Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 70/2014-T
Data da decisão: 2014-09-03  IVA  
Valor do pedido: € 1.136.340,01
Tema: IVA – direito à dedução; SGPS; sujeito passivo mista
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 70/2014 – T

Tema: IVA

 

1. Relatório

 

 

A, SGPS, S.A. (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), pessoa colectiva número …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o mesmo número, com sede …,  requereu, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, a constituição de Tribunal Arbitral, visando a declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IVA relativas ao ano de 2010 com os n.ºs … (Janeiro) … (Fevereiro), … (Março), … (Abril), … (Maio), … (Junho), … (Julho), … (Agosto), … (Setembro), … (Outubro), … (Dezembro) e das liquidações dos correspondentes juros compensatórios n.ºs … (Janeiro) … (Fevereiro), … (Março), … (Abril), … (Maio), … (Junho), … (Julho), … (Agosto), … (Setembro), … (Outubro), … (Dezembro), bem como a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa que deduziu. Subsidiariamente, a Requerente pede a anulação dos referidos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios nas partes correspondente ao IVA suportado em fornecimentos redebitados, em operações com direito a dedução, a terceiros nos seguintes montantes:

 

- MARÇO (LIQUIDAÇÃO DE IVA N.º …): € 26.390,57

- ABRIL (LIQUIDAÇÃO DE IVA N.º …): € 24.273,58

- MAIO (LIQUIDAÇÃO DE IVA N.º …): € 2.667,50

            - JUNHO (LIQUIDAÇÃO DE IVA N.º …): € 5.676,75

            - JULHO (LIQUIDAÇÃO DE IVA N.º …): € 72.446,85

            - AGOSTO (LIQUIDAÇÃO DE IVA N.º …): € 24.607,28

            - SETEMBRO (LIQUIDAÇÃO DE IVA N.º …): € 71.326,96

            - OUTUBRO (LIQUIDAÇÃO DE IVA N." …): € 4.286,89

            - DEZEMBRO (LIQUIDAÇÃO DE IVA N.º …): € 58.073,22

 

Ainda subsidiariamente, a Requerente pede reenvio prejudicial para o TJUE.

A Requerente pede ainda indemnização pelos prejuízos decorrentes da prestação de garantia indevida, com juros.

Ao abrigo do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT a Autoridade Tributária e Aduaneira revogou parcialmente os actos tributários que são objecto do pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à «dedução do IVA relativo ao valor do redébito (50%) das despesas suportadas com a prestação de serviços de assistência jurídica, consultoria e assessoria referentes ao processo de arbitragem que opôs a A, SGPS, SA à sociedade B, no montante de € 285.644,85.

A Requerente, notificada da referida revogação parcial dos actos, veio dizer que pretendia o prosseguimento do presente processo quanto à parte não revogada dos actos de liquidação e requereu à Autoridade Tributária e Aduaneira a rectificação do acto de revogação, o que veio a ser deferido, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira procedido a «rectificação da decisão de revogação parcial dos atos de liquidação de IVA referentes aos períodos de janeiro a outubro e dezembro de 2010, no que se refere ao IVA indevidamente deduzido relativo a aquisição de bens e prestações de serviços cujo redébito foi efectuado às participadas, passando o valor de IVA objeto de revogação ascender a € 289.749,59; assim como, a retificação das correspondentes liquidações de juros compensatórios na parte correspondente ao montante revogado».

A Autoridade Tributária e Aduaneira manteve os actos que são objecto do pedido de pronúncia arbitral quanto à dedução de IVA relativo a aquisição de bens e prestação de serviços afectos exclusivamente à atividade de gestão de participações sociais e de utilização mista — Liquidações Adicionais de IVA nº …, …, …, …; …, …, …, …, …, … e … (período de 10/01 a 10/10 e 10/12) e as liquidações de Juros compensatórios nº …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e … (período de 10/01 a 10/10 e 10/12).

            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a Professora Doutora Maria do Rosário Anjos e o Dr. António Nunes dos Reis, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

            As Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 31-03-2014.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defende que deve ser declarada a extinção da instância relativamente à parte que foi objecto de revogação e, no restante, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.

No dia 10-07-2014, teve lugar uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e proferidas alegações orais.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            O processo não enferma de nulidades.

 

            2. Matéria de facto

 

            Em face da revogação parcial dos actos impugnados, torna-se inútil a apreciação da questão que neles foi analisada, e, por isso, também a fixação da matéria de facto respectiva.

 

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)         A Requerente é uma sociedade comercial, com sede em território nacional, que exerce a actividade de gestão de participações sociais, a que corresponde o CAE …, e presta serviços técnicos de administração e gestão às sociedades por si participadas;

b)         Para efeitos de IVA, encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º Código do IVA;

c)         A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou um procedimento externo de inspecção de âmbito geral, relativo ao exercício de 2010, efetuado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º …, de 27-02-2012, emitida pela Unidade dos Grandes Contribuintes;

d)        No decurso desse procedimento de inspecção, a Requerente enviou à Autoridade Tributária e Aduaneira os documentos cuja cópia constitui o documento n.º 45 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, inclusivamente um mapa com indicação das horas de prestação de serviços às suas participadas que serviram de base à respectiva facturação;

e)         Na sequência desse procedimento foram efetuadas correcções em sede de IVA no montante global de € 1.045.785,54, com base nos fundamentos que constam do Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido seguintes, de que consta, além do mais, o seguinte:

 

  III 2.1. Dedução indevida na atividade não sujeita: € 1.045.785,54

 

Da análise efectuada, foi verificado que o sujeito passivo deduziu no período em análise, um total de IVA no montante de € 1.225 707,93 o qual corresponde ao somatório dos valores mensais inscritos nos campos 20 a 24 das declarações periódicas de IVA entregues, relativos ao imposto dedutível nas aquisições de imobilizado e outros bens e serviços.

Considerou assim, o sujeito passivo, na análise que fez à utilização do imobilizado e dos bens ou serviços adquiridos em que suportou o imposto, estarem todos diretamente relacionados com a prática de atividades sujeitas a IVA e dele não isentas, sendo portanto dedutível a totalidade do imposto suportado no período, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 19º do Código do IVA (CIVA) onde estabelece que "para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram (...) o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços (...)".

 

Da norma do artigo 20º do CIVA

 

Decorre da redação do artigo 20º, no seu nº 1, que relativamente a recursos diretamente imputáveis e/ou relacionados com a prática de atividades sujeitas a IVA, só possa deduzir-se o imposto que tenha "incidido sobre bens e serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeite passivo para a realização" nomeadamente de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto, ou que, não suscitando a tributação, estejam expressamente previstas como conferindo o direito à dedução.

Retira-se assim, que o direito à dedução, previsto nos artigos 19º e 20º do CIVA, exerce-se imediatamente em relação à totalidade do imposto que incida sobre as operações efetuadas a montante, mas para que o IVA seja dedutível, as operações efetuadas a montante devem apresentar um nexo direto e imediato com operações a jusante sujeitas a imposto.

Tal permite concluir que o IVA incorrido com a aquisição de bens e serviços utilizados unicamente na realização de atividades não sujeitas a imposto, não é suscetível de recuperação na íntegra.

 

Da norma no artigo 23º do CIVA

 

Estabelece ainda o artigo 23º do mesmo Código que, no caso de sujeitos passivos que no exercício da sua atividade efectuem operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, "a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2; (sublinhado nosso)

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º [do Código do IVA], parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução (sublinhado nosso)

 

Assim, a aplicação do artigo 23º acima indicado "restringe a determinação do imposto dedutível relativo aos bens e/ou serviços de utilização mista ou seja, aos bens e/ou serviços utilizados conjuntamente em atividades que conferem o direito a dedução e em atividades que não conferem esse direito.

De facto, tratando-se de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações com direito a dedução de imposto, apresentando uma relação direta e imediata com essas operações, o respetivo imposto é objeto de dedução integral, nos termos do artigo 20º do CIVA.

Tratando-se de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto mas isentas sem direito a dedução ou a operações que, embora abrangidas pelo conceito de atividade económica estejam fora das regras de incidência do imposto ou ainda de operações não decorrentes de uma atividade económica, o respetivo IVA suportado não pode ser objeto de dedução."' 

E é esta a situação, numa primeira análise, que cabe aqui identificar e analisar, isto é, saber se dentro das atividades praticadas pelas SGPS e no caso em concreto, pela sociedade A, quais as operações, que em sede de IVA caem fora do conceito de atividade económica, no sentido de aferir dos limites à dedução do IVA suportado.

 

Da atividade económica das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS)

 

A atividade das SGPS vem (prevista e regulada no Decreto-Lei nº 495/88, de 30 de dezembro, com as posteriores alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 318/94, de 24 de dezembro e pelo Decreto-Lei nº 378/98, de 27 de novembro, e pela Lei nº 109-B/2001, de 27 de dezembro.

Estabelece o n.º 1 do artigo 1º daquele normativo, que as SGPS têm como único objeto contratual (i) a gestão do participações sociais de outras sociedades como forma indireta do exercício da atividade económica. Em complemento à atividade principal, é permitida às SGPS, a título de atividade acessória, (ii) a prestação, em determinadas circunstâncias, de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou algumas das sociedades participadas, nos termos e condições previstos no artigo 4º, e, podendo ainda sob determinadas restrições, impostas pela alínea f) de n.º 1 do artigo 5º do mesmo diploma, (iii) conceder crédito as sociedades por si participadas

 

(i)        A actividade da gestão de participações sociais

 

Em linha com a vasta jurisprudência comunitária, considera-se que a mera aquisição, detenção e alienação de participações sociais e títulos equiparáveis consubstanciada na gestão de participações sociais não é enquadrável como atividade económica, na perspetiva do IVA.

No entanto, imporia aqui referir que a situação diferente é quando a detenção da participação financeira é acompanhada pela intervenção direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verifica a participação, na medida em que implique transações sujeitas a IVA, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos.

"A sujeição ao IVA pressupõe que essa atividade seja efetuada no âmbito de um objectivo empresarial ou com uma finalidade comercial, caracterizado nomeadamente por uma preocupação de rentabilização dos capitais investidos". Nos termos desta jurisprudência, "a atividade económica deve, pois, entender-se como uma atividade suscetível de ser exercida per uma empresa privada num mercado, organizada num quadro profissional e geralmente animada pelo propósito de gerar lucros".

E é neste quadro, que o direito à dedução do imposto suportado, depende da demonstração, caso a caso, da ligação existente entre as aquisições de bens e serviços (inputs) e os serviços prestados no âmbito de uma efetiva atividade sujeita e não isenta.

 

(ii)       A atividade acessória de prestação de serviços

 

Considera-se uma atividade económica nos termos do CIVA e sujeita a imposto, e como tal o respetivo IVA suportado nos bens e serviços adquiridos e utilizados na prossecução desta actividade, verificados os restantes pressupostos e a não inclusão nas operações do artigo 21º do CIVA, confere direito à dedução.

 

(iii) A atividade acessória de concessão de financiamentos a sociedades participados

Constitui uma atividade económica no âmbito da sujeição a IVA, encontrando-se isenta nos termos do n.º 27 do artigo 9º do CIVA. Tratando-se de uma isenção não prevista nas exclusões da alínea b) do n.º 1 do artigo 20º do mesmo Código, o imposto suportado na aquisição de bens e serviços destinados à prossecução desta atividade não confere direito à dedução.

Podemos, assim, neste parte concluir que para efeitos de enquadramento em sede de imposto sobre o valor acrescentado, as SGPS que exerçam simultaneamente as atividades acima descritas são sujeitos passivos mistos, na medida em que exercem actividades enquadradas no conceito de atividade económica previsto na Sexta Diretiva (sujeitas e isentas) sendo que a atividade principal não se encontra enquadrada no conceito de atividade económica previsto na Sexta Diretiva e que assim não confere direito à dedução de imposto suportado nos seus inputs.

 

O caso concreto da atividade económica da A SGPS

 

Na situação em análise, a A SGPS qualifica-se como uma sociedade anónima cujo objeto social consiste na gestão de participações sociais noutras sociedades, a que corresponde o CAE … . Adicionalmente, e a título acessório, presta serviços técnicos de administração e gestão às sociedades por si participadas, concretamente as sociedades C SA, D, SGPS e E, SA, sendo os rendimentos declarados no exercício de 2010, constituídos pela remuneração das prestações de serviços, por juros e dividendos obtidos. Nesta conformidade, ter-se-á que classificar a A, SGPS como uma holding mista.

Assim, para efeitos fiscais em sede de IVA, enquadra-se como o que comummente se passou a designar de sujeito passivo misto, dado que no âmbito da sua atividade de holding pratica operações isentas (a concessão de crédito às suas participadas), que não se enquadram no conceito de atividade económica, operações não sujeitas a imposto (a gestão de participações sociais) e, simultaneamente, operações sujeitas com direito a dedução (a prestação de serviços), enquadrando-se estas duas últimas no conceito de atividade económica previsto na Sexta Diretiva.

No âmbito da análise efetuada, o procedimento da inspeção tributária visou determinar a existência de ligação de cada recurso às várias operações ativas do sujeito passivo, o que tornou obrigatório a definição de critérios objetivos que possibilitassem a imputação do encargo às diferentes atividades exercidas pelo sujeito passivo, permitindo-se a dedução do imposto em função da aplicação de uma chave de imputação.

Para o efeito, e partindo dos extratos das contas de registo do IVA suportado, foi efectuada uma amostragem, de acordo com critérios de relevância de valor, consubstanciada na seleção de documentos que deram origem ao imposto

Da análise dos documentos selecionados, constatou-se que o sujeito passivo considerou que todos os encargos suportados estariam afetos às atividades sujeitas a IVA que, como já se demonstrou, numa SGPS constituem atividades autónomas. Ou seja, foi verificado que não houve qualquer distinção no tratamento daqueles bens e serviços que se considera de utilização exclusiva na atividade de gestão de participações sociais, i. e., na atividade não sujeita do sujeito passivo.

Igualmente considerou que nenhuma parte dos restantes serviços adquiridos tiveram utilização na sua atividade de gestão de participações sociais (não sujeita a IVA), nomeadamente em bens que numa primeira abordagem seriam indiscutivelmente utilizados conjuntamente na realização de todas as suas atividades, nomeadamente as despesas de funcionamento da própria sociedade relativas à utilização de espaço (rendas, condomínios, manutenção e limpeza).

 

Relativamente aos bens e serviços de utilização exclusiva

 

O sujeito passivo tem ao seu dispor meios próprios adequados, ou socorre-se de terceiros que lhe prestem os serviços que se mostrem indispensáveis nas diversas áreas preponderantes para a tomada de decisão.

Assim, no âmbito da atividade principal, são realizadas operações de aquisições e alienações de participações sociais, liquidação de sociedades, eventuais permutas, fusões ou cisões, sendo que para a tomada desse tipo de decisões tem-se necessariamente que se dispor de um conjunto de informações e opções no sentido de fazer uma gestão adequada dos recursos da SGPS, e de modo a criar sinergias que permitam atingir os objetivos estratégicos do grupo representado pela mesma.

Em função dos setores em que se inserem (ou pretendem inserir) e das condicionantes internas (recursos disponíveis, opções de gestão, entre outros} e externas (mercado, concorrência, legislação específicas, etc.), tal desiderato pode ser atingido de variadas formas, sendo preponderante a realização de estudos que avaliem da sua adequabilidade e das repercussões esperadas, para que as decisões a tomar permitam os níveis de eficácia e eficiência esperados em face dos objetivos estratégicos traçados, e que se esperam vir a traduzir-se num incremento da rentabilidade dos investimentos, seja por via na participação dos resultados das participadas (dividendos) ou na obtenção de ganhos com a alienação.

Na falta de meios próprios, o sujeito passivo terá de socorrer-se de terceiros para a prestação dos serviços que se mostrem indispensáveis, e isso implica a assumpção de encargos como os a seguir enumerados, que são inevitavelmente dispêndios próprios do funcionamento de uma SGPS:

a) Serviços relacionados com a elaboração, revisão, conceção e tradução do relatório de contas da sociedade;

Na análise efetuada foram identificados encargos com serviços desta natureza, cujo respetivo imposto suportado totaliza € 23.521,55 - Anexo n.º 3.

b) Serviços relacionados com a administração da sociedade e que respeitam essencialmente a serviços de secretariado e apoio administrativo e de consultoria relativo aos benefícios de reforma dos administradores da sociedade:

Na análise efetuada foram identificados encargos com serviços desta natureza, cujo respetivo Imposto suportado totaliza € 10.290,00 - Anexo n.º 3.

c) Serviços relacionados com assessoria fiscal, consultoria jurídica e consultaria estratégica relativa à detenção, aquisição e alienação de participações sociais na qualidade de acionista, oportunidades de investimento e desinvestimento, desenvolvimento do negócio da sociedade e outros relacionados;

Na análise efetuada foram identificados encargos com serviços desta natureza, cujo respetivo imposto suportado totaliza € 820.546,66 – Anexo n.º 3.

 

Considera-se assim que os serviços referidos anteriormente, respeitam à própria sociedade e não dependem de todo da realização de operações económicas para efeitos do Imposto do IVA, dado que pela sua natureza estes custos não apresentam uma relação direta e imediata com as atividades tributáveis. i.e., seriam sempre incorridos ainda que o sujeito passivo não prestasse qualquer serviço acessório.

Ora, porque dentro dos encargos em discussão, veja-se como exemplo aqueles como maior peso, ou seja, os gastos incorridos pelo sujeito passivo com honorários pelos serviços jurídicos no processo de arbitragem contra a sociedade B no âmbito do acordo parassocial existente no que respeita à detenção da F, que dada a sua especificidade resultam de atos que se enquadram na gestão do grupo no seu todo, e não evidenciam nem permitem estabelecer uma relação de causa efeito entre estes e os débitos de serviços administrativos, contabilísticos e informáticos efetuados pelo sujeito passivo, mas que encontram justificação no quadro de "aquisição, detenção e gestão das participações sociais" que constitui o objeto principal da sociedade A e que aqui atua na qualidade de acionista que o é.

Neste quadro, o sujeito passivo celebrou com as suas participadas, contratos de prestações de serviços, que preveem o fornecimento de serviços de natureza diversa, relacionados com planeamento estratégico e financeiro, assessoria fiscal e jurídica, secretariado, sistemas de controlo, informática, organização da contabilidade e apoio nas relações com organismos oficiais.

As faturas emitidas pelo sujeito passivo não especificam em concreto os serviços realizados, contendo o descritivo a designação genérica de "prestações de serviços técnicos de administração e gestão", o que torna difícil estabelecer uma correlação com a diversidade de encargos relativamente aos quais entende o sujeito passivo estar legitimamente a deduzir o imposto suportado.

Exige-se assim não só que os serviços tenham substância económica mas também que haja uma efetiva interligação e dependência entre os inputs e os outputs, no pressuposto de que o preço das operações a jusante incorpore o encargo incorrido a montante (inputs), o que na presente situação não se verifica nos gastos analisados.

E conforme anteriormente assumido pelo sujeito passivo, os valores cobrados pela prestação de serviços às participadas são calculados "de forma a cobrir todas as despesas diretas e indiretas incorridas pela sociedade A com a prestação desses serviços".

Demonstrado que na esfera do sujeito passivo a gestão de participações sociais não é uma atividade económica na aceção do n.º 2 do artigo 4º da Sexta Diretiva (atual Diretiva IVA), temos que quanto aos documentos analisados relacionados com a aquisição de bens e serviços atrás indicados, se consideram como exclusivamente afetos à realização de operações não decorren1es da atividade económica, uma vez que não se estabeleceu qualquer ligação direta para com os serviços faturados a jusante.

Como tal o IVA suportado que totaliza no período o montante de € 854.358,21 – cfr. Apuramento efectuado mo mapa que constitui o anexo n.º 3 – não é dedutível nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA

 

Relativamente aos bens e serviços de utilização mista

 

Dado o fim a que se destinam, comum às várias actividades, e aqui inclui-se os gastos com equipamento administrativo, recomenda-se que o cálculo da dedução do IVA suportado se baseie na afectação real, ainda que com base em critérios ou chaves de repartição que permitam a dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços, na proporção da utilização destes na actividade tributada.

A determinação desses critérios ou chaves de, repartição deverá resultar do conhecimento que a sociedade tem do seu negócio e deverá ser adaptada à situação e organização do sujeito passivo, à natureza das operações que efetua, no contexto da atividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações.

Considerando a qualidade de holding misto que o sujeito passivo possui implica que a dedução do IVA suportado nos bens e serviços de utilização mista, não seja integral, mas antes na medida da conexão de cada encargo com a atividade sujeita que confere o direito a dedução, sob pena de se permitir uma desigualdade injustificada no sistema.

Para evitar essa injustiça, foi seguida pela Administração Tributária, a jurisprudência dada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (atual Tribunal de Justiça da União Europeia), que refere a adoção do método da afetação real tendo em atenção que o critério de repartição dos montantes do Imposto sobre o valor acrescentado pago a montante entre atividades económicas e atividades não económicas deve refletir objetivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas atividades.

Assim, "os critérios mais indicados para pôr em prática o método da afetação real (...) deverão levar em consideração, nomeadamente, os recursos em bens e serviços que sejam sempre necessários ao normal desempenho da atividade principal, caso as referidas sociedades optassem por não praticar complementarmente operações tributadas”   (sublinhado nosso).

"Neste contexto, a identificação dos critérios mais adequados para apurar da real afetação dos bens e serviços deve ter em conta, nomeadamente, os princípios da neutralidade e da não distorção de concorrência subjacentes ao sistema comum do IVA, com o objetivo de não permitir eventuais situações de desigualdade injustificada entre as holdings puras, que procedem apenas à gestão de participações sociais, e as holdings mistas que, além disso, se dedicam: complementarmente à prestação de serviços técnicos acessórios às empresas participadas". 

E a utilização de critérios é igualmente imposta pela jurisprudência do TJCE. Veja-se o aresto de 13 de março de 2008, proferido no processo C-437/06, relativo a uma sociedade, que tal como a sociedade A exercia três tipos de atividades: "a saber, em primeiro lugar, atividades não económicas, que não entram no âmbito de aplicação da Sexta Diretiva IVA, em segundo lugar, atividades, económicas (...), que estão isentas de IVA, e, em terceiro lugar, atividades económicas tributadas".

Nesta decisão o Tribunal indicou de forma clara que "o IVA que incidiu a montante sobre as despesas suportadas por um sujeito passivo não pode conferir direito à dedução na medida em que ele diga respeito a atividades que, tendo em conta o seu caráter não económico, não entram no âmbito de aplicação da Sexta Diretiva." (parágrafo 30).

Relativamente à limitação na dedução do imposto, no mesmo aresto, "a determinação dos métodos e dos critérios de repartição dos montantes do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante entre atividades económicas e atividades não económicas (...) insere-se no poder de apreciação dos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade da economia desta Diretiva e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflita objetivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas atividades".

No âmbito do exercício do poder de apreciação pelos Estados-Membros, estes "estão habilitados a aplicar, (...), quer uma chave de repartição segundo a natureza do investimento, quer uma chave de repartição segundo a natureza da operação, quer ainda qualquer outra chave adequada, sem estarem obrigados a limitar-se a um único destes métodos". (parágrafo 38 do Acórdão referido).

Para o efeito, vem o Ofício-Circulado n.º 30103, de 23 de abril de 2008, da Área de Gestão Tributária - IVA referir que "no caso dos bens ou dos serviços de utilização mista parcialmente afetos à realização de operações não decorrentes de uma atividade económica, a determinação do montante de IVA não dedutível relativo a estas não pode ter por base o método de pró rata (. ..), devendo ser obrigatoriamente utilizada a afetação real em função da efetiva utilização (...) através de critérios objectivos (...)".

"Em consequência, deve determinar-se o grau, proporção ou intensidade da utilização de cada bem ou serviço em operações que decorrem de atividade económica sujeita a IVA e de operações que não decorrem, através de critérios objetivos, podendo ser referidas a título meramente indicativo, os seguintes:

a) A área ocupada;

b) O número de elementos do pessoal afeto;

C) A massa salarial;

d) As horas-máquina;

e) As horas-homem; (negrito nosso)

(... )"

“Em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objetivos deve ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da atividade global exercida e aos bens ou serviço adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de atividade económica relevantes."

No caso em apreço não tendo o sujeito passivo procedido em conformidade, implicou a definição, por parte da Administração Tributária de uma chave de imputação que traduza uma realidade mais próxima do possível de qual o imposto, contido nas aquisições de bens e serviços de utilização mista que é passível de dedução.

Na amostragem efectuada identificou-se um conjunto de encargos com bens e serviços que se considera serem de utilização conjunta na realização de operações não decorrentes de uma actividade económica e no exercício de actividades económicas.

Trata-se sobretudo da aquisição de equipamento administrativo e serviços relativos ao pagamento de rendas dos espaços utilizados e respetivos condomínios.

Conforme anteriormente referido, o sujeito passivo no exercício da sua actividade acessória, prestou, durante o ano de 2010, serviços técnicos de administração e gestão às suas participadas C, D e E, sendo que a remuneração é calculada em função do número de horas de trabalho efetivamente dedicadas.

E tendo o sujeito passivo indicado o número de horas despendidas na realização destas operações tributadas e não isentas, é nossa convicção que uma repartição dos custos em causa (apenas os de utilização mista), com base na efetiva utilização desses recursos, deverá ter, como base o tempo despendido naquela atividade (horas-homem), não colide com a jurisprudência aplicável.

Assim, estando em causa um conjunto de bens e serviços relacionados com rendas de espaços, imobilizado entre outros, a aplicação de uma chave de imputação com base nos tempo de utilização destes recursos, que respeita a realidade da empresa nomeadamente quanto à forma como procede à quantificação do proveito a debitar às participadas com base no número de horas, mostra ser, em nossa opinião, um critério adequado por refletir a parte em que aqueles recursos foi afeta à prestação de serviços sujeita a IVA.

Decorre assim, que do total de tempo despendido pelos colaboradores na realização da atividade global da sociedade A, apenas o utilizado na prossecução da atividade sujeita e não isenta tem relação direta com a atividade tributada.

Para efeitos dos cálculos efetuados, os pressupostos considerados visando a simplificação do processo, foram:

a. Um total de 230 dias úteis/ano (foi excluído o mês de agosto) com um horário de trabalho de 8 horas diárias, o que perfaz 1.840 horas/ano imputadas a cada colaborador da sociedade A na sua atividade global;

b. Que os recursos humanos utilizados pela sociedade A na sua atividade global correspondem a um efetivo de colaboradores identificados no Modelo 10 entregue pela empresa como tendo auferido rendimentos de trabalho dependente;

c. Para efeitos do cálculo do número total de horas de trabalho dos colaboradores da sociedade A considerou-se que os membros dos órgãos sociais (CA, CF, AG) sem funções executivas exerciam o mandato ocasionalmente ou em tempo parcial não quantificável;

d. Tendo por base a hora faturada nas prestações de serviços, foi considerado um consumo de horas de trabalho no total de 6.988 horas por parte dos colaboradores da sociedade A (Anexo n.º 4)

e. Que todos os funcionários que intervieram na prestação de serviços, ainda que alguns estejam em permanência nas instalações das sociedades participadas, utilizaram de forma igual os recursos da sociedade A;

 

Face aos recursos utilizados pelo sujeito passivo no conjunto das suas atividades, a parte afeta à atividade sujeita a IVA e não isenta (prestação de serviços técnicos), relativamente aos quais o imposto suportado confere direito à dedução corresponde a 14,07%  – ver Anexo n.º 4 – do total dos recursos consumidos conforme cálculos que se resumem no quadro seguinte:

 

 

 

 Da aplicação daquela percentagem ao IVA suportado na aquisição dos bens e serviços, que se consideraram de utilização mista, os quais se encontram listados no Anexo n.º 5, no valor total de € 222 760,93 resulta que o sujeito passivo deduziu em excesso o valor de € 191.427,33 correspondente à parte dos recursos não utilizada na atividade de prestações de serviços tributável e não isenta.

 

Da conclusão

 

Resulta assim para as aquisições de bens e serviços objeto de análise na presente inspeção, o sujeito passivo deduziu o IVA suportado no valor de € 1.225.707,93. Face aos fundamentos aduzidos, propõe-se a correção do montante total de € 1.045.785,54 nos termos dos artigos 20º e 23º do CIVA, cuja regularização se materializará em diferentes períodos do imposto.

Assim, relativamente ao imposto suportado indevidamente deduzido no valor de €.854.358,21 referente à aquisição de bens e serviços afetos exclusivamente à atividade principal de gestão de participações sociais, considera-se:

           

- relativamente ao Imposto suportado indevidamente deduzido no valor de € 191.427,31 por aplicação do critério de imputação que resulta uma proporção de 14,07% ao IVA contido na aquisição de bens e serviços de utilização mista, considera-se:

 

            Nos termos do n.º 1 do artigo 96º do Código do IVA, "sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou tendo sido recebido reembolso superior ao devido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios, nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária

f)         No ano de 2010, a Requerente deduziu IVA no montante de € 1.225 707,93, correspondente a toda a utilização de bens e serviços adquiridos em que suportou IVA;

g)         No ano de 2010, a Requerente despendeu em serviços relacionados com a elaboração, revisão, concepção e tradução do relatório de contas da sociedade a quantia de € 23.521,55;

h)         No ano de 2010, a Requerente despendeu a quantia de € 10.290,00 em serviços relacionados com a administração da sociedade e que respeitam essencialmente a serviços de secretariado e apoio administrativo e de consultoria relativo aos benefícios de reforma dos administradores da sociedade;

i)          No ano de 2010, a Requerente despendeu a quantia de € 820.546,66 em serviços com assessoria fiscal, consultoria jurídica e consultaria estratégica relativa à detenção, aquisição e alienação de participações sociais na qualidade de acionista, oportunidades de investimento e desinvestimento, desenvolvimento do negócio da sociedade e outros relacionados;

j)          A Requerente acompanha e assessora a gestão das suas participadas (depoimentos das testemunhas G e H);

k)         A Requerente tem um quadro de pessoal dedicado ao acompanhamento da gestão das participadas que, incluindo administradores executivos mas excluindo os não executivos, ascendia em 2010 a 25,88 colaboradores (Documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, e depoimentos das testemunhas G e H);

l)          A Requerente recebe dividendos uma vez por ano e paga aos seus accionistas uma vez por ano (depoimento da testemunha G);

m)        A Requerente recebe juros duas ou três vezes por ano (depoimento da testemunha G);

n)         A Requerente só pontualmente faz empréstimos às suas participadas (depoimento da testemunha G);

o)         As aquisições de novas empresas pela Requerente são ocasionais tendo ocorrido uma em 2004 e outra em 2008 (depoimento da testemunha G);

p)         Em 2010 houve um reforço das participações sociais nas empresas em que já as tinha e não houve qualquer alienação de participações sociais (depoimento da testemunha G);

q)         Em 2010 não houve qualquer aquisição ou fusão ou cisão de sociedades (depoimentos das testemunhas G e H);

r)         A actividade da Requerente de gestão de participações sociais é diminuta e nela são consumidos poucos recursos humanos (depoimento da testemunha G);

s)         Em 2010 o valor dos serviços facturados pela Requerente às suas participadas foi de € 2.825.760,00, nos termos referidos nos documentos n.ºs 6 e 9, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

t)         Na fixação da remuneração devida à sociedade A pelos serviços prestados intervieram, por vontade das partes (A e respectivas participadas) dois factores: (a) € 350/hora nos casos da C e E e € 370/hora no caso da D) e (b) horas de 12 colaboradores da A (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimentos das testemunhas G  e H);

u)         Os 12 colaboradores referidos são os que entram em contacto com as participadas (depoimentos das testemunhas G e H);

v)         A actividade dos 12 trabalhadores referidos não podia ser levada a cabo da forma que é se não houvesse a colaboração de todos os restantes trabalhadores da Requerente (depoimentos das testemunhas G e H);

w)        Os colaboradores da A e os seus recursos produtivos em geral são utilizados na actividade de prestação de serviços às participadas, consubstanciados no acompanhamento diário da sua actividade e gestão, sendo insignificante ou irrisório, e ocasional, a parcela destes recursos afecta a outras tarefas, designadamente tarefas de recepção de dividendos e juros (depoimentos das testemunhas G e H);

x)         Em 28-12-2012, a Requerente foi notificada do Relatório da Inspecção Tributária e das correcções efectuadas com base nele (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

y)         Na sequência da notificação do relatório, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios, sendo nelas indicado o dia 31-03-2013, como limite do prazo de pagamento voluntário:

                        Liquidações de IVA

                       

Liquidações de Juros Compensatórios

 

z)         Em 19-07-2013, a Requerente apresentou reclamação graciosa no Serviço de Finanças de Lisboa 2 (documento n.- 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

aa)       A reclamação graciosa não foi decidida até 29-01-2014, data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

bb)       Em 28-05-2013, a Requerente prestou a garantia bancária que consta do documento n.º 46, junto com o pedido pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, para suspender a execução fiscal n.º …, que foi instaurada para cobrança das quantias liquidadas;

cc)       Na sequência de notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 09-07-2013, a Requerente apresentou a garantia, nos termos do documento n.º 48 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

dd)      Relativamente à garantia bancária foi liquidado em 28-05-2013 Imposto do Selo, nos termos do n.º 10.3 da Tabela Geral, no valor de € 8.650,58 (documento n.º 46 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).  

 

2.2. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os juízos probatórios no Relatório da Inspecção Tributária e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e ainda, nos pontos indicados, nos depoimentos das testemunhas G e H, que mostraram ter conhecimento do funcionamento da Requerente e aparentaram depor com isenção.

Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

           

3. Matéria de direito

           

            3.1. Regime jurídico aplicável

 

De harmonia com o artigo 2.º da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006, estão sujeitas ao IVA, para além de outras, as operações de entregas de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, as aquisições intracomunitárias de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro, as prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade e as importações de bens.

Na mesma linha o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) estabelece no seu artigo 1.º que estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, as importações de bens e as operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

Nos termos do artigo 9.º da Directiva «entende-se por "sujeito passivo" qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade» e «entende-se por "actividade económica" qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».

O CIVA estabelece que são sujeitos passivos, além de outras, «as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)».

O direito à dedução surge no momento em que o imposto se torna exigível (artigo 167.º da Directiva n.º 2006/112/CE e artigo 22.º n.º 1, do CIVA) e, em regra, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações tributadas (artigos 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 20.º, n.º 1, do CIVA).

No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (artigos 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.ºs 1 e 2, do CIVA).

O pro rata de dedução é determinado para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo e resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.º 4, do CIVA).

 

O pro rata de dedução é determinado anualmente, fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior (artigos 177.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.º 4, do CIVA).

De harmonia com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro  as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

Mas, o artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma permite às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações.

 

3.2. Posição da Requerente

 

A Requerente defende, em suma, que, por força do disposto no corpo do artigo 168.º da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE), o direito à dedução nasce de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados numa actividade que confere direito a dedução, o IVA será dedutível, independentemente do peso relativo em termos de valor gerado por essa actividade no confronto com a totalidade dos proveitos.

Assim, será irrelevante a natureza da entidade, devendo ter-se em conta a actividade e a relação com esta dos recursos onerados com IVA.

A Requerente defende que a detenção de participações sociais e o recebimento de dividendos não são actividades consumidoras de recursos e a jurisprudência comunitária considerou que no cálculo do IVA dedutível pelo método standard do pro rata o volume dos dividendos não podia influenciar o nível do direito à dedução (acórdão Satam e outros).

No entender da Requerente, a utilização de recursos que fez está associada quase exclusivamente à actividade remunerada em prol das participadas, implicando a recepção ocasional de dividendos e juros de empréstimos ou realização ocasional de mais-valias uma ínfima utilização de recursos.

A Requerente entende que não pode, sem violação da Directiva sobre o IVA, ser utilizado o método da afectação real para transformar imposto dedutível em não dedutível e, por isso, se os dividendos e a detenção de participações sociais não são rendimentos nem actividades consumidoras de recursos onerados com IVA, não podem, com aplicação daquele método, passar a atrair o IVA suportado relativamente a recursos expressivos de um sujeito passivo que, como a Requerente, se dedica à prestação de serviços técnicos e de gestão às suas participadas.

A Requerente defende que, no que concerne aos referidos juros decorrentes de operações de empréstimos às participadas, as operações de recepção são consumidoras de uma porção de recursos irrisória, certamente não representada pela proporção a que chegou a Autoridade Tributária e Aduaneira, e que sendo insignificante pode e deve, no âmbito do método do pro rata eleito pela Requerente afectar em zero o direito à dedução, nos termos do acórdão EDM.

Relativamente a despesas de aquisição de participações sociais ou de prospectivas aquisições, entende a Requerente que fazem parte das suas despesas gerais (acórdão Cibo), mas isso não afasta o direito à dedução do IVA, apenas implicando, no caso de serem efectuadas, tanto operações com direito a dedução como operações sem direito a dedução, que apenas pode ser deduzida a parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

Assim, a Requerente entende que, à excepção dos juros decorrentes de operações de empréstimos às participadas, consumidoras de uma porção de recursos irrisória, a restante actividade económica da Requerente é sujeita a IVA, pelo que as correcções do direito à dedução efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira violam esse seu direito.

A Requerente sugere ainda que, em caso de dúvida, se use o reenvio prejudicial para o TJUE. 

Refere ainda a Requerente que a sua actividade principal é a gestão activa das suas participadas e que o facto de ser uma SGPS não é obstáculo à dedução da integralidade do IVA suportado, de harmonia com o acórdão do TJUE n.º C-496/11.

Defende ainda a Requerente que, olhando ao circuito económico em que se insere, a SGPS é um input ou instrumento ao serviço das sociedades participadas: a sua razão de existir são as suas participadas e tudo o que faz é instrumental relativamente aos interesses e actividades das participadas. Não sendo as SGPS um consumidor final e sendo as suas participadas por sua vez sujeitos passivos de IVA com direito à sua dedução (porque também não são consumidores finais, nem, no caso, realizam operações isentas sem direito à dedução), não haverá razão para o IVA suportado pela SGPS (que não está associado a um consumo final, mas a um consumo inserido no circuito económico de produção de bens e serviços) ficar arredado do direito à dedução.

 

3.3. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende, em suma, que, se a actividade da Requerente, enquanto SGPS, está parte fora do campo de aplicação do imposto, parte sujeita a IVA por se traduzir na prestação de serviços às participadas e ainda, em operações isentas nos termos do artigo 9.º do CIVA, a Requerente aufere vários proveitos, entre os quais se encontram juros resultantes de empréstimos às suas associadas, que são uma prática reiterada.

Por assim ser, estamos perante “uma operação financeira isenta que afecta o pro rata de dedução” e não sobre uma operação financeira acessória, e no que concerne à percepção dos referidos juros sempre, independentemente das demais questões a dirimir no âmbito dos presentes autos, a Requerente estaria sujeita a um pro rata de dedução de 89%, sendo ilegal a dedução integral (100%) do imposto suportado a montante.

Entende ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que as faturas emitidas pela Requerente não especificam em concreto os serviços realizados, contendo o descritivo a designação genérica de “prestação de serviços técnicos de administração e gestão" e que a Requerente, contrariamente ao que pretende fazer crer com afirmações contundentes e repetidas, não faz qualquer prova que permita contrariar a correção promovida pela AT, como se lhe impunha face ao ónus que se lhe encontra acometido.

Entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que, atenta a natureza de sociedade gestora de participações sociais que a Requerente tem, o seu objeto social encontra-se legalmente limitado, restringindo-o à gestão de participações sociais e a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que possuam a participação, sendo-lhe vedada a possibilidade de realização de outras atividades que não as prestações de serviços referidas.

Refere ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que dos artigos 168.º e 169.º da Diretiva IVA resulta que o sujeito passivo pode deduzir o imposto suportado na medida em que os bens e serviços sejam utilizados para a realização de operações consideradas como integrando o conceito de atividades económicas e que não configurem operações isentas, sem direito à dedução (outputs tributáveis), o que determina que o imposto suportado com os inputs relacionados com bens e serviços destinados a ser utilizados em operações não sujeitas, fora do campo de imposto, ou que sendo isentas não conferem direito à dedução, não pode ser deduzido.

Entende ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que o imposto suportado a montante só poderia ser integralmente deduzido se os serviços adquiridos fossem utilizados exclusiva e integralmente na prestação de serviços técnicos de administração e gestão às participadas. Sendo utilizados apenas e só em operações relativas à gestão de participações sociais, o direito à dedução está vedado na totalidade. Sendo ainda de considerar, se estivermos perante bens e serviços utilizados pelo sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, como sem direito à dedução, esta faculdade encontra-se limitada à parte do IVA proporcional ao montante relativo às primeiras operações, por força do disposto no artigo 173.º da Diretiva IVA, transposto para o a ordem interna portuguesa no artigo 23.º do Código do IVA.

Por isso, impõe-se que o sujeito passivo demonstre, através de elementos objetivos, que as despesas relacionadas com a aquisição destes serviços fazem parte do custo dos diversos elementos constitutivos do preço da operação a jusante. No caso, foram efectuadas pela Requerente despesas que respeitam à própria sociedade e são realizadas no seu interesse exclusivo, não se conseguindo estabelecer qualquer relação de utilização entre estes recursos e a atividade tributada, as quais sempre seriam incorridas, independentemente, do facto da Requerente prestar quaisquer serviços acessórios às suas participadas, não apresentando um nexo direto, imediato ou inequívoco, ou sequer reflexo, com essas mesmas atividades tributadas, e não onerando o preço das operações praticadas a jusante.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que a Requerente não se limita a adquirir, alienar e deter acções, e não é pelo facto de exercer, ao mesmo tempo, uma actividade activa de gestão directa, ou indirecta, das suas participadas, traduzida em “prestações de largo espectro”, que passa a ser um sujeito passivo normal (para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado), em particular, no que ao direito à dedução diz respeito, atenta a sua natureza.

No que concerne aos dividendos não se relaciona com uma actividade económica, sendo estranhos à dedução de IVA, pelo que, se está perante uma actividade fora do campo de aplicação do imposto, com impossibilidade de deduzir o imposto suportado a montante.

Por outro lado, no que concerne aos juros de empréstimos feitos às participadas, resultam de operações sujeitas a imposto, mas dele isentas, nos termos do artigo 9.º, n.º 27 do Código do IVA, não conferindo direito à dedução [artigo 20.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA]. E se é verdade que o montante dos juros não pode por si só o critério para se aferir se estamos perante uma “operação acessória”, servindo tão só como mero indicador, também é verdade que a obtenção deste tipo de proveitos tem de ser enquadrada no cômputo genérico da atividade da Requerente. A perceção destes juros serão o resultado de uma prática reiterada de concessão de empréstimos por parte da Requerente e, por assim ser estamos perante “uma operação financeira isenta que afeta o pro rata de dedução” e não sobre uma operação financeira acessória. Entende que Autoridade Tributária e Aduaneira que, relativamente à perceção dos referidos juros, a Requerente estaria sujeita a um pro rata de dedução de 88%, sendo ilegal a dedução integral (100%) do imposto suportado a montante.

No que tange às prestações de serviços de administração e gestão efetuadas às suas

participadas, a dedução de IVA depende da existência de uma relação direta e imediata com as atividades tributáveis desenvolvidas pela Requerente, que no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, não existe em relação à revisão legal de contas, conceção e produção do relatório, por se tratar de uma obrigação legal imposta pela legislação comercial à própria Requerente. No entender da Autoridade Tributária e Aduaneira não se tratará também de um despesa geral da Requerente, por não se ter comprovado que as despesas em causa fizeram parte dos elementos constitutivos do preço dessas eventuais operações.

            Relativamente aos gastos com assessoria fiscal, consultoria jurídica e estratégica referente à detenção, aquisição e alienação de participações sociais e ainda relacionados com oportunidades de investimento e desinvestimento, desenvolvimento do negócio, honorários de advogados ou referentes à prestação de informação financeira e de mercados, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que estão relacionados com a atividade de aquisição, detenção e gestão de participações sociais desenvolvida pela Requerente, numa ótica de gestão do negócio e expansão da atividade, respeitando à própria Requerente, enquanto acionista, e não tendo qualquer nexo directo e imediato com a atividade tributada, apenas se admitindo, que o mesmo possa ser meramente reflexo, ao nível dos efeitos que produz na esfera jurídica das participadas.

            No que concerne as despesas com a Comissão de Vencimentos, que constitui um órgão da sociedade, eleita pelos acionistas e que tem por função definir a política de remunerações dos titulares dos órgãos sociais, fixando as remunerações aplicáveis tendo em consideração as funções exercidas, o desempenho verificado e a situação económica da sociedade, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que são despesas associadas à própria estrutura jurídica e organização societária da Requerente, que foram suportadas exclusivamente no seu interesse, não apresentando qualquer relação ou benefício directo, nem sequer reflexo, com qualquer uma das sociedades participadas, nem com a atividade económica desenvolvida pela Requerente.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira admite que, na ausência de um “direct link” entre os inputs e os outputs tributados (pois o IVA suportado não onera diretamente o preço das operações a jusante que conferem direito à dedução) poderá haver dedução do IVA suportado com os bens e serviços adquiridos se as respetivas despesas se qualificarem como despesas gerais da actividade e integrarem os elementos constitutivos do preço das operações realizadas pelos sujeitos passivos que conferem direito à dedução, mas será a Requerente quem tem de provar se os inputs se relacionam com a “manutenção da fonte produtora” da actividade tributável e se esses custos são suscetíveis de se projetarem na formação dos preços dos outputs tributáveis, o que não sucede no caso em apreço por as facturas não especificarem em concreto os serviços prestados «o que torna difícil estabelecer uma correlação com a diversidade de encargos relativamente aos quais entende o sujeito passivo estar legitimamente a deduzir o imposto suportado».

            No que respeita aos custos suportados com assessoria/consultadoria prestadas no âmbito do processo de arbitragem que opôs a A à B pelo controlo da F, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira entenda que estão relacionados com a actividade de aquisição, detenção e gestão de participações sociais desenvolvida pela Requerente, numa óptica de gestão do negócio e expansão da atividade, respeitando à própria Requerente, enquanto acionista, e não tendo qualquer nexo directo e imediato com a actividade tributada, embora se admita, a título excecional que o mesmo possa ser meramente reflexo, ao nível dos efeitos que produz na esfera jurídica das participadas, acaba por aceitar a possibilidade de dedução, por ter sido reconhecido à Requerente em decisão arbitral o dor de redebitar a terceiros o valor correspondente a 50% das despesas suportadas com o litígio IVA suportado corresponder à parte redebitada e «o IVA suportado pela Requerente correspondente à parte redebitada refere-se a operações que conferem direito à dedução».

            Quanto aos bens e serviços de utilização mista, a Autoridade Tributária e Aduaneira discorda do método utilizado para calcular o valor de IVA dedutível por a Requerente ser uma SGPS que para efeitos de IVA deve ser qualificada como sujeito que pratica operações sujeitas e IVA com direito à dedução parcial e operações não sujeitas a IVA jamais poderá ser considerada um sujeito passivo integral, isto é, com direito à dedução de 100% do IVA suportado a montante com a aquisição de bens e serviços. No entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, tratando-se de matéria não regulada pelo direito comunitário, «os Estados-Membros devem exercer o seu poder de apreciação de modo a assegurar que a dedução só será efetuada para a parte do IVA que é proporcional ao montante referente às operações que conferem direito a dedução. Devem, pois, zelar para que o cálculo do pro rata entre atividades económicas e atividades não económicas reflita objetivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas atividades», pelo que se deverá utilizar o método da afectação real, como se estabeleceu no Ofício Circulado n.º 30.103.

            No caso em apreço, foi utilizado o critério horas-homem por a Requerente calcular o valor da remuneração a pagar às participadas C, D e E pela prestação dos serviços de técnicos de administração e gestão em função do número de horas de trabalho efetivamente dedicadas, tendo a Requerente disponibilizado, no decurso da ação inspectiva, o número de horas despendidas na realização dessas operações tributadas, tendo-se apurado que o tempo despendido pelos colaboradores da Requerente em efetivo exercício de funções que foi utilizado na prossecução da atividade sujeita e não isenta (prestação de serviços técnicos de administração e gestão), e, portanto, com uma relação direta ou imediata com a atividade tributada, ascendeu a 6.988 horas (num total de 49.680 horas despendidas na atividade global), repartidas pelos seus 9 colaboradores. Estes trabalhadores correspondem aqueles que vêm indicados na declaração Modelo 10 como auferindo rendimentos de trabalho dependente e que no âmbito das suas funções prestaram serviços às participadas, tendo as horas despendidas sido imputadas a cada uma das sociedades em causa. Nessa medida, apurou-se que para a generalidade dos recursos utilizados pela Requerente no exercício da sua atividade a parte correspondente à atividade sujeita a IVA e não isenta corresponde a 14,07% do total dos recursos consumidos o que conduziu à conclusão de que o sujeito passivo deduziu indevidamente IVA no montante global de € 191.427,33, correspondente à parte dos recursos não utilizada na atividade de prestação de serviços sujeita a tributação. Diz a Autoridade Tributária e Aduaneira que, embora a Requerente alegar que a inspeção tributária ignorou o número de horas de I e de J, num total de 405 horas, o que determinava um aumento do pro rata apurado de 14,07% para 14,88%, não há fundamento para alterar a correcção efectuada, por ambos os trabalhadores serem membros dos órgãos sociais, em concreto do Conselho de Administração sem funções executivas, exercendo apenas o seu mandato ocasionalmente ou em tempo parcial o qual não era quantificável e embora a Requerente venha nesta sede quantificar as horas imputadas a estes dois colaboradores, sempre importará ressalvar que as horas indicadas na petição não correspondem às que constam do referido documento, ou seja, o total perfaz o valor de 277 horas, das quais 186 imputáveis a I, e 91, a J. Relativamente ao colaborador K e conforme a própria Requerente afirma no artigo 495.º do pedido de pronúncia arbitral, trata-se de um prestador de serviços sem qualquer vínculo laboral à Requerente, não auferindo rendimentos de trabalho dependente à semelhança dos demais trabalhadores, como os demais colaboradores considerados para o cálculo da chave de repartição, razão pela qual, e como é aceite pela Requerente nos artigos 495.º e 499.º do pedido de pronúncia arbitral, as suas horas de trabalho não relevam para os referidos efeitos.

            No que concerne ao pedido de indemnização por garantia indevida, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende, em suma, que tal indemnização não comporta o pagamento de quaisquer outras quantias, designadamente a título de juros, abrangendo apenas os encargos suportados.

 

3.4. Jurisprudência do TJUE 

 

A primeira questão que é objecto do presente processo, enquadrada pela matéria de facto fixada, é a de saber se uma sociedade gestora de participações sociais que presta serviços às suas participadas e cujos colaboradores estão principal e quase exclusivamente afectos a essa prestação de serviços pode deduzir todo o IVA suportado a montante com a aquisição de bens e serviços, e inclusivamente o conexionado com actividades como a detenção de participações sociais, o recebimento de dividendos e juros derivados de empréstimos as suas participadas e os serviços indicados na matéria de facto fixada.

Neste contexto, por se estar perante uma situação semelhante, há que ter em conta a mais recente jurisprudência do TJUE, designadamente o acórdão 06-09-2012, proferido no processo n.º C-496/11.

Embora o acórdão tenha sido emitido aplicando o regime da 6.ª Directiva (n.º 77/388/CEE, de 17-5-1977) que foi revogada pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que entrou em vigor em 1-1-2007, o regime desta é essencialmente semelhante à anterior, no que aqui interessa, pelo que se deve fazer aplicação daquela jurisprudência a situação dos autos, apesar de estarem em causa factos ocorridos em 2008.

            Na verdade, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência, é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), o seu carácter vinculativo para os Tribunais nacionais quando têm de decidir questões conexas com do direito da União. (   )

Designadamente, no que concerne ao regime das deduções de IVA, manifesta-se nesta Directiva n.º 2006/112/CE a preocupação na harmonização, no ponto 39 do Preâmbulo, em que se refere que «o regime das deduções deverá ser harmonizado, uma vez que influencia os montantes efectivamente cobrados, devendo o cálculo do pro rata de dedução ser efectuado da mesma maneira em todos os Estados-Membros».

            Na parte decisória daquele acórdão, que consubstancia uma evolução na jurisprudência do TJUE, refere-se o seguinte:

 

O artigo 17.º, n.ºs 2 e 5, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade holding como a que está em causa no processo principal, que, acessoriamente à sua actividade principal de gestão das participações sociais das sociedades de que detém a totalidade ou parte do capital social, adquire bens e serviços que factura em seguida às referidas sociedades, está autorizada a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução. Quando os referidos serviços são utilizados pela sociedade holding para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito a dedução, a dedução só é admitida para a parte do imposto sobre o valor acrescentado que seja proporcional ao montante relativo às primeiras operações e a Administração Tributária nacional está autorizada a prever um dos métodos de determinação do direito a dedução enumerados no dito artigo 17.º, n.º 5. Quando os referidos bens e serviços são utilizados simultaneamente para actividades económicas e para actividades não económicas, o artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva 77/388 não é aplicável e os métodos de dedução e de repartição são definidos pelos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia da Sexta Directiva 77/388 e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflicta objectivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas actividades.

 

No caso em apreço, não é controvertido que a Requerente é uma SGPS que presta serviços às sociedades de que detém participações.

Da prova produzida resulta mesmo que essa prestação de serviços foi, no ano de 2010, a actividade principal da Requerente, que era desempenhada com coadjuvação de todos os seus colaboradores.

O citado acórdão vem, desde logo, afastar o obstáculo conceitual suscitado pela Autoridade Tributária e Aduaneira da inadmissibilidade de dedução integral do IVA suportado por uma SGPS, atenta a sua natureza, quando se trata de uma sociedade deste tipo que presta serviços às suas participadas.

Na verdade, refere-se expressamente naquele acórdão que «caso seja de considerar que todos os serviços adquiridos a montante têm um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, o sujeito passivo em causa teria o direito, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Directiva, de deduzir a integralidade do IVA que tenha onerado a aquisição a montante dos serviços em causa no processo principal. Este direito a dedução não pode ser limitado pelo simples facto de a regulamentação nacional, em razão do objecto social das referidas sociedades ou da sua actividade geral, qualificar as operações tributadas de acessórias da sua actividade principal».

Assim, tem razão a Requerente ao defender, em primeira linha, que o direito à dedução nasce de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados pela Requerente em actividades que conferem direito a dedução, o IVA será dedutível, independentemente do peso relativo em termos de valor gerado por essa actividade no confronto com a totalidade dos proveitos.

A referida jurisprudência do TJUE tem suporte explícito na legislação da União Europeia, no artigo 168.º da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE) que estabelece que, quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes do IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.

A legislação nacional está em sintonia com aquela norma, ao estabelecer no artigo 20.º do CIVA, que pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações que aí se indicam, entre as quais se incluem as transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

Por outro lado, ainda em sintonia com o citado acórdão do TJUE, a interferência da Requerente «na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica», para efeitos de tributação em IVA, estando a Requerente autorizada a deduzir o IVA pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução.

Para além disso, como se refere no mesmo acórdão (   ), «admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo».

Assim, à face desta mais recente jurisprudência do TJUE, tem cobertura legal a dedução pela Requerente de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo directo e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo directo e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais da Requerente que tenham nexo directo e imediato com o conjunto da sua actividade económica de prestação de serviços.

 

3.5. Despesas que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu estarem exclusivamente conexionadas com a actividade não económica da Requerente, não sujeita a IVA

 

A Requerente na análise que fez à utilização do imobilizado e dos bens ou serviços adquiridos em que suportou o imposto, estarem todos diretamente relacionados com a prática de atividades sujeitas a IVA e dele não isentas, sendo portanto dedutível a totalidade do imposto suportado no período

No Relatório da Inspecção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «o direito à dedução do imposto suportado, depende da demonstração, caso a caso, da ligação existente entre as aquisições de bens e serviços (inputs) e os serviços prestados no âmbito de uma efetiva atividade sujeita e não isenta».

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não existir tal ligação em relação ao que considera serem «dispêndios próprios do funcionamento de uma SGPS», considerando como tal:

a) Serviços relacionados com a elaboração, revisão, conceção e tradução do relatório de contas da sociedade;

b) Serviços relacionados com a administração da sociedade e que respeitam essencialmente a serviços de secretariado e apoio administrativo e de consultoria relativo aos benefícios de reforma dos administradores da sociedade;

c) Serviços relacionados com assessoria fiscal, consultoria jurídica e consultaria estratégica relativa à detenção, aquisição e alienação de participações sociais na qualidade de acionista, oportunidades de investimento e desinvestimento, desenvolvimento do negócio da sociedade e outros relacionados

 

No entanto, a Requerente não é uma SGPS que se dedique apenas à gestão de participações sociais, pelo que são despesas gerais as que são necessárias para desenvolver a globalidade da sua actividade, em que se inclui a prestação de serviços as suas participadas.

As despesas referidas relativas a serviços relacionados com a elaboração, revisão, conceção e tradução do relatório de contas da sociedade e serviços relacionados com a administração da sociedade respeitam ao funcionamento da Requerente como SGPS, são necessárias para o seu funcionamento como holding mista que é, e por isso, são de considerar elementos constitutivos do preço dos serviços prestados pela Requerente às suas participadas, já que sem o funcionamento da Requerente esses serviços não podiam ser prestados. Há, pois um nexo directo e imediato entre tais despesas e a actividade económica de prestação de serviços pela Requerente, que viabiliza o direito à dedução, à face da jurisprudência citada.

No que respeita aos pagamentos assessoria fiscal, consultoria jurídica e consultaria estratégica relativa à detenção, aquisição e alienação de participações sociais na qualidade de acionista, oportunidades de investimento e desinvestimento, desenvolvimento do negócio da sociedade e outros relacionados, apesar de estarem directamente relacionados com a aquisição ou alienação de participações sociais, trata-se de custos gerais de uma holding mista e, como se refere no citado acórdão do TJUE, pode ser deduzido o IVA «mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta». O critério para aferir da dedutibilidade que resulta desta jurisprudência não é o de se tratar ou não de custos que uma holding pura teria ou não suportado, mas sim, neste caso, o de esses custos serem ou não custos gerais da Requerente, pois, segundo aquela jurisprudência, os custos gerais, por o serem, são elementos constitutivos do preço dos serviços prestados.

Por isso, não têm fundamento legal as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a estas despesas.

 

 3.6. Despesas conexionadas com bens e serviços de utilização mista

 

3.6.1. Posição adotada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, «dado o fim a que se destinam, comum às várias actividades, e aqui inclui-se os gastos com equipamento administrativo, recomenda-se que o cálculo da dedução do IVA suportado se baseie na afectação real, ainda que com base em critérios ou chaves de repartição que permitam a dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços, na proporção da utilização destes na actividade tributada».

Neste âmbito a Autoridade Tributária e Aduaneira identificou «um conjunto de encargos com bens e serviços que se considera serem de utilização conjunta na realização de operações não decorrentes de uma actividade económica e no exercício de actividades económicas. Trata-se sobretudo da aquisição de equipamento administrativo e serviços relativos ao pagamento de rendas dos espaços utilizados e respetivos condomínios». E concluiu que «tendo o sujeito passivo indicado o número de horas despendidas na realização destas operações tributadas e não isentas» é de adoptar «uma repartição dos custos em causa (apenas os de utilização mista), com base na efetiva utilização desses recursos (...) como base o tempo despendido naquela atividade (horas-homem)».

Nos cálculos efetuados para determinar a chave de repartição dos custos a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou o seguinte:

 

a. Um total de 230 dias úteis/ano (foi excluído o mês de agosto) com um horário de trabalho de 8 horas diárias, o que perfaz 1.840 horas/ano imputadas a cada colaborador da sociedade A na sua atividade global;

b. Que os recursos humanos utilizados pela sociedade A na sua atividade global correspondem a um efetivo de colaboradores identificados no Modelo 10 entregue pela empresa como tendo auferido rendimentos de trabalho dependente;

c. Para efeitos do cálculo do número total de horas de trabalho dos colaboradores da sociedade A considerou-se que os membros dos órgãos sociais (CA, CF, AG) sem funções executivas exerciam o mandato ocasionalmente ou em tempo parcial não quantificável;

d. Tendo por base a hora faturada nas prestações de serviços, foi considerado um consumo de horas de trabalho no total de 6.988 horas por parte dos colaboradores da sociedade A (Anexo n.º 4)

e. Que todos os funcionários que intervieram na prestação de serviços, ainda que alguns estejam em permanência nas instalações das sociedades participadas, utilizaram de forma igual os recursos da sociedade A;

 

Concluiu a Requerente que «face aos recursos utilizados pelo sujeito passivo no conjunto das suas atividades, a parte afeta à atividade sujeita a IVA e não isenta (prestação de serviços técnicos), relativamente aos quais o imposto suportado confere direito à dedução corresponde a 14,07%».

 

3.6.2. Posição da Requerente

 

A Requerente começa por discordar da aplicação do método da afectação real para determinação do IVA dedutível defendendo, em suma, que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impô-lo, pois tal imposição não é consentânea com o disposto quer na legislação comunitária quer na jurisprudência emanada pelo TJUE, que nunca impôs aquele método no âmbito da realização de atividades económicas como a da Requerente, e mesmo no contexto de atividades não económicas também não proibiu, apenas considerou que os Estados-Membros têm competência dispositiva própria, em virtude dessas atividades estarem fora do âmbito das Directivas, sem prejuízo dos métodos escolhidos não poderem, ainda assim, suscitar distorções aos princípios que regem o direito à dedução

A Requerente imputa a determinação da referida chave de repartição um primeiro erro por ter considerado apenas as horas de serviços prestados por 9 seus colaboradores quando o cálculo das horas de serviços prestados foi efectuado com base em mais dois colaboradores seus (I e J), para além de terem entrado no cálculo também as horas de trabalho de  K, que não era trabalhador da Requerente, mas tinha com ela uma relação de prestação de serviços.

Efectivamente, no decurso desse procedimento de inspecção, a Requerente enviou à Autoridade Tributária e Aduaneira os documentos cuja cópia constitui o documento n.º 45 junto com o pedido de pronúncia arbitral, de que consta um mapa com indicação das horas de prestação de serviços às suas participadas que serviram de base à respectiva facturação, em que se indicam os nomes de «I», «J» e «K», horas essas que não foram consideradas no cálculo da chave de repartição, como se vê pelo anexo n.º 4 ao Relatório da Inspecção Tributária.

E, considerando esta prestação de serviços, são 12 e não 9 as pessoas que prestaram directamente serviços às participadas da Requerente e foram debitadas mais horas do que as que a Autoridade Tributária e Aduaneira teve conta no cálculo da chave de repartição.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, diz que os trabalhadores v foram identificados como membros dos órgãos sociais, em concreto do Conselho de Administração sem funções executivas, exercendo apenas o seu mandato ocasionalmente ou em tempo parcial, o qual não era quantificável e o «K» não auferia rendimentos de trabalho dependente, por ser prestador de serviços, para além de as horas indicadas na petição inicial relativamente aos primeiros não estarem correctas.

 

3.6.3. Apreciação da questão das despesas conexionadas com bens e serviços de utilização mista

 

Há que notar, em primeiro lugar que, independentemente da adequação do método da afectação real, a sua aplicação decorre do preceituado no artigo 23.º, n.º 1, alínea a), do CIVA relativamente ao direito à dedução relativamente ao IVA suportado com bens ou serviços parcialmente afectos à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica.

Por outro lado, a utilização desse método não é proibida pelo direito comunitário, como se refere no Parecer do Senhor Prof. Doutor Xavier de Basto, que a Requerente juntou (  ).

Essa possibilidade de os Estados-Membros imporem a adopção do método da afectação real é reconhecida no acórdão do TJUE de 13-03-2008, proferido no processo n.º C-437/06, em que se refere o seguinte:

“A determinação dos métodos e dos critérios de repartição dos montantes do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante entre actividades económicas e actividades não económicas, na acepção da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, insere-se no poder de apreciação dos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia desta directiva e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflicta objectivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas actividades. Os Estados-Membros estão habilitados a aplicar, sendo caso disso, quer uma chave de repartição segundo a natureza do investimento, quer uma chave de repartição segundo a natureza da operação, quer ainda qualquer outra chave adequada, sem estarem obrigados a limitar-se a um único destes métodos.”

  

No que concerne à forma como foi calculada a chave de repartição, afiguram-se pertinentes as críticas da Requerente.

Com efeito, mesmo trabalhando a tempo parcial, não se vê porque é que as horas de trabalho daqueles «I» e «J», que estavam quantificadas, não eram quantificáveis e não deviam ser consideradas no cálculo da chave de repartição, à face do próprio critério adoptado no Relatório da Inspecção Tributária, já que se tratava de recursos humanos da Requerente afectos aos serviços prestados às participadas.

Por isso, independentemente de não estarem correctas as horas de trabalho daqueles colaboradores indicadas no pedido de pronúncia arbitral (as horas de trabalho que constam do mapa que consta dos documentos n.ºs 9 e 45 são 186 para o «I» e 93 para «J», o que perfaz 279 horas e não 405, como defende a Requerente no artigo 494.º do pedido de pronúncia arbitral), tem de se concluir que houve erro nos pressupostos de facto em que assentou o cálculo da chave de repartição, à face do próprio critério adoptado no Relatório da Inspecção Tributária, erro este que lhe é imputável, já que lhe foi fornecida informação correcta, que não pôs em causa.

Mas, provou-se também que o número de horas dos referidos trabalhadores (9, 11 ou 12) não corresponde ao número de horas de serviços de colaboradores da Requerente que foram efectivamente prestados às participadas, pois aqueles eram apenas os que entravam em contracto directo com as participadas e as suas prestações eram influenciadas pelos serviços da globalidade dos trabalhadores da Requerente, como se considerou provado nas alíneas t), u), v) e w) da matéria de facto fixada.

As afirmações nesse sentido que foram feitas pelas testemunhas G e H, sem qualquer prova em contrário, são perfeitamente críveis, já que a Requerente tinha mais de 20 colaboradores e, para além da prestação de serviços às participadas, era ínfima a actividade da Requerente que exigia consumo de recursos humanos.

Assim, também por esta razão, tem de se concluir que a Autoridade Tributária e Aduaneira errou na fixação dos elementos factuais em que assentou a aplicação do seu critério de elaborar uma chave de repartição.      

            Por isso, tem de se concluir que não tem correspondência com a realidade os factos em que assentou a determinação da chave de repartição de 14,07% que a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou, o que consubstancia ilegalidade da correcção efectuada e subsequentes liquidações, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação (artigos 20.º, n.º 1, e 23.º n.ºs 1 e 2, do CIVA e 135.º do Código do Procedimento Administrativo).

 

            4. Indemnização por garantia indevida

 

            A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida, «calculada com base nos custos incorridos com a prestação da mesma, acrescidos de juros à taxa legal calculados sobre esses custos e contados desde as datas em que tenham sido incorridos até à data em que a requerente seja ressarcida dos mesmos».

 

Como resulta da alínea bb) da matéria de facto fixada, em 28-05-2013, a Requerente prestou a garantia bancária que consta do documento n.º 46, junto com o pedido pronúncia arbitral, para suspender a execução fiscal n.º … , que foi instaurada para cobrança das quantias liquidadas pelos actos que são objecto do presente processo.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (artigos 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

                        1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

                        2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                        3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                        4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que os erros subjacentes às liquidações de IVA e juros compensatórios são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Relativamente ao pedido de juros, constata-se que a Requerente não lhes dá qualquer qualificação (moratórios ou indemnizatórios) nem invoca qualquer norma legal que preveja que eles sejam devidos no âmbito da indemnização por garantia indevida.

            De qualquer forma, não há nas leis tributárias qualquer suporte normativo para a atribuição de juros de mora ou indemnizatórios nos casos de indemnização por garantia indevida. Como vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo «o direito a indemnização por prestação indevida de garantia não comporta, em situação alguma, o direito a juros indemnizatórios e/ou de mora, nos termos dos artigos 43.º e 102.º da LGT, cingindo-se, tão somente, ao valor correspondente aos encargos efectivamente suportados com a prestação da mesma, ainda assim com o limite previsto no n.º 3 do supracitado artigo 53.º da LGT». (   )

            Por outro lado, não se insere na competência deste Tribunal Arbitral, que se restringe, nos termos do artigo 2.º do RJAT, a dirimir um litígio em matéria tributária, decidir se há ou não direito a juros com base no regime geral da responsabilidade civil extracontratual.

            Por isso, tem de se julgar improcedente o pedido de pagamento de juros.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigos 661.º do Código de Processo Civil e 565.º do Código Civil, aplicáveis neste sentido ternos do artigo 2.º, alínea d) da LGT].

 

            5. Pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa

 

            Como resulta do exposto, as liquidações impugnadas enfermam de vícios, pelo que é ilegal o indeferimento tácito da reclamação graciosa. 

 

            6. Pedido subsidiário

 

            Procedendo os pedidos principais formulados pela Requerente, fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário.

 

            7. Decisão

 

                                   Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de IVA, na parte não revogada:

 

_ julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de juros compensatórios, na parte em que não foram não revogadas:

 

– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa;

– julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à A. a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão;

– julgar improcedente o pedido de pagamento de juros e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido;

– julgar prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário.

 

8. Valor do processo

 

            De harmonia com o disposto no artigo 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 846.591,42 (€ 1.136.340,01 - € 289.749,59, uma vez que foram revogados parcialmente os actos de liquidação).

 

            9. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 11.934,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 03-09-2014

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Maria do Rosário Anjos)

 

 

 

(António Nunes dos Reis)