedade Gestora B..., S.A., com o número de identificação fiscal ... e com sede na ..., ...– ...‐ ...‐...Lisboa, vem requerer, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de tribunal arbitral para apreciar a legalidade dos atos tributários de liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.ºs 2017..., 2018..., 2019..., 2020..., referentes aos anos 2017, 2018, 2019 e2020, com o valor global a pagar € 759.470,75, e do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios. 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

 No âmbito da sua atividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, tendo sido notificado dos atos tributários de liquidação de AIMI impugnados, referentes aos anos 2017, 2018, 2019 e2020, no valor global a pagar € 759.470,75.

          Em parte, as liquidações de AIMI tiveram por base, para efeitos de determinação da matéria coletável, os valorespatrimoniais tributários com base na aplicação de coeficientes de localização, de afetação e/ou de qualidade e conforto, e, deste modo, nos anos em causa, Autoridade Tributária liquidou um montante de imposto superior ao legalmentedevido.

Mais recentemente, face ao consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e a jurisprudência do STA quanto à erróneaaplicação dos referidos coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção, aAutoridade Tributária veio corrigir o cálculo e a fixação do valor patrimonial tributário relativamente a esse tipo de prédios, mas, relativamente aos terrenos para construção detidos pelo Requerente, a Administração não retificou asrespetivas coletas de AIMI, mantendo assim na ordem jurídica um montante de imposto superior ao legalmente devido.                    

         Com efeito, relativamente aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI distingue entre prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros, e, no tocante à determinação dovalor patrimonial tributário, o Código prevê diferentes métodos de avaliação consoante as espécies de prédios urbanos a considerar, atendendo, quanto aos prédios habitacionais, comerciais, industriais e serviços, nos termos do artigo 38.º, aos coeficientes de afetação, de localização, de qualidade e conforto e de vetustez, e, quanto aos terrenos para construção, nostermos do n.º 1 do artigo 45.º, na redação vigente à data dos factos, ao “somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor dos terrenos adjacentes à implantação”.

  

A Lei de Orçamento do Estado para 2021 (Lei n.º 75‐B/2020, de 31 de dezembro) veio alterar o artigo 45.º doCódigo do IMI, modificando a fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção”, mas essa modificação legislativa só produziu efeitos a partir de 1 de janeiro de 2021, e era inaplicável em relação às liquidações de AIMI referentes a anos anteriores.

 

Deste modo, é inegável que os coeficientes de afetação, de localização, de qualidade e conforto e de vetustez, a que se referem os artigos 41.º, 42.º, 43.º e 44.º do Código do IMI, não eram aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI, na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020.

 

         Nestes termos, a determinação dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos pela Requerente em 2017, 2018, 2019 e 2020, com base na errónea aplicação dos referidos coeficientes de localização, de afetação e/ou de qualidade e conforto, incorre em erro nos pressupostos de facto e de direito.

A não se entender assim, a norma do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido de que oscoeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º desse Código têm aplicação na determinação do VPT de terrenospara construção é inconstitucional por violação do princípio da legalidade tributária.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, começa por considerar que não é admissível o pedido de revisão oficiosa relativamente a atos de avaliação patrimonial, porquanto estes não são  atos tributários, nem atos em matéria tributária, e não se verifica, por outro lado, qualquer erro imputável aos serviços, e, além disso, o pedido de revisão oficiosa é intempestivo na medida em que devia ter sido apresentado, não no prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, mas no prazo de três anos a que se refere o n.º 4 desse artigo.

 

Acrescenta que o procedimento de avaliação é um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação judicial e, não tendo a Requerente deduzido a impugnação nos prazos legalmente previstos, verificou-se a sua consolidação na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido. 

 

Mais refere que não tendo a Requerente posto em causa o valor patrimonial obtido na primeira avaliação, mediante o pedido de uma segunda avaliação, o mesmo fixou-se na ordem jurídica, não sendo possível dele conhecer nas posteriores liquidações de imposto. Isto é, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da segunda avaliação, e não nas posteriores liquidações.

 

Considera ainda que os atos de liquidação não são impugnáveis com fundamento em vícios próprios dos atos de fixação do valor patrimonial tributários.

 

Por outro lado, a Requerida entende que, nos termos do artigo 168.º do CPA, os atos administrativos apenas podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos a contar da respetiva emissão, pelo que se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixa valor patrimonial tributário, o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente, para efeitos de cálculo de IMI. 

 

Por último, defende que o pedido formulado pela Requerente não está fundamentado na lei e aos tribunais arbitrais está vedado julgar de acordo com critérios de equidade, pelo que pedido de pronúncia arbitral devendo ser considerado improcedente. 

 

2. No seguimento do processo, por despacho de 7 de junho de 2022, foi determinada a notificação da Requerente para se pronunciar sobre a matéria de exceção invocada pela Autoridade Tributária na resposta.

 

A Requerente exerceu o direito ao contraditório por requerimento apresentado em 21 de junho de 2022.

 

Por despacho de 23 de junho seguinte foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas por não existirem novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.

Considerando que a Requerente identificou o ato de liquidação de AIMI, referente ao ano de 2017, como tendo o n.º 2017..., no valor de € 414.198,94, e a Autoridade Tributária, na resposta, identifica a liquidação de AIMI referente a 2017 como sendo a n.º liquidação n.º 2017..., no valor de € 346.668,64, o tribunal arbitral, por despacho de 4 de julho, determinou a notificação da Requerente para esclarecer qual o ato de liquidação de AIMI, referente ao ano de 2017, que pretende impugnar, juntando cópia desse ato de liquidação.

Por requerimento de 11 de julho, a Requerente veio dizer que a liquidação de AIMI n.º 2017..., no qual seencontravam considerados os imóveis inscritos sob os artigos matriciais U‐..., U‐... e U‐..., foi posteriormente retificado e substituído pela liquidação n.º 2017..., e que foi por lapso que a Requerente referiu e juntou ao pedido arbitral aliquidação de AIMI com o n.º 2017..., solicitando que seja considerado, para efeito de impugnação, a liquidação de AIMI(2017) com o n.º 2017... . Juntou entretanto essa liquidação.

Considerando que se trata de um lapso material, nada obsta que se admita a retificação, e, por outro lado, a Autoridade Tributária, na sua resposta, tinha já considerado corretamente como ato impugnado, relativamente ao ano de 2017, a liquidação corretiva n.º 2017... .

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 11 de abril de 2022.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O processo não enferma de nulidades e foram invocadas as exceções da inadmissibilidade e intempestividade do pedido de revisão oficiosa, da inimpugnabilidade dos atos tributários de liquidação e sanação dos vícios dos atos de fixação do valor patrimonial com base no caso decidido, que serão analisadas de seguida.

 

II - Saneamento

 

Inadmissibilidade e intempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

4.  A Autoridade Tributária suscita a questão da inadmissibilidade do pedido de revisão oficiosa por considerar que os atos de fixação do valor patrimonial tributário não são atos tributários ou atos de apuramento da matéria tributável, a que se referem os n.ºs 1 e 4 do artigo 78.º da LGT, e que não existe qualquer erro de liquidação imputável aos serviços, e invoca ainda a intempestividade do pedido de revisão por entender que o prazo aplicável era o de três anos previsto no n.º 4 desse artigo 78.º.

 

Deve começar por dizer-se, como resulta com evidência do documento n.º 1 junto ao pedido arbitral, que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado contra os atos de liquidação de adicional ao IMI, ainda que com base na errónea quantificação do valor patrimonial tributário, e não contra os atos de avaliação patrimonial.

 

Estando em causa atos tributários de liquidação, e não propriamente atos de fixação do valor patrimonial tributário, não há nenhum motivo para afastar a possibilidade de revisão pela entidade que praticou os atos de liquidação.

 

Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei.

 

Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo sujeito passivo na formulação do pedido. Sendo que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adotado pela Administração na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (cfr. acórdão proferido no Processo n.º 564/2020-T).

 

E, em qualquer caso, havendo lugar a impugnação administrativa por via do pedido de revisão oficiosa, o erro passa a ser imputável à Administração depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte (acórdão do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16).

 

Acresce que a revisão oficiosa do ato tributário pode ser efetuada a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação.

 

É o que resulta do disposto no artigo 78.º, n.º 7, da LGT, pelo qual a revisão oficiosa, nos termos previstos no n.º 1 desse artigo, pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. O que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 14 de março de 2012, Processo n.º 01007/11, e de 8 de março de 2017, Processo n.º 01019/14, e, na doutrina, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605 e Leonardo Marques dos Santos, “A revisão do ato tributário, as garantias dos contribuintes e a fiscalidade internacional”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, Vol. II, págs. 14 e ss.).

 

Sendo admissível, por conseguinte, a revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação por iniciativa do contribuinte com fundamento em erro nos pressupostos de facto ou de direito, e, em relação aos atos de liquidação de AIMI, com base em errónea quantificação do valor patrimonial tributário, não há nenhum motivo para afastar a impugnabilidade dos atos de liquidação do imposto quando tenham sido objeto de pedido de revisão oficiosa que foi tácita ou expressamente indeferido.    

 

Por outro lado, o pedido de revisão oficiosa não é intempestivo.

 

Como resulta do todo o anteriormente exposto, o prazo aplicável é o do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e esse prazo (assumindo a possibilidade da convolação da reclamação) deve ser contado nos termos do artigo 129.º, n.º 2, do CIMI, não a partir da emissão dos atos de liquidação, mas do termo do prazo para pagamento voluntário da primeira ou da única prestação do imposto (cfr. acórdão proferido no Processo n.º 395/2021-T).

 

Correspondendo o termo para o pagamento do adicional ao IMI, relativamente à liquidação de 2017, ao mês de setembro, e tendo sido o pedido de revisão oficiosa apresentado em 21 de setembro de 2021, o pedido é tempestivo, mesmo em relação a essa liquidação.

 

Inimpugnabilidade dos atos tributários de liquidação

 

5. A Autoridade Tributária invoca ainda a exceção da inimpugnabilidade dos atos de liquidação decorrente de se ter consolidado na ordem jurídica o ato de fixação do valor patrimonial tributário, por considerar – se bem se entende – que está em causa a apreciação de atos administrativos em matéria tributária que não comportam a apreciação da legalidade do ato de liquidação (artigo 97.º, n.º 2, do CPPT).

 

Certo é que existe jurisprudência, que, invocando o princípio da impugnação unitária, considera que dos atos de fixação dos valores patrimoniais cabe impugnação contenciosa autónoma, pelo que, na falta de oportuna reação jurisdicional, a fixação do valor patrimonial consolida-se na ordem jurídica e qualquer erro ou vício de que enferme não pode ser conhecido na impugnação deduzida contra o posterior ato de liquidação (acórdão do TCA Sul de 27 de abril de 2010, Processo n.º 03586/09).

 

No entanto, este entendimento jurisprudencial não tem correspondência com o hodierno conceito do ato destacável impugnável, nem interpreta adequadamente o princípio da impugnação unitária.

 

Tradicionalmente são designados como atos destacáveis aqueles que, ainda que não ponham termo ao procedimento ou a um seu incidente autónomo, produzem efeitos jurídicos externos e se tornam, como tal, diretamente impugnáveis.

 

Note-se, no entanto, o CPTA, em conformidade com o também estabelecido no artigo 148.º do CPA, alargou o conceito de ato contenciosamente impugnável, colocando o acento tónico na eficácia externa do ato, isto é, na virtualidade de o ato produzir efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares, independentemente de poder tratar-se de mero ato procedimental. Com efeito, o segmento inicial do n.º 1 do artigo 51.º do CPTA abre caminho à possibilidade de impugnação contenciosa de atos procedimentais, e não apenas de atos que ponham termo ao procedimento ou a uma fase autónoma desse procedimento, e aboliu, desse modo, o requisito de definitividade horizontal.

 

E, por outro lado, o n.º  3 desse artigo 51.º, confere um carácter de facultatividade à impugnação de atos procedimentais, não impedindo que o interessado possa impugnar o ato final, com base nos vícios que afetem o ato intermédio, excluindo apenas os casos em que o ato em causa tenha determinado a exclusão do interessado no procedimento (hipótese em que o ato praticado no decurso do procedimento representa já decisão final relativamente ao interessado excluído), bem como os demais casos em que a lei imponha especialmente o ónus de impugnação tempestiva de atos procedimentais (v.g., no âmbito do processo disciplinar, a impugnação de irregularidades processuais que se considerem supridas em caso de falta de reclamação até à decisão final — artigo 203.º, n.º 2, da Lei Geral do Trabalho na Função Pública) (cfr., neste preciso sentido, Carlos Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, 2.ª edição, Coimbra, págs. 123-124).

 

O propósito do n.º 3 do artigo 51.º do CPTA é, pois, o de impedir que a maior abertura no plano da impugnabilidade de atos procedimentais que resulta dos n.ºs 1 e 2 acarrete um agravamento da posição processual dos interessados: por isso se consagra a regra de que, quando o interessado não tenha impugnado um ato interlocutório suscetível de produzir efeitos lesivos na sua esfera jurídica, não fica precludida a faculdade de dirigir a impugnação contra o ato final do procedimento (cfr. Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Coimbra, pág. 374).

 

Por outro lado, quando a parte final do n.º 3 do artigo 51.º do CPTA ressalva as “ilegalidades que digam respeito […] a ato que lei especial submeta a um ónus de impugnação autónoma”, pretende abranger os casos em que a lei avulsa que regule o procedimento específico em causa imponha especialmente o ónus da impugnação contenciosa de um certo ato procedimental, de modo a que as ilegalidades em que ele incorra não possam ser invocadas na reação jurisdicional que venha a ser dirigida contra a decisão final do procedimento, não bastando, por isso, a mera menção, em lei especial, de que certo ato procedimental é passível de impugnação administrativa.

 

Nesse mesmo sentido deve ser interpretado o princípio da impugnação unitária a que se refere o artigo 54.º do CPPT, pelo qual “[S]alvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.  

 

Segundo esta disposição, como atos interlocutórios autonomamente impugnáveis devem entender-se os “imediatamente lesivos”, ou seja, os atos que, embora inseridos no procedimento tributário, e anteriores à decisão final, a condicionam irremediavelmente, de tal modo que o ato interlocutório, se não for impugnado, consolida-se na ordem jurídica, e a decisão final do procedimento não pode ser impugnada com base em vícios atinentes a esse mesmo ato. E também aqueles relativamente aos quais exista lei expressa que, independentemente da imediata lesividade dos atos, preveja a impugnação contenciosa autónoma.

 

6. Revertendo à situação do caso concreto, justifica-se a referência, na parte que mais interessa considerar, às disposições dos artigos 76.º e 77.º do CIMI, que são do seguinte teor:

 

Artigo 76º

Segunda avaliação de prédios urbanos

 

1 - Quando o sujeito passivo, a câmara municipal ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, podem, respetivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado. 

[…]

 

Artigo 77º 

Impugnação

 

1- Do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário. 

2- A impugnação referida no número anterior pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio. 

3- A iniciativa da impugnação a que se refere o n.º 1 cabe ao sujeito passivo, à câmara municipal ou à junta de freguesia, quando esta última seja beneficiária da receita. 

 

A remissão para o CPPT, que consta do artigo 77.º, n.º 1, do CIMI, deve entender-se como feita para o artigo 97.º desse Código, que enumera as situações em que há lugar à impugnação judicial, no âmbito do processo judicial tributário, e entre as quais se conta a “impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais”, a que se refere o artigo 97.º, n.º 1, alínea f), desse Código.

 

O que resulta da interpretação conjugada dos artigos 76.º, n.º 1, e 77.º, n.º 1, do CIMI é que do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial e, por outro lado, a segunda avaliação de prédios urbanos, em que se incluem os terrenos para construção, pode ser requerida pelo sujeito passivo ou pela câmara municipal ou promovida pelo chefe de finanças, quando não concordarem com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos.

 

A segunda avaliação corresponde a uma forma de impugnação administrativa da avaliação direta, mas a lei não impõe ao sujeito passivo a utilização prévia desse meio de tutela administrativa como condição de acesso à via contenciosa, limitando-se a facultar ao interessado o direito a requerer uma segunda avaliação.

 

    Importa fazer notar, a este propósito, que o CPA veio clarificar a distinção entre reclamações e recursos necessários e facultativos, dizendo que as reclamações e os recursos administrativos são necessários e facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos (artigo 185.º, n.º 1), e consagrando explicitamente a regra de que “as reclamações e os recursos têm caráter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários” (artigo 185.º, n.º 2), o que significa que apenas poderão ser consideradas impugnações administrativasnecessárias aquelas que sejam expressamente qualificadas como tal por disposição legal. 

 

Ora, não impondo a lei a obrigatoriedade de o sujeito passivo requerer uma segunda avaliação, nem podendo considerar-se essa segunda avaliação como uma impugnação administrativa necessária, não pode interpretar-se a norma do artigo 77.º, n.º 1, do CIMI como estabelecendo um ónus de impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial tributário que tenha resultado da segunda avaliação. Ou seja, uma vez que o artigo 76.º, n.º 1, do CIMI confere ao pedido de uma segunda avaliação um carácter meramente facultativo, o interessado não tinha de requerer essa segunda avaliação, não lhe sendo exigível, ao abrigo do subsequente artigo 77.º, que impugnasse judicialmente o resultado de uma segunda avaliação que não estava sequer vinculado a requerer.

 

Como é de concluir, o artigo 77.º, n.º 1, do CIMI, ao dispor que do “resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial”, não pode ser interpretado como implicando um ónus processual de impugnação do ato de fixação do valor patrimonial tributário, o que apenas poderia suceder se o pedido de segunda avaliação, a que se refere o artigo 76.º, n.º 1, do CIMI, tivesse sido previsto como uma forma de impugnação administrativa necessária destinada a permitir o ulterior acesso à via contenciosa.

 

Ora, o falado artigo 76.º, n.º 1, limita-se a conferir ao interessado a faculdade de requerer uma segunda avaliação e, na situação do caso, não houve sequer uma segunda avaliação, por não ter sido requerida pelo interessado, nem promovida pelo chefe de finanças, pelo que – como é evidente – não pode ser imposto ao contribuinte o ónus de impugnar judicialmente a fixação do valor patrimonial tributário que tenha resultado de uma segunda avaliação que nem sequer teve lugar.

 

Concluindo-se pela impugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com fundamento em errónea quantificação do valor patrimonial tributário, fica igualmente excluída a exceção de insidincabilidade dos atos de liquidação por vícios próprios do ato de fixação do valor patrimonial tributário, que é também invocada pela Autoridade Tributária.

 

Sanação dos vícios do ato de fixação do valor patrimonial tributário por efeito do caso decidido

 

7.  A Autoridade Tributária alega, a propósito do regime da anulação administrativa, que, por efeito do artigo 168.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo máximo de cinco anos a contar da respetiva emissão, para concluir que encontrando-se já precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixa valor patrimonial tributário, este ato encontra-se sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI. 

Semelhante argumentação assenta num evidente equívoco.

O novo CPA passou a distinguir entre revogação e anulação administrativa, fazendo corresponder cada uma destas figuras às duas anteriores modalidades de revogação ab-rogatória ou extintiva e de revogação anulatória. A anulação administrativa prevista no atual CPA, ainda que com diferentes condicionalismos, não é, por conseguinte, mais do que o antigo instituto da revogação do ato administrativo por iniciativa da Administração, ou a pedido do interessado, mediante a interposição reclamação graciosa ou recurso administrativo, a que se referiam os artigos 138.º e seguintes do CPA de 1991.

 

O decurso do prazo para a Administração proceder à anulação administrativa de um ato administrativo não sana os vícios de que o ato possa padecer, mas implica apenas que os seus efeitos se tornam definitivos, adquirindo a força jurídica de caso decidido ou caso resolvido. Significando que o ato administrativo, enquanto decisão de uma autoridade administrativa, define o direito do caso concreto de forma estável (cfr. Vieira de Andrade, Lições de Direito Administrativo, 2.º edição, Coimbra, pág. 163).

 

O caso decidido, no entanto, apenas releva na relação entre a Administração e o particular, e não impede que o interessado lance mão dos meios processuais de impugnação contenciosa contra o ato administrativo, ainda que a Administração não possa já anulá-lo administrativamente.

 

A anulação administrativa, quando ocorra, apenas tem como consequência que o particular deixa de ter interesse processual em impugnar o ato judicialmente. E caso a anulação administrativa se verifique na pendência de um processo de impugnação judicial, haverá lugar à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Assim se compreende que o mesmo artigo 168.º do CPA, no seu n.º 3, declare que [Q]uando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão”.

 

A consolidação na ordem jurídica do ato administrativo anulável só opera, por conseguinte, quando tenha decorrido o prazo legalmente previsto para o interessado deduzir o competente meio processual de impugnação judicial, na medida em que só pelo decurso desse prazo é o ato se torna inimpugnável jurisdicionalmente.

 

Qualquer outra solução constituiria um absurdo, confundindo a atividade administrativa com a função jurisdicional e contrariando flagrantemente o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

 

Uma vez que a anulação administrativa é um ato administrativo que se desenrola no âmbito de procedimento administrativo, e cuja prática se encontra na exclusiva disponibilidade da Administração, é claro que as vicissitudes quanto à possibilidade de o ato ser anulado ainda no âmbito do procedimento, não interfere em nada com o direito processual dos interessados recorreram a uma instância jurisdicional.

 

E, assim, não só os vícios do ato de fixação valor patrimonial tributário se não encontram sanados com o caso decidido, como também o contribuinte não está impedido de impugnar jurisdicionalmente os atos de liquidação de IMI, com fundamento na errónea quantificação do valor patrimonial tributário.    

  

Proibição legal da pronúncia arbitral segundo a equidade 

 

8. Face a tudo o que anteriormente se expôs, não tem cabimento a invocação pela Autoridade Tributária do princípio da proibição legal do julgamento segundo a equidade.

 

Os atos de liquidação de IMI são impugnáveis por vícios imputáveis ao ato de fixação do valor patrimonial tributário, e o tribunal arbitral limitar-se-á a apreciar estritamente as questões de legalidade segundo o direito constituído.    

 

Cumpre apreciar e decidir.

III - Fundamentação 

Matéria de facto

9. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

 

 A) A Requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, representado pela Sociedade Gestora B..., S.A., que, no âmbito da sua atividade, é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção;

          B) A Requerente foi notificada dos atos tributários de liquidação de AIMI com os n.os  2017..., 2018..., 2019...,2020..., referentes aos anos 2017, 2018, 2019 e 2020, no montante total de € 1.391.874,50;

C) Em causa estão os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... da freguesia de ..., do município de Lisboa;

D) Em relação a esses artigos matriciais, as liquidações tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar, os valores
patrimoniais tributários dos terrenos para construção de que a Requerente era titular, calculados segundo a fórmula de cálculo prevista no artigo 38.º do Código do IMI, que considerava a aplicação de coeficientes de afetação, de localização, e de qualidade e conforto;

E) As avaliações foram realizadas em 2017 e, quanto ao artigo matricial U-..., em 2021, e a Requerente não solicitou uma segunda avaliação, nos termos do disposto no artigo 76.º, n.º 1, do Código do IMI, nem impugnou jurisdicionalmente os atos de avaliação direta;

F) Os atos de liquidação impugnados constam do documento n.º 2 junto com o pedido arbitral e do documento junto com o requerimento da Requerente de 11 de julho, que aqui se dá como reproduzidos, resultando um valor de AIMI a pagar no montante de € 759.470,75; 

           G) Na sequência da jurisprudência reiterada do STA no sentido da inaplicação, para efeito da determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção, dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, a Autoridade Tributária, no decorrer do ano 2020, corrigiu a fórmula de cálculo aplicável a esses prédios, deixando de aplicar esses coeficientes;

H) A Requerente procedeu ao pagamento atempado dos atos de liquidação de AIMI;
            I) Em 23 de setembro de 2021, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra os atos de liquidação a que se refere a antecedente alínea A);

J) O pedido de revisão oficiosa não foi apreciado no prazo legalmente cominado, considerando-se com tacitamente indeferido em 22 de janeiro de 2022;

L) O pedido arbitral deu entrada em 2 de fevereiro de 2022.

 

Factos não provados

 

Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.

 

O tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base nos documentos juntos ao pedido arbitral.

 

 

Matéria de direito

10. A questão que está em debate consiste em saber se na determinação do valor patrimonial tributário de um terreno para construção, com referência aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, deverão ser tomados em consideração os coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, a que se refere o artigo 38.º do Código do IMI.

A Requerente defende o entendimento de que a avaliação de terrenos para construção em causa se rege exclusivamente pelo disposto no artigo 45.º Código do IMI, na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, não havendo qualquer norma de remissão para as regras gerais do artigo 38.º, pelo que a adoção dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto corresponde a uma aplicação analógica desse preceito que é legalmente proibida, concluindo assim que os atos de liquidação de adicional de IMI incorrem em erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários.

 

Quanto à matéria de fundo, a Autoridade Tributária considera que os serviços acolheram já o entendimento jurisprudencial segundo o qual, na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não qualquer outra, mas por força do disposto no artigo 168, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo  (CPA) não era já possível, pelo decurso do prazo de cinco anos, proceder à anulação administrativa dos atos de fixação do valor patrimonial tributário, que se consolidaram na ordem jurídica, pelo que se não verifica qualquer ilegalidade dos atos impugnados, nem qualquer erro por parte dos serviços, que se limitaram a dar cumprimento ao disposto na lei. 

 

A jurisprudência consolidada do STA aponta no sentido de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, que constitui a norma específica que regula essa matéria, pelo que não há lugar à consideração dos diversos coeficientes a que se refere o artigo 38.º

 

E não há qualquer motivo para alterar essa orientação.

 

Tal como resulta do artigo 1.º do Código do IMI, o imposto municipal sobre imóveis (IMI) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, definindo os artigos subsequentes, para efeitos do imposto, os conceitos de prédio, de prédios rústicos, de prédios urbanos e de prédios mistos (artigos 2.º a 5.º). 

 

O artigo 6.º, por seu turno, estabelece as espécies de prédios urbanos, estatuindo o seguinte:

 

“1 - Os prédios urbanos dividem-se em: 

 a) Habitacionais; 

 b) Comerciais, industriais ou para serviços; 

 c) Terrenos para construção; 

 d) Outros. 

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins. 

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3. 

 

No que se refere às operações de avaliação, a lei distingue entre os prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, cujos parâmetros se encontram consignados nos artigos 38.º a 44.º, e os terrenos para construção e os prédios da espécie “outros”, cujo valor patrimonial tributário é determinado, respetivamente, nos termos dos artigos 45.º e 46.º.

 

Aquele artigo 38.º, sob a epígrafe “Determinação do valor tributário”, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:


1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Clx Cq x Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afetação;

Cl = coeficiente de localização

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

(…).

 

Por sua vez, os preceitos que regulam a fixação do valor patrimonial dos terrenos para construção e prédios urbanos da espécie “outros”, na redação vigente à data dos factos, estatuem do seguinte modo:

 

Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

 

 1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

(…).
 

Artigo 46.º

Valor patrimonial tributário dos prédios da espécie «Outros»

 

1 - No caso de edifícios, o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º, com as adaptações necessárias. 

2 - No caso de não ser possível utilizar as regras do artigo 38º, o perito deve utilizar o método do custo adicionado do valor do terreno. 

3 - No caso de terrenos, o seu valor unitário corresponde ao que resulta da aplicação do coeficiente de 0,005, referido no nº 4 do artigo 40º, ao produto do valor base dos prédios edificados pelo coeficiente de localização. 

4 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos em ruínas é determinado como se de terreno para construção se tratasse, de acordo com deliberação da câmara municipal. 

 

É a todos os títulos evidente que o legislador, ao definir os critérios de determinação do valor tributário por referência aos prédios urbanos classificados como «habitacionais», «comerciais, industriais ou para serviços», «terrenos para construção» e «outros», está precisamente a remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui nos termos das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI.

 

Estando em causa um terreno para construção, o valor patrimonial tributário tem por base os critérios definidos naquele artigo 45.º, que remete para o valor da área de implantação do edifício a construir acrescido do valor do terreno adjacente à implantação. Além de que a norma define os termos em que se calcula o valor da área de implantação do edifício a construir (n.ºs 2 e 3) e o valor da área adjacente à construção (n.º 4), cujo somatório permite fixar o valor patrimonial do terreno para construção.

 

O valor da área de implantação varia numa percentagem entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas e que é fixada tendo em consideração as características mencionadas no n.º 3 do artigo 42.º, isto é, características relativas a acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário. Por sua vez, o valor da área adjacente à construção é calculado mediante a remissão para o artigo 40.º, n.º 4, que estipula a fórmula de cálculo da área de terreno livre dos prédios edificados.

 

Determinando a lei os termos em que se calcula o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor da área adjacente à construção, cujo somatório permite fixar o valor patrimonial do terreno para construção, são esses os específicos critérios a que haverá de atender-se para efeitos de avaliação. Ao estabelecer que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, a lei não manda aplicar o coeficiente de localização definido no artigo 42.º para prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou serviços, pretendendo explicitar apenas que, para efeitos de avaliação dos terrenos de construção, deve ser considerado um valor percentual entre esses dois limites, ponderado em função das características atinentes à localização do terreno. Ao utilizar a fórmula de cálculo da área de terreno livre dos prédios edificados, para a determinação do valor da área adjacente à construção, o legislador não pretende equiparar os terrenos de construção aos prédios edificados, mas unicamente aplicar um mecanismo de cálculo que se encontra previsto numa outra disposição do mesmo diploma legal.

 

Como é bem de ver, a referências feitas no artigo 45.º ao regime específico do n.º 3 do artigo 42.º e do n.º 4 do artigo 40.º não representam uma remissão em bloco para os critérios de avaliação aplicáveis aos prédios edificados, mas apenas a integração no regime próprio de avaliação dos terrenos para construção, por efeito de um expediente de remissão intra-sistemática, de certos fatores que são também considerados na avaliação de outros prédios urbanos.

 

De resto, não deixa de ser significativo, no quadro de uma interpretação sistemática da lei, que o mencionado artigo 45.º não contenha disposição similar à prevista no artigo 46.º, que para a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios da espécie «outros», manda aplicar, com as adaptações necessárias, no caso de edifícios, os critérios definidos no artigo 38º. No caso dos terrenos para construção, não só não é efetuada essa remissão genérica para o disposto nesse preceito, como também se estipulam critérios próprios para o cálculo do valor patrimonial tributário dos prédios.

 

Por outro lado, uma interpretação do artigo 45.º com base na similitude de situação entre os terrenos para construção e os edifícios construídos não tem o mínimo apoio na letra da lei e não é sequer admissível o recurso à analogia, não só porque não existe nenhuma lacuna normativa que seja suscetível de integração analógica, como também porque a integração por meio de analogia é proibida no tocante a matérias abrangidas pela reserva de lei parlamentar (artigo 11.º, n.º 4, da LGT).

 

No sentido exposto aponta ainda a jurisprudência do STA, que tem vindo a considerar não serem aplicáveis, na avaliação de terrenos para construção, os coeficientes de afetação e de qualidade e conforto, com base no entendimento de esses fatores apenas podem ser aferidos em relação a prédios já edificados (cfr. acórdãos do STA de 11 de novembro de 2009, Processo n.º 0765/09, de 20 de abril de 2016, Processo n.º 0824/15, e de 16 de maio de 2018, Processo n.º 0986/16). Como também tem afastado o coeficiente de localização, na medida em que se entende que esse fator se encontra já contemplado na percentagem estabelecida no n.º 2 do artigo 45.º (cfr. acórdãos do STA de 5 de abril de 2017, Processo n.º 01107/16, e de 28 de junho de 2017, Processo n.º 0897/16).

 

Importa por fim referir que este entendimento jurisprudencial foi sufragado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em recurso por oposição de julgados, através do acórdão de 21 de setembro de 2016, no Processo n.º 01083/13.

 

Nestes termos, a fixação do valor patrimonial tributário de terreno para construção com base na aplicação de coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, mostra-se ser ilegal por violação do artigo 45.º do Código do IMI.

 

Acresce que, como se deixou já esclarecido, a circunstância de a Administração Tributária não poder proceder à anulação administrativa, pelo decurso do prazo previsto no CPA, não sana os vícios do ato de fixação valor patrimonial tributário, nem impede o sujeito passivo de impugnar jurisdicionalmente os atos de liquidação de AIMI, com fundamento na ilegalidade desses atos (cfr. supra ponto 7.).    

 

Resta referir que não tem qualquer cabimento, no âmbito de um processo jurisdicional, a invocação do princípio da subordinação da Administração à lei. Esse é um princípio da atividade administrativa, como tal consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição e que se analisa em duas dimensões fundamentais: o princípio da prevalência da lei e o princípio da precedência de lei. O princípio da legalidade, assim entendido, corresponde a um princípio da juridicidade da Administração, significando que são as regras e os princípios da ordem jurídica que constituem fundamento e pressuposto da atividade administrativa.

 

Deduzida uma impugnação judicial do ato administrativo é à instância jurisdicional que cabe dizer o direito aplicável ao caso concreto, nada obstando que possa anular o ato impugnado por errada interpretação do direito.

 

Assim se compreendendo que, nos termos do disposto no artigo 68.º-A, n.º 4, da LGT, a Administração Tributária deva rever as orientações genéricas constantes de circulares e regulamentos atendendo, nomeadamente, à jurisprudência dos tribunais superiores.

 

Vícios de conhecimento prejudicado  

 

11. Face à solução a que se chega, no plano do direito infraconstitucional, fica prejudicado o conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada pela Requerente.

 

Juros indemnizatórios

 

12. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito. 

 

Nos casos de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 10 de maio de 2017, Processo n.º 01159/14).

 

No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 23 de setembro de 2021, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 24 de setembro de 2022, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

a)    Julgar improcedentes as exceções de inadmissibilidade e intempestividade do pedido de revisão oficiosa, de inimpugnabilidade dos atos tributários de liquidação e de sanação dos vícios dos atos de fixação do valor patrimonial tributário por efeito do caso decidido;

b)    Julgar procedente o pedido arbitral, e anular parcialmente as liquidações de AIMI respeitantes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido;

c)    Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e em juros indemnizatórios desde 24 de setembro de 2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 759.470,75, que a Autoridade Tributária não questionou e corresponde ao valor das liquidações de imposto a que se pretendia obstar, face ao disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 11.016,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 14 de julho de 2022

   

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha (relator)

 

A Árbitro vogal

Ana Rita Chacim

 

O Árbitro vogal

João Taborda da Gama