Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 718/2021-T
Data da decisão: 2022-07-14  IMI  
Valor do pedido: € 187.637,07
Tema: IMI; terrenos para construção; determinação do VPT; revisão do acto tributário - artigos 38.º e 45.º do Código do IMI e artigo 78.º da LGT.
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Sumário:

I. A excepção ao princípio da impugnação unitária que permite a impugnação contenciosa, directa e autónoma, dos actos de fixação do VPT, consiste numa faculdade concedida aos sujeitos passivos que não preclude a sindicância das suas ilegalidades no âmbito do acto final do procedimento, isto é, no âmbito da impugnação do acto de liquidação subsequente;

II. O artigo 78.º, n.º 1, da LGT permite a revisão oficiosa do acto de liquidação de IMI no prazo de quatro anos com base em erro na fixação do VPT que seja imputável aos serviços;

III. O artigo 45.º do Código do IMI, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, não previa a aplicação na determinação do VPT dos terrenos para construção dos coeficientes de afectação, de localização e/ou de qualidade e conforto previstos no artigo 38.º do Código do IMI.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Ana Pinto Moraes e José Coutinho Pires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

1. A... S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...‐... Lisboa (“Requerente”), vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na sequência da formação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que apresentou, com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à anulação parcial dos actos de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2016..., n.º 2017..., n.º 2017..., n.º 2017..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2019..., n.º 2019... e n.º 2019..., referentes aos períodos de tributação de 2016, 2017, 2018 e 2019, no montante global de € 187.637,07.

 

            2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 8 de Novembro de 2021 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a)e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

            As partes foram notificadas dessa designação em 27 de Dezembro de 2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 14 de Janeiro de 2022.

 

            5. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:

Começou a Requerente por referir que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar a legalidade de um acto de indeferimento expresso de um pedido de revisão oficiosa que se tenha pronunciado sobre a legalidade do tributo que o consubstancia, como também tem competência para apreciar aquela legalidade nos casos em que os pedidos sejam tacitamente indeferidos conforme sucedeu no presente caso.

            Prosseguiu a Requerente por referir que a AT determinou o valor patrimonial tributário (“VPT”) dos terrenos para construção objecto do pedido arbitral com base em erro na interpretação dos pressupostos de facto e direito, o que terá implicado a emissão de liquidações de IMI parcialmente ilegais.

Segundo a Requerente, o Código do IMI prevê diferentes métodos de avaliação para as diferentes “espécies” de prédios urbanos, não devendo ser utilizados métodos que não estejam expressamente previstos para a espécie de prédio urbano em questão.

Quanto aos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços eram aplicáveis, de acordo com a Requerente, as regras de avaliação previstas no n.º 1, do artigo 38.º do Código do IMI, que estabelece uma fórmula de cálculo que tem em conta diferentes coeficientes, tais como o coeficiente de afectação, o coeficiente de localização, o coeficiente de qualidade e conforto e/ou o coeficiente de vetustez.

Já na avaliação dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção eram aplicáveis, no entender da Requerente, as regras de avaliação previstas no artigo 45.º do Código do IMI, que estabelecia no seu n.º 1 que o VPT corresponde ao “somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor dos terrenos adjacentes à implantação”, que estabelecia no n.º 2 que o “valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas” e que no n.º 3 determinava que na “fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm‐se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º”.

Significa isto, para a Requerente, que não resultava do regime vigente à data dos factos a aplicabilidade aos terrenos para construção dos coeficientes de afectação (artigo 41.º), de localização (artigo 42.º), de qualidade e conforto (artigo 43.º) e de vetustez (artigo 44.º) previstos no Código do IMI para a determinação do VPT dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços.

Aludindo à jurisprudência do STA e à jurisprudência arbitral (CAAD), referiu também a Requerente que a AT procedeu a uma dupla valoração da mesma realidade fáctica na determinação da base tributável, já que aplicou um coeficiente de localização no cálculo do VPT dos terrenos para construção quando o artigo 45.º do Código do IMI já impunha a consideração de certas características de localização, tais como a acessibilidade, a proximidade de equipamentos sociais, os serviços de transporte públicos ou a localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

Também com base na jurisprudência do STA, sublinhou a Requerente que a aplicação do artigo 38.º do Código do IMI e de todos os coeficientes nele previstos à determinação do VPT de terrenos para construção apenas podia ser concretizada através de uma aplicação analógica, que para além de ilegal, sempre teria de ser tida como inconstitucional por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º e no n.º 2, do artigo 103.º, ambos da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

            Neste termos, concluiu a Requerente que foi liquidado IMI num montante superior ao que seria legalmente devido, devendo a referida liquidação ser anulada e devolvida a quantia de € 187.637,07 correspondente ao montante de imposto liquidado em excesso, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos.

 

            6. A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta em 21 de Fevereiro de 2022, tendo concluído pela improcedência da presente acção e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido. A Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

            Começou a Requerida por registar que acolheu a jurisprudência dos tribunais superiores quanto à inaplicabilidade na determinação do VPT dos terrenos para construção dos coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI. Não obstante, segundo a Requerida, por força do artigo 168.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) apenas seria possível proceder à anulação dos actos de avaliação dos quais resultou a fixação do VPT que tivessem sido efectuados há menos de 5 anos.

            Com base nestas considerações, referiu a Requerida que por despacho da Sra. Subdirectora-geral dos Impostos para o património, de 14 de Dezembro de 2021, foram objecto de anulação administrativa parcial, nos termos dos artigos 165.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, do CPA, com fundamento em invalidade e efeitos retroactivos, as avaliações e as consequentes liquidações de IMI que por elas foram influenciadas, por referência aos anos de 2018 e 2019, dos terrenos para construção com os artigos matriciais ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... .

            Tendo em conta estas anulações administrativas, sustentou a Requerida que a pretensão da Requerente foi parcialmente satisfeita, verificando-se a inutilidade superveniente da lide a este respeito nos termos do disposto na alínea e), do artigo 277.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o que implica a consequente extinção da instância.

            Prosseguiu a Requerida ao referir que quanto às liquidações de IMI de 2016 e 2017 dos terrenos para construção objecto de anulação administrativa e quanto às liquidações de 2016 a 2019 dos prédios respeitantes aos artigos matriciais com os números ... e ..., não se verificava qualquer ilegalidade nem qualquer erro por parte dos serviços, pois a AT ter-se-ia limitado a cumprir a lei, isto é, a liquidar o IMI com base nos VPT’s válidos e consolidados na data de 31 de Dezembro do ano da liquidação.

            Entendeu também a Requerida que, ao terem sido efectuadas as avaliações em 2010 e 2014, o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente era intempestivo, dado que o prazo previsto para o efeito era o prazo mais reduzido de 3 anos para a revisão da matéria tributável, conforme previsto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

            Na perspectiva da AT, fundamentada com recurso à jurisprudência do STA e à jurisprudência arbitral (CAAD), o procedimento avaliativo constitui um acto autónomo e destacável para efeitos de impugnação arbitral, o que significa que se o mesmo não for impugnado no prazo fixado para o efeito, verifica-se a consequente consolidação na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. Portanto, segundo a Requerida, ao não ter a Requerente solicitado uma 2.ª avaliação, não podia por via do pedido arbitral impugnar os actos de liquidação de IMI com fundamento em erros ou vícios ocorridos naquelas avaliações. Nestes termos, concluiu a Requerida que já estava consolidado o acto de fixação do VPT e, consequentemente, não podiam os actos de liquidação contestados ser anulados com fundamento em erros na qualificação e quantificação daquele.

            Sublinhou também a Requerida que a anulação dos actos administrativos em matéria tributária está prevista no artigo 79.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), sendo subsidiariamente aplicável o regime previsto nos artigos 165.º a 174.º do CPA, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT. Do artigo 168.º do CPA decorre, segundo a Requerida, que apenas são passíveis de anulação os actos de fixação do VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenham decorrido cinco anos desde a respectiva emissão, o que não era o caso.

            Argumentou também a Requerida que o pedido formulado não estava fundamentado na lei, não sendo admissível ao Tribunal Arbitral julgar o processo de acordo com critérios da equidade, mas tão só com base no direito constituído. 

            Por fim, alegou a Requerida que estava vinculada ao princípio da legalidade previsto no artigo 266.º da CRP e concretizado no artigo 55.º da LGT e no artigo 3.º do CPA, razão pela qual não podia deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estavam em vigor no ordenamento jurídico, conforme se teria verificado no caso em apreço, não existindo qualquer erro imputável aos serviços que conferisse à Requerente o direito a juros indemnizatórios.

            Nestes termos, concluiu a Requerida que os actos impugnados não padeciam dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros, de tal forma que o pedido arbitral deveria ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a requerida de todos os pedidos na parte que não foi anulada e consequentemente abrangida pela inutilidade superveniente da lide.

 

            7. Apesar de a AT ter identificado na sua resposta que se defendia por impugnação e de não ter especificado e individualizado que se defendia por excepção, a verdade é que a argumentação que realizou incluiu ambos os “tipos” de defesa. Assim sendo, em 28 de Fevereiro de 2022 foi proferido despacho arbitral no qual se concedeu à Requerente a possibilidade de exercer o contraditório quanto às excepções invocadas pela Requerida na sua resposta. Em 11 de Março de 2022, a Requerente exerceu aquele direito tendo referido, em síntese, o seguinte:

            Começou a Requerente por registar que o objecto do pedido de pronúncia arbitral que apresentou não respeitava aos actos de fixação do VPT mas sim aos actos de liquidação de IMI referentes aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019. Quanto a estes, referiu a Requerente que a AT não anulou as erróneas colectas de IMI calculadas nas liquidações objecto do pedido arbitral, mas apenas as avaliações dos VPT’s de parte dos imóveis cujas colectas estão feridas de ilegalidade. Acresce que, segundo a Requerente, mesmo considerando as anulações administrativas dos VPT’s efectuadas pela Requerida, as mesmas não abrangeram a totalidade dos imóveis cuja colecta de IMI se encontra a ser contestada no âmbito do presente processo arbitral, nem os actos tributários de liquidação de IMI objecto de contestação.

            Nestes termos, concluiu a Requerente que a AT não anulou parcialmente as liquidações de IMI objecto do pedido de pronúncia arbitral, razão pela qual não se verifica a alegada inutilidade superveniente da lide.

            Quanto à invocada inimpugnabilidade dos actos de liquidação, sublinhou a Requerente que, pese embora seja a errónea fixação do VPT dos prédios que, enquanto base tributável para determinação da colecta de IMI, esteve na base da ilegalidade desta mesma colecta, nem por isso deixam de ser os actos de liquidação de IMI que constituem o objecto do pedido arbitral. Neste sentido, no entendimento da Requerente, não se pode confundir o meio de impugnação do acto de fixação do VPT – que corresponde ao meio de impugnação autónoma deste acto destacável per se – com o meio de impugnação do acto tributário de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade na determinação do valor patrimonial/base tributável do tributo, até porque os efeitos da impugnação de cada um dos actos são diversos.

            A este respeito argumentou ainda a Requerente que os actos tributários de liquidação de IMI ou Adicional ao IMI (“AIMI”) podem ser impugnados com fundamento em errónea fixação dos VPT’s, e que a susceptibilidade de impugnação autónoma dos actos instrumentais/destacáveis de fixação destes valores não obsta à possibilidade de impugnação do acto conclusivo do procedimento, isto é, do acto de liquidação. A impugnação autónoma dos actos de fixação do VPT consiste, no juízo da Requerente, numa excepção ao princípio da impugnação unitária que foi criada para assegurar o pleno cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efectiva e não para colocar em causa as garantias que lhe estão subjacentes. Prosseguiu a Requerente por afirmar que a legislação procedimental e processual tributária não determina expressamente que um acto de liquidação de um tributo nunca poderá ser contestado pelo contribuinte, quando o fundamento de ilegalidade daquele acto resulte de um vício de um determinado acto prévio/interlocutório que poderia ter sido, mas não foi efectivamente, objecto de impugnação autónoma. Só assim se compreende, para a Requerente, que a “errónea (…) quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais, e outros factos tributários” constitui, por força expressa da lei, fundamento de impugnação judicial de pedido arbitral nos termos do disposto na alínea a), do artigo 99.º do CPPT e da alínea c), do n.º 2, do artigo 10.º do RJAT.

            Por fim, alegou a Requerente que resulta da jurisprudência do STA e da jurisprudência arbitral que  a impugnação autónoma de um acto intermédio ou preparatório como a fixação do VPT não impede o contribuinte de contestar o acto de liquidação cuja ilegalidade assenta nesses actos lesivos, mesmo que estes não tenham sido objecto de impugnação autónoma pelo contribuinte.

            Em face do exposto, concluiu a Requerente que também não se verificava a excepção de inimpugnabilidade dos actos de liquidação objecto do pedido arbitral.

 

8. Por despacho proferido em 18 de Março de 2022, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT, tendo-se ainda concedido às partes a faculdade de, querendo, apresentarem alegações escritas, direito que estas não exerceram.

 

II. SANEAMENTO

 

            9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Tal como resulta do relatório, a Requerida apresentou parte da sua defesa por excepção, cujo conhecimento será feito logo após a fixação da matéria de facto, que é necessária a parte da sua apreciação.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

10. Analisada a prova produzida no âmbito do presente processo, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a)    A Requerente é uma sociedade que tem como objecto a promoção imobiliária, a compra e venda de bens imobiliários, bem como a exploração de hotéis com restaurante;

b)    A Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, que utiliza no desenvolvimento da sua actividade;

c)    Nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 a Requerente era proprietária dos prédios urbanos qualificados como terrenos para construção, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Castro Marim, distrito de Faro, sob os artigos matriciais ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... – cfr. documentos n.ºs 4 e 5 juntos pela Requerente aos autos com o pedido arbitral;

d)    Por referência ao ano de 2016, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação n.º 2016..., n.º 2016... e n.º 2016..., no montante total de € 94.718,20 – cfr. documento n.º 2 junto pela Requerente aos autos com o pedido arbitral;

e)    Por referência ao ano de 2017, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação n.º 2017..., n.º 2017... e n.º 2017..., no montante total de € 94.718,20 – cfr. documento n.º 2 junto pela Requerente aos autos com o pedido arbitral;

f)     Por referência ao ano de 2018, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação n.º 2018..., n.º 2018... e n.º2018..., no montante total de € 93.866,80 – cfr. documento n.º 2 junto pela Requerente aos autos com o pedido arbitral;

g)    Por referência ao ano de 2019, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação n.º 2019 ..., n.º 2019 ... e n.º 2019..., no montante total de € 104.211,85 – cfr. documento n.º 2 junto pela Requerente aos autos com o pedido arbitral;

h)    O VPT de cada um dos terrenos para construção identificados na alínea c) da presente matéria de facto foi apurado pela AT através da aplicação de uma fórmula de cálculo que teve em consideração coeficientes multiplicadores de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto – cfr. documento n.º 4 junto pela Requerente aos autos com o pedido arbitral;

i)     Em 18 de Junho de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa quanto aos actos de liquidação identificados nas alíneas d)e)f) e g) da presente matéria de facto – cfr. documentos n.ºs 1 e 3 juntos pela Requerente aos autos com o pedido arbitral;

j)     No pedido de revisão oficiosa – bem como no presente pedido arbitral – a Requerente invocou a existência de um erro nos pressupostos de facto e de direito no apuramento do VPT dos terrenos para construção identificados na alínea c) da matéria de facto, que alegadamente resultou no apuramento de uma colecta de IMI num montante superior ao que seria legal e efectivamente devido, tendo a suposta divergência sido discriminada nas seguintes tabelas resumo – cfr. documento n.º 5 junto pela Requerente aos autos com o pedido arbitral:

 

 

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k)    A AT não decidiu o pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 meses que dispunha para o efeito, tendo-se formado uma presunção de indeferimento tácito;

l)     Em 8 de Novembro de 2021 a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

III.1.2. Factos não provados 

 

11. Com relevo para a decisão da causa, os factos que se consideraram como não provados são os seguintes:

a)    Não existem elementos probatórios nos autos que evidenciem que a Requerente tenha procedido à impugnação autónoma dos actos de fixação do VPT de cada um dos terrenos para construção objecto do presente processo;

b)    Não existem elementos probatórios nos autos que certifiquem que a Requerente procedeu ao pagamento integral e efectivo dos montantes liquidados a título de IMI por referência aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019;

c)    Não existem elementos probatórios que certifiquem a anulação administrativa dos actos de liquidação de IMI referentes aos anos de 2018 e 2019 e aos terrenos para construção inscritos sob os artigos matriciais ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... .

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

12. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Por conseguinte, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Considerando as posições assumidas pelas partes nas respectivas peças processuais, o disposto no artigo 110.º, n.ºs 6 e 7, do CPPT que consagra o princípio da livre apreciação da falta de contestação especificada dos factos e que determina que a falta de contestação pela AT não representa a confissão dos factos articulados pela Requerente, bem como a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados. Não se consideraram provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes nas respectivas peças processuais e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

13. Quanto à concreta motivação subjacente à matéria de facto dada como não provada, cumpre efectuar algumas considerações adicionais.

O facto alegado pela Requerente de que procedeu ao pagamento integral e atempado dos actos de liquidação de IMI ora controvertidos não foi objecto de contestação especificada por parte da AT. Não obstante, e conforme se referiu, a ausência de contestação especificada dos factos não implica que os mesmos se devam ter como confessados ou admitidos por acordo, ficando antes sujeitos aos princípio da livre apreciação de prova. Dito isto, verifica-se que não foram juntos aos autos elementos probatórios que permitam aferir e comprovar que aquele pagamento foi efectivamente realizado, razão pela qual se deu o mesmo como não provado, o que terá efeitos na medida da procedência do pedido arbitral formulado pela Requerente conforme melhor desenvolvido infra.

Em idêntico sentido, também não é passível certificar e comprovar, com base nos elementos probatórios juntos aos autos, o facto alegado pela Requerida de que a Sra. Subdirectora-geral dos Impostos para o património anulou administrativamente, “com fundamento em invalidade e efeitos retroativos”, por um lado, as avaliações realizadas nos anos de 2018 e 2019 e, por outro lado, os actos de liquidação que tiveram por base os VPT resultantes dessas avaliações, relativamente aos terrenos para construção inscritos sob os artigos matriciais ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... .

Para suportar tal facto a Requerida juntou aos autos com a sua resposta o documento n.º 1 que consiste em despacho da Sra. Subdirectora-geral dos Impostos para o património, proferido em 14 de Dezembro de 2021, cujo teor da informação é o seguinte:

Proc. DSA 133/2021

INTRODUÇÃO:

1 - A requerente A... SA, com o NIF ..., apresentou, no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), um pedido de constituição de tribunal arbitral nos termos do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), ao qual corresponde o processo arbitral n.º 719/2021-T (ver no processo o anexo “PI (30)”).

2 - Este pedido tem por objeto o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado contra as liquidações do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) dos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020com referência aos prédios urbanos (terrenos para construção) identificados no ponto 6 da presente informação.

3 - A requerente alega, para o efeito, a ilegalidade das liquidações de AIMI em virtude de as mesmas terem por base o valor patrimonial tributário (VPT) determinado nas avaliações que consideraram os coeficientes de localização, de afetação e/ou de qualidade e conforto previstos no artigo 38.º do CIMI.

4 - A Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e do Contencioso, por e-mail dirigido à Senhora Subdiretora‑Geral da Área de Gestão Tributária – Património, solicitou a emissão de pronúncia relativa à manutenção, alteração ou revogação dos atos contestados (ver no processo o anexo “SICJUT-CAAD 719-201‑T”). 5 - A Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis (DSIMI), atendendo à matéria relatada no pedido de constituição de tribunal arbitral, solicitou a esta Direção de Serviços, pedido de parecer relativamente às avaliações dos terrenos para construção em causa, de que resultou a fixação dos valores patrimoniais tributários (VPT) que serviram de base às liquidações de AIMI em discussão no pedido (ver no processo o anexo “2021E...”).

ANÁLISE:

6 - Estão em causa, as avaliações aos prédios que seguidamente se identificam, todos da freguesia de ..., Concelho de Castro Marim, distrito de Faro e que constam das tabelas anexas ao pedido arbitral como documento 5 (anterior documento 3 do pedido de revisão oficiosa), cuja determinação do VPT serviu de base às liquidações de AIMI dos anos de 2017 a 2020. Os prédios encontram-se inscritos sob os artigos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... (ver no processo o documento 5 do anexo “Processo CAAD”).

7 - Por consulta às avaliações na respetiva aplicação do património, verifica-se que nas mesmas foram considerados os coeficientes de localização e de afetação.

8 - Ora, a aplicação destes coeficientes na avaliação de terrenos para construção, conforme alega a requerente, é incorreta e contrária à jurisprudência consolidada dos tribunais superiores que têm vindo a defender que na avaliação dos terrenos para construção, não podem ser considerados os coeficientes de localização e afetação, por se entender que o artigo 45.º do CIMI, na redação anterior a 01-01-2021, não permitia a aplicação desses coeficientes.

9 - Cumpre, então, verificar se as avaliações em causa são suscetíveis de anulação atenta a sua invalidade.

10 - Em conformidade com o disposto no artigo 79.º da Lei Geral Tributária (LGT), os atos de fixação de valores patrimoniais podem ser objeto de revogação, nos termos do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aplicável, subsidiariamente, por força da alínea c) do artigo 2.º da LGT.

A Administração Tributária, perante a ilegalidade do ato de fixação de valores patrimoniais, tem a faculdade de anular esse ato ilegal nos termos do n.º 1 do art.º 168.º do CPA. O prazo para proceder à anulação administrativa é de 6 meses a contar do conhecimento da causa de invalidade pelo órgão competente, e desde que não tenham decorrido 5 anos após a data em que foi proferido o despacho de fixação do valor patrimonial tributário.

11 - Seguidamente, na lista infra, identificam-se os prédios urbanos (terrenos para construção) e correspondentes avaliações com impacto nas liquidações de AIMI dos anos de 2017 a 2020 tendo em consideração o seguinte:

- Na coluna “Avaliação 2014” estão identificadas as datas das avaliações realizadas em 2014, constando também dessa coluna, dois prédios cujas avaliações foram realizadas em 2010.

- Na coluna “Avaliação 2018” estão identificadas as datas das avaliações realizadas em 2018 que sucederam às avaliações realizadas em 2014, à exceção dos dois prédios inscritos sob o art.º ... e ... que apenas foram sujeitos a avaliação em 2010.

- Na coluna “Avaliação 2019” estão identificadas as datas das avaliações realizadas em 2019 e que sucederam a algumas das avaliações realizadas em 2018.

LISTA

Freguesia

Prédio

Avaliação 2014

Avaliação 2018

Avaliação 2019

...

...

06-03-2014

08-10-2018

 

...

...

06-03-2014

08-10-2018

 

...

...

06-03-2014

08-10-2018

 

...

...

06-03-2014

08-10-2018

06-03-2019

...

...

06-03-2014

10-10-2018

06-03-2019

...

...

06-03-2014

08-10-2018

 

...

...

07-03-2014

08-10-2018

 

...

...

06-03-2014

08-10-2018

 

...

...

06-03-2014

08-10-2018

 

...

...

06-03-2014

08-10-2018

 

...

...

06-03-2014

08-10-2018

 

...

...

06-03-2014

08-10-2018

 

...

...

06-03-2014

08-10-2018

 

...

...

06-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

...

06-03-2014

09-10-2018

 

...

...

06-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

...

06-03-2014

09-10-2018

 

...

...

06-03-2014

09-10-2018

 

...

...

06-03-2014

09-10-2018

 

...

...

06-03-2014

20-11-2018

 

...

...

06-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

...

07-03-2014

09-10-2018

 

...

...

07-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

...

07-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

...

07-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

...

07-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

...

19-04-2010

(avaliação + 5 anos)

 

...

...

07-03-2014

09-10-2018

 

...

...

19-04-2010

(avaliação + 5 anos)

 

...

...

07-03-2014

08-10-2018

 

12 - Atendendo à Lista supra que reflete as datas das avaliações efetuadas aqueles prédios (terrenos para construção) verificam-se três situações distintas:

a) A primeira situação refere-se às avaliações que foram efetuadas e notificadas há mais de 5 anos sem avaliações posteriores e que estão identificadas na tabela com a seguinte indicação “avaliação + 5 anos”.

Nestas situações verifica-se que já decorreram mais de 5 anos desde a data das avaliações efetuadas aos prédios em questão e respetivas notificações aos sujeitos passivos e não ocorreram avaliações posteriores desses prédios.

b) A segunda situação está relacionada com as avaliações também realizadas há mais de 5 anos (2014), mas com avaliações posteriores realizadas há menos de 5 anos (2018 e 2019), sendo de distinguir as seguintes situações:

As avaliações que foram realizadas há menos de 5 anos, como sejam as avaliações realizadas em 2018.

As avaliações que foram realizadas em 2019.

Estão nesta situação as avaliações dos prédios inscritos sob os artigos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... da freguesia de ..., concelho de Castro Marim.

Embora tal situação pareça possibilitar uma eventual anulação das avaliações do ano de 2018, tal ato não parece viável, porque a estas avaliações sucederam outras a pedido do contribuinte, nos termos do art.º 130.º, n.º 3 do CIMI, realizadas em 2019. Quer isto dizer, que as avaliações de 2018 que determinaram o VPT daqueles prédios já não vigoram na ordem jurídica porque lhes sucederam novas avaliações em 2019, sendo estas que vigoram atualmente. Ou seja, a partir do momento em que o VPT determinado na nova avaliação foi inscrito na matriz, passou a produzir os respetivos efeitos matriciais, sucedendo, naturalmente, à avaliação anterior que deixou de vigorar na ordem jurídica e como tal de produzir efeitos, o que torna impossível proceder à anulação administrativa das avaliações de 2018, mas possibilita anulação das avaliações efetuadas aqueles prédios em 2019.

c) A terceira situação está relacionada com as avaliações realizadas em 2018, sem avaliações posteriores e que se encontram dentro do prazo dos 5 anos previsto no artigo 168.º do CPA, o que possibilita a sua anulação. Referimo‑nos às avaliações realizadas em 2018 aos prédios inscritos sob os artigos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... da freguesia de ..., concelho de Castro Marim.

13 – Assim, perante o descrito nas alíneas b) a c) do número anterior diremos, em síntese, que para as avaliações realizadas em 2018 e ainda as que foram igualmente realizadas no mesmo ano e que subsequentemente tem uma avaliação realizada em 2019 (neste caso apenas relevam as avaliações realizadas em 2019), ainda não se encontra decorrido o prazo de cinco anos previsto no art.º 168.º do CPA, o que possibilita a sua anulação administrativa. Quanto ao descrito na alínea a) referente às avaliações realizadas há mais de 5 anos aos prédios inscritos sob os artigos ... e ..., vão ser objeto de análise em processo distinto tendo em vista a emissão do parecer solicitado pela DSIMI, conforme consta do ponto 5 da presente informação.

14 – Em síntese, as avaliações dos 28 prédios que podem ser objeto de anulação administrativa, são as seguintes: (ver no processo o anexo “Fichas-avaliação”)

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 08-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 08-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 08-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º...da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 06-03-2019 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 06-03-2019 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... (ver no processo o documento anexo “FA11008706”).

- Art.º ... da freguesia de... (...) - Avaliação realizada em 08-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 08-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 08-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 08-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 08-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 08-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 08-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 08-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 06-03-2019 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 09-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 06-03-2019 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 09-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 09-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 09-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 20-11-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 06-03-2019 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 09-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 06-03-2019 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 06-03-2019 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... .

- Art.º... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 06-03-2019 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 06-03-2019 a que corresponde a ficha de avaliação n.º... .

- Art.º... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 09-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... .

- Art.º ... da freguesia de ... (...) - Avaliação realizada em 08-10-2018 a que corresponde a ficha de avaliação n.º ... .

Assim, verificando-se que nestas avaliações foram aplicados os coeficientes de localização e de afetação deve proceder-se à anulação administrativa das mesmas, com fundamento em invalidade, pois como atrás referido (ponto 10), a Administração Tributária, perante a ilegalidade do ato de fixação de valores patrimoniais, tem a faculdade de anular esse ato ilegal nos termos do n.º 1 do art.º 168.º do CPA, estando dentro do prazo para proceder à anulação administrativa que é de 6 meses a contar do conhecimento da causa de invalidade pelo órgão competente, e porque não decorreram, ainda, 5 anos após a data em que foi proferido o despacho de fixação do VPT desses terrenos.

CONCLUSÃO/PROPOSTA

Em face do exposto, propõe-se:

A anulação administrativa, com efeitos retroativos, das avaliações realizadas aos prédios urbanos – terrenos para construção, identificadas no ponto 14 da presente informação, com fundamento em invalidade, nos termos do art.º 163.º, n.º 4, art.º 165.º, n.º 2, art.º 168.º, n.ºs 1 e 5 e art.º 171.º, n.º 3 do CPA e a realização de novas avaliações que não considerem os coeficientes de localização e afetação.” (negrito nosso)

            Conforme resulta da leitura do despacho junto pela Requerida aos autos, verifica-se que o mesmo tem por objecto o processo que corre termos no CAAD sob o n.º 719/2021-T, em que também é parte a ora Requerente e no qual se discute a legalidade dos actos de liquidação do AIMI referentes aos anos de 2017 a 2020. Ainda que aquele processo possa versar sobre liquidações emitidas quanto aos mesmos prédios urbanos, a verdade é que o mesmo não se confunde com o presente processo que corre termos sob o n.º 718/2021-T e que tem subjacente a sindicância da legalidade dos actos de liquidação de IMI referentes aos anos de 2016 a 2020. É certo que o AIMI, enquanto adicional de imposto, é calculado com base nas avaliações dos prédios que fixam o VPT para efeitos de apuramento e liquidação do IMI, contudo, os actos de fixação do VPT, os actos de liquidação de IMI e os actos de liquidação de AIMI são todos eles actos tributários distintos e autónomos para efeitos de impugnação contenciosa. Quer isto dizer que a eventual anulação das avaliações que determinaram o VPT dos prédios urbanos objecto do despacho da Sra. Subdirectora-geral dos Impostos para o património – despacho esse que foi proferido, recorde-se, no âmbito de outro processo arbitral –, não significa, por si só, que os actos de liquidação de IMI e de AIMI também tenham sido objecto de anulação administrativa. De resto, não existem nos presentes autos elementos probatórios de que a Requerida notificou, ao abrigo do artigo 13.º do RJAT, a anulação parcial dos actos de liquidação de IMI referentes aos anos de 2018 e 2019, relativos aos 28 terrenos para construção acima melhor identificados, o que terá efeitos na delimitação do objecto do processo e na medida da procedência do pedido arbitral formulado pela Requerente conforme melhor se verá adiante.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

III.2.1. Questões prévias

 

            14.  Antes de se analisar o mérito do pedido formulado pela Requerente cumpre apreciar a título prévio a matéria de excepção invocada pela Requerida na sua resposta, designadamente a inutilidade superveniente da lide, a consolidação do acto tributário que determinou o VPT, a inimpugnabilidade dos actos de liquidação com fundamento em vícios próprios do acto de fixação do VPT e a intempestividade do pedido de revisão oficiosa.

 

15. A Requerida invocou na sua resposta que a manutenção da pronúncia arbitral deixou de ter utilidade ou interesse na parte dos actos de liquidação que foram objecto de anulação administrativa. Isto na medida em que a Requerente teria obtido, ainda que por outra via, o resultado pretendido com a acção, de tal modo que se verificaria a inutilidade superveniente da lide naquela concreta parte, com a consequente extinção da instância nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea c), do CPC aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Ora, na pendência do procedimento arbitral assiste à AT a faculdade de revogar, parcial ou totalmente, os actos tributários impugnados pelos contribuintes. Caso exerça essa faculdade, impõe-se à AT, nos termos do artigo 13.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, a notificação do presidente CAAD de tal circunstância e, bem assim, a notificação da Requerente para se pronunciar sobre o interesse na manutenção do processo.

Este regime visa assegurar, por um lado, o conhecimento do Tribunal Arbitral sobre um facto que pode ser impeditivo do prosseguimento da instância, que se extinguirá total ou parcialmente e, por outro lado, a tutela da pretensão da Requerente que poderá não ter sido totalmente satisfeita com a anulação/revogação do acto praticada pela AT. Recorde-se que do artigo 77.º, n.º 6, da LGT resulta que a anulação administrativa do acto apenas será eficaz mediante notificação ao sujeito passivo, determinando o artigo 36.º, n.º 1, do CPPT que aquele acto, ao afectar direitos e interesses legítimos deste, só produz efeitos se lhe for validamente notificado.

Ora, tal como resulta da matéria de facto fixada e da respectiva motivação, não resultou provado nos presentes autos a anulação dos actos de liquidação de IMI tal como invocado pela Requerida. Por conseguinte, não se poderá considerar que parte do pedido formulado pela Requerente já foi satisfeito pela via administrativa, razão pela qual não se considera procedente a inutilidade superveniente da lide invocada pela Requerida.

 

            16. Na sua resposta invocou também a Requerida a consolidação do acto tributário que determinou o VPT e a inimpugnabilidade dos actos de liquidação com fundamento em vícios próprios do acto de fixação do VPT. Tendo em conta que estas são excepções que estão intrinsecamente ligadas, a sua apreciação será feita de forma conjunta, à semelhança do que fez a Requerente no requerimento que apresentou e no qual exerceu o direito de contraditório.

            Quanto a estas excepções, cabe desde logo aferir se o princípio da impugnação unitária, consagrado no artigo 54.º do CPPT, obsta ou não a que sejam discutidas ilegalidades inerentes à determinação do VPT no âmbito da impugnação da legalidade dos actos de liquidação de IMI que lhe são subsequentes.

            Do referido princípio decorre que, em regra, os vícios dos actos interlocutórios do procedimento apenas são invocáveis no âmbito da impugnação do acto de liquidação final. Só assim não será nos casos em que os actos interlocutórios produzam um efeito externo imediatamente lesivo na esfera jurídica dos contribuintes, caso em que poderão ser objecto de impugnação contenciosa directa e autónoma.

Um exemplo deste tipo de situações em que os actos interlocutórios representam desde logo um potencial efeito lesivo externo na esfera dos contribuintes é precisamente o acto de fixação do VPT, que ao estabelecer a base de incidência para efeitos de tributação em sede de IMI, implica igualmente consequências no âmbito da liquidação de outros tributos, tais como o AIMI, o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, o Imposto do Selo ou outros tributos nos quais o VPT pode ser juridicamente relevante, tais como o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ou o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.

De resto, a susceptibilidade de impugnação contenciosa directa e autónoma dos actos de fixação do VPT resulta da própria lei, designadamente do disposto no artigo 86.º da LGT e no artigo 134.º do CPPT. Isto ainda que se preveja igualmente que tal possibilidade está dependente do esgotamento dos meios graciosos previstos no respectivo procedimento de avaliação, designadamente do recurso ao mecanismo da segunda avaliação previsto no artigo 76.º do Código do IMI cujo resultado é, nos termos do artigo 77.º daquele mesmo código e do artigo 97.º, n.º 1, alínea f), do CPPT, objecto de impugnação judicial.

            Neste sentido pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS, em 31 de Outubro de 2019, no qual se referiu o seguinte:

“[a] fixação do VPT constitui, como se disse, um acto administrativo em matéria tributária, destacável e, por isso, passível de impugnação autónoma. A impugnação autónoma dos actos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projectam no acto final do procedimento ou em actos externos a este.

A impugnabilidade autónoma constitui um desvio ao princípio da impugnação unitária (cfr. artigo 54.º do CPPT), que postula que em princípio só é possível impugnar o acto final do procedimento tributário, por só este apresentar efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte. Este artigo prevê a possibilidade de impugnabilidade autónoma dos actos imediatamente lesivos e a possibilidade de, na impugnação do acto final de liquidação, serem invocados todos os vícios de que padeçam os actos prévios a essa liquidação (actos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos dessa decisão final).

Como assim, sendo a fixação do VPT um acto destacável, ele goza de possibilidade de impugnação autónoma, independentemente da existência ou não de liquidação (…)”.

Sem prejuízo do que se referiu, a verdade é que esta excepção ao princípio da impugnação unitária não preclude a possibilidade de impugnação dos vícios dos actos de fixação do VPT (acto interlocutório) no âmbito do acto de liquidação subsequente (acto final do procedimento), tal como ressalva o próprio artigo 54.º do CPPT.

            De facto, o que resulta da lei é que os sujeitos passivos podem impugnar os actos de fixação do VPT e não que têm de impugnar esses actos interlocutórios de forma a assegurar a impugnabilidade dos vícios neles constantes no âmbito da impugnação dos actos de liquidação subsequentes. Dito de outro modo, a excepção que a lei consagra ao princípio da impugnação unitária mais não é do que a atribuição aos sujeitos passivos e demais interessados de uma garantia adicional de tutela das respectivas posições jurídicas, possibilitando uma sindicância antecipada de ilegalidades que se poderão repercutir em actos (lesivos) posteriores. O mesmo é dizer que a referida excepção não materializa um ónus de impugnação do acto de fixação do VPT enquanto condição sine qua non à posterior impugnação do acto de liquidação que lhe é subsequente.

            Mas ainda que se considerasse que dos artigos 86.º, n.º 2, da LGT e 134.º, n.º 7, do CPPT decorre a consagração de um regime de tutela administrativa prévia, sempre haveria que se considerar que esse ónus apenas se impõe na estrita óptica do acto interlocutório impugnado, porquanto é por referência a este que se consagra aquele regime. Significa isto que a obrigatoriedade de utilização prévia dos meios de tutela administrativos cinge-se à contestação directa e autónoma do acto de fixação do VPT e já não ao acto de liquidação que lhe é subsequente e relativamente ao qual não resulta da lei qualquer limitação quanto à sua impugnação contenciosa.

            A este respeito convém recordar que do artigo 185.º do CPA aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT resulta que as limitações aos princípios da impugnação unitária e da tutela jurisdicional efectiva, no que à imposição de impugnações administrativas necessárias diz respeito, apenas é admitida nos casos expressamente qualificados como tal por lei, como sucede a título de exemplo nos casos de reclamação graciosa necessária previstos nos artigos 131.º a 133.º-A do CPPT. Isto sem contar que a regra no contencioso administrativo e, por aplicação subsidiária, no contencioso tributário, por força do disposto no artigo 51.º, n.º 3, do CPA aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT, é a de que a impugnação de actos interlocutórios tem um carácter facultativo, não ficando precludida a impugnação do acto final do procedimento com base em vícios do acto intermédio.

            Conclusão esta que é certificada pela previsão do princípio da impugnação unitária no artigo 54.º da LGT, onde se refere de forma expressa e inteligível que em certos casos os actos interlocutórios do procedimento são susceptíveis de impugnação contenciosa “sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.

            Entendimento diverso resultaria numa clara diminuição das garantias dos contribuintes, já que a pretexto do reforço da tutela jurisdicional efectiva concretizado pela sindicância antecipada de ilegalidades do procedimento, aqueles acabariam por ver limitada a possibilidade de impugnação do acto final do procedimento. De facto, se a “discussão antecipada da legalidade” do acto interlocutório de fixação do VPT não for entendida como uma faculdade mas antes como um efectivo ónus de impugnação, ao qual está associado um efeito preclusivo da sindicância futura dessas ilegalidades, o legislador não estaria a excepcionar a ratio subjacente à previsão do princípio da impugnação unitária de forma a assegurar e incrementar a tutela jurisdicional efectiva, bem pelo contrário.

É que convém não esquecer que o prazo de impugnação do acto de fixação do VPT é substancialmente inferior ao prazo para impugnar o acto final de liquidação. E se o objectivo do legislador era encurtar aquele prazo de forma a consolidar na ordem jurídica o acto de fixação do VPT, tornando-o inimpugnável, por via da formação de caso decidido, seria incoerente a previsão no artigo 115.º, do Código do IMI da possibilidade de requerer a revisão oficiosa do acto de liquidação com base em “erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido”, onde se inclui, como se verá, o erro na fixação da base tributável, isto é, na fixação do VPT.

De forma algo similar ao que se deixou exposto, considerou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 760/2020-T, em 22 de Julho de 2021, o seguinte:

A nosso ver, a questão não é a de saber se a lei configura a fixação do VPT como um ato destacável, prevendo a sua impugnação judicial autónoma – o que é um facto –, mas sim saber se existem razões que obstem a que tal ato, quando surja como instrumental relativamente a um ato de liquidação, possa, também, ser objeto de apreciação em processo dirigido à impugnação desta. Há, pois, que ponderar sobre a ratio das normas que preveem a impugnabilidade judicial autónoma de atos administrativos que constituem pressuposto de outros atos administrativos.

Estas razões serão, essencialmente, três:

(i) O ato ser imediatamente lesivo, produzir diretamente efeitos negativos na esfera do particular, o que não é o caso, pois a ablação do património pela via do imposto só acontece após a prática de um ato de liquidação.

(ii) A sindicância judicial imediata oferecer maiores garantias ao particular: é o caso, desde logo porquanto o decidido em tal recurso produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todas as liquidações que tiverem por base o VPT impugnado.

Está, pois, presente uma intencionalidade garantística (consagração de meio de garantia mais abrangente) e não um intuito de restrição dos normais meios de garantia, como resultaria do acolhimento do pensamento sufragado pela Requerida)

(iii) Previsão legal de um “filtro” pré-judicial que possa contribuir para reduzir o número de casos que os tribunais sejam chamados a apreciar, quando a decisão dependa essencialmente de conhecimentos técnicos próprios de outras áreas do saber, que não a jurídica (o “filtro” aqui existe - a segunda avaliação dos prédios urbanos).

Porém, atenta a razão de ser destes sistemas, há que entender que a previsão da impugnabilidade direta e imediata, em processo a tal diretamente dirigido, do «resultado das segundas avaliações», como diz a lei, só se mostra «indispensável» quando esteja em causa o resultado da aplicação da lei (das normas que regulam o procedimento de avaliação) num caso concreto, pois é em tal aplicação que poderão estar envolvidos conhecimentos técnicos, não jurídicos, e não, como acontece no presente caso, quando esteja em causa a determinação da lei aplicável à avaliação. Esta é uma questão exclusivamente jurídica, para a qual, por definição, um tribunal é mais qualificado para a precisar que uma comissão de peritos avaliadores.”.

            Aqui chegados, conclui-se que assistia à Requerente a faculdade de impugnar directa e autonomamente os diversos actos de avaliação que fixaram o VPT dos terrenos para construção objecto dos presentes autos, como também lhe assistia a faculdade de impugnar os actos de liquidação de IMI emitidos com base nos VPT’s anteriormente fixados, aí arguindo os vícios próprios destes últimos actos que inquinaram o acto final de liquidação que neles se baseou. 

            Nestes termos, julgam-se improcedentes as excepções dilatórias invocadas pela Requerida na sua resposta a este respeito, consideram-se admissível a impugnação dos actos de liquidação de IMI com base em vícios próprios dos actos de determinação do VPT.

 

            15. Ainda a título de excepção, invocou também a Requerida que se verificava a intempestividade do pedido de revisão oficiosa, que apenas podia ter sido impulsionado pela Requerente nos três anos posteriores ao do acto tributário, em conformidade com o disposto no n.º 4, do artigo 78.º da LGT. Assim sendo, cumpre então apreciar se a Requerente podia ou não ter impulsionado a revisão dos actos de liquidação de IMI ora contestados com fundamento em erro imputável aos serviços nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT.

            Enquanto ponto de partida, cumpre desde logo referir que a possibilidade de impulsionar a revisão oficiosa de actos de liquidação de IMI se encontra prevista no artigo 115.º do Código do IMI, que para além de remeter genericamente para o artigo 78.º da LGT, determina expressamente na alínea c), do n.º 1, que a revisão pode ter fundamento em “erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido”.

            Ora, na medida em que se concluiu anteriormente pela possibilidade de sindicar vícios na fixação do VPT no âmbito da impugnação do acto de liquidação subsequente, independentemente de ter sido autonomamente impugnado aquele acto interlocutório, verifica‑se que a Requerente podia, em abstracto, impulsionar a revisão dos actos de liquidação de IMI, com fundamento em erro imputável aos serviços, no prazo de 4 anos, nos termos previstos no artigo 78.º, n.º 1, da LGT. Registe-se a este respeito que os erros alegados pela Requerente e que se traduzem na aplicação de coeficientes multiplicadores de afectação, de localização e/ou de qualidade e conforto nas avaliações do VPT dos terrenos para construção, são erros que a serem julgados procedentes são unicamente imputáveis aos serviços, porquanto foi a AT que procedeu ao apuramento do VPT de cada um daqueles prédios urbanos, conforme resulta da matéria de facto dada como provado nos presentes autos.

A este respeito, vejam-se as considerações do Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS, em 31 de Outubro de 2019, no qual se considerou em sentido similar o seguinte:

“(…) ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.

É o que sucede com o artigo 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, mecanismo que se encontra presente na legislação tributária de outros países, como sucede em Espanha com o artigo 219.º da Ley General Tributária.

O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo‑lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei.

Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo (2). O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.

Ora, ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.

O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.”. (destaque nosso)

            Em face do exposto, e na medida em que o prazo para a revisão dos actos de liquidação de IMI deve ser contado nos termos conjugados do artigo 78.º, n.º 1, da LGT e 129.º, n.º 2, do Código do IMI, verifica-se que ainda não tinha decorrido o prazo de 4 anos para a Requerente impulsionar a revisão dos actos de liquidação objecto do pedido de revisão oficiosa. Consequentemente, verifica-se que o pedido de pronúncia arbitral também foi apresentado dentro do prazo previsto para o efeito, sendo assim improcedente a excepção dilatória invocada pela Requerida a este respeito.

 

III.2.3. Aplicação do artigo 38.º do Código do IMI aos terrenos para construção 

 

            15. Aqui chegados, cumpre finalmente aferir a legalidade dos actos de liquidação de IMI contestados pela Requerente, tendo para o efeito em conta que o VPT dos respectivos terrenos para construção foi determinado pela AT através da aplicação de coeficientes de afectação, de localização e/ou de qualidade e conforto.

            À data dos factos, previa-se no artigo 38.º, n.º 1, do Código do IMI que “[a] determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão: Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv, em que: Vt = valor patrimonial tributário; Vc = valor base dos prédios edificados; A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação; Ca = coeficiente de afectação; Cl = coeficiente de localização; Cq = coeficiente de qualidade e conforto; Cv = coeficiente de vetustez”. Pelo contrário, quanto aos prédios urbanos qualificados como terrenos para construção, determinava-se no artigo 45.º, n.º 1, do Código do IMI que “O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação”. 

            Do regime jurídico previsto para cada um dos referidos “tipos” de prédios urbanos resultava que só o VPT dos prédios para habitação, comércio, indústria e serviços é que era determinado através de uma fórmula que previa a aplicação de coeficientes de afectação, de localização, de qualidade e conforto e/ou de vetustez. Quer isto dizer que, à data dos factos, não se previa a aplicabilidade daqueles coeficientes para os terrenos para construção. Conclusão esta que é certificada pelo facto de a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, ter alterado a redacção do artigo 45.º do Código do IMI de forma a prever expressamente a aplicação de alguns daqueles coeficientes no apuramento do VPT dos terrenos para construção.

            De resto, é pacífico na jurisprudência que este era o regime vigente à data, tendo o STA uniformizado jurisprudência através do acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0183/13, em 21 de Setembro de 2016, no qual se decidiu que:

(…) na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados”.

            O entendimento expresso neste acórdão, que versou sobre a aplicabilidade do coeficiente de qualidade e conforto, foi posteriormente confirmado por diversos acórdãos daquele Tribunal que versaram sobre os demais coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, de que é exemplo o acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0170/16.6BELRS, em 23 de Outubro de 2019.

            Por fim, regista-se que esta inaplicabilidade é defendida pela AT no artigo 4.º da sua resposta, onde refere que “Importa desde já clarificar que a Autoridade Tributária acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, pelo que não devem ser considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto”.

Em face do exposto, julga-se verificada a ilegalidade invocada pela Requerente, impondo-se a anulação parcial dos actos de liquidação de IMI contestados nos presentes autos.

 

III.2.5. Questões de conhecimento prejudicado

            

            17. Na medida em que já se consideraram ilegais os actos de liquidação de IMI ora contestados, fica prejudicado o conhecimento do vício de inconstitucionalidade invocado pela Requerente, na medida em a sua apreciação se afigura nesta fase a prática de um acto inútil no processo, proibida nos termos conjugados dos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

III.2.6. Extensão anulatória e direito a juros indemnizatórios

 

            18. A Requerente terminou o seu pedido de pronúncia arbitral peticionando que “[s]ejam parcialmente anulados os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de IMI supra identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito” e que “[s]eja a AT condenada a reembolsar a Requerente do valor do imposto pago em excesso, no montante global de € 187.637,07, relativamente às liquidações sub judice, e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido”.

            A este respeito cabe precisar que o Tribunal Arbitral não poderá determinar o reembolso do “valor do imposto pago em excesso” na medida em que não foi feita prova nos presentes autos de que a Requerente procedeu ao pagamento integral e efectivo dos montantes de IMI liquidados e aqui contestados. Em todo o caso, e na medida em que foi julgada procedente a ilegalidade invocada pela Requerente, ficando a AT vinculada à restituição da situação que existiria se não tivessem sido praticados os actos de liquidação ilegais, poderá a Requerente sindicar a determinação do montante de reembolso de IMI a que alega ter direito em sede de execução de julgados, aí fazendo a prova que seja eventualmente necessária do pagamento dos montantes de IMI liquidados nos actos tributários impugnados no presente processo.

            Por conseguinte, ao estar o pagamento de juros indemnizatórios dependente do pagamento indevido do imposto nos termos do artigo 43.º da LGT, verifica-se que a sua atribuição à Requerente também só pode proceder após a prova do pagamento do imposto que se julgou ilegal nos presentes autos. Por esta razão, também o direito e o concreto montante de juros indemnizatórios devido deve ser eventualmente fixado e liquidado em sede de execução de julgados. Em todo o caso, e na medida em que a Requerente venha a fazer prova do pagamento do IMI que se considerou não ser devido, a verdade é que não lhe assistirá direito a juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT mas tão só nos termos da alínea c), do n.º 3, daquele mesmo artigo. Quer isto dizer que apenas serão eventualmente devidos juros indemnizatórios a partir do ano posterior àquele em que a Requerente impulsionou a revisão oficiosa, isto é, apenas serão eventualmente devidos juros a partir de 18 de Junho de 2022.

            Em idêntico sentido, caso a Requerida prove que já procedeu à anulação de parte dos actos de liquidação de IMI contestados e, eventualmente, ao seu reembolso caso o montante neles expresso tenha sido efectivamente pago pela Requerente, os efeitos da presente decisão deverão ser limitados nessa concreta medida, a determinar em sede de execução de julgados, porquanto não serão passíveis de anulação actos tributários que já não vigorem na ordem jurídica, facto que não resultou provado nos presentes autos.

            

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência:

a)    Anular parcialmente os actos de liquidação de IMI objecto de impugnação nos termos acima evidenciados;

b)    Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

            

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 187.637,07.

 

VI. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.672,00, a cargo da Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de Julho de 2022.

 

Os Árbitros,

Carla Castelo Trindade

(relatora)

Ana Pinto Moraes

José Coutinho Pires