Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães e Dr. Francisco Carvalho Furtado (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-03-2022, acordam no seguinte:
1. Relatório
A... UNIPESSOAL LIMITADA, contribuinte n.º..., com morada na ..., ...-..., Lisboa (“Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação das liquidações adicionais de IVA n.ºs ..., ..., ..., ... e as respectivas demonstrações de acerto de contas, referentes aos períodos de tributação de 2014-09T, 2014-12T, 2015-06T, 2015-09T, bem como as correcções operadas ao período 2015-12T que resultaram no indeferimento do pedido de reembolso do IVA, e bem assim, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente em 10 de Outubro de 2021, tramitado no âmbito do processo n.º ...2021... .
A Requerente pede juros indemnizatórios relativos ao pedido de reembolso.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 19-01-2022.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 08-03-2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 28-03-2022.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que suscitou a excepção da intempestividade e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 12-05-2022, a Requerente pronunciou-se sobre a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e sobre a prova documental que apresentou, defendendo a desnecessidade de produção de prova testemunhal, com o que concordou a Autoridade Tributária e Aduaneira, salientando, além do mais, que «a não contestação dos factos não importa a sua confissão».
Por despacho de 20-06-2022, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
O Tribunal Arbitral é competente, não só para apreciar a legalidade das liquidações de IVA, expressamente previstas no artigo 2.º, n.º 1.aln a), do RJAT, mas também para apreciar a legalidade do indeferimento do pedido de reembolso relativo ao período 2015-12T, pois «um reembolso contestado pela administração fiscal em tudo equivale a uma liquidação de imposto e os meios de reagir contra esse acto da administração, que nega ou revoga um reembolso, são idênticos aos que a lei põe à disposição dos contribuintes para anular, no todo ou em parte a liquidação do imposto» ( [1] ), tese esta que está em sintonia com a aplicação, determinada pelo artigo 22.º, n.ºs 11 e 13, do CIVA, aos actos de indeferimento de pedidos de reembolso dos meios de impugnação administrativa e contenciosa dos actos de liquidação de IVA, previstos no artigo 93.º do mesmo Código. ( [2] )
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar a excepção da intempestividade.
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita também a questão da caducidade do direito de acção, conexionada com a questão da existência ou não de erro imputável aos serviços, cuja apreciação depende do conhecimento do mérito do pedido de pronúncia arbitral.
2. Excepção da intempestividade
A Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu, na sua Resposta, que
– «parte do imposto corrigido, não resultou em imposto a pagar e, nessa medida, foi desde logo pago através dos acertos de contas que levaram ao consumo do crédito de imposto e, assim, o pedido de revisão oficiosa relativo a essa parte, não podia ser apresentado a todo o tempo, verificando-se nesta parte a intempestividade do Pedido de Revisão Oficiosa e, nessa mesma parte (a apurar em execução de sentença), a caducidade do direito de acção nos presentes autos, excepção que desde já se invoca com todas as consequências legais»;
– «no demais, verificar-se-á a caducidade do direito de acção, na justa medida em que se conclua que não é imputável aos Serviços qualquer erro, o que implica uma apreciação do mérito da acção».
A Requerente respondeu à excepção da intempestividade dizendo o seguinte, em suma:
– «Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa – junto aos autos com o pedido arbitral como documento n.º 2 – nos termos da 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º da LGT, que determina que o pedido de revisão com fundamento em erro imputável aos serviços pode ser efectuado “no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços»;
– «os actos de liquidação objecto do presente processo foram emitidos pela AT em Dezembro de 2017, o que significa que o pedido de revisão podia ser apresentado até Dezembro de 2021»;
– « ao ter sido o pedido de revisão oficiosa apresentado em 10 de Setembro de 2021, o mesmo é inquestionavelmente tempestivo»;
– «mesmo que se considerasse ultrapassado aquele prazo de quatro anos – o que não era o caso –, o pedido de revisão sempre poderia ser realizado a todo o tempo na medida em que a Requerente não efectuou o pagamento dos montantes decorrentes dos actos de liquidação emitidos pela AT objecto daquele pedido».
O artigo 78.º, n.º 1, da LGT estabelece que «a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».
No caso em apreço, as liquidações impugnadas foram emitidas em 17-12-2017 e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 10-09-2021.
O fundamento do pedido de revisão oficiosa foi o de existir erro imputável aos serviços (artigo 10.º do pedido de revisão oficiosa), pelo que a situação é suscetível de enquadramento na segunda parte da norma referida.
Por outro lado, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado dentro do prazo de quatro anos, previsto naquela segunda parte daquela norma.
Assim, é manifesta a tempestividade do pedido de revisão oficiosa, pelo que que não tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao invocar a sua intempestividade.
Por outro lado, a eventualidade de se demonstrar ou não a existência de erro imputável aos serviços tem a ver com o mérito do pedido de pronúncia arbitral, não constituindo qualquer excepção, que obste ao conhecimento desse mérito.
Improcede, assim, a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) O objecto social da Requerente compreendia, entre outras actividades, a construção de edifícios residenciais e não residenciais, a compra e venda de bens imobiliários e o comércio por grosso de materiais de construção e de equipamento sanitário, designadamente de pedras ornamentais;
B) Nos exercícios de 2014 e 2015 a Requerente encontrava-se enquadrada para efeitos de IRC no regime geral de tributação (art. 2.º, n.º 1, al. a), do Código do IRC) e para efeitos de IVA no regime normal de tributação de periodicidade trimestral (arts. 2.º, n.º 1, al. a) e 41.º, n.º 1, al. b), ambos do Código do IVA);
C) Nesses períodos a Requerente estabeleceu relações comerciais com diversos clientes (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D) Dois desses clientes foram as sociedades B..., SL e C..., SL, ambas com sede em Espanha;
E) Nesses anos de 2014 e 2015 a Requerente fez várias aquisições de pedra mármore, tendo suportado o IVA correspondente (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F) A Requerente revendeu a pedra mármore adquirida, entre outras, às referidas sociedades espanholas, não liquidando IVA e invocando nas facturas a isenção prevista na alínea a) do artigo 14.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI) (documentos n.ºs 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
G) As referidas sociedades espanholas tinham um número de identificação para efeitos do IVA registado no sistema de intercâmbio de informações (“VIES”), cuja validade a Requerente confirmou (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
H) Quanto aos períodos 2014-09T e 2015-06T, os pedidos de reembolso de IVA apresentados pela Requerente foram automaticamente deferidos e quanto ao período 2015-09T o pedido de reembolso foi deferido após análise interna por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I) No seguimento de um pedido de reembolso relativo ao período 2015-12T, no montante de € 75.955,71, a Autoridade Tributária e Aduaneira instaurou um procedimento de inspecção tributária interno de âmbito parcial, sob as Ordens de Serviço n.º OI2016... e n.º OI2016..., no qual indeferiu o pedido de reembolso quanto ao período de 2015-12T (documento n.º 16, páginas 8 e seguintes);
J) No referido procedimento de inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 16, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
A - Análise Reembolso IVA /15-12T
Da análise efetuada ao reembolso de IVA, com o n.° ... de 15-02-2016, referente ao período 15-12T, no montante de € 75.955,71, importa expor o seguinte:
Uma vez que não foi possível estabelecer contacto pessoal com o gerente da sociedade, Sr.D..., com o NIF:..., este delegou todos os esclarecimentos e entrega de elementos no Sr. E...- NIF: ... titular do centro de negócios e F... (contabilista), tendo-lhes sido solicitado que nos informasse acerca da atividade exercida, o qual, nos informou que a mesma, era desenvolvida no âmbito da construção civil (habitações residenciais e não residenciais) e comércio por grosso de materiais de construção, nomeadamente, comércio de pedras ornamentais em bruto, mais concretamente "pedra mármore".
Assim, foram solicitados à contabilista certificada, os elementos de contabilidade / fiscais, necessários para análise e verificação dos valores declarados e operações ativas e passivas realizadas para o período compreendido entre o 2Q14-09T e 2015-12T, designadamente:
» Extrato conta corrente das vendas - conta 71;
» Extrato conta corrente do imposto dedutível - conta 2432;
« Extrato conta corrente do imposto liquidado - conta 2433;
« Cópia de documentos relativos às compras e vendas e meios de pagamento;
« Documentos de transporte;
Constatámos assim, por um lado, que o crédito de imposto (IVA) gerado resulta de transmissões intracomunitárias declaradas pelo sujeito passivo no âmbito da sua atividade (comércio de pedra mármore), encontrando-se estas, isentas ao abrigo do disposto na alínea a) do Art.° 14° do RITI, deduzindo porém IVA nas aquisições efetuadas no mercado nacional.
Por outro lado, o crédito imposto (IVA) gerado e solicitado no período resulta da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 21/2007 de 21 de Janeiro, porquanto o mesmo declara prestações de serviços para sujeitos passivos de imposto, e na maioria dos casos dá-se a inversão do sujeito passivo.
Após análise de todos os documentos e esclarecimentos disponibilizados e efetuadas as diligências, que julgámos oportunas para o efeito, designadamente, cruzamentos envolvendo vários sujeitos passivos portugueses e espanhóis, bem como pedidos de informação â administração fiscal espanhola apurámos que;
1. Dos documentos fiscalmente relevantes consta o contrato de' prestação de serviços de domiciliação de sede social. Dele salienta-se a segunda, terceira e nona cláusulas:
Clausula 2ª
"O Primeiro Outorgante presta ao Segundo Outorgante os serviços que para efeitos deste contrato se designam por "Domiciliação de Sede Social" e que consistam na domiciliação da sede do Segundo Outorgante e na receção e tratamento de correspondência. O Segundo Outorgante reconhece expressamente que não tem e lhe é vedado quaisquer valores, bens ou património nas Instalações do Primeiro Outorgante."
Clausula 3ª
"O Segundo Outorgante apenas poderá utilizar os serviços de "Domiciliação de Sede Social" para as atividades compreendidas no âmbito do seu objeto social ou atividade profissional."
Clausula 9ª
"A J..., salvo petição expressa da última parte rececionará formalmente em nome do cliente toda a correspondência, documentos, certificados, correspondência registada e encomendas. O Primeiro Outorgante fica autorizado a abrir toda a correspondência recebida em nome do 2° Outorgante."
2. O pedido de reembolso resulta de valores declarados na respetiva declaração periódica 15-12T sendo os que mais influenciaram o valor do reembolso solicitado, os indicados no quadro resumo:
3. A dedução de IVA inscrita no campo 22, resulta, na sua maioria, da imposto mencionado em faturas emitidas peio fornecedor "G..., S.A, - NIPC: ...", conforme se indica.
4. Quanto às transmissões intracomunitárias declaradas, estas tiveram como destinatário, identificado nas faturas emitidas, a empresa Espanhola "B... SL - com NIPC: ES ..." válida no sistema de informação de Trocas Intracomunitárias entre 04-05-2015 e 08-06-2018, conforme seguinte quadro resumo:
5, Ao abrigo do Art.° 7° e 15° do Regulamento (CE) N.° 904/2010, foi solicitado ao Estado Membro requerido (Espanha) informação sobre a empresa Espanhola "B... SL - com NIPC: ES ...".
Em resposta ao solicitado, informou a Administração Fiscal que:
"Se realiza visita al domicilio de la actividad económica sin fecha 31/03/2016. En Diligencia confeccionada el mismo día consta que se trata de la asesoría de la empresa. En ese lugar no se desarrolla la gestión administrativa ni la dirección de los negocios. Tampoco existen mercancías ni trabajadores de la misma. Transcurridos los plazos legales para atender el requerimiento, no se recibe respuesta alguna.
En fecha 22/04/2016 se envía un segundo requerimiento. AI transcurrir diez días naturales desde la puesta a disposición del acto objeto de notificación en el buzón electrónico asociado a su dirección electrónica habilitada en el Servicio de Notificaciones Electrónicas, se entiende que la notificación ha sido rechazada con fecha 03-05-2018 y hora 00:24, teniéndose por efectuado el trámite de notificación y siguiéndose el procedimiento. Se realiza también control y seguimiento ROI, proponiéndose la baja de dicha entidad en el mencionada Registro. Ante la faltade atención del requerimiento. Se remite la información de las actuaciones a las autoridades portuguesas. El nº IVA de la empresa B… SL será cancelado próximamente ya que, según visita antes señalada, no tiene existencias ni trabajadores."
Importa referir que, na sequência do decorrer do processo, procedeu a Administração Fiscal Espanhola ao cancelamento do n.° de IVA da empresa "B... SL - com NIPC: ES ..." no sistema VIES com data de 08-06-2016.
Assim, e na sequência da resposta obtida da Administração Fiscal Espanhola, procedeu a Administração Fiscal Portuguesa ao cancelamento, nos termos da lei, no sistema VIES "Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias" a partir de 16-06-2016.
Ainda relativamente a estas operações, refere-se que o tratamento em IVA das operações intracomunitárias, consta do Decreto-Lei 290/92 de 28 de Dezembro (doravante designado por RITI)
Assim é regra geral (Ponto 4 do Preambulo deste diploma):
(...)
Assim, e referindo só o princípio geral aplicável nas transações entre sujeitos passivos, dir-se-á que estes, sempre que adquiram bens a sujeitos de outros Estados membros, realizam uma "aquisição intracomunitária de bens", tributável nos termos do Regime do IVA nas transações Intracomunitárias, e que devera ser levada à declaração periódica de IVA, conjuntamente com as demais operações do sujeito passivo.
Em casos normais, o imposto liquidado e aí declarado será dedutível imediata e integralmente, pelo que o sujeito passivo não suportará qualquer ónus fiscal na operação de aquisição. Paralelamente, os sujeitos passivos que efetuaram vendas para clientes estabelecidos noutros Estados membros que aí tenham a qualidade de sujeitos passivos do IVA do sistema comum não liquidarão imposto, por estar isenta de IVA tal transmissão de bens, nos termos do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias."
7. No que respeita às transmissões, da conjugação do princípio da tributação no destino com o da neutralidade do imposto surgem as regras de isenção nas transmissões intracomunitárias, estabelecidas no Art.° 14° do RITI. Prevê a alínea a), deste artigo que estão isentas de imposto as transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do Art.° 2°, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou coletiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e ai se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.
Assim, a isenção das transmissões intracomunitárias de bens no Estado membro do fornecedor, as quais correspondem a aquisições intracomunitárias no Estado membro do adquirente, tem por objetivo evitar a dupla tributação e, por consequência, o incumprimento do princípio da neutralidade fiscal, que subjaz ao sistema comum do IVA.
No direito nacional (harmonizado a este nível com o comunitário), para que uma transmissão de bens, efetuada por um sujeito passivo registado em Portugal, beneficie da isenção estabelecida no Art.° 14° do RITI é necessário que se verifiquem as seguintes condições:
a) Os bens sejam expedidos ou transportados a partir do território nacional para outro Estado membro da União Europeia;
b) O adquirente se encontre registado para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, tenha indicado o respetivo número de identificação fiscal e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.
A verificação de tais condições, com vista à aplicação de isenção mencionada em determinada transação, incumbe ao sujeito passivo vendedor, o qual deve ser capaz de comprovar todos os elementos exigidos no Art.º 14° do RITI, sob pena da operação ser considerada localizada em território nacional e com tal sujeita a imposto.
No presente caso em análise, demonstra-se que o cliente identificado nas faturas emitidas, "B... SL - com NIPC: ES ...", tal como foi informado pela Administração Fiscal Espanhola, trata-se de uma empresa que não desenvolve a gestão administrativa, não tem direção efetiva dos negócios na sede da atividade económica. Na morada conhecida, verificou-se que se encontrava outra empresa que prestava consultadoria, constatando-se que a "B... SL - com NIPC: ES B..." não tem nem mercadorias nem trabalhadores, pelo que não se comprova a veracidade das transmissões declaradas.
Assim, não se verificando os pressupostos definidos na norma para isentar a transmissão, terá a mesma de ser sujeita a IVA nos termos legais do respetivo Código.
Decorre do n.º 9 do Art.° 18° do CIVA, que a taxa aplicável é a que vigora no momento em que o imposto se torna exigível, ou seja, a taxa normal de 23%, que será aplicada às transmissões intracomunitárias declaradas e que correspondem às seguintes faturas:
B - IVA não liquidado nos períodos 14-09T, 14-12T, 15-06T e 15-09T
Em resultado da análise efetuada ao pedido de reembolso 15-12T, verificámos que o sujeito passivo declarou transmissões intracomunitárias, tendo inclusivamente solicitado reembolsos de IVA, para os períodos 14-09T, 15-06T e 15-09T, tendo os dois primeiros sido deferidos automaticamente e o referente ao período 15-09T, foi deferido no âmbito de análise interna.
À semelhança de tudo o que foi exposto no ponto anterior, importa agora relatar que;
1. A faturação emitida pelo sujeito passivo respeitante a transmissões intracomunitárias e declaradas tiveram como destinatários identificados nas faturas emitidas desde 2014-09T até 2015-09T as empresas Espanholas "C..., SL - com NIPC: B..." válido no sistema de informação de Trocas Intracomunitárias entre 15-06-2012 e 27-07-2016 "e a "B... SL - com NIPC: ES... " válida no sistema de informação de Trocas Intracomunitárias entre 04-05-2015 e 08-06-2016, conforme seguintes quadros resumo:
2. De notar, que à semelhança do ocorrido com o cliente "B... SL - com NIPC: ES...", foi ao abrigo do Art° 7° e 15° do Regulamento (CE) N.º 904/2010, solicitado ao Estado Membro (Espanha) informação sobre a empresa Espanhola "C..., SL» com NIPC: ES ...".
Em resposta ao solicitado, informou a Administração Fiscal que:
Importa referir que, na sequência do decorrer do processo, procedeu a Administração Fiscal Espanhola ao cancelamento do n.° de IVA da empresa "C... SL -com NIPC: ES..." no sistema VIES com data de 27-07-2016.
Por seu turno, a Administração Fiscal Portuguesa já tinha procedido ao cancelamento, nos termos da lei, no sistema VIES "Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias" a partir de 16-06-2016, da "A... Unipessoal, Lda. com NIPC: ...".
Atendendo a tudo o que foi relatado no ponto anterior e concluindo-se que não se verificam os pressupostos definidos na norma para isentar as transmissões, terão as mesmas, de ser sujeitas a IVA nos termos legais do respetivo Código.
Decorre do n.° 9 do Art.° 18° do CIVA, que a taxa aplicável é a que vigora no momento em que o imposto se torna exigível, ou seja, a taxa normal de 23%, que será aplicada às transmissões intracomunitárias declaradas.
3. Nestes períodos de reembolso, no caso, 14-09T, 15-06T e 15-09T, destacam-se os seguintes movimentos declarados nas respetivas declarações periódicas de IVA e apresentados no seguinte quadro resumo:
4. Verificámos assim, que o IVA deduzido (campo 22 da declaração periódica de IVA) nos períodos em causa, e que originou inclusivamente pedidos de reembolso, como já foi referido anteriormente, corresponde na generalidade a IVA liquidado pela empresa fornecedora nacional "G... s, S.A. - NÍPC: ..." em faturas conforme seguinte quadro resumo:
K) A Administração Fiscal Espanhola ao cancelamento do n.° de IVA da empresa "B... SL - com NIPC: ES ..." no sistema VIES com data de 08-06-2016;
L) A Administração Fiscal Espanhola procedeu ao cancelamento do n.° de IVA da empresa "C... SL -com NIPC: ES ..." no sistema VIES com data de 27-07-2016;
M) Em 31-03-2016, a empresa B... SL - com NIPC: ES ... não tinha a sua gestão administrativa no domicílio indicado nas facturas emitias pela Requerente, nem tinha aí mercadorias nem trabalhadores (informação que consta do Relatório da Inspecção Tributária);
N) A empresa C... SL NIPC: ES ... não estava localizada no domicílio indicado nas facturas emitidas pela Requerente à data de 05-07-2016, em que aquela Administração efectuou uma visita ao local indicado (informação que consta do Relatório da Inspecção Tributária);
O) Foram efectuados transportes das mercadorias facturadas às referidas empresas espanholas (documentos n.ºs 9, 10 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
P) A empresa Rota Direta emitiu à Requerente factura relativa serviços de transportes efectuados para Sevilha e Badajoz, localidades indicadas nas facturas emitidas pela Requerente como sendo as dos destinos das mercadorias vendidas à B... SL e à C... SL (documento n.º 11);
Q) A Requerente efectuou a favor da empresa Rota Direta transferências bancárias emitiu o cheque que constam do documento n.º 11, tendo ainda trocado emails com esta empresa;
R) A empresa C... SL emitiu a favor da Requerente os cheques que constam do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
S) A empresa B... SL efectuou a favor da Requerente as transferências bancárias e cheques que se referem no documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
T) Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações adicionais de IVA n.ºs ..., ..., ..., ..., todas datadas de 13-12-2017, e respectivas liquidações de juros compensatórios, bem como as respectivas demonstrações de acerto de contas referentes aos períodos de tributação de 2014-09T, 2014-12T, 2015-06T, 2015-09T (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
U) Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou ainda correcções ao período 2015-12T que resultaram no indeferimento do pedido de reembolso do IVA apresentado pela Requerente relativo a este período (Relatório da Inspecção Tributária);
V) Em 10-09-2021, a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa das liquidações referidas, bem como das respectivas demonstrações de acerto de contas (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
W) A Requerente não pagou as quantias liquidadas (artigo 19º do pedido de pronúncia arbitral);
X) O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 18-01-2022, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
3.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e que também constam do processo administrativo, bem como em afirmações da Requerente que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não há controvérsia sobre os factos afirmados no Relatório da Inspecção Tributária como fundamento das correcções efectuadas, que são, no essencial, que
– «a faturação emitida pelo sujeito passivo respeitante a transmissões intracomunitárias e declaradas tiveram como destinatários identificados nas faturas emitidas desde 2014-09T até 2015-09T as empresas Espanholas "C..., SL - com NIPC: ..." válido no sistema de informação de Trocas Intracomunitárias entre 15-06-2012 e 27-07-2016 "e a "B... SL - com NIPC: ES... " válida no sistema de informação de Trocas Intracomunitárias entre 04-05-2015 e 08-06-2016»;
– a Administração Fiscal Espanhola procedeu ao cancelamento do n.° de IVA da empresa "B... SL - com NIPC: ES ..." no sistema VIES com data de 08-06-2016;
– a Administração Fiscal Espanhola procedeu ao cancelamento do n.° de IVA da empresa "C... SL -com NIPC: ES ..." no sistema VIES com data de 27-07-2016;
– «a Administração Fiscal Portuguesa já tinha procedido ao cancelamento, nos termos da lei, no sistema VIES "Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias" a partir de 16-06-2016, da "A... Unipessoal, Lda. com NIPC: ...»;
– a empresa B... SL - com NIPC: ES ... não tinha em 31-03-2016 instalações no local, indicado nas facturas como sendo o do seu domicílio;
– a empresa C..., SL - com NIPC: B... não teve instalações no local indicado nas facturas como seu domicílio fiscal, até a data de 05-07-2016, em que o local foi objecto de visita pela Administração Fiscal espanhola.
4. Matéria de direito
4.1. Questão da aplicação da isenção prevista no artigo 14.º, alínea a), do RITI
O artigo 14.º, alínea a), do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI) estabelece o seguinte, na redacção vigente em 2014 e 2015:
Estão isentas do imposto:
a) As transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens;
Os artigos 131.º e 138.º, n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 (Directiva IVA), estabelecem o seguinte:
Artigo 131.º
As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam-se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados–Membros a fim de assegurar a aplicação correcta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.
Artigo 138.º
1. Os Estados–Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respectivo território mas na Comunidade, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efectuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa colectiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num Estado-Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens.
Como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, «para que uma transmissão de bens, efetuada por um sujeito passivo registado em Portugal, beneficie da isenção estabelecida no Art.° 14° do RITI é necessário que se verifiquem as seguintes condições:
a) Os bens sejam expedidos ou transportados a partir do território nacional para outro Estado membro da União Europeia;
b) O adquirente se encontre registado para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, tenha indicado o respetivo número de identificação fiscal e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.
A verificação de tais condições, com vista à aplicação de isenção mencionada em determinada transação, incumbe ao sujeito passivo vendedor, o qual deve ser capaz de comprovar todos os elementos exigidos no Art.º 14° do RITI, sob pena da operação ser considerada localizada em território nacional e com tal sujeita a imposto.
No caso em apreço, a Requerente alega que a pedra mármore foi transportada a partir de Portugal para Espanha, as sociedades espanholas B... SL - com NIPC: ES ... e C... SL -com NIPC: ES ... eram sujeitos passivos de IVA que se encontravam registados como tal e tinham à data da transmissão um número de IVA válido e activo no VIES.
Não é questionado que as empresas espanholas adquirentes se encontravam registadas para efeitos de IVA em Espanha (Estado-Membro da União Europeia), que foram indicados os respectivos números de identificação fiscal e que essas empresas se encontravam abrangidas em Espanha por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, estando inscritas no VIES.
Assim, os únicos obstáculos à aplicação da isenção invocados no Relatório da Inspecção Tributária são atinentes à falta de prova de que os bens foram expedidos ou transportados a partir do território nacional para Espanha, o que a Autoridade Tributária e Aduaneira exprimiu através da conclusão de «não se comprova a veracidade das transmissões declaradas».
Na apreciação da prova da veracidade das transmissões declaradas tem de se ter em mente que, por força do disposto no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, «presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal».
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não apontou qualquer irregularidade à escrita da Requerente e às facturas relativas as transacções com as empresas referidas, bem como às declarações de expedição (CMR), pelo que se aplica esta presunção.
Aliás, como salienta a Requerente, o facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira ter deferido todos os pedidos de reembolso anteriores ao período 2015-12T, constitui uma confirmação de que entendeu não existir qualquer irregularidade de escrita que pudesse justificar o afastamento da aplicação da presunção.
A realidade que se infere das facturas apresentadas pela Requerente é que nos períodos indicados adquiriu pedra mármore suportando IVA na sua aquisição (documento n.º 6) e que procedeu à sua revenda a várias empresas, inclusivamente às referidas empresas espanholas (documentos n.ºs 7 e 8), que foram efectuados transportes relativos às mercadorias a que se referem as facturas emitidas àquelas empresas, dirigidos a locais situados em Espanha (declarações de expedição CMR que constam dos documentos n.ºs 9, 10 e 11, em que, inclusivamente, se indica a empresa que procedeu aos transportes).
Estas declarações de expedição (CMR), cuja autenticidade não é questionada, são um meio de prova que a própria Autoridade Tributária e Aduaneira publicitou que considerava idóneo para demonstrar a saída dos bens do território nacional, no Ofício-Circulado n.º 30009, de 10-12-1999, da Direção de Serviços do IVA ( [3] ).
E, embora aquele Ofício-Circulado tenha sido revogado pelo Ofício-circulado n.º 30218/2020, de 03-02-2020, aquela orientação genérica estava em vigor em 2014 e 2015, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira estava vinculada a aceitar essas declarações de expedição CMR como meio de prova suficiente da saída dos bens do território nacional, pois, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT, «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».
Por outro lado, os factos que levaram a Autoridade Tributária e Aduaneira a concluir que as mercadorias não tinham saído do território nacional, que são as informações das autoridades fiscais espanholas sobre a não localização das instalações das empresas referidas nos locais indicados nas facturas, não se afiguram suficientemente consistentes para prova de que não se realizaram as transacções com essas empresas.
Na verdade, relativamente à empresa B... SL, as autoridades espanholas apenas apuraram que, em 31-03-2016, não tinha as instalações no local indicado nas facturas, o que, obviamente, não demonstra que não as tivesse aí em 2015, nas datas indicadas nas facturas e nas declarações de expedição (CMR).
Quanto à empresa C... SL, as autoridades fiscais espanholas referem que uma pessoa de nome H..., que invocou ser o proprietário das instalações indicadas nas facturas, lhes disse que estas nunca estiveram arrendadas àquela empresa. Mas, por um lado, esta prova não se afigura suficientemente sólida, pois aquelas autoridades não referem qualquer diligência que tenham efectuado para comprovar que aquela pessoa tinha essa qualidade de proprietário das instalações referidas e, de qualquer forma, a realidade das transacções referidas nas facturas é comprovada, com mais clara consistência, pelas declarações de expedição (CMR) assinadas e carimbadas pela empresa transportadora e confirmada pelos cheques e transferências a favor da Requerente emitidos pela referida C... SL, bem como pelas transferências efectuadas e cheque emitido pela Requerente a favor da empresa Rota Direta, que nas referidas declarações de expedição (CMR) é indicada como transportadora (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
Assim, é convicção do Tribunal Arbitral, baseada na valoração do elementos de prova referidos e na presunção legal referida, que ocorreram as transmissões da Requerente para as empresas B... SL e C... SL e que as mercadorias saíram de território nacional, pois a generalidade da prova documental que consta do processo [facturas, declarações de expedição (CMR) assinadas e carimbadas pelo transportador e documentos comprovativos do pagamento de transacções entre a Requerente e as empresas referidas] aponta no sentido de terem sido realizadas essas transmissões e as mercadorias terem saído do território nacional para Espanha.
Conclui-se, assim, que se verificavam os requisitos da isenção prevista no artigo 14.º, alínea a) do RITI, pois as mercadorias saíram de território nacional para Espanha (Estado-Membro da União Europeia) e as empresas destinatárias eram, às datas das transacções, sujeitos passivos de IVA que comunicaram à Requerente os respectivos números de identificação fiscal para efectuarem as transacções e estavam abrangidas em Espanha por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens, como se vê pelo seu registo no VIES, nessas datas.
Pelo exposto, as liquidações impugnadas e o indeferimento do pedido de reembolso relativo ao período de 2015-12T são ilegais, por erro sobre os pressupostos de facto e por violação do artigo 14.º alínea a) do RITI, o que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
As liquidações de juros compensatórios e as demonstrações de acerto de contas têm por pressupostos as respectivas liquidações de IVA, pelo que enfermam dos mesmos vícios justificando-se também a sua anulação.
4.2. Questão da tempestividade do pedido de revisão oficiosa
Tendo as liquidações sido emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira por sua iniciativa, os erros que as afectam são imputáveis aos serviços.
Por isso, estavam reunidos os requisitos previstos na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, designadamente a apresentação do pedido de revisão oficiosa dentro do prazo de quatro anos a contar das liquidações e do indeferimento do pedido de reembolso, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter deferido o pedido de revisão oficiosa.
Por outro lado, quanto ao pedido de reembolso relativo ao período 2015-12T, infere-se do Relatório da Inspecção Tributária que, para além do indeferimento do pedido de reembolso, deveria, no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, ter sido efectuada uma liquidação de IVA (quadro a fls. 5 do Relatório da Inspecção Tributária).
No entanto, a Requerente diz que nunca foi notificada do indeferimento do pedido de reembolso (artigo 42.º do pedido de pronúncia arbitral) e não juntou cópia de qualquer liquidação referente ao período 2015-12T.
O indeferimento do pedido de reembolso não ocorreu antes de 14-11-2017, como se infere da parte do processo administrativo com a denominação «PA++FLS.+26+a+Fls.+52», pois foi naquela data que foram ordenadas as correcções (página 1 dessa parte do processo administrativo).
Por isso, também quanto ao indeferimento do pedido de reembolso, o pedido de revisão oficiosa, enviado em 10-09-2021, foi apresentado dentro do prazo de quatro anos previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, que é o aplicável por ter ocorrido erro imputável aos serviços, que é fundamento do pedido de revisão oficiosa.
Assim, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, enferma dos mesmos vícios que afectam as liquidações impugnadas, pois, havendo erro imputável aos serviços, deveria ter sido deferido.
Por outro lado, sendo tempestivo o pedido de revisão oficiosa não ocorreu a caducidade do direito de a pedir, a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta.
Também não ocorreu caducidade do direito de apresentar pedido de pronúncia arbitral, uma vez que este foi apresentado dentro do prazo de 90 dias a contar da formação de indeferimento tácito: este formou-se quatro meses após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, isto é, em 10-01-2022, nos termos do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT. Por isso, o pedido de constituição do tribunal arbitral podia ser apresentado nos 90 dias posteriores, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, e a apresentação deste ocorreu em 18-01-2022.
Assim, não ocorre qualquer obstáculo à procedência do pedido de pronúncia arbitral.
5. Reembolso e Juros indemnizatórios
A Requerente pede que seja anulado o indeferimento do pedido de reembolso referente ao período 2015-12T, que será no montante de € 75.955,71 (segundo se infere da página 8 do Relatório da Inspecção Tributária) e pede juros indemnizatórios, relativos a essa quantia.
Como consequência da anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia que deveria ser reembolsada relativamente ao período 2015-12T.
Não tendo sido junto aos autos o pedido de reembolso, nem prova dos pressupostos que levaram à quantificação referida, não há elementos que permitam com segurança apurar o montante a que a Requerente terá direito, pelo que esse apuramento deverá ter lugar em execução do presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.
Quanto a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o respectivo direito quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06.
Mas, como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».
Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 10-09-2021, pelo que apenas a partir de 10-09-2022 haveria direito a direito a juros indemnizatórios, se a decisão sobre aquele pedido não tivesse sido apreciada.
Não tendo decorrido um ano desde a apresentação do pedido de revisão oficiosa, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios.
5. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às questões de legalidade suscitadas;
b) Anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
c) Anular as liquidações adicionais de IVA n.ºs..., ..., ..., ...
d) , todas datadas de 13-12-2017, e respectivas liquidações de juros compensatórios, bem como as respectivas demonstrações de acerto de contas referentes aos períodos de tributação de 2014-09T, 2014-12T, 2015-06T, 2015-09T;
e) Anular o indeferimento do pedido de reembolso relativo ao período 2015-12T;
f) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 234.171,17, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 06-07-2022
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Relator)
(Vasco António Branco Guimarães)
(Francisco Carvalho Furtado)
( [1] ) Em «O que é a “garantia adequada” para efeitos do reembolso do IVA?», publicado em Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, volume IV, páginas 276-277.
( [2] ) Os n.ºs 11 e 13 do artigo 22.º do CIVA, na redacção da Lei n.º 2/2010, de 15 de Março, estabelecem o seguinte:
«11 - Os pedidos de reembolso são indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso.
(...)
13 - Da decisão referida no n.º 11 cabe recurso hierárquico, reclamação ou impugnação judicial, nos termos previstos no artigo 93.º»