Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 811/2021-T
Data da decisão: 2022-07-21  IRS  
Valor do pedido: € 58.080,00
Tema: IRS - IRS de 2016. Rendimentos do trabalho. Caducidade do direito à liquidação. Artigo 38º do CPPT.
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SUMÁRIO:

1. Face à redacção do artº.45º. da LGT, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. 

2. As notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, liquidados oficiosamente têm de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.

3. Face a uma liquidação oficiosa de I.R.S., tributo que é um imposto periódico, o prazo de caducidade do direito à liquidação conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos termos do artº. 45º., nº. 4, da LGT, pelo que na liquidação relativa ao ano fiscal de 2016, o prazo inicia-se em 31/12/2016, tendo o seu termo final em 31/12/2020. 

4. Tendo a requerente recebido, apenas em 18/1/2021, a carta que continha a liquidação adicional de IRS que fora feita pela AT, nesta data, já havia decorrido na totalidade o prazo de caducidade.

 

 

Decisão Arbitral

         O árbitro Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 8 de Fevereiro de 2022, profere a presente decisão arbitral, nos termos seguintes:

         

1. Relatório

A..., com residência fiscal em ..., Dinamarca, NIF ... veio requerer a constituição de tribunal arbitral e a respectiva pronúncia arbitral pretendendo a anulação do indeferimento presumido da Reclamação Graciosa por si apresentada e mediatamente do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 2020.12.04 com o nº. 2020 ..., relativa ao ano de 2016, com imposto a pagar d0 montante de € 58.080, para o que invoca os seguintes fundamentos:

- a notificação da liquidação não foi validamente efetuada; 

- está caducado o direito de liquidar IRS relativo ano de 2016; 

- a AT não notificou a Requerente do acto de fixação ou alteração da matéria coletável, previstos no artigo 65.°do CIRS, previamente à elaboração da liquidação de imposto de IRS nos termos Impostos no art. 66.° do CIRS; 

- a liquidação oficiosa, bem como o acto de fixação ou alteração de matéria coletável, nos termos do art.° 65.° do CIRS, não foram precedidos da notificação para efeito do exercício do direito de audição por parte da Requerente; 

- a requerente não tinha residência em Portugal no ano de 2016; 

- a requerente já fora tributada em França pelos rendimentos auferidos no ano de 2016.

 

A Requerente pede ainda o reembolso do imposto pago, acrescido de juros compensatórios, por entender que a liquidação que pretende ver anulada apenas pode ser atribuída a erro dos serviços da AT.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 3-12-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 21-01-2022 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 8-02-2022.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, para além de entender que se não justifica a produção de qualquer prova testemunhal.

Por despacho de 12-04-2022, foi a requerente notificada para em 10 dias informar os pontos concretos por referência aos artigos do requerimento inicial e da resposta sobre as quais pretendia a realização das diligências de prova por si requeridas, o que fez por requerimento apresentado em 26-04-2022.

Por despacho de 6-05-2022, foi analisado o requerimento do sujeito passivo e agendada a inquirição de testemunhas, cuja data foi tempestivamente impugnada pela requerente, procedendo-se a novo agendamento em 13-05-2022

No dia 31-05-2022, teve lugar a inquirição das testemunhas arroladas, finda a qual foi proferido despacho de notificação de Requerente e Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, tendo ainda sido designado o dia 20-07-2022 para o efeito de prolação da decisão arbitral, tendo ainda sido advertida a Requerente que até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

Além disso, determinou-se ainda a apresentação por ambas as partes das petição e resposta em formato editável (Word) à luz do princípio da cooperação – cfr. artigo 7º, do CPC -, com vista a facilitar e abreviar a tarefa de elaboração do acórdão final, designadamente no que respeita à matéria de facto.

Apenas a requerente apresentou alegações, juntando ainda dois documentos, que notificados à AT, nada disse, pelo que se admite a sua junção, por poderem ser úteis à boa decisão do presente pleito.

Do mesmo modo, a requerente já comprovou nos autos o pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

 

2. Despacho saneador:

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades, que sejam de conhecimento oficioso.

 

 

3. Matéria de facto:

Considerando os articulados das partes, os documentos juntos e o processo administrativo, são considerados provados os factos que a seguir se indicam.

 

3.1 Factos provados:

Mostram os autos o seguinte:

a) A Requerente, no ano de 2016, não teve residência em Portugal (documento nº. 5 junto com a petição inicial e documento 1 junto com as alegações)

b) A Requerente como trabalhadora da sociedade B... BV, com sede nos Países Baixos – Holanda, exerceu a sua actividade em França desde 29 de Junho de 2015, pelo prazo acordado de 24 meses. (documento nº. 5 junto com a petição inicial e documento 1 junto com as alegações).

c) Com efeitos a 1 de Dezembro de 2015, a requerente celebrou contrato de arrendamento para habitação em ... – França, onde residiu no ano de 2016, mediante a renda mensal de € 480, o qual se manteve, pelo menos, até 31 de Dezembro de 2016. (documentos 5 a 12 juntos com a petição inicial)

d) Nesse período, a requerente fez várias visitas a Portugal, aos fins de semana para visitar a família, visitas cujo número exacto de dias de duração não foi possível apurar. (provado pelo depoimento das testemunhas ouvidas que depuseram de forma concordante neste ponto).

e) No ano de 2016, trabalhou para a C... SAS, por conta da B... BV, uma sociedade detida a 100% por um participada da D..., com sede no ..., Estados Unidos da América. (provado pelo depoimento das testemunhas ouvidas que depuseram de forma concordante neste ponto e pelo documento 2 junto com as alegações da requerente).

f) Em 20 de Junho de 2016, a requerente promoveu a alteração da sua residência de Portugal para a morada referida de França. (provado pelo depoimento da testemunha E... que depôs de forma coerente e isenta e pelo confessado pela AT no artº. 26º. da sua resposta).

g) Foi comunicado pelos PAISES BAIXOS que, no ano de 2016, a requerente auferiu
naquele território rendimentos de Trabalho dependente, no valor de 136.906,00 € e suportou Imposto de 9.380,00€. (ver proposta de decisão no processo administrativo)

h) A requerente não apresentou em Portugal declaração de IRS relativamente a esses rendimentos auferidos no ano de 2016. (provado pelo processo administrativo).

i) Por isso, foi pela AT expedida notificação dirigida à requerente, através do oficio nº..., de 20/08/2020, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 60° da Lei Geral Tributária, para, querendo, exercer o direito de audição prévia, no prazo de 15 dias, dando-lhe ainda a informação de que poderia regularizar a sua situação tributária fiscalmente, nos termos do n° 4 do artigo 65° do CIRS, no decorrer daquele prazo. (provado pelo processo administrativo).

j) Decorrido o prazo para exercício da audição prévia, não foi apresentada pronúncia no âmbito do exercício daquele direito, nem entregue declaração de substituição, pelo que a intenção de correção da situação tributária da requerente pela AT se tornou definitiva, tendo os serviços procedido às referidas correções, tendo em consideração a informação transmitida à AT, através da troca automática de informações fiscais internacionais. (provado pelo processo administrativo)

k) Foi expedida notificação desta decisão à ora requerente por carta registada sob o número RH ... PT, remetida para ... Finlândia, que foi devolvida ao remetente em 19 de Dezembro de 20020. (provado por fls. 55 do processo administrativo)

l) Foi elaborada pela AT a nota de liquidação nº. 2020 ... e respetivos juros compensatórios, materializada na nota de acerto de contas n.º 2020 ..., de 2020-12-16, na qual se apurou um imposto a pagar a título de IRS de 2016, no montante de € 58.080,00. (documento junto pela requerente e provado pelo processo administrativo)

m) A nota de liquidação e a nota de acerto de contas foram notificadas à ora requerente respectivamente pelo registo RY ... e pelo registo RY ... PT, ambos expedidos no dia 21/12/2020, tendo primeiro sido recebido em 18/01/2021 pela requerente. (provado a fls. 36 e 37 do processo administrativo e a não impugnação da requerente).

n) A requerente apresentou reclamação graciosa em 5 de Maio de 2021, não tendo sobre a mesma sido proferida qualquer decisão expressa. (documento 2 junto com a petição inicial e processo administrativo).

o) Por registo nº. RD ... PT, enviado em 8/7/2021, foi a requerente notificada para ... Dinamarca de uma 2ª. notificação da decisão final de 9/10/2020, tendo recebido esta notificação (provado por fls. 57 e 59 do processo administrativo e pelo requerimento de arguição de nulidade junto sob o nº. 4 com o pedido inicial)

p) o presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 3/12/2021

Estes são os factos que consideramos provados, indicando-se a seguir a cada um os meios de prova que os suportam.

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

          Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão deste processo.

         Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela requerente e no que consta do processo administrativo e também nos depoimentos das testemunhas ouvidas.

         

4. Matéria de direito 

         Na petição inicial, a requerente invoca as seguintes questões no sentido da procedência da sua pretensão:

- caducidade do direito de liquidação do IRS de 2016;

- ilegalidade do procedimento que conduziu a essa liquidação, acusando:

- falta de audição da requerente, nos termos do artº. 65º. do CIRS,

- falta de audiência prévia da requerente antes da emanação da liquidação oficiosa;

- notificação da liquidação não foi feita validamente;

- ilegalidade da liquidação oficiosa, porque:

- a ora requerente não teve em Portugal residência em 2016;

- dupla tributação, por a requerente ter sido já tributada pelos rendimentos de 2016 em França.

- restituição do imposto pago acrescido de juros.

 

         Passemos então à análise dos fundamentos do presente pedido de pronúncia arbitral.

         O art. 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), subsidiariamente aplicável à arbitragem tributária ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT, estabelece, relativamente à ordem do conhecimento dos vícios na sentença, que, “[n]a sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação” (n.º 1 do art. 124.º), sendo que, em cada um dos grupos, a apreciação é feita pela seguinte ordem: “no primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”; “no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público, ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior” (cfr. als. a) e b) do n.º 2 do art. 124.º).

         Porque a requerente começa por invocar a caducidade do direito de liquidação pela AT, que a proceder, prejudicará o conhecimento dos restantes vícios procedimentais e de fundo invocados, é pela questão da invocada caducidade que começaremos a análise do presente pedido arbitral.

 

 

5. Questão da caducidade do direito à liquidação

         1. Entende a requerente que o direito de a AT liquidar IRS relativamente aos rendimentos por si recebidos em 2016, caducou em 31 de Dezembro de 2020 e que, até esta data, não foi notificada à ora requerente de forma válida e regular a liquidação referida na al. m) dos factos provados.

         É que a requerente entende que a notificação encetada pela AT dessa liquidação é irregular por não ter sido realizada por meio de carta registada com aviso de recepção como impõe o artº. 38º., nº 1 do CPPT, onde se determina que:

I – As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências. 

         E, no caso presente, a determinação do modo de notificação da ora requerente é decisivo para se determinar se caducou ou não o direito de liquidação exercido pela AT.

 

         2. Nos termos do artº. 45º. da Lei Geral Tributária, 

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente
notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2 - Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização
de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito
passivo dos indicadores objectivos da actividade previstos na presente lei, o prazo
de caducidade referido no número anterior é de três anos.

3- Em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer
outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse
direito. 

4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário. 

5- Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

6 - Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob
registo consideram-se validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. 

 

         O regime da caducidade do direito à liquidação de impostos resulta da consagração genérica constante do citado artº. 45º. da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Dec. Lei 398/98, de 17/12.

         A citada norma veio consagrar um prazo de caducidade de quatro anos.

         Face à redacção do aludido artº. 45º. da LGT, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. 

         Tal prazo de caducidade justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamin da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária comentada e Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. Edição, 2012, pág.359 e seg.).

         No caso dos presentes autos, estamos face a liquidação oficiosa de IRS, tributo que é, unanimemente, considerado como um imposto periódico, pelo que o prazo de caducidade do direito à liquidação se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (cfr. artº.45, nº. 4, da LGT). 

         Tendo em conta que se trata da liquidação relativa ao ano fiscal de 2016, o prazo inicia-se em 31/12/2016, tendo o seu termo final em 31/12/2020, contado como determina o citado nº. 4 do artº. 45º. da LGT.

         Dos factos provados resulta que a decisão de liquidar adicionalmente a requerente pelo IRS de 2016 consta da decisão tomada em 29/10/2020, que só foi levada ao conhecimento da requerente, pela 2ª. notificação da mesma em Julho de 2021 (facto o) dos factos provados).

         Porém, foi elaborada liquidação adicional de IRS da requerente, relativamente ao ano de 2016, tendo essa liquidação a data de 16/12/2020 e expedida a sua notificação por registo – não se provou que tivesse sido com aviso de recepção - em 21/12/2020, a qual só veio a ser recebida pela requerente em 18/1/2021 (factos l) e m) dos factos provados).

 

         3. Para se aferir da alegada caducidade do direito de liquidar pela AT, tem previamente de se averiguar se essa notificação era legal.

         Com efeito, se se entender que a notificação da liquidação referida na al. m) dos factos provados deveria ter sido efectuada por meio de carta registada com aviso de recepção, então como a ora requerente só recebeu a notificação da liquidação em 18/01/2021, é esta data que temos de considerar como a da sua notificação, sem avaliarmos desde já se a mesma é válida ou não, pois esta recepção basta para a questão da caducidade.

         Porém, se se entender que basta a notificação por simples registo, como pretende a requerida AT, então é aqui aplicável a presunção do nº. 6 do citado artº. 45º. da LGT e a requerente considera-se notificada em 28/12/2020, primeiro dia útil após o registo postal.

 

         4. Dispõe o artº. 38º., nº. 1 do CPPT que:

“As notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto actos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências”.

         

         A questão é a de saber se quando estejam em causa notificações de actos de alteração dos rendimentos declarados e de actos de fixação pela Administração Tributária (AT) dos rendimentos sujeitos a tributação, como sucede com as liquidações oficiosas ou adicionais, as mesmas devem ou não ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de receção.

         A questão foi suscitada em recurso de revista excepcional que correu termos perante o Supremo Tribunal Administrativo, revista essa que foi admitida pelo Ac. de 1/2/2017, proferido no Procº. 0974/16, onde o problema foi superiormente equacionado pela relatora desse acórdão, Cons. Dulce Neto[1].

         Na sequência dessa admissão da revista excepcional foi proferido o Ac. de 15-11-2017, em que foi relator o Cons. Pedro Delgado, no mesmo processo 0974/16 e onde foi decidido o seguinte:

I - Nos termos do artº 149º do CIRS os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada. Todavia, estando em causa as notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.

II - Uma liquidação adicional que materialize ou revele um acto de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS.

 

         Para fundamentar esta decisão escreveu-se nesse acórdão:

“Está, pois, em causa saber qual a forma de notificação legalmente exigida para as notificações de liquidações oficiosas e adicionais de IRS - se a carta registada com aviso de recepção ou se carta registada.

Vejamos.

O art. 149º do CIRS estabelece regras especiais sobre as notificações relativas a IRS.

Assim a regra no domínio das notificações relativas a IRS é que estas sejam efectuadas por mera carta registada (cfr. o n.º 3 do artigo 149.º do CIRS).

Porém dispõe o nº 2 do mesmo normativo que as notificações a que se refere o artigo 66.º (do CIRS), ou seja, as notificações referentes a actos de fixação ou alteração da matéria tributável do imposto, previstos no artigo 65.º daquele Código, deverão ser efectuadas através de carta registada com aviso de recepção.

O que está em consonância com o artº 38º, nº 1 do CPPT que prevê que as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.

Ou seja, de acordo com os artº. 149º do CIRS os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada. Todavia, estando em causa as notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.

No sentido de que uma liquidação adicional que materialize ou revele um acto de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte na declaração periódica deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto no art. 38º nº 1 do CPPT e arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS, se pronunciaram, entre outros, os acórdãos desta Secção proferidos em 13/04/2011, no proc. nº 0546/10, em 28/11/2012, no proc. nº 0685/11, em 28/03/2012, no proc. nº 0491/11, em 05.11.2014, no processo 463/14, em de 05.02.2015, no Proc. 01940/13 e em 15.06.2016, no processo n.º 297/16.

Na doutrina, vide também Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume I, pág. 370.

 

              Por fim e reportando-se ao caso objecto desse acórdão, conclui esta decisão:

Ora o acórdão recorrido, ao considerar estar-se em presença de liquidações referentes a impostos periódicos (IRS), olvida um dado essencial no caso sub judice: estamos perante liquidações adicionais subsequentes a actos inspectivos e que alteram a situação tributária do contribuinte.

 

Assim constituindo tais liquidações actos de correcção oficiosa e de alteração dos rendimentos sujeitos a tributação, da iniciativa da administração, impunha-se que a sua notificação fosse efectuada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS, o que não sucedeu no caso vertente.

 

Pelo que forçoso é concluir que as notificações não foram efectuadas na forma legal, prevista no artº 149º, nº 2 do IRS, normativo que não se basta com a presunção de recebimento da notificação mas antes exige registo com aviso de recepção.

 

E, não tendo sido cumprida essa formalidade legal, não pode considerar-se validamente efectuada a notificação, pelo que procede o invocado fundamento de oposição à execução fiscal -falta de notificação dentro de prazo de caducidade -, a determinar a procedência da oposição deduzida contra a execução fiscal.

 

         Concordando com a decisão proferida e sobretudo com a sua fundamentação, temos que a aplicar ao caso objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.

         

         5. E, não tendo havido declaração de rendimentos da requerente e sendo a liquidação mediatamente impugnada, fruto de acção oficiosa da AT, não restam quaisquer dúvidas de que a requerente teria de ser notificada da liquidação adicional entretanto elaborada pela AT, por meio de carta registada com aviso de recepção.

         Assim sendo e sem necessidade de mais investigação, temos de concluir que não é aplicável, no caso sub judice a presunção de notificação contida no nº. 6 do artº. 45º., a qual é restrita às notificações enviadas por carta meramente registada, se esta for a forma legal e regular de notificação.

         Fica então como data de notificação da requerente a data de 18/1/2021, em que ela comprovadamente recebeu a carta que continha a liquidação adicional de IRS que fora feita pela AT.

         Só que nessa data, já havia decorrido na totalidade o prazo de caducidade, pelo que é absolutamente inoperante nessa matéria a mencionada notificação.

         Por isso, tem de proceder a excepção de caducidade do direito de a AT liquidar à requerente IRS relativamente ao ano de 2016, conforme arguido pela requerente.

         Cabe aqui referir que não foi alegada, nem se verifica qualquer situação de suspensão do prazo de caducidade, nem mesmo a resultante da aplicação do artº. 7º., nº. 9 da Lei nº. 1-A/2020, de 19 de Março, pois essa suspensão em matéria de actos administrativos e tributários, apenas dizia respeito à prática de actos por particulares.

         Com a procedência desta excepção de caducidade do direito de liquidação adicional, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios imputados pela requerente à liquidação, objecto mediato do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

6. Do pedido de restituição com juros indemnizatórios:

         A requerente peticiona ainda a condenação da “Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso dos valores indevidamente liquidados aos Autores (?!) e por aqueles pagos/objeto de penhora acrescidos dos devidos juros indemnizatórios vencidos e vincendos até integral reembolso dos montantes por aqueles pagos”.

         Ora, não resulta do alegado pela requerente que esta tenha pago quaisquer quantias por conta do imposto, cuja liquidação foi impugnada, ou que lhe tenham sido penhoradas em sede de processo executivo quaisquer quantias.

         Por isso e porque nada se mostra provado nesse sentido, nada há a ordenar para restituição, mormente acrescida de juros.

          Em todo caso, porque há manifestamente erro imputável aos serviços, em sede de execução de julgado, caso a requerente tenha pago alguma quantia, ou lhe tenha sido penhorada em sede de processo executivo alguma soma de dinheiro, a ora requerente, tem direito, além da restituição da totalidade da quantia já paga ou penhorada, a que lhe sejam pagos juros indemnizatórios e de mora, nos termos dos artigos 43º. e 102º., ambos da LGT.

         Porém, neste momento, não é possível condenar a AT em nada, porque não consta dos autos que tenha havido qualquer pagamento ou penhora.

         Improcede assim nessa parte o pedido da requerente.

 

 

7. Decisão 

         Nestes termos, julga-se parcialmente procedente e provado, nos termos expostos, o pedido de pronúncia arbitral, decidindo este tribunal arbitral:

a) julgar procedentes os pedidos de anulação do indeferimento presumido da Reclamação Graciosa apresentada pela ora requerente e, mediatamente, de anulação do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 2020.12.04 com o nº. 2020..., relativa ao ano de 2016, no montante de € 58.080, com fundamento na caducidade do direito à liquidação, o que se declara.

b) julgar improcedente o pedido de condenação da requerida na restituição de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, por não estar provado qualquer pagamento ou penhora.

 

7. Valor do processo

         De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 58.080,00 indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

8. Custas

         Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo 1/8 a cargo da requerente e 7/8 a cargo da requerida

 

Lisboa, 21-07-2022

O Árbitro

 

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] Todos os acórdãos citados do Supremo Tribunal Administrativo podem ser consultados em http://www.dgsi.pt/jsta