Os Árbitros Guilherme W. d’Oliveira Martins, Maria da Graça Martins e José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
a) A Requerente, A..., S.A., com sede na ..., n.º..., ...-... Carnaxide, titular do número único de pessoa coletiva e de matrícula na Conservatória do Registo Comercial ... (adiante abreviadamente designada por «Requerente»), notificada, no passado dia 11 de outubro de 2021, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que manteve na ordem jurídica os atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado(«IVA») n.º 2020..., de demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2020... e, bem assim, as respetivas demonstrações de acerto de contas n.os 2020 ... e 2020..., todos referentes ao ano de 2016, no montante global de € 3.608.729,67 (três milhões, seiscentos e oito mil, setecentos e vinte e nove euros e sessenta e sete cêntimos), vem, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alíneas a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, requerer a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade dos atos tributários acima identificados, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
a. A Requerente é uma sociedade anónima, com sede em território português, que se dedica à atividade de construção civil, urbanizações e, bem assim, à compra e venda de imóveis (Doc. 1).
b. A Requerente encontra-se inscrita no regime mensal para efeitos de IVA (Doc. 2).
c. A Requerente integra o grupo empresarial B..., sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no artigo 69.º do Código do IRC (doravante, «Grupo B...»), desde o dia 1 de janeiro de 2010 (cit. Doc. 2).
d. A sociedade C..., Lda., (doravante, «C...»), que tem por objeto social a «administração, quer por conta própria, quer por conta de outrem, de apartamentos para fins turísticos, incluindo a exploração de hotéis e apartamentos», integra igualmente o Grupo B... desde o dia 1 de janeiro de 2010 (Docs. 3 e 4).
e. No decurso do ano de 2012, faziam parte do Conselho de Administração da Requerente e, bem assim, do Conselho de Gerência da C... os Senhores D..., E... e F... (cit. Docs. 1 e 3).
f. No âmbito da sua atividade, a Requerente promoveu a construção — com vista à sua posterior venda a terceiros — do empreendimento designado por..., sito em Olhão, constituído pelos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob artigos n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e.., abrangendo um total de 201 frações autónomas (cit. Doc. 2).
g. Não tendo logrado vender os referidos apartamentos nos moldes inicialmente projetados — em resultado da crise financeira iniciada em 2008 e da consequente crise económica que se fez sentir a partir daí —, a Requerente procurou rentabilizar o seu investimento através da locação dos referidos imóveis à C..., a sociedade do Grupo B... mais vocacionada para promover a sua exploração comercial (cit. Doc. 2).
h. Preenchendo ambas as sociedades, à data, todos os pressupostos — quer subjetivos, quer objetivos — da renúncia à isenção do IVA (aplicável à locação de bens imóveis, nos termos do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA), a Administração tributária procedeu, na sequência dos pedidos que lhe foram apresentados para o efeito e ao abrigo do artigo 4.º do Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, à emissão dos respetivos certificados de renúncia à isenção do IVA na locação de bem imóvel (cf. exemplar de certificado que se junta como Doc. 5; todos os restantes certificados foram juntos à reclamação graciosa que antecede, integrando, portanto, o respetivo procedimento administrativo).
i. Nesta sequência, no decurso do ano de 2011, a Requerente e a C... celebraram, entre si, 201 (duzentos e um) contratos de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo (um contrato para cada fração autónoma), nos termos dos quais ficou estabelecido, no que aqui se impõe destacar, o seguinte (cf. exemplar de contrato que se junta como Doc. 6 e que aqui se dá por totalmente reproduzido):
«Cláusula Primeira (Objeto)
Na presente data a Primeira Outorgante [Requerente] cede à Segunda Outorgante [C...] que por sua vez aceita, nos termos do presente contrato, o gozo temporário da fração (...), doravante apenas designada por “Imóvel”, para aí desenvolver a sua atividade comercial.
(...)
Cláusula Segunda (Da Utilização do Imóvel)
1. A utilização do imóvel pela Segunda Outorgante destina-se à exploração turística do mesmo sob o regime de alojamento local, nos termos da atividade por si desenvolvida, não lhe podendo ser dado outro destino sem autorização expressa e por escrito da Primeira Outorgante.
(...)
Cláusula Terceira (Prazo e Renovação)
1. O presente Contrato é celebrado pelo prazo vinculativo de 20 (vinte) anoa a contar da presente data, renovando-se automaticamente por períodos de 10 (dez) anos, caso não seja denunciado no seu termo. (...)».
j. Iniciada a exploração turística dos referidos apartamentos por parte da C..., a Requerente procedeu à dedução do IVA suportado na construção dos imóveis objeto de locação, no montante global de € 4.694.251,66, tendo, nesse contexto, inscrito no campo 20 das declarações periódicas de IVA dos meses de setembro, outubro e novembro de 2011, respetivamente, os valores de € 987.211,60 de € 3.085.383,87 e de € 621.656,70 (Docs. 7 a 9).
k. Concomitantemente, a Requerente procedeu à liquidação de IVA nas faturas emitidas à C... (locatária) no âmbito dos contratos de arrendamento celebrados (cf. exemplares de faturas que se juntam como Docs. 10 a 15).
l. No final de 2012 verificou-se que, em razão da persistência da crise financeira e económica e da significativa repercussão que a mesma teve no setor do turismo, as taxas de ocupação dos apartamentos do empreendimento ..., em particular durante a época alta do ano de 2012 (correspondente ao período do Verão), ficaram substancialmente aquém do esperado (Doc. 16).
m. Neste contexto, foi deliberada, em reunião do Conselho de Gerência da C... realizada no dia 21 de novembro de 2012, «a cessação da prossecução da exploração, na modalidade de alojamento local, dos apartamentos integrantes do empreendimento turístico “...”, localizado em Olhão» com o objetivo de mitigar o impacto negativo da crise no seio Grupo B... (cit. Doc. 16).
n. A referida deliberação tomada no dia 21 de novembro de 2012, consta de um suporte escrito rubricado e assinado pelos Senhores D. D..., E... e F... (cit. Doc. 16).
o. Em junho de 2019, a Divisão III-Equipa 33 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa iniciou, em cumprimento das Ordens de Serviço n.os OI2018... e OI2018..., uma ação inspetiva tributária externa de âmbito parcial à C..., incidente sobre o IRC e o IVA dos exercícios de 2015 e 2016 (cit. Doc. 4).
p. Como decorre do relatório final da referida inspeção tributária, datado do dia 10 de setembro de 2019, a Administração tributária procedeu a correções em sede de IRC e de IVA da C..., com base, essencialmente, nos seguintes pressupostos de facto e de direito: «o valor de IVA contido nas faturas de rendas emitidas pela sociedade “A...” ao contribuinte, e que este deduziu na sua contabilidade na conta 24323000-Outros bens e serviços, e nas declarações periódicas de IVA relativas de 2015 e 2016, não é dedutível atendendo ao preceituado no artº 20º do Código do IVA, que dispõe sobre as operações que conferem o direito à dedução: “1 – Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestação de serviços sujeitas a imposto...”. De facto, sendo o direito à dedução do IVA suportado nas aquisições de bens e serviços, um dos aspetos fundamentais da mecânica do imposto, o seu exercício encontra-se, todavia, condicionado pelo disposto no artº 20º do CIVA, ou seja, o sujeitos passivo só tem direito à dedução do IVA suportado em aquisições de bens e serviços que se destinem à realização de operações efetivamente tributadas, situação que inexiste no caso em análise» (cit. Doc. 4).
q. Concomitantemente, no dia 7 de novembro de 2019, a Divisão II-Equipa 21 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa deu início, em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2019..., de 1 de março de 2019, à ação inspetiva relativa ao exercício de 2016 da Requerente, em sede de IRC e de IVA, procedimento este que foi concluído em 20 de julho de 2020, com a notificação à Requerente do respetivo relatório final de inspeção tributária (cit. Doc. 2).
r. No que em concreto diz respeito ao IVA do ano de 2016, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa observaram, no que aqui importa destacar, o seguinte:
«O sujeito passivo no desenvolvimento da sua atividade, construiu diversos prédios destinados a venda, o que configura uma atividade isenta de IVA nos termos do artigo 9.º n.º 30 do CIVA.
No ano de 2011 decidiu proceder à exploração comercial de 201 frações no empreendimento ..., no concelho de Olhão, cuja atividade se encontra sujeita e não isenta de IVA, nos termos do disposto no artigo 9.º n.º 29 alínea a) do CIVA. Estando o sujeito passivo obrigado a liquidar IVA nestas operações (locações), de forma a lhe ser possível a dedução do IVA que suportou com a construção das frações em causa, renunciou à respetiva isenção de IVA, nos termos do disposto no artigo 12.º do CIVA, conjugado com o disposto no Decreto-Lei n.0 21/2007 e com o Oficio-Circulado n.º 30099, de 9-2-2007, tendo a AT emitido os correspondentes certificados de renúncia para as frações em causa.
Para tal, celebrou contratos de arrendamento, para fins não habitacionais com prazo certo, com a entidade C... Lda. (doravante designada por C...), em 2011, data a partir da qual iniciou a emissão de faturas relativas à exploração comercial das frações em causa, com liquidação de IVA, as quais se encontram reconhecidas na contabilidade, conforme evidenciado no extrato de c/c da entidade C... (anexo VIII).
A referida renúncia à isenção efetuada pelo sujeito passivo no período de 2011, possibilitou a dedução do IVA suportado com a respetiva construção, no montante total de € 4.694.251,66, mediante inserção nas correspondentes declarações periódicas de IVA (campo 20): em setembro/2011 de € 987.211,60, em outubro/2011 de € 3.085.383,37 e em novembro/2011 de € 621.656,70.
No período em análise de 2016, tal como havia sucedido em procedimentos inspetivos anteriores (períodos 2012 e 2015) detetou-se que o sujeito passivo procedeu: à venda de 5 frações, bem como à dação em cumprimento das outras 178 frações, que detinha naquele empreendimento, no total de 183.
Estas operações ocorreram sem que tenha regularizado o correspondente IVA, como legalmente imposto, uma vez que se confirmou que estas transmissões foram isentas de IVA, nos termos do previsto no artigo 9.º n.º 30 do CIVA.
Nos termos do previsto no n.º 5 do artigo 24.º do CIVA, conjugado com o Oficio-Circulado n.º 30099, da DSIVA de 9-2-2007, a regularização do IVA nos casos de transmissão de bens do ativo imobilizado durante o período de regularização (20 anos), é efetuada de uma só vez, pelo período ainda não decorrido.
No caso concreto, sendo esta transmissão dos imóveis isenta de imposto, nos termos do n.º 30 do artigo 9.º do CIVA, considera-se que é neste momento que os mesmos são desafetados de uma atividade sujeita a IVA - locação-, devendo efetuar-se a regularização respetiva nesse ano.
Tal como havia sucedido em anteriores procedimentos inspetivos, constatou-se que a regularização do IVA não foi efetuada.
Questionado o representante do sujeito passivo acerca da não regularização deste imposto, o mesmo veio justificar a não regularização do IVA deduzido relativamente àqueles imóveis, com base numa deliberação da entidade C..., que disponibilizou (anexo IX), por considerar que desde 2012 não houve a intenção de explorar o arrendamento dos referidos imóveis, como veio a C... reconhecer.
Considerando, assim, que aquele imposto era devido em 2012, por ser neste ano que deixou de se verificar a intenção de afetar aqueles imóveis a uma atividade tributada - locação.
Da análise ao documento apresentado constata-se tratar de uma deliberação do Conselho de Administração da entidade C... (anexo IX), datada de 2012/11/21, a qual não se encontrando devidamente numerada, aquele órgão de gestão delibera pela cessação da prossecução da exploração em alojamento local dos apartamentos turísticos integrantes no empreendimento "..." em Olhão, na sequência dos resultados obtidos na época alta do turismo (verão de 2012) indicarem uma taxa de ocupação dos apartamentos, manifestamente infrutífera, comparativamente à expectada aquando da celebração, em 2011, dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo com a A... SA.
Chama-se a atenção que o sujeito passivo não fez qualquer referência a este documento nos procedimentos inspetivos anteriores a que foi objeto, tendo inclusive os serviços de inspeção tributária efetuado a respetiva regularização da parte do IVA deduzido, relativo aos anos ainda não decorridos, do período de 20 anos legalmente estipulado, relativamente a outras frações do mesmo empreendimento.
Para além de que, o sujeito passivo nos exercícios posteriores continua a emitir as faturas correspondentes à entidade C..., as quais se encontram devidamente registadas na conta corrente deste cliente, tendo procedido à liquidação do IVA devido.
Acresce ainda referir que o sujeito passivo considerou na mais-valia fiscal que apurou, relativa à alienação dos imóveis em causa, os quais se encontravam contabilizados como Propriedades de Investimento, o valor do IVA que deveria regularizar relativamente a cada um dos imóveis em causa no respetivo valor de aquisição.
Significa isto que o montante do IVA que deveria ter sido regularizado no período em análise, e que se mostra em falta [15/20 do valor do IVA suportado e deduzido em 2011], afetou positivamente o valor de aquisição daqueles imóveis, e consequentemente, resultou numa menor mais-valia fiscal acrescida ao resultado líquido para efeitos de apuramento do lucro tributável. E, portanto, afetou negativamente o lucro tributável apurado e tributado no período em análise.
Daqui resulta claro, que para além de o sujeito passivo não ter entregue ao Estado a regularização do IVA relativo a propriedades de Investimento, o mesmo considerou este valor para efeitos fiscais, reduzindo o seu lucro tributável» (cit. Doc. 2).
s. Neste contexto, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa concluíram que:
«— A deliberação apresentada constitui uma decisão na esfera da entidade C... . Entidade esta com a qual o sujeito passivo celebrou os referidos contratos, tendentes a explorar comercialmente as frações em causa, relativamente aos quais foram obtidos os respetivos certificados de renúncia à isenção de IVA, que possibilitaram a dedução e reembolso da totalidade do IVA suportado com a construção das frações em causa.
— Os contratos de arrendamento, para fins não habitacionais com prazo certo, celebrados em 2011 com a C..., não foram renunciados e, portanto, mantiveram-se em vigor após aquela deliberação. Tanto mais que esta entidade rececionou e contabilizou como gasto, com a natureza de prestações de serviços de exploração de alojamento local, as faturas emitidas pelo sujeito passivo, tendo inclusive deduzido o IVA constante nas mesmas.
— Por sua vez o sujeito passivo, nos anos posteriores de 2013, 2014, 2015 e 2016 (até à data da dação em cumprimento) continuou a emitir faturas àquela entidade, relativas à exploração das frações em causa, as quais se encontram reconhecidas como valor em dívida em conta daquele cliente - C... -, e nas quais liquida IVA, que entrega ao Estado, operando o mecanismo de compensação pelo IVA anteriormente deduzido, de uma só vez, tendendo à neutralidade fiscal deste imposto.
— Mais se referirá que aquela mera intenção por parte da C... da cessação da prossecução da exploração em alojamento local dos apartamentos turísticos integrantes no empreendimento "..." em Olhão, vertida em deliberação do Conselho de Administração daquela entidade, datada de 2012/11/21, não assumiu qualquer relevância jurídica no que à vigência dos contratos de arrendamento em questão respeita, como a manutenção dos mesmos na ordem jurídica se encontra plenamente demonstrada.
— Salienta-se que da consulta à aplicação do IMI é possível confirmar que as frações em causa tiveram como destino "serviços" desde finais de 2011/inicio de 2012 até junho de 2016 (anexo X) - data em que realiza a dação em cumprimento ao G... . Não comunicou, assim, à AT a alteração do destino dos bens, exceto quando efetivamente os afeta a outro destino - venda ao invés da sua exploração. Permanecendo, desta forma, afetas a atividade tributável em sede de IVA até à data da sua venda.
— Por outro lado, refere-se que, ainda que a C... tivesse a intenção de deixar de realizar as operações de exploração daqueles imóveis em 2012, não estava o sujeito passivo impedido de exercer a atividade de exploração do arrendamento dos mesmos, para fins não habitacionais, com outra qualquer entidade, desde que os requisitos para a renúncia do IVA continuassem cumpridos, nomeadamente quanto ao valor das rendas e ao seu destino não habitacional.
Assim, face ao exposto, e tendo operado a transmissão das frações em causa em 2016, consideramos ser nesta data que se verifica a desafetação das mesmas a uma atividade tributada, uma vez que a venda é uma operação isenta de IVA nos termos do artigo 9.0 n.0 30 do CIVA.
Consequentemente, nasce neste momento a obrigação de regularização do imposto deduzido, pelo tempo ainda não decorrido para o prazo dos 20 anos, como previsto no artigo 24.º n.º 5 do CIVA, conjugado com o Oficio-Circulado n.º 30099 de 9-2-2007, o que no caso em concreto resulta que faltam 15 anos para completar os 20 anos» (cit. Doc. 2).
t. Assentes nas referidas premissas, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboaefetuaram uma correção em sede de IVA a favor do Estado no montante global de € 3.222.847,13, correspondente a 15/20 do valor de IVA que a Requerente «deduziu, quando da afetação das 183 frações dos prédios a uma atividade tributada, e cujo resumo consta do mapa que constitui o anexo XII, o qual totaliza o montante de € 4.297.129,50» (cit. Doc. 2).
u. Convergentemente, em agosto de 2020, a Autoridade Tributária praticou e notificou à Requerente os atos tributários de liquidação adicional de IVA n.º 2020..., de demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., e, bem assim, as respetivas demonstrações de acerto de contas n.os 2020 ... e 2020..., no montante global de € 3.608.729,67 (Docs. 17 a 20).
v. Não tendo procedido ao pagamento do mencionado montante, a Requerente apresentou garantia bancária, com vista à suspensão dos respetivos processos de execução fiscal (Doc. 21).
w. Em 26 de janeiro de 2021, a Requerente reclamou graciosamente dos identificados atos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios, com fundamento na ilegalidade das correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa e, em consequência, na ilegalidade dos atos tributários praticados ao seu abrigo (Doc. 22).
x. No dia 21 de julho de 2021, a Requerente foi notificada do projeto da decisão de indeferimento que recaiu sobre a referida reclamação graciosa, em cujo âmbito a Administração tributária sustentou, em síntese, que «V.7.1 - A pretensão da reclamante, visa a consideração do documento datado de 2012/11/21, emitido na esfera da empresa do grupo [C...], no qual é deliberada a cessação da prossecução da exploração do empreendimento “...”, tendo, no entanto, sido constatado que na esfera da reclamante não houve qualquer alteração; V.7.2 - Sendo a reclamante e a “C..., entidades com personalidade jurídica distinta, o documento emitido na esfera da C... não tem qualquer vínculo na esfera da reclamante; V.7.3 - Nesta sequência, não confirmamos a argumentação apresentada pela reclamante e afigura-se-nos, que as correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária não enfermam qualquer ilegalidade, uma vez que foram efetuadas de acordo com as disposições legais vigentes» (Doc. 23).
y. Finalmente, em 11 de outubro de 2021, a Requerente foi notificada da decisão que, convolando em definitivo os fundamentos constantes do projeto que antecede, indeferiu a reclamação graciosa dos atos de liquidação sub judice, mantendo-os, por conseguinte, na ordem jurídica (Doc. 24).
z. A Requerente pretende, nesta sede, contestar a legalidade dos atos tributários de liquidação adicional de IVA n.º 2020..., de demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2020... e, bem assim, das respetivas demonstrações de acerto de contas n.os 2020... e 2020..., atos que foram praticados pela Autoridade Tributária na sequência da ação inspetiva realizada ao exercício de 2016 da ora Requerente e que, bem assim, foram mantidos na ordem jurídica pela decisão de indeferimento da reclamação graciosa entretanto proferida.
aa. Com o referido propósito, e tendo em consideração a linearidade e a clareza dos argumentos que sobressaem da factualidade supra exposta, a Requerente avança com a demonstração da ilegalidade dos atos tributários objeto do presente pedido arbitral, adotando, para o efeito, a seguinte razão de ordem:
i. Identificação dos efeitos produzidos pelos factos enunciados na execução — e, sobretudo, no conteúdo — dos contratos de arrendamento celebrados entre a Requerente (locadora) e a C... (locatária) no decurso de 2011;
ii. Identificação das consequentes implicações fiscais das alterações contratuais que se inferem daquela factualidade, em particular no domínio das renúncias à isenção de IVA na locação de bens imóveisoperadas na esfera da Requerente (locadora);
iii. Demonstração, em face das premissas entretanto fixadas, da — manifesta — ilegalidade dos atos tributários contestados por assentarem em erro sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito e por violarem o disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária («LGT»).
bb. Num último capítulo a Requerente analisará ainda a ilegalidade autónoma que fere o ato de liquidação de juros compensatórios igualmente sindicado.
cc. Atalhando a presente exposição, recorde-se que, de acordo com o n.º 1 da Cláusula Segunda de cada um dos 201 contratos de arrendamento para fins não habitacionais celebrados entre a Requerente (locadora) e a C... (locatária) no decurso do ano de 2011, foi convencionado entre ambas as partes que «A utilização do imóvel pela Segunda Outorgante destina-se à exploração turística do mesmo sob o regime de alojamento local, nos termos da atividade por si desenvolvida, não lhe podendo ser dado outro destino sem autorização expressa e por escrito da Primeira Outorgante».
dd. Nos termos da transcrita cláusula postulava-se, assim, a vinculação da C... (locatária) à utilização exclusiva dos imóveis locados na atividade de exploração turística na modalidade de alojamento local, utilização esta que apenas poderia ser modificada mediante autorização expressa e por escrito da Requerente(locadora), sob pena de incumprimento contratual.
ee. Resulta igualmente da factualidade relevante que referida atividade de exploração turística dos imóveis locados na modalidade de alojamento local foi prosseguida pela C... no decurso do ano de 2012, em particular na época alta do ano de 2012, tendo ficado marcada pela obtenção de resultados muito aquém do esperado em virtude da crise que persistia no setor turístico.
ff. Por seu turno, no contexto da indicada vinculação da C... à utilização exclusiva dos imóveis locados na exploração turística na modalidade de alojamento local, associada aos fracos resultados obtidos com a prossecução desta atividade, foi, em reunião do Conselho de Gerência da C... realizada no dia 21 de novembro de 2012, deliberada «a cessação da prossecução da exploração, na modalidade de alojamento local, dos apartamentos integrantes do empreendimento turístico “...”, localizado em Olhão» com o objetivo de mitigar o impacto negativo provocado por tais circunstâncias.
gg. Resulta ainda da factualidade supra enunciada que tanto os considerandos, como o sentido decisório concretamente votado e aprovado pela deliberação tomada no dia 21 de novembro de 2012, constam de um suporte escrito rubricado e assinado pelos representantes legais da C... e da Requerente (tendo em consideração que os gerentes da primeira e os administradores da segunda coincidiam na referida data).
hh. Finalmente, cumpre somente destacar que, após tomada da referida deliberação — i.e., após 21 de novembro de 2012 —, os 201 contratos de arrendamento celebrados entre a Requerente e a C... permaneceram vigentes e em execução.
ii. Ora, do cotejo das premissas que ficam enunciadas permitem-se extrair, de forma objetiva e em síntese, as seguintes conclusões factuais:
i. A cessação da prossecução da atividade de exploração turística não habitacional dos imóveis locados na modalidade de alojamento local foi deliberada pela locatária (a C...) no dia 21 de novembro de 2012;
ii. A referida cessação da atividade de exploração turística não habitacional dos imóveis locados na modalidade de alojamento local por parte da locatária (a C...) foi conhecida e consentida pela locadora (a ora Requerente), em virtude de o respetivo enunciado deliberativo se encontrar rubricado e assinado pelos representantes legais desta última;
iii. Após tomada da indicada deliberação, os 201 contratos de arrendamento celebrados entre a Requerente e a C... mantiveram-se em vigor, tendo a C..., na sua qualidade de locatária,permanecido investida no direito de utilizar os imóveis locados por contrapartida do pagamento das rendas convencionadas.
jj. Por seu turno, analisando as implicações das referidas conclusões factuais nos 201 contratos de arrendamento celebrados, verifica-se que a convenção inicialmente estabelecida entre a Requerente(locadora) e a C... (locatária) de utilização exclusiva dos imóveis locados na atividade não habitacional de exploração para fins turísticos na modalidade de alojamento local, foi modificada pelas partes no dia 21 de novembro de 2012 no sentido de excluir — ou, de acordo com a terminologia utilizada, cessar — a referida exploração para fins turísticos.
kk. A apontada modificação da utilização admitida pelos contratos de arrendamento celebrados infere-se, linearmente, da decisão conjunta — i.e., assinada pelos representantes legais da locatária e da locadora —, de cessação da prossecução da atividade de exploração turística dos imóveis locados na modalidade de alojamento local, conjugada com a manutenção do direito da locatária a utilizar tais imóveis após 21 de novembro de 2012 — ainda que já não para efeitos de exploração para fins turísticos na modalidade de alojamento local.
ll. Do mesmo passo, resulta da cessação convencionada pelas partes que, a partir de 21 de novembro de 2012, a locatária ficou impedida de utilizar os imóveis locados na atividade de exploração para fins turísticos, passando a permitir-se a utilização de tais imóveis, em consequência — e daí em diante —, na (sobrante) prossecução de fins não turísticos, ou seja, nos de exploração para fins habitacionais (atividade que, até esse momento, se encontrava contratualmente proscrita).
mm. Em suma, cotejando o conteúdo da declaração escrita assinada pelos representantes legais de ambas as partes (locadora e locatária) no dia 21 de novembro de 2012, com a circunstância de os respetivos contratos se terem mantido em vigor depois desta data, permite-se concluir, do ponto de vista contratual, que se verificou uma convolação ou requalificação dos contratos celebrados de contratos de arrendamento de imóvel para fins não habitacionais (ou seja, para os de exploração turística na modalidade dealojamento local) para singelos contratos de arrendamento, em cujo âmbito a utilização permitida dos imóveis locados foi modificada, fazendo-se cessar a utilização dos imóveis para fins de exploração turística e passando a permitir-se à locatária, daí em diante, somente a utilização dos imóveis locados em fins não turísticos (como sejam os fins habitacionais).
nn. Sedimentados os efeitos civis da deliberação de novembro de 2012, impõe-se, então, prosseguir com a identificação dos consequentes efeitos tributários.
Identificação das implicações fiscais decorrentes da identificada requalificação dos contratos de arrendamento celebrados pela Requerente
a. Recorde-se que a aplicação do regime da renúncia à isenção previsto no artigo 12.º, n.º 4, do Código do IVA, e no Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, exigia que, nos casos de locação de imóveis, estes fossem — e permanecessem — afetos pela respetiva entidade locatária a atividades que conferissem o direito à dedução do IVA suportado a montante.
b. Ora, no caso vertente, o apontado requisito encontrava-se plenamente cumprido na esfera da locatária, na medida em que os contratos de arrendamento inicialmente celebrados entre a Requerente e a C... estabeleciam que os imóveis locados seriam utilizados exclusivamente por esta última na exploração para fins turísticos na modalidade de alojamento local, circunstância que justificou a emissão dos correspondentes certificados de renúncia à isenção do IVA na locação de bem imóvel por parte da Autoridade Tributária.
c. Verifica-se, porém, que a exclusividade a que se encontrava contratualmente subordinada a utilização dos imóveis locados (enquanto finalidade contratual justificativa das operadas renúncias à isenção) foi, em virtude da crise que persistia à data, modificada pelas partes em novembro de 2012.
d. Na verdade, como já observado, resulta da factualidade relevante que, no dia 21 de novembro de 2012, a convenção estabelecida entre a Requerente e a C... de utilização dos imóveis locados na atividade de exploração para fins turísticos foi consensualmente modificada pelas partes, fazendo-se cessar a subordinação da C... à utilização dos imóveis para fins de exploração turística e permitindo-se, daí em diante, à utilização dos imóveis locados para fins não turísticos, ou seja, para fins habitacionais.
e. O mesmo é dizer, por conseguinte, que a finalidade contratual que justificou (e que era suscetível de manter válida) a renúncia à isenção de IVA operada relativamente a cada um dos 201 contratos de arrendamento celebrados entre a Requerente e a C... foi alterada pelas partes em novembro de 2012, com a consequente convolação dos contratos celebrados de contratos de arrendamento de imóvel para fins não habitacionais (ou seja, para os de exploração turística na modalidade de alojamento local) para singelos contratos de arrendamento suscetíveis de permitir a utilização dos imóveis locados para fins habitacionais, nos termos previstos no artigo 9.º, n.º 29, do Código do IVA.
f. Tanto assim é que, recorde-se, conforme referido no artigo 16.º do presente requerimento inicial, a própria Autoridade Tributária procedeu à correção do IVA deduzido pela locatária — a C... —, por, precisamente, entender que o imposto que lhe havia sido (indevidamente) liquidado pela Requerente não conferia o direito à dedução na esfera jurídica da mesma porquanto não respeitava a custos com bens e/ou serviços incorridos com operações tributadas.
g. Significa o que antecede, em consequência, que, na apontada data — i.e., em 21 de novembro de 2012 —, deixaram de se verificar as condições exigidas para a manutenção da(s) renúncia(s) à isenção de IVA operada(s) em 2011, tendo esta circunstância por efeito a caducidade das renúncias à isenção operadas na esfera da Requerente relativamente a cada um dos 201 contratos de arrendamento celebrados com a C... .
h. Por seu turno, em virtude da caducidade das referidas renúncias à isenção de IVA, verificou-se a reposição do regime geral que foi afastado (rectius, renunciado), ou seja, o da isenção de IVA aplicável aos referidos contratos de locação de imóveis, nos termos prefigurados no artigo 9.º, n.º 29, do Código do IVA.
i. Consequentemente, resta observar que, nos termos conjugados do disposto nos n.os 5, 6 e 8 do artigo 24.º do Código do IVA, a Requerente deveria ter regularizado o IVA deduzido relativamente a cada um dos 201 imóveis objeto de locação de uma só vez, pelo prazo ainda não decorrido período de regularização de 20 anos, na declaração do último período do ano em causa, ou seja, na declaração relativa ao mês de dezembro de 2012.
j. Em suma, verifica-se que perante as alterações promovidas aos contratos de arrendamento celebrados entre a Requerente e a C... e a sua consequente convolação em singelos contratos de arrendamento isentos de IVA nos termos previstos no artigo 9.º, n.º 29, do Código do IVA, a Requerente deveria ter promovido a regularização do IVA deduzido de uma só vez no período de imposto de dezembro de 2012.
Sobre a ilegalidade dos atos tributários contestados por assentarem em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e por violação do artigo 45 .º da Lei Geral Tributária
k. Aqui chegados, e tendo em consideração a linearidade das premissas de facto e de direito fixadas nos pontos antecedentes do presente pedido arbitral, impõe-se somente observar que, de acordo com o disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária («LGT»), «O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro», e, bem assim, que «O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário» (destaque da Requerente).~
l. Ora, os atos tributários contestados nos presentes autos, praticados na sequência das — e com fundamento nas — correções vertidas no relatório de inspeção tributária notificado à Requerente no dia 20 de julho de 2020, traduzem a regularização do IVA deduzido pela Requerente relativamente aos imóveis objeto dos contratos de locação celebrados com a C... no decurso de 2011, em virtude de, na opinião da Autoridade Tributária, tal regularização ser devida em 2016 por força da transmissão dos imóveis locados ocorrida nesse ano.
m. Sucede, todavia, que, conforme demonstrado acima, a regularização do IVA deduzido pela Requerente relativamente a cada um dos referidos imóveis objeto de locação deveria ter sido realizada em dezembro de 2012, na sequência da verificada caducidade das renúncias à isenção ocorrida em 21 de novembro de 2012 e nos termos conjugados do disposto nos n.os 5, 6 e 8 do artigo 24.º do Código do IVA.
n. Por outras palavras, verificou-se que, perante as alterações promovidas aos contratos de arrendamento celebrados entre a Requerente e a C... e a sua consequente convolação em singelos contratos de arrendamento isentos de IVA nos termos previstos no artigo 9.º, n.º 29, do Código do IVA, a Requerente deveria ter promovido a regularização do IVA deduzido de uma só vez no período de imposto de dezembro de 2012 (e não, conforme errada e ilegalmente assumiu a Autoridade Tributária em sede inspetiva, no decurso do ano de 2016).
o. Por conseguinte, verifica-se que o prazo de caducidade do IVA que deveria ter sido regularizado (liquidado) pela Requerente no mês de dezembro de 2021, nos termos prescritos pelos n.os 5, 6 e 8 do artigo 24.º do Código do IVA, conta-se a partir do início do ano civil seguinte, nos termos conjugados do disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 45.º da LGT.
p. O mesmo é dizer, assim, que o direito à liquidação do imposto resultante do dever de regularização do IVA deduzido pela Requerente relativamente a cada um dos imóveis objeto dos contratos de locação celebrados com a C... no decurso de 2011 (que, por lapso, não foi regularizado no mês de dezembro de 2012) caducou no dia 31 de dezembro de 2016.
q. Em consequência, impõe-se concluir que os atos tributários ora contestados, traduzindo uma regularização que era devida em dezembro de 2012 e tendo sido praticados e notificados à Requerente somente no decurso do mês de agosto de 2020, foram praticados muito para além do prazo de caducidade que lhes era aplicável nos termos previstos nos n.os 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, sendo manifestamente ilegais por assentarem em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e por violação do artigo 45.º da LGT, impondo-se a VV. Exas, em conformidade, a declaração da sua ilegalidade (o que se peticiona).
b) A Autoridade Tributária respondeu com os seguintes argumentos:
a. A Requerente requer a procedência do Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021..., que manteve na ordem jurídica os atos tributários de liquidação adicional de IVA n.º 2020..., de demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., e das demonstrações de acertos de contas n.º 2020 ... e n.º 2020 ..., referentes ao ano de 2016, no montante global de € 3.608.729,67.
b. Pretende, simultaneamente, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no pagamento da indemnização devida pela prestação de garantia prestada para suspensão do processo de execução fiscal.
c. Começa por aludir aos efeitos civis da declaração escrita de 21-11-2021 - que refere ter sido assinada pelos representantes legais da Requerente e da sociedade C... (locadora e locatária) no dia 21 de novembro de 2012 -, com a circunstância de os respetivos contratos de arrendamento com fins comerciais se terem mantido em vigor depois desta data.
d. Advoga, nesse sentido, que, do ponto de vista contratual, se verificou uma convolação ou requalificação dos contratos celebrados de contratos de arrendamento de imóvel para fins não habitacionais (ou seja, para os de exploração turística na modalidade de alojamento local) para simples contratos de arrendamento, em cujo âmbito a utilização permitida dos imóveis locados foi modificada, fazendo-se cessar a utilização dos imóveis para fins de exploração turística e passando a permitir-se à locatária, daí em diante, somente a utilização dos imóveis locados em fins não turísticos (como sejam os fins habitacionais).
e. Alega, nesse seguimento, a caducidade das renúncias à isenção operadas na esfera da Requerente, relativamente a cada um dos 201 contratos de arrendamento celebrados com a sociedade C..., e a reposição do regime geral de isenção do artigo 9.º, 29) do CIVA. 11. E confessa, para não mais ser retirado, que deveria ter promovido a regularização do IVA deduzido de uma só vez,
f. Mas que o deveria ter efetuado no período de imposto de dezembro de 2012, e não no decurso do ano de 2016, como defendido pelos Serviços de Inspeção Tributária, nos termos conjugados dos números 5, 6, e 8 do art.º 24.º do Código do IVA.
g. Invoca a caducidade do direito à liquidação do imposto resultante desse dever de regularização do IVA deduzido relativamente a cada um dos imóveis objeto dos contratos de locação celebrados com a C... no decurso de 2011,
h. Montante que, por lapso, segundo refere, não foi regularizado no mês de dezembro de 2012, a última declaração do ano a que respeita, conforme estatui o artigo 24.º, n.º 8 do CIVA.
i. Muito convenientemente, para a Requerente, a caducidade verificou-se a 31 de dezembro de 2016, pelo que as notificações das liquidações no decurso do mês de agosto de 2020 foram praticadas para além do prazo aplicável nos termos dos números 1 e 4 do art.º 45.º da LGT.
j. Alega, por fim, a ilegalidade autónoma dos juros compensatórios, com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação e violação de lei por ofensa ao artigo 35.º, n.º 1 da LGT.
k. A Requerente reconhece, desde logo, conforme se salientou acima, o incumprimento do dever que sobre si impendia, de regularização a favor do Estado do IVA que deduziu na aquisição/construção dos imóveis, e que se constituiu na sua esfera. Aduzindo que, no entanto, o ato de liquidação caducou em dezembro de 2016, porquanto, após a opção do direito de renúncia à isenção nos contratos de arrendamento firmados, resolveu, em conjunto com a sociedade C..., terminar o modelo de negócio, decisão que foi tomada em reunião do Conselho de Administração da Sociedade C..., conforme deliberação do órgão de gestão de 21 de novembro de 2012.
l. Refere adicionalmente que, após a deliberação supramencionada, por motivo de desconhecimento do correto enquadramento em IVA a conferir à operação de locação, a reclamante procedeu incorretamente à faturação das rendas de dezembro de 2012 até junho de 2016, momento da alienação (23 apartamentos) e dação em pagamento dos apartamentos (178 transferidos no final de 2016 para “G...”).
m. Não obstante, o momento da caducidade da renúncia de isenção corresponde, na tese da Requerente, ao momento em que os imóveis deixaram de ser utilizados para a prossecução de atividades sujeitas a IVA, devendo ser esse o facto considerado determinante para efeitos de regularização do IVA.
n. Assim a obrigação de regularização de IVA a favor do Estado, por motivo de afetação a atividade isenta, constituiu-se em momento anterior ao da sua alienação, mais propriamente no momento em que os imóveis, por decisão conjunta da Requerente e da sociedade C..., datada de 2012, deixaram de estar afetos a fins turísticos.
o. Motivo porque, em 2020, a AT não se encontrava já em prazo para liquidar o IVA não regularizado.
p. Ora, aqui chegados, o ponto fundamental em discussão prende-se com o momento em que o facto tributário, que motiva a regularização, opera.
q. Para a Requerente, essa obrigação resulta de entender por verificada a circunstância prevista na al. c) do n.º 6 do art.º 24.º do Código do IVA, Ou seja, os imóveis terem passado a ser objeto de uma locação isenta, e, por conseguinte, nos termos do n.º 8 do aludido artigo, essa regularização deveria obrigatoriamente ter constado da declaração do último período de 2012.
r. Invoca, por conseguinte, numa conduta que pode ser considerada de má-fé, conforme se explicará, a caducidade da liquidação do imposto pela AT, por discordância quanto ao momento em que deve ser considerada a desafetação dos imóveis a uma atividade tributada.
s. A questão a apreciar prende-se, assim, em determinar o facto gerador da obrigação de regularização no caso concreto, e o enquadramento a conferir à locação durante o período compreendido entre 2012 e 2016.
t. Na tese da Requerente, esse momento ocorreu em 2012, na data do documento de deliberação de cessação da prossecução da exploração comercial do empreendimento “...”, defendendo que os imóveis passaram a ser objeto de uma locação isenta, desde essa data, nos termos da al. 29) do art.º 9.º do Código do IVA, como mero arrendamento/alojamento para fins habitacionais.
u. Documento que desde já se impugna quanto ao seu teor e ao efeito jurídico pretendido obter com a sua apresentação.
v. O aludido documento consubstancia um mero documento particular, uma declaração de vontade, cujo teor não teve quaisquer reflexos nos contratos de arrendamento celebrados,
w. aos quais não foram acrescentadas adendas, que pudessem esclarecer a cessação da prossecução da exploração comercial dos imóveis.
x. Note-se que a Requerente também não informou, conforme era sua obrigação, os serviços da AT acerca da alteração do propósito dos arrendamentos.
y. Essa obrigação decorria dos princípios recíprocos da participação e de colaboração, adjacentes ao procedimento tributário, pendendo sobre a Requerente o dever de informar e de atualizar a sua situação tributária à AT, nos termos do artigo 14.º, n.º 2 da LGT, que obriga os sujeitos passivos a informar a Autoridade Tributária acerca dos pressupostos (ou do fim destes) que permitem o gozo de exceções às regras gerais da mecânica dos impostos.
z. Informação que a Requerente não prestou atempadamente, impedindo a Autoridade Tributária de atuar em conformidade e exigir a regularização do imposto, nos termos do disposto no artigo 24.º do CIVA.
aa. Não obstante, na absurda tese da Requerente, a deliberação escrita, tomada pela administração da sociedade C... teria feito caducar a renúncia à isenção, dispensando-a assim de proceder, em 2020, à regularização de IVA.
bb. Desde logo se diga que esta intolerável argumentação consubstancia um abuso de direito, na dimensão de “venire contra factum proprium”, dado que a Requerente age contra o seu próprio ato.
cc. Primeiramente, por mero documento particular elaborado unicamente pela sociedade C..., alega ter sido alterado o fim da cessão de exploração, deixando de ter propósitos turísticos, passando a ter meramente habitacionais.
dd. conforme inclusive o exigia a cláusula 12.ª dos ditos contratos, em que todas as alterações efetuadas ao respetivo teor deveriam ser notificadas à outra contratante.
ee. E sem que a Requerente informasse a AT da intenção de os fazer cessar na modalidade de exploração turística.
ff. Depois, alegando, não obstante aquela deliberação pela empresa locatária, ter havido erro na forma como lhe continuaram a ser emitidas as faturas, as quais continuaram a incluir IVA.
gg. Sem prejuízo, e persistindo em novo erro, referindo ainda a Requerente que não procedeu, como legalmente lhe era imposto, no sentido de regularizar o imposto indevidamente deduzido, na última declaração de período do ano de 2012.
hh. Declarando, para o efeito, que o fato tributário que impele à obrigação da regularização se situava no momento em que foi firmada a declaração escrita e que, por isso, a AT só poderia ter emitido liquidação adicional de IVA até 31 de dezembro de 2016.
ii. Toda esta versão fatual revela incoerência e, salvo o devido respeito, um aproveitamento do desconhecimento por parte da AT para se furtar a devolver aos cofres do Estado os montantes de IVA que deduziu indevidamente.
jj. Acontece que o facto que determinou a obrigação de regularizar o imposto deduzido deu-se no ano de 2016, no momento da transmissão e dação em pagamento das 183 frações do empreendimento “...”, dado que, originariamente, aquelas operações são isentas por força da al. 30) do art.º 9.º do Código do IVA. 48. E, com efeito, determina a parte final do n.º 5 do art.º 24.º do Código do IVA que se a transmissão de bens do ativo imobilizado durante o período de regularização for isenta de imposto, nos termos da al. 30) artigo 9.º, considera-se que os bens estão afetos a uma atividade isenta, devendo efetuar-se a regularização respetiva.
kk. A Requerente pretende afastar a aplicação daquele artigo, que fundamenta as correções impugnadas, com a alegação de que a regularização do imposto a favor do Estado era devida em momento anterior pelo facto de os imóveis “terem passado a ser objeto de locação isenta”.
ll. Argui nesse sentido, tendo por base uma alegada “deliberação do órgão de gestão”, emitida pela sociedade C..., locatária dos imóveis em causa.
mm. Note-se, ainda, que a AT não sabe, nem tem obrigação de saber se as assinaturas constantes naquele documento particular são verdadeiras, desconhecendo de igual modo a veracidade do texto e a veracidade da data neles aposta.
nn. De acordo com as regras do ónus de prova e, em particular, nos termos do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CC, é à parte que apresenta o documento que incumbe fazer a prova da sua veracidade,
oo. O qual, por não ter visto as assinaturas reconhecidas notarialmente, não permite estabelecer a prova da sua autenticidade, nem a presunção da autenticidade do texto, de que o mesmo corresponde verdadeiramente à vontade dos declarantes.
pp. Nada garantindo que o documento não tenha sido produzido posteriormente, em ordem a sustentar a tese da Requerente, de que o facto tributário que obrigava à regularização devesse ser contabilizado logo a partir daquele momento, em 2012, e não do ano em que os imóveis foram afetos a atividades não tributadas.
qq. Deste modo, o referido documento não produz manifestamente prova da afetação prévia a uma atividade isenta.
rr. Aquela declaração não vincula a ora Requerente, o sujeito passivo obrigado a proceder à regularização do imposto.
ss. Ainda que alguns dos representantes legais possam ser comuns a ambas as entidades, as suas assinaturas no referido documento somente vinculam, naturalmente e apenas, a sociedade C..., pois foi nessa qualidade que intervieram no ato.
tt. Acresce que não consta qualquer referência feita à Requerente, nem a acordo, nem aos contratos celebrados entre as duas sociedades, pelo que a eficácia da deliberação é meramente unilateral.
uu. Afigura-se, desta forma, que o documento em crise não faz operar a caducidade da renúncia à isenção, nem de alterar os termos dos contratos celebrados entre as partes, nem comprova a afetação dos imóveis a uma atividade isenta ou a alteração da atividade
vv. Assim, face ao exposto, conclui-se que o momento a relevar para efeitos de nascimento da obrigação de regularização do imposto a favor do Estado que foi deduzido pela Requerente na aquisição e construção dos imóveis, pelo tempo ainda não decorrido para o prazo dos 20 anos, como previsto no art.º 24.° n.º 5 do Código do IVA, conjugado com o Ofício-Circulado n.º 30099 de 2007-02-09, corresponde ao momento da transmissão das frações em causa, em 2016, pois foi nesse momento que se verificou a desafetação das mesmas a uma atividade tributada, uma vez que a transmissão de bens é uma operação isenta de IVA nos termos da al. 30) do art.º 9.º do Código do IVA.
ww. Tendo também sido esse o momento em que a AT passou a ter o conhecimento da aludida desafetação. Sem conceder, mesmo que se venha a entender que o facto tributário para efeitos de regularização, se situa no ano de 2012, o que somente se admite aqui como mera hipótese académica, diga-se que a caducidade do direito a liquidar não operou entre 2012 e 2016.
xx. Em bom rigor, a caducidade não podia ser contabilizada entre 2012 e 2016, porquanto a AT, por falta de conhecimento, deliberadamente sonegado pela Requerente, não podia exercer o direito de emitir liquidação adicional referente aos valores indevidamente deduzidos.
yy. Nos termos do disposto no artigo 329.º do CC, o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido.
zz. Nem a Requerente, nem a C... alguma vez notificaram a AT do conteúdo da declaração escrita, pretensamente datada de 2012, e da intenção de fazer cessar a exploração dos imóveis para fins turísticos, de modo que o instituto da caducidade não pode ser contabilizado até ao momento em que a AT toma conhecimento efetivo do facto que obrigava a Requerente a ter efetuado a regularização do imposto.
aaa. E isso só aconteceu no ano de 2016, com a afetação dos imóveis a atividade isenta.
bbb. Face ao que deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, devendo os atos tributários ora contestados ser mantidos intactos na ordem jurídica.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 27-10-2021, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 29-10-2021. Em 21-12-2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 21-12-2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 10-01-2022, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.
A AT apresentou a sua Resposta em tempo em 06-02-2022.
A Requerente apresentou requerimento em 04-03-2022 sobre prova testemunhal.
Em 28-03-2022, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:
«1. Designa-se o dia 27 de abril de 2022, pelas 10 horas, nas instalações do CAAD, para realização da audiência para produção de prova testemunhal.
2. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Notifiquem-se as partes do presente despacho.»
Em 22-04-2022 este Tribunal designou nova data para audiência no dia 06-05-2022, a pedido das partes.
Na sequência da audiência a Requerente apresentou alegações, sendo que a Requerida não o fez.
POSTO ISTO:
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Tudo visto, cumpre decidir.
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
a) A Requerente é uma sociedade anónima, com sede em território português, que se dedica à atividade de construção civil, urbanizações e, bem assim, à compra e venda de imóveis.
b) A Requerente encontra-se inscrita no regime mensal para efeitos de IVA.
c) A Requerente integra o grupo empresarial B..., sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no artigo 69.º do Código do IRC (doravante, «Grupo B...»), desde o dia 1 de janeiro de 2010.
d) A sociedade C..., Lda., (doravante, «C... »), que tem por objeto social a «administração, quer por conta própria, quer por conta de outrem, de apartamentos para fins turísticos, incluindo a exploração de hotéis e apartamentos», integra igualmente o Grupo B... desde o dia 1 de janeiro de 2010.
e) No decurso do ano de 2012, faziam parte do Conselho de Administração da Requerente e, bem assim, do Conselho de Gerência da C..., os Senhores D. D..., E... e F... .
f) No âmbito da sua atividade, a Requerente promoveu a construção — com vista à sua posterior venda a terceiros — do empreendimento designado por ..., sito em Olhão, constituído pelos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob artigos n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., abrangendo um total de 201 frações autónomas.
g) Não tendo logrado vender os referidos apartamentos nos moldes inicialmente projetados — em resultado da crise financeira iniciada em 2008 e da consequente crise económica que se fez sentir a partir daí —, a Requerente procurou rentabilizar o seu investimento através da locação dos referidos imóveis à C..., a sociedade do Grupo B... mais vocacionada para promover a sua exploração comercial.
h) Preenchendo ambas as sociedades, à data, todos os pressupostos — quer subjetivos, quer objetivos — da renúncia à isenção do IVA (aplicável à locação de bens imóveis, nos termos do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA), a Administração tributária procedeu, na sequência dos pedidos que lhe foram apresentados para o efeito e ao abrigo do artigo 4.º do Regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, à emissão dos respetivos certificados de renúncia à isenção do IVA na locação de bem imóvel.
i) Nesta sequência, no decurso do ano de 2011, a Requerente e a C... celebraram, entre si, 201 (duzentos e um) contratos de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo (um contrato para cada fração autónoma).
j) Iniciada a exploração turística dos referidos apartamentos por parte C..., a Requerente procedeu à dedução do IVA suportado na construção dos imóveis objeto de locação, no montante global de € 4.694.251,66, tendo, nesse contexto, inscrito no campo 20 das declarações periódicas de IVA dos meses de setembro, outubro e novembro de 2011, respetivamente, os valores de € 987.211,60 de € 3.085.383,87 e de € 621.656,70.
k) Concomitantemente, a Requerente procedeu à liquidação de IVA nas faturas emitidas à C... (locatária) no âmbito dos contratos de arrendamento celebrados.
l) No final de 2012 verificou-se que, em razão da persistência da crise financeira e económica e da significativa repercussão que a mesma teve no setor do turismo, as taxas de ocupação dos apartamentos do empreendimento ..., em particular durante a época alta do ano de 2012 (correspondente ao período do Verão), ficaram substancialmente aquém do esperado.
m) Neste contexto, foi deliberada, em reunião do Conselho de Gerência da C... realizada no dia 21 de novembro de 2012, «a cessação da prossecução da exploração, na modalidade de alojamento local, dos apartamentos integrantes do empreendimento turístico “...”, localizado em Olhão» com o objetivo de mitigar o impacto negativo da crise no seio Grupo B... .
n) A referida deliberação tomada no dia 21 de novembro de 2012, consta de um suporte escrito rubricado e assinado pelos Senhores D. D..., E... e F... .
o) Em junho de 2019, a Divisão III-Equipa 33 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa iniciou, em cumprimento das Ordens de Serviço n.os OI2018... e OI2018..., uma ação inspetiva tributária externa de âmbito parcial à C..., incidente sobre o IRC e o IVA dos exercícios de 2015 e 2016.
p) Como decorre do relatório final da referida inspeção tributária, datado do dia 10 de setembro de 2019, a Administração tributária procedeu a correções em sede de IRC e de IVA da C..., com base, essencialmente, nos seguintes pressupostos de facto e de direito: «o valor de IVA contido nas faturas de rendas emitidas pela sociedade “A...” ao contribuinte, e que este deduziu na sua contabilidade na conta 24323000-Outros bens e serviços, e nas declarações periódicas de IVA relativas de 2015 e 2016, não é dedutível atendendo ao preceituado no artº 20º do Código do IVA, que dispõe sobre as operações que conferem o direito à dedução.
A.2. Factos dados como não provados
Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a mesma se considera provada ou não, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
B. DO DIREITO
A questão de fundo a apreciar e a decidir no presente processo é essencialmente a de saber se as liquidações aqui sindicadas estão enfermadas por verificação da exceção perentória da caducidade do direito à liquidação por inaplicabilidade da extensão do prazo de caducidade determinada pelo n.º 5 do art.º 45.º da LGT.
Não procedendo a exceção perentória acima referida, empreender-se-á julgamento de mérito sobre o objeto do pedido de pronúncia arbitral, a saber, conforme invocado pela Requerente:
i) Identificação dos efeitos produzidos pelos factos enunciados na execução — e, sobretudo, no conteúdo — dos contratos de arrendamento celebrados entre a Requerente (locadora) e a C... (locatária) no decurso de 2011;
ii) Identificação das consequentes implicações fiscais das alterações contratuais que se inferem daquela factualidade, em particular no domínio das renúncias à isenção de IVA na locação de bens imóveis operadas na esfera da Requerente (locadora);
iii) Demonstração, em face das premissas entretanto fixadas, da — manifesta — ilegalidade dos atos tributários contestados por assentarem em erro sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito e por violarem o disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária («LGT»).
B1. Da verificação da caducidade do direito à liquidação
A Requerente invoca a caducidade do direito de liquidação com base nos n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, resultante desse dever de regularização do IVA deduzido relativamente a cada um dos imóveis objeto dos contratos de locação celebrados com a C... no decurso de 2011,
Montante que, por lapso, segundo refere, não foi regularizado no mês de dezembro de 2012, a última declaração do ano a que respeita, conforme estatui o artigo 24.º, n.º 8 do CIVA. Assim para a Requerente, a caducidade verificou-se a 31 de dezembro de 2016, pelo que as notificações das liquidações no decurso do mês de agosto de 2020 foram praticadas para além do prazo aplicável nos termos dos números 1 e 4 do art.º 45.º da LGT.
O artigo 45.º da LGT estabelece o seguinte, na redação posterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, no que aqui interessa:
«Artigo 45.º
Caducidade do direito à liquidação
1. O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
(...)
3 - Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.
4. O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.»
A Requerente defende que ocorreu a caducidade do direito de liquidação considerando que, aos casos de liquidação baseada em dedução indevida, é aplicável o prazo geral de caducidade do direito de liquidação de 4 anos a contar do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, que resulta dos n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT.
Na verdade, com aplicação destas normas, a Requerente procedeu:
· à dedução do IVA suportado na construção dos imóveis objeto de locação, no montante global de € 4.694.251,66, tendo, nesse contexto, inscrito no campo 20 das declarações periódicas de IVA dos meses de setembro, outubro e novembro de 2011, respetivamente, os valores de € 987.211,60 de € 3.085.383,87 e de € 621.656,70.
· Concomitantemente, à liquidação de IVA nas faturas emitidas à C... (locatária) no âmbito dos contratos de arrendamento celebrados.
Ora, na verdade, com aplicação destas normas, verificando-se a exigibilidade do IVA com a emissão das faturas em 2011 (artigo 8.º do CIVA), os prazos de 4 anos ter-se-iam iniciado em 31-12-2012, pelo que terão terminado muito antes do início da inspeção, em 31-12-2016.
Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo[2] que a Administração Tributária invoca, designadamente os acórdãos de 07-12-2007, processo n.º 0303/07, e de 30-09-2009, processo n.º 0682/09, foi adotada apenas relativamente a situações de indeferimento de pedido de reembolso, que se considerou serem diferentes das de emissão de liquidações, como se evidencia no primeiro daqueles acórdãos:
«O prazo de caducidade do direito liquidação, atualmente previsto no art. 45.º da LGT, reporta-se a atos de liquidação de tributos, que são atos que declaram uma obrigação tributária (...).
É apenas em relação a estes atos de liquidação, em sentido estrito, que provocam uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse ato se torna certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário), que se justifica, por evidentes razões de segurança jurídica, que se limite o período de tempo em que tais atos podem ser praticados.
Não é esse, porém, o caso dos atos que recusam o reembolso de IVA, pois deles não resulta para os contribuintes qualquer obrigação que não tivessem anteriormente.
Por outro lado, o facto de o n.º 8 do referido art. 22.º incluir a expressão reembolsos são efetuados «quando devidos», não tem o mero alcance de expressar que não devem ser efetuados reembolsos indevidos (o que seria absolutamente supérfluo, pois seria inimaginável interpretar o regime de reembolsos como permitindo o pagamento de reembolsos que não fossem devidos), mas sim o de acentuar que os reembolsos não devem ser efetuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos, o que é corroborado pelos n.ºs 10 e 11 do mesmo artigo, ao preverem que, para efeitos de reembolso, possam ser pedidos documentos e informações adicionais, sob pena de o reembolso de considerar indevido.
Aliás, nem seria compreensível outro regime, pois, reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir.
Para além de não haver suporte legal para aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação aos atos que apreciam pedidos de reembolso de IVA, por não serem atos que declaram uma obrigação tributária do contribuinte em relação à Administração Tributária, não se trata de uma situação idêntica, que justifique a aplicação analógica do referido art. 45.º.
Na verdade, não valem em relação aos atos de recusa de reembolso as razões de segurança jurídica que justificam a limitação temporal da possibilidade de efeituar atos de liquidação, pois os atos de recusa, como atos negativos que são, não produzem nem declaram qualquer obrigação para o contribuinte.»
Como se vê, esta jurisprudência refere-se a pedidos de reembolso de IVA que se entendeu não serem abrangidos pela caducidade do direito de liquidação, por não valerem em relação aos atos de indeferimento, que apenas afetam a expectativa que o Sujeito Passivo tem de vir obter meios pecuniários, as mesmas razões de segurança jurídica que justificam a limitação de atos de natureza ablativa, como são os atos de liquidação, que retiram da esfera jurídica do contribuinte meios pecuniários que estavam na sua disponibilidade.
Esta distinção entre as duas situações foi recentemente reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 05-02-2020, processo n.º 0844/12.0BELRA 01175/17, em que se refere:
«Ora, como resulta da factualidade antes descrita, no caso em apreço não estamos perante um ato de recusa de reembolso dos montantes declarados pelo sujeito passivo com fundamento em correções efetuadas às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é pedido o reembolso (caso que foi analisado e discutido no acórdão de 12 de Julho de 2007, exarado no processo 303/07, invocado pela Recorrente), mas sim perante verdadeiros atos de liquidação adicional de imposto, praticados na sequência de uma inspeção tributária motivada pelo pedido de reembolso. Quer isto dizer que, tratando-se da prática de um ato tributário fundado em correções quantitativas à matéria coletável determinadas por uma avaliação direta, por ocasião ou no âmbito de um procedimento de inspeção tributária e com base em dados contabilísticos apurados também por inspeção tributária à empresa relativamente à qual os atos de liquidação de IVA em falta haviam sido praticados, não existem razões que possam afastar a aplicação da regra da caducidade do direito à liquidação consagrada no artigo 45.º da Lei Geral Tributária.
É certo que o IVA em falta é imputado ao último período de 2010, mas o Tribunal a quo entende, e com razão, que esse facto não é relevante para o efeito, uma vez que o prazo de caducidade se conta, segundo o n.º 4 do artigo 45.º da LGT, “a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2007. Assim, a liquidação daquele IVA em falta (por omissão de operações tributárias) teria de ter sido efetuada e o respetivo ato notificado ao sujeito passivo até 31 de dezembro de 2010, o que só veio a acontecer em 4 de Setembro de 2011.»
Na mesma linha, distinguindo as duas situações, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo entendeu, no acórdão de 27-02-2019, processo n.º 02/18.0BALSB, que a situação analisada no referido acórdão de 2007 e a que foi objeto do acórdão arbitral de 27-06-2018 , proferido no processo n.º 494/2017-T (em que foi adotada solução idêntica à que no presente acórdão se adota), não têm «suficientes pontos em comum para que se possa concluir ocorrer uma efetiva contradição entre ambas».
Igualmente invoque-se o parecer junto ao processo pela Requerente elaborado pelas Professoras Clotilde Celorico Palma e Ana Perestrelo, que é muito claro quanto a este aspeto:
«Em nossa opinião, o facto a partir do qual se deve contar o prazo de caducidade é o do momento em que se verifica que o sujeito passivo liquidou imposto deduzindo IVA constante em faturas de operações a montante, sem que tivesse ab initio direito a efetuar tal dedução (só praticava operações isentas e mesmo assim deduzia) ou, como na situação em apreço, em que comprovadamente perdeu o direito à dedução a que inicialmente tinha direito (quando deixou de praticar operações tributáveis para passar a praticar operações isentas).
Assim, a regularização do IVA deduzido pela Consulente relativamente a cada um dos referidos imóveis objeto de locação deveria ter sido realizada em Dezembro de 2012, na sequência da verificada caducidade das renúncias à isenção ocorrida em 21 de Novembro de 2012 e nos termos conjugados do disposto nos n.os 5, 6 e 8 do artigo 24.º do Código do IVA e não, conforme errada e ilegalmente assumiu a Autoridade Tributária em sede inspetiva, no decurso do ano de 2016
O momento da caducidade da renúncia de isenção corresponde ao momento em que os imóveis deixaram de ser utilizados para a prossecução de atividades sujeitas a IVA, devendo ser esse o facto considerado determinante para efeitos de regularização do IVA. Assim a obrigação de regularização de IVA a favor do Estado, por motivo de afetação a atividade isenta, constituiu-se em momento anterior ao da sua alienação, mais propriamente no momento em que os imóveis, por decisão conjunta da Consulente e da sociedade C..., datada de 2012, deixaram de estar afetos a fins turísticos, pelo que em 2020 a AT não se encontrava já em prazo para liquidar o IVA não regularizado.
Com efeito, o prazo de caducidade do IVA que deveria ter sido regularizado (liquidado) pela Consulente em Dezembro de 2012, nos termos prescritos pelos n.os 5, 6 e 8 do artigo 24.º do Código do IVA, conta-se a partir do início do ano civil seguinte, nos termos conjugados do disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 45.º da LGT.
Termos em que se conclui que o direito à liquidação do imposto resultante do dever de regularização do IVA deduzido pela Consulente relativamente a cada um dos imóveis objeto dos contratos de locação celebrados com a C... no decurso de 2011 (que, por lapso, não foi regularizado em dezembro de 2012).
Destarte, conclui-se que os atos tributários em apreço, estando em causa uma regularização que era devida em Dezembro de 2012 e tendo sido praticados e notificados à Consulente apenas no decurso de Agosto de 2020, foram praticados muito para além do prazo de caducidade que lhes era aplicável nos termos previstos nos n.os 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, sendo manifestamente ilegais por assentarem em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e por violação do artigo 45.º da LGT.»
Por isso, tendo a liquidação adicional de IVA relativa ao 2012 sido emitida em agosto de 2020, mediante os atos tributários de liquidação adicional de IVA n.º 2020..., de demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., e, bem assim, as respetivas demonstrações de acerto de contas n.os 2020 ... e 2020 ..., no montante global de € 3.608.729,67, tem de se concluir que ocorreu quanto a ela a caducidade do direito de liquidação, quanto àquele valor, o que constitui vício de violação de lei que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Embora o Requerente invoque os n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT para sustentar a caso do direito de liquidação, poderá equacionar-se também a possibilidade de aplicação do n.º 3 daquele artigo 45.º, que conduz a mesma conclusão[3].
Na verdade, poderá entender-se que a estes específicos casos de caducidade do direito de liquidação relativamente a deduções indevidas de IVA se aplica, antes, o n.º 3 deste artigo 45.º que, a partir da redação introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, passou a estabelecer que, «em caso de ter sido efetuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito». ( ) Esta redação manteve-se até à Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em que este n.º 3 passou a estabelecer que «em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito».
Referindo-se este n.º 3 a qualquer «qualquer dedução ou crédito de imposto» (...) ele é será aplicável à dedução de IVA. À face desta norma, o prazo de caducidade direito à liquidação por dedução indevida de IVA será o prazo do exercício do direito a dedução, isto é, coincide com o prazo para exercício do direito à dedução. Por isso, quando for efetuada uma dedução indevida de IVA, a Administração Tributária só poderá exercer o direito de liquidação do IVA indevidamente deduzido, no prazo legal de exercício do direito à dedução.
Sobre o prazo de exercício do direito à dedução, estabelece o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA que «sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução (...) só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução».
Assim, não sendo neste caso aplicável qualquer norma especial, é de quatro anos o prazo para exercício do direito à dedução. ( )
«O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º» (artigo 22.º, n.º 1, do CIVA), pelo que o nascimento do direito à dedução que se refere naquele n.º 2 do artigo 98.º é necessariamente anterior ao momento em que o sujeito passivo está em condições de exercer esse direito, «mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período» (artigo 22.º, n.º 1, citado).
Por isso, para se iniciar a contagem do prazo de caducidade do direito à dedução não é necessário que ocorra o momento em que o sujeito passivo vem a estar em condições práticas de exercer o direito à dedução, iniciando-se o prazo desde o momento anterior em que o imposto dedutível se tornou exigível, normalmente no momento da emissão da fatura que serve de suporte ao direito à dedução (artigo 8.º do CIVA).
Reflexamente, por força do n.º 3 do artigo 45.º da LGT, que faz coincidir o prazo de exercício do direito à dedução e o prazo de caducidade do direito de liquidação com fundamento em dedução indevida, também este prazo de caducidade se contará a partir desse momento.
É certo que, antes do exercício do direito de dedução, a Administração Tributária não tem a possibilidade prática de controlar o seu exercício, mas é uma solução legislativa que não se pode considerar estranha no nosso direito tributário, pois é a adotada também nos outros principais impostos, designadamente no IRC e IRS, em que o prazo de caducidade do direito de liquidação se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º, n.º 4, da LGT), meses antes dos termos dos prazos para serem apresentadas as declarações de rendimentos (artigos 120.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC e 60.º do CIRS), que permitirão à Administração Tributária exercer os respetivos direitos de liquidação. Inclusivamente, nestes casos de IRC e IRS a antecipação do termo inicial do prazo de caducidade do direito de liquidação até será maior do que resulta do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, pois «a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas» (artigo 22.,º n.º 2, do CIVA).
Por outro lado, o regime de contagem do prazo a partir do nascimento do direito à dedução, tem como corolário que há um único prazo de caducidade do exercício do direito à dedução relativamente a cada IVA dedutível, independentemente dos posteriores atos em que se concretiza esse exercício, designadamente declarações periódicas iniciais ou de substituição ou reporte para períodos seguintes.
Reflexamente, em face da coincidência de prazos que resulta do artigo 45.º, n.º 3, da LGT, também haverá um único prazo de caducidade do direito de liquidação por dedução indevida, contado do momento em que o IVA respetivo se tornou exigível e não um novo prazo iniciado com cada ato em que se concretizou esse exercício indevido, designadamente os sucessivos atos de reporte para períodos seguintes, nos casos em que o imposto a deduzir supere o montante devido pelas operações tributáveis, que o n.º 4 do artigo 22.º do CIVA também considera exercício do direito de dedução (como se conclui aí se dizer que «o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes»).
Por isso que, não relevam para efeitos de determinar o prazo de caducidade do direito de liquidação os atos de exercício de direito à dedução: nem o ato que foi inicialmente praticado na declaração periódica, nem eventuais declarações de substituição, nem a dedução através de reporte do excesso para exercícios seguintes.
Assim, tendo as liquidações sido emitidas em 2020, tem de se concluir que foram emitidas para além do prazo de caducidade do direito de liquidação por dedução indevida o prazo que resulta dos artigos 45.º, n.º 3, da LGT e 98.º, n.º 2, do CIVA.
Nesta conformidade, considera este tribunal arbitral coletivo que as liquidações sindicadas estão enfermadas de ilegalidade por verificação da exceção perentória da caducidade do direito à liquidação por inaplicabilidade da extensão do prazo de caducidade prevista no n.º 5 do art.º 45º da LGT.
Nesse sentido, julgar-se-á procedente o PPA apresentado pela Requerente por verificação da exceção perentória da caducidade do direito à liquidação.
B.2. Questões de conhecimento prejudicado
Julgada procedente a exceção perentória da caducidade do direito à liquidação, fica prejudicado o conhecimento e a apreciação dos demais vícios imputados aos atos de liquidação de IVA e Juros Compensatórios respeitantes ao período de tributação 2012 e submetidos a julgamento.
B.3. Quanto aos juros indemnizatórios
Pretende a Requerente vir a ser ressarcida pelo pagamento de juros indemnizatórios pela prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal.
Ora, o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que dispõe: “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte: “1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.
Os juros indemnizatórios são devidos quando se determine, em impugnação judicial ou na acção arbitral, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de dívida tributária em montante superior ao devido.
Para que haja direito a juros indemnizatórios, é necessário, antes de mais, que se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a «falta do próprio serviço, globalmente considerado»[4].
A ratio subjacente a esta previsão consubstancia-se na imputabilidade do erro aos serviços, como reflexo da não atuação em conformidade com a lei, ao arrepio, desde logo, do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 266.º da CRP e, no mesmo sentido, no art.º 55.º da LGT[5].
A anulação de um ato de liquidação baseada na verificação da exceção perentória da caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele ato não ter sido efetuada dentro do prazo regra da caducidade do direito à liquidação, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do ato de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do art.º 43.º da LGT.
Tem, pois, direito a Requerente a ver a liquidação anulada, mas já não a ser indemnizada do pela prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal através de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
C. DECISÃO
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:
a) Anular as liquidações sindicadas por inaplicabilidade da extensão daquele prazo determinada pelo n.º 5 do art.º 45º da LGT, julgando-se procedente a invocada pela requerente exceção perentória da caducidade do direito à liquidação, em conformidade com o disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 89.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no art.º 29.º do RJAT;
b) Julgar improcedente o pedido acessório de pagamento de juros indemnizatórios em conformidade com o referido no ponto B.3. desta decisão;
c) Condenar a Requerida no pagamento da taxa de arbitragem, no montante abaixo fixado.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 3.608.729,67, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 45.900,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 10 de julho de 2022
O Árbitro - Presidente,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
O Árbitro-Vogal,
(Maria da Graça Martins)
O Árbitro-Vogal,
(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[4] Neste sentido veja-se Jorge Lopes de Sousa, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário», 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, Volume I, p. 539.
[5] Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.11.2009, proferido no processo n.º 0681/09.