Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 690/2021-T
Data da decisão: 2022-06-22  IRC  
Valor do pedido: € 12.341,89
Tema: Dedução de gastos em IRC; Presunção de veracidade da declaração do contribuinte; Requisitos formais das faturas; Insuficiência de fundamentação.
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SUMÁRIO: 

 

1-Dos elementos constantes do relatório inspetivo resulta que a AT  não apresentou indícios fundados de que as faturas contabilizadas como gastos pelo sujeito e desconsiderados pela Requerida  não correspondessem a transações económicas reais, pelo que não foi afastada a presunção de veracidade da declaração e da escrita do contribuinte constante do artigo 75º da Lei Geral Tributária, não encontrando  a liquidação fundamento válido na falta de comprovação da efetividade das operações à luz do artigo 23º, nº 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

2- A AT, apesar de alegar incumprimento dos nº 3 e 4, do artigo 23º, do CIRC, não especifica em que medida se teria verificado o não cumprimento das exigências em causa, tendo em conta que não indica, em concreto, qual a omissão ou insuficiência imputada a cada uma das faturas, pelo que  a  desconsideração dos gastos em causa, por aplicação do artigo 23º-A, nº 1, al. c) do CIRC é ilegal por vício de insuficiência de fundamentação, equivalente a falta de fundamentação, nos termos do artigo 77º, nº 1, da Lei Geral Tributária e do artigo 153º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo.

3- Acresce que a liquidação, ao sustentar-se na pretensa violação dos nº 3 e 4, do artigo 23º, do CIRC, tendo a AT todos os elementos ao seu dispor para controlar a materialidade das operações, que foram identificadas  com elementos suficientes e idóneos a afastar risco de evasão fiscal inerente a hipotética insuficiência de documentação, enferma ainda do vício de violação de lei, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da tributação pelo lucro real das empresas e da capacidade contributiva.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1. No dia 23.10.2021 a Requerente, A... Unipessoal Lda, contribuinte fiscal número..., com sede em  rua ..., n.º ...–..., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  da liquidação  de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e respetivos juros compensatórios  com o n.º 2021..., no montante  total de 12.341,89 €.

 

A Requerente peticiona, ainda, “o estorno ao REQUERENTE do valores indevidamente pagos e ainda o pagamento pela REQUERIDA àquele de juros indemnizatórios desde a data desse mesmo pagamento indevido, por existência de erro imputável aos serviços da AT, ora REQUERIDA.”

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 3.01.2022.

 

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:

 

A Requerente é uma sociedade que se dedica a trabalhos de carpintaria, serralharia, marcenaria e igualmente à prestação de serviços, como sejam de montagem e desmontagem de stands, instalação de decorações exteriores de Natal, etc..

 

Na prossecução da atividade de carpintaria e igualmente para apoio à atividade de montagem e desmontagem de stands e de decorações de Natal, a ora Requerente dispõe de uma oficina, na sua sede social.

 

No entanto, a Requerente não dispõe  de trabalhadores por conta de outrem na sua  estrutura empresarial contando apenas com o sócio-gerente e com a ajuda circunstancial de um familiar, que para além de algum apoio nas obras, também dá apoio à gestão administrativa, pelo que, muitas  vezes, para que possa entregar o trabalho adjudicado na janela temporal acordada, carece de recorrer a entidades terceiras.

 

Tal sucede, porquanto a atividade das instalações de decorações exteriores em superfícies

comerciais e de instalação de stands a que a Requerente se dedica, se concentram em períodos do ano muito específicos e exigem mão de obra intensiva durante um muito curto período de tempo (1 a 2 dias, por regra), não permitindo a veleidade de ter uma estrutura de recursos humanos estável ao seu serviço, por absoluta inviabilidade financeira decorrente de tal modelo de negócio.

 

A sociedade B..., Lda (doravante “B... “) é uma sociedade que já há alguns anos vem prestando serviços à Requerente enquanto entidade subcontratante, dado esta não ter capacidade de executar apenas com os seus meios os serviços que lhe são adjudicados.

 

No ano de 2018 foram prestado à Requerente pela sociedade B... ao Requerente, serviços  instalação e desinstalação de decorações de Natal, de stands e serviços de carpintaria e serralharia e que refletem igualmente a totalidade das faturas emitidas por aquela empresa referentes ao ano de 2018 – 21 faturas.

 

Os pagamentos das faturas em causa foram todos efetuados  por meio de cheque como, de resto, o Requerente permitiu comprovar, conferindo voluntariamente acesso à sua conta bancária, sendo absolutamente falsa a afirmação efetuada pela AT no RIT no sentido de que tenham sido pagos  parte  dos valores em numerário, muito menos 20% dos valores objeto de faturação, sendo,  assim, pelo exposto, absolutamente falso que a Requerente tenha violado o disposto no artigo 63º-C da LGT.

 

Alega  a AT que o gerente da Requerente desconhece a identidade dos colaboradores da

Sociedade B... , mas, como é evidente, não compete à sociedade Requerente conhecer a identidade dos colaboradores da sociedade que contratou ou em que regime esses mesmos recursos humanos se encontravam (trabalho dependente, independente ou se foram objeto de subcontratação pela B...).

 

Antes lhe competindo velar pelo cumprimento da boa execução dos fornecimentos e serviços a que a sociedade fornecedora se obrigou a prestar, o  que o Requerente, efetivamente, sempre fez, a fim de poder continuar a garantir a manutenção dos seus clientes.

 

No entendimento da AT, existe «contradição» sempre que a fatura ou faturas emitidas pela B... relativamente a determinado serviço não são emitidas na exata data em que as faturas foram emitidas pela Requerente ao cliente desta, mas   não se entende qual a «contradição» possa existir, decorrendo a não coincidência da necessidade da Requerente receber primeiro dos seus clientes a fim de poder efetuar o pagamento de seguida à B... .

 

Face a tudo o quanto antecede e à basta documentação que se coligiu quer durante o procedimento inspetivo, quer com o presente processo,  não se vislumbra como possa ter a AT concluído no sentido da não comprovação da substância das operações em causa.

 

No caso vertente, a AT, face à penúria indiciária no que concerne a elementos recolhidos, o sujeito ativo tributário não logrou sequer afastar a presunção da veracidade declarativa de que a Requerente beneficia, não tendo a AT logrado sequer recolher a matéria factual indiciária apta a dar cumprimento ao ónus probatório que em primeira linha legalmente lhe cabia.

 

A Requerente invoca igualmente a violação do disposto nos n.º 3 e 4, do artigo 23º, do CIRC, para fundar essa mesma impossibilidade de dedução enquanto gasto fiscal dessas mesmas operações, por referência ao preceituado na al. c), do artigo 23º-A, do referido código no tocante à alegada violação do n.º 4 artigo 23º do CIRC, mas não se consegue descortinar o efetivo fundamento onde a AT se ancora para concluir pela violação de tal disposição legal.

 

Visto tudo o quanto no RIT se alinhou em ordem a concluir pela não dedutibilidade dos gastos refletidos nas faturas emitidas pela sociedade B..., fica sem se perceber qual o fundamento para que a AT tenha considerado violado o disposto no n.º 4 do artigo 23º do CIVA.

 

Desde logo, não se alcança qual o âmbito ou extensão de tal alegada violação da norma; Dirá tal violação respeito a todas as faturas emitidas pela B... ou apenas àquelas que, embora não identifique, sugere como se encontrando eivadas de «contradições»?

 

Ou seja, na verdade, não decorre do teor do RIT que a AT tenha apreciado da conformidade ou não das 21 (vinte e uma) faturas emitidas pela sociedade B..., muito menos à luz das diversas (5) alíneas decorrentes do n.º 4 do artigo 23º do CIRC.

 

Isto é, em momento algum o RIT refere as razões pelas quais entende que as faturas X, Y, e Z não estarão conformes com tal preceito legal muito menos referindo qual ou quais os requisitos formais que em cada caso entende considerar como não verificados.

 

Cabendo à AT a obrigação legal de dar a conhecer ao contribuinte, ora Requerente, por referência a cada uma das faturas cujo gasto entende não ser fiscalmente dedutível, qual ou quais os requisitos e as respetivas alíneas que em concreto se mostram, em seu entender, violada(s).

 

Como resulta pacífico entre a jurisprudência e a doutrina, a fundamentação é uma exigência dos atos tributários em geral, sendo, de resto, uma imposição constitucional decorrente do disposto no artigo 268º da Constituição da República Portuguesa e igualmente do preceituado no art.º 77º da LGT.

 

Perante o exposto, deve o Tribunal Arbitral considerar procedente o vício de falta de fundamentação, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 77º da LGT, no que respeita à decisão da AT em não aceitar a dedução de gasto fiscal, estribada na alegada existência de vícios formais decorrentes do n.º 4 do artigo 23º do CIRC.

 

Não obstante se afigurar que o vício de falta de fundamentação é in casu claro, evidente e objetivo, ainda assim sempre se imporá referir que, se por mera hipótese académica, essa não viesse a ser a decisão do Tribunal Arbitral, tal suposta violação ou violações dos requisitos formais das faturas não impossibilita de per se o direito à dedução do respetivo gasto fiscal suportado, como  dimana de vária jurisprudência e bem assim da doutrina que sobre a temática se vêm pronunciando, designadamente na decisão do Tribunal Coletivo proferida no Processo n.º 96/2018 e na decisão arbitral proferida no processo n.º 381/2018-T.

 

 Ora, no caso dos autos, não só todos os gastos deduzidos fiscalmente o foram baseados em faturas, como a demais documentação junta ao longo do procedimento inspetivo permite alcançar e dilucidar, sempre sem transigir, eventuais questões formais que das faturas da B... pudessem emanar para a AT.

 

Do confronto das faturas, quer da B..., com as do Requerente fica clara e objetivamente comprovada a materialidade e os demais elementos que permitem circunstanciar e enquadrar a prestação e os serviços efetuados pela B... ao Requerente.

 

Mas, mesmo que assim não se entendesse, o Requerente logrou através de prova documental, a que ainda acrescerá a testemunhal, comprovar a materialidade das operações (faturadas pela B...) que, de resto, a AT não contesta terem existido (faturadas aos clientes da Requerente), pelo que sempre terá de se concluir pelo preenchimento do ónus probatório que sobre a Requerente poderia eventualmente recair, caso se entendesse que a AT tinha carreado indícios sérios e de elevada probabilidade que lhe permitissem afastar a presunção de veracidade contida na declaração fiscal Modelo 22 da Requerente.

 

Isto é, sempre a eventual insuficiência de fatura (ou faturas) que se pudesse apontar (a qual se desconhece ante a absoluta falta de fundamentação já invocada) a qualquer um desses documentos, ainda assim tal não seria apto a permitir sequer, conforme pretende a AT, a impedir o controlo dos pressupostos substantivos das operações e consequentemente a impedir o direito à dedução fiscal de tal gasto efetivamente suportado pela Requerente.

 

Por tudo quanto se vem de expor, não poderá deixar de ser totalmente anulada a liquidação de IRC e JC, relativa ao exercício fiscal de 2018.

 

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

 

As correções ora controvertidas têm por fundamento o facto de não se ter comprovado que a B... tenha de facto realizado as operações em causa, não tendo sido aceites como custos em sede de IRC o montante de € 66.625,00. 

 

Quanto aos factos com interesse para a boa decisão da causa, atento o alegado pelas partes e a prova documental junta, máxime o processo administrativo, será de considerar assente no probatório o que resulta devidamente explicitado e demonstrado no Relatório Final da inspeção tributária, para cujo teor se remete.

 

Desde logo, devemos ter presente que a Requerente é uma sociedade que não dispõe de trabalhadores por conta de outrem na sua estrutura empresarial contando apenas com o sócio-gerente e com a ajuda circunstancial de um familiar, que para além de algum apoio nas obras, também dá apoio à gestão administrativa.

 

Atendendo ao exposto, contratou a sociedade B..., a qual também não dispunha no ano em causa de qualquer estrutura operacional, nomeadamente funcionários, equipamentos e veículos, nem a montante apresentava operações declaradas pelos fornecedores enquadradas nos serviços que dizem ter sido prestados. 

 

Impugna-se que a AT tenha no decurso do procedimento inspetivo descurado os documentos e os esclarecimentos prestados pela Requerente, o que resulta demonstrado da análise crítica efetuada aos elementos apresentados pela Requerente naquele procedimento. 

 

Não pode a Requerente concluir como faz no pedido arbitral que : “ Face a tudo o quanto antecede e à basta documentação que se coligiu quer durante o procedimento inspetivo, quer com o presente processado, as quais não se vislumbra como possa ter a AT concluído no sentido da não comprovação da substância das operações em causa. “ 

 

Acresce que existe um desfasamento temporal significativo, entre as faturas emitidas pela B... à Requerente e as faturas que esta emite aos seus clientes. 

 

Com efeito, da confrontação entre os Quadros 5 e 7 do RIT verifica - se que a Requerente antecipa a faturação aos seus clientes em cerca de 2 meses face à faturação que é emitida pela B..., para os mesmos serviços. 

 

Não nos parece muito consentâneo com a realidade que uma empresa fature serviços aos seus clientes sem saber quanto é que lhe custaram junto dos seus fornecedores, sob pena de assim poder incorrer em prejuízo. 

 

Este facto permite concluir que, os trabalhos faturados pela A... aos seus clientes nunca poderiam ter sido os executados pela  B... . 

 

São nítidas as incongruências verificadas nesta operação realizada pela Requerente com o fornecedor em causa. 

 

A Requerente vem dizer na sua PI não perceber quais as faturas do fornecedor que não cumprem os requisitos formais mencionados no disposto do nº 4, do artigo 23,º do CIRC, se todas ou somente algumas. 

 

Ora, resulta do RIT que a falta desses requisitos diz respeito a todas as faturas emitidas pela B... destinadas à Requerente. 

 

O preceito legal antes citado estabelece um conjunto de elementos que os documentos referentes a gastos devem conter. 

 

Contudo, a enumeração aí referida não é exclusiva aos ali mencionados, poderão existir outros julgados necessários para que os custos sejam aceites fiscalmente, daí a designação nesse preceito legal de  “pelo menos “. 

 

No caso em apreço, para se concluir pela efetividade das operações em apreço, os SIT solicitaram à Requerente outros elementos de prova, tais como a identificação de trabalhadores afetos à execução dos trabalhos, autos de medição, orçamentos, que permitissem completar a insuficiente designação mencionada nas faturas. 

 

Ora, a Requerente não apresentou quaisquer desses elementos solicitados. 

 

Deste modo, terá de se concluir que as faturas emitidas por esse fornecedor, por si só, não se encontram aptas a comprovar a materialidade das operações em questão, de acordo com o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 23º do CIRC e alínea c) do nº 1 do mesmo preceito legal. 

 

Quanto aos meios de pagamento utilizados como forma de pagamento à sociedade fornecedora, a Requerente diz na sua PI serem falsas as afirmações efetuadas pela AT quando refere que 20 % do montante pago foi feito em numerário. 

 

Considera a Requerente ter ficado comprovado, quando facultou o acesso à sua conta bancária, que as faturas de 2018 relativas ao fornecedor B..., foram todas pagas por cheque.

 

Ora, o que ficou comprovado pelos SIT que procederam à análise da informação bancária disponibilizada pela Requerente, foi o que se mencionou no início da página 13 do RIT, onde se refere terem sido emitidos pela Requerente cheques para pagamento das faturas somente no montante de 70.927,95 €, conforme quadro elaborado para o efeito. 

 

A Requerente não junta ao pedido arbitral quaisquer elementos que permitam concluir que o diferencial no montante de 11.020, 80 € tenha sido pago também através de cheques. 

 

Deste modo, não se pode concluir que tenha sido respeitado o disposto no artigo 63º - C da LGT que estabelece : 

“ 1 - Os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida. “ 

 

A contrário do entendimento da REQUERENTE, confirma-se estarem reunidos na presente situação um conjunto de indícios fortes e credíveis que apontam para que os serviços faturados no ano de 2018 pela sociedade fornecedora em questão à A... Unipessoal, Ldª, não tenham na realidade sido prestados. 

 

E assim sendo, nos termos do nº 1 do artigo 74º da LGT, estão verificados os pressupostos legais que legitimam a atuação da AT, ao desconsiderar as faturas emitidas pela sociedade   B..., como custos dedutíveis para efeitos de IRC. 

 

Quanto à falta de fundamentação dos atos controvertidos, entende-se que não assiste razão à Requerente uma vez que o Relatório expõe de uma forma clara, suficiente e congruente quais são as razões de facto e de direito que justificam as correções propostas, permitindo à Requerente, como vem a ser o caso, impugnar essas mesmas correções nos moldes em que o faz no pedido de pronúncia arbitral. 

 

5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no artigo 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi também dispensada, com fundamento na sua desnecessidade, a produção de prova testemunhal e de prova por declarações de parte, apresentada pela Requerente.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do artigo 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

6. Por despacho de 6.06.2022 o Tribunal determinou a notificação da Requerente para, no prazo de 3 dias indicar a data do pagamento do imposto e juntar o respetivo documento comprovativo.

Na sequência deste despacho, a Requerente apresentou requerimento no qual comunicou “que devido ao facto de a AT não ter aceite o plano prestacional proposto, não se encontra paga qualquer quantia de imposto (IRC) relativa à liquidação em causa.

Tendo em consideração tal comunicação e tendo em conta que o pagamento do imposto é pressuposto da procedência, quer da pretensão à  restituição do imposto, quer da pretensão a juros indemnizatórios sobre tais quantias, sem necessidade de mais considerações, determina-se, desde já, a improcedência do pedido nesta parte.

 

7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

 

8. Cumpre solucionar a questão da ilegalidade da liquidação objeto do processo.

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

9. Consideram-se provados os seguintes factos:

9.1.A Requerente foi sujeita a uma ação de inspeção tributária, tendo como incidência temporal o ano de 2018 e âmbito o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e o imposto sobre o valor acrescentado.

9.2. No relatório de inspeção tributária referente a este procedimento consta, além do mais, o seguinte:

 

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9.3.Na sequência do relatório de inspeção tributária foi praticado o ato de liquidação objeto do processo.

 

9.4.No decurso do procedimento inspetivo a Requerente facultou à Requerida os seguintes elementos:

a)     Cópia das faturas que lhe foram emitidas pela sociedade B..., (anexo 2 do RIT).

b)    Nome e número de telemóvel da pessoa responsável pelos trabalhos realizados pela sociedade B... (anexo 3 do RIT).

c)     Extrato de conta-corrente do fornecedor sociedade B... (anexo 3 do RIT).

d)    Extratos de diários de lançamento das faturas (anexo 4 do RIT).

e)     Indicação do local de realização dos trabalhos realizados pela sociedade B..., através da entrega de cópias das faturas emitidas pela Requerente aos seus clientes, onde tais locais constavam (anexo 12 do RIT).

 

9.5. No decurso do procedimento a  Requerente concedeu à Requerida a autorização que esta lhe solicitou com vista à obtenção dos elementos considerados pertinentes referentes à sua conta bancária (anexos 5 a 10 do RIT)

 

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados

 

 

10. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes.

 

 

-III- O Direito aplicável

 

Para fundamentar a correção em causa no processo, a Requerida apresentou os seguintes motivos:

-Violação do artigo 63º-C da Lei Geral Tributária por cerca de 20% dos pagamentos efetuados à B... terem sido feitos em numerário.

-Ausência de estrutura operacional por parte da B... (funcionários, equipamentos e veículos) adicionado à circunstância de não haver a  montante operações declaradas por fornecedores de serviços.

-Entendimento de que os esclarecimentos e documentos prestados pela Requerente não foram suficientes para comprovar a efetividade das operações, nomeadamente por não completarem a descrição pormenorizada e quantificação dos serviços, e não identificarem os trabalhadores da B... .

-Antecipação da faturação pela Requerente aos seus clientes, em cerca de dois meses, relativamente à faturação da  B... (que a Requerida considera “contradições”, referindo ainda  “entre outras” sem as especificar).

-Não cumprimento dos nºs 3 e 4º do artigo 23º do CIRC.

 

Pese embora o modo pouco claro com o a Requerida expõe a sua posição no relatório de inspeção tributária é de entender que a mesma, por um lado, com base no conjunto de razões que invoca, considera que não se mostra comprovada a efetividade das operações em causa e, nesta medida, que não estão cumpridas as exigências  do artigo 23º, nº 1, do CIRC (embora a Requerida não indique o nº 1, do art. 23º, parece ser esta norma que tem em mente quando refere “não se mostrou comprovada a efetividade dos serviços (…) não respeita a disciplina do artº 23 do CIRC.”) e, por outro lado, considera que os gastos em causa não estão documentados nos termos dos nºs 3 e 4 do CIRC e que, em consequência, os mesmos não são dedutíveis, nos termos do art. 23º-A, nº1, al. c), do CIRC.

 

 

Vejamos.

 

Relativamente, à alegada violação do art. 63º-C, da Lei Geral Tributária, verifica-se que o seu pressuposto de facto não tem aderência à realidade, uma vez que resulta da soma dos cheques constantes do quadro 9 do RIT o valor  de 81.948,75 € e não de 70.927,91 €, como erradamente consta do mesmo.

 

Muito embora a Requerida na resposta continue a sustentar que “ficou comprovado pelos SIT que procederam à análise da informação bancária disponibilizada pela REQUERENTE, foi o que se mencionou no início da página 13 do RIT, onde se refere terem sido emitidos pela REQUERENTE cheques para pagamento das faturas somente no montante de 70.927,95 €, conforme quadro elaborado para o efeito.”, tal asserção não resiste à operação aritmética de soma dos valores dos cheques mencionados no quadro 9 do RIT. Aliás, embora discretamente, o próprio relatório de inspeção tributária acaba  por admitir o erro aritmético (embora sem retirar qualquer consequência de tal reconhecimento). Em primeiro lugar quando, na página 17, a propósito do direito de audição, oralmente exercido  pela Requerente,   refere reproduzir o “quadro retificado dos pagamento efetuados “após retificação”,  designando o mesmo como  “quadro retificado dos pagamento efetuados” (quadro 13 do RIT, pag. 18), onde já consta o valor de 81.948,75 €, como montante  total dos cheques. Em segundo lugar, porque a Requerida na apreciação do direito de audição  não contesta a afirmação da Requerente de que todos os pagamentos foram feitos por cheque. Em terceiro lugar porque,  insistindo nos argumentos anteriormente invocados já não menciona que parte dos pagamentos foram feitos em dinheiro.

Por último, não é de mais sublinhar que basta proceder à soma dos valores dos cheques constantes do quadro 9 do RIT para se constatar que o valor dos mesmos soma 81.948,75 € e não 70.927, 91 €.

O que se estranha é que Requerida reconhecendo desta forma o erro  na apreciação do direito de audição, não retire do mesmo qualquer consequência, nem sustente que mesmo sem este argumento os demais invocados  pudessem ser, ainda assim,  suficientes para fundamentar a falta de comprovação da efetividade dos gastos que alega.

Em todo o caso, falece este argumento da Requerida, quer por se entender que a mesma em sede de apreciação do direito de audição reconheceu que o mesmo assentou em pressuposto que não se verificou, quer porque, independentemente de tal reconhecimento, tal pressuposto era efetivamente inexistente, conforme resulta comprovado dos dados do próprio relatório inspetivo.

 

Quanto à questão da ausência de estrutura operacional por parte da B... (funcionários, equipamentos e veículos) é de observar que decorre do art. 86º, nº 2, da Constituição Portuguesa,  o princípio da liberdade de gestão das empresa.

Como referem  J.J. Gomes Canotilho-Vital Moreira “Elemento essencial da liberdade de empresa é o direito do seu titular a geri-la” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, Coimbra Editora, 4ª Ed., 2007, Vol.  I, pag. 1015). Da liberdade de gestão resulta, pois, que as empresas têm a liberdade de se organizam conforme entenderem mais conveniente, designadamente no que respeita aos fatores produtivos. No que que respeita a recursos humanos, as empresas não estão impedidas de optar para realização de tarefas para as quais os mesmos sejam necessárias pela contratação dos respetivos serviços a outros agentes económicos, o mesmo ocorrendo com equipamentos e veículos que também poderão ser propriedade de terceiros, designadamente dos prestadores de serviços. As empresa escolherão, no exercício da sua liberdade de gestão, a via que se lhe afigurar mais conveniente para assegurar os fatores produtivos necessários à sua atividade.

Deste modo, a circunstância da sociedade B... não ter funcionários, equipamentos e veículos, não constitui  indício fundado  de que as transações a que respeitam os autos não se tenham efetivamente verificado.

A própria Requerente exerce  a sua atividade mediante a contratação de outras entidades para  a realização de tarefas que impliquem a utilização de recursos humanos, não havendo notícia de que a AT tenha desconsiderado as faturas por ela emitidas aos seus clientes.

 

Improcede, pois, este fundamento alegado pela Requerida.

 

Quanto à questão da empresa B... não ter operações declaradas a montante por fornecedores de serviços, a Requerida não esclarece se, para além da inexistência de tais declarações, a B... tem, ou não, na sua contabilidade, faturas, recibos e/ou faturas-recibo emitidas por fornecedores de serviços. Todavia, independentemente desta questão (que não respeita diretamente à Requerente) a circunstância indicada, não é idónea a levantar suspeitas fundadas da não realização dos serviços em causa, tanto mais, como adiante melhor se verá, os factos apurados apontam, no seu conjunto, congruentemente, para a veracidade das operações comerciais faturadas pela sociedade B... .

 

Por outro lado, a Requerida, baseando-se na circunstância de várias  faturas a clientes onde terão sido incorporados os serviços fornecidos pela Sociedade B...,  terem sido  emitidas em datas diferentes das que constam das emitidas por esta empresa, conclui que “os trabalhos faturados pela A... aos seus clientes nunca poderiam  ter sido os  executados pelo B... dado o desfasamento temporal existente entre as faturas.Com efeito, a A..., está a faturar com uma antecipação temporal significativa aquilo que a B... ainda não tinha produzido”.

 

Porém, também não se pode sufragar a conclusão retirada pela Requerida.

O retardamento da emissão das faturas pela B... em Relação às emitidas pela Requerente aos seus clientes, normalmente entre um e dois meses, independentemente do cumprimento ou não das regras atinentes ao prazo de emissão de faturas não é, de modo algum, idóneo a concluir (muito menos a concluir obrigatoriamente) pela não realização dos trabalhos. A explicação dada pela Requerente para o desfasamento temporal das faturas -permitir à Requerente receber primeiro dos seus clientes para depois pagar ao fornecedor- é, à luz das regras da experiência, verosímil, independentemente do juízo que se possa fazer do eventual incumprimento das regras atinentes ao prazo de emissão de faturas e das suas possíveis  consequências contraordenacionais. 

Ao invés da conclusão a que a Requerida chegou, entende-se que a congruência entre os serviços faturados pela Requerente, que não foram postos em causa pela Requerida e os que lhe foram faturados   pela B...,  aponta, isso sim, para a  realização dos trabalhos por esta. 

Improcede, pois, manifestamente, este fundamento alegado pela Requerida.

 

 

Adicionalmente invoca ainda a Requerida que a Requerente informou que desconhecia a identidade dos trabalhadores da Sociedade B... e que tinha sido o gerente desta empresa, D..., a supervisionar os trabalhos.

Não se vislumbra, porém, neste facto qualquer elemento estranho, eventualmente idóneo a sustentar a tese da AT. Tendo a Requerente contratado a Sociedade B..., o que é natural e normal é que seja a gerência desta a supervisionar os trabalhos e as pessoas incumbidas da sua realização, não tendo a Requerente que conhecer a identidade destas pessoas.

Não se lobriga, pois, nesta circunstância, qualquer elemento suscetível de fundamentar a posição da Requerida.

 

Alega ainda a Requerida a “insuficiência dos esclarecimentos prestados pela REQUERENTE para comprovar a efetividade das operações.” 

Também não se pode acompanhar esta posição da AT.

A Requerente prestou os esclarecimentos normais à luz dum critério de razoabilidade, constando da generalidade das faturas emitidas pela B..., o local onde foram realizados os trabalhos acrescendo que, como já se notou, a própria Requerida não questionou que os trabalhos e fornecimentos em causa, faturados pela Requerente aos seus clientes, tivessem sido efetivamente realizados.

Não se deteta insuficiência nos esclarecimentos prestados. Bem pelo contrário, dos mesmos e dos demais elementos do processo, resultam elementos claros e congruentes no sentido da realização dos serviços faturados pela Sociedade B... .

 

Na verdade e desde logo, contrariamente ao constante do projeto de relatório de inspeção e da Resposta da Requerida neste processo, resulta provado que   todos os pagamentos efetuados pela Requerente à Sociedade B..., foram efetuadas por cheque.

Em segundo lugar, existe uma conexão direta entre os bens e serviços futurados  por aquela empresa à Requerente e os serviços  faturados por esta aos seus clientes. 

Por outro lado, os bens fornecidos e os serviços realizados estão identificados nas faturas e  relativamente aos locais dos trabalhos a Requerente indicou-os à Requerida por referência aos locais constantes das faturas emitidas aos seus clientes.

Acresce ainda, a atitude colaborante da Requerente com a Requerida, designadamente com a autorização bancária concedida, a indicação da identificação do gerente da B... e respetivo contacto telefónico e, ainda, com os  demais esclarecimentos prestados constantes do RIT que, como supra referido, à luz dum critério de razoabilidade se consideram adequados,  suficientes e claramente indiciadores de boa-fé por parte do sujeito passivo.

 

É, pois, de concluir, que a Requerida não apresenta indícios fundados de que as faturas em causa não correspondam a operações comerciais efetivamente realizadas, de molde a afastar a presunção  de veracidade das declarações  e elementos constantes da contabilidade da Requerente.

 

Ora, como se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.03.2016, proferido no processo 400/15, (tendo por objeto liquidação de IRC), perfilhando o entendimento adotado pelo mesmo Tribunal no processo tribunal proferido no proc. 591/15 de 17.02.2016 que, incidindo sobre liquidação de imposto sobre o valor acrescentado,  se considerou igualmente  aplicável:

“Sem prejuízo de no citado acórdão do Pleno estar em causa a possibilidade de deduzir o IVA mencionado nas facturas enquanto no presente caso se questiona a possibilidade de relevar no apuramento do lucro tributável custos titulados pelas facturas, também relativamente ao mérito do recurso nos vamos limitar a seguir a doutrina fixada nesse recente aresto, que, mutatis mutandis, é também aqui aplicável. Passamos a citar:

(…)

Com efeito, como a jurisprudência do STA tem unanimemente afirmado, apesar de, atendendo ao princípio da legalidade administrativa, impender sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a desconsiderar fiscalmente (não aceitando a respectiva dedução) o montante do IVA incluído em facturas correspondentes a transacções que considere não se terem realizado, basta para legitimar essa actuação da AT (ao abrigo do nº 3 do art. 19º do CIVA) a existência de indícios sérios de que as operações tituladas por tais facturas não são verdadeiras, cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são.
E reiterando-se tal entendimento, é de concluir que cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.


O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade in Justiça Administrativa, 2.ª edição, pág. 269: “há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos”» (ac. do STA, de 30/4/2003, no proc. n.º 0241/03). (No qual se referenciam, igualmente, os acs. de 24/4/02, rec. 102/02, de 17/4/02, rec. 26.635, de 9/10/02, rec. 871/02 e de 14/11/01, rec. 26.015)

Na verdade, embora a regularidade formal da escrita constitua presunção da sua veracidade – estendida aos seus elementos de apoio (art. 75.º da LGT) – , tal presunção cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Daí que, como se disse, provando a AT a existência de indícios sérios e credíveis de que tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.
Sobre esta matéria escreveu-se no Acórdão do STA, de 24/4/2002, Rec. 0102/02:
«Ora, como quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (cfr. os arts. 349.º e 350.º do B... Eivil), a recorrente, tendo a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os dados decorrentes.


A não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva.


Quer dizer, a presunção cessa quando, estando, embora, a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja “indícios fundados” de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva.


Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de vista técnico-contabilístico, no entanto omitir operações efectuadas; e cabe o caso inverso – o de incluir operações não efectuadas. Este último é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar. E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”.
(…)

Tendo sempre presente que a doutrina fixada no citado acórdão, apesar de se referir à dedução do IVA, é inteiramente transponível para as situações, como a sub judice, em que o contribuinte pretende exercer o direito de deduzir custos fiscais no apuramento do lucro tributável para efeitos de IRC(…).[1]

 

Ora, como já se referiu, da análise dos elementos constantes do relatório inspetivo é de concluir que a Requerida não logrou (bem pelo contrário) apresentar indícios fundados de que as operações em causa não corresponderiam a transações económicas reais, pelo que não foi afastada a presunção de veracidade da declaração e da escrita do contribuinte constante do artigo 75º da Lei Geral Tributária.

Assim, a liquidação em causa, não encontra fundamento válido   na falta de comprovação da efetividade das operações à luz do artigo 23º, nº 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

 

 

Vejamos então se a liquidação efetuada pela Requerida encontra fundamento nos artigos nºs 3 e 4 do artigo 23º, em conjugação com a al. c), do nº 1, do artigo 23º-A, do  CIRC.

Relativamente a esta questão, em primeiro lugar a Requerente alega vício de fundamentação do ato tributário. 

Há que reconhecer, com efeito,  que a  Requerida, apesar de alegar incumprimento dos nº 3 e 4, do art. 23º, do CIRC, não especifica em que medida se teria verificado o não cumprimento das exigências legalmente previstas, tendo em conta que não se alega que não tenham sido emitidas faturas pela B... à Requerente e que não se indica a falta qualquer elemento dos previstos nas alíneas a) a e) do nº 4 do artigo 23º do CIRC e, em concreto, qual a omissão ou insuficiência imputada a cada uma das faturas. 

Assim sendo, desconhecendo-se (completamente) quais as irregularidades imputadas a cada uma das faturas, a desconsideração dos gastos em causa não pode deixar de ser considerada ilegal por vício de insuficiência de fundamentação, equivalente a falta de fundamentação, nos termos do artigo 77º, nº 1, da Lei Geral Tributária e do artigo 153º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo.

 

 

Vejamos, por último, se  correção com o fundamento em causa  padece, igualmente, de vício de violação de lei.

 

Como se decidiu no processo 217/2018-T de 16.01.2019, as exigências em questão colocam-se “no plano da comprovação das operações, ad probationem, e não no dos seus pressupostos materiais, ad substantiam, e tem por finalidade complementar as medidas de combate à fraude e evasão fiscais.

Deste modo, cremos que se mantêm válidas as considerações de RUI MORAIS anteriores à Reforma do IRC no sentido de que, para comprovação documental dos gastos, “o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito”, pois “a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efetivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva.” – cf. Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp. 79-80. No mesmo sentido aponta a jurisprudência do STA, como, a título ilustrativo, a constante dos Acórdãos de 5 de julho de 2012, processo n.º 658/11, e de 14 de setembro de 2011, processo n.º 433/11”[2]

 

Também na decisão arbitral do processo 567/2019-T, de 04-02-2020, se entendeu que:

 

“(…) no artigo 23.º-A do mesmo Código indicam-se os «encargos não dedutíveis para efeitos fiscais», «mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação». 

Trata-se de excepções à regra da dedutibilidade de encargos, justificadas por razões de várias ordens, como a mera técnica de quantificação do imposto [é o caso dos encargos de natureza fiscal, a que se referem as alíneas a), p), q) e s) do n.º 1], a de as despesas corresponderem a actos reprováveis à face do ordenamento jurídico [é o que sucede com as despesas ilícitas e as multas, coimas indicadas nas alíneas d) e e) do n.º 1], a de as despesas serem atinentes a zonas de convergência de interesses pessoais e empresariais [é o caso das despesas referidas nas alíneas h), i), j), k) e l) do n.º 1] e a de despesas cuja realização e relação com a actividade da empresa não é susceptível de fácil comprovação, indispensável para a Administração Tributária exercer eficientemente os seus poderes de controle da legalidade [é o que sucede com as despesas a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1]. 

É nesta última situação que se enquadram as despesas cuja documentação não satisfaça os requisitos mínimos previstos no n.º 4 do artigo 23.º, cuja dedutibilidade é proibida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A, que tem em vista impor aos sujeitos passivos os deveres de documentação de encargos considerados necessários para assegurar a eficiência do controle da afectação das despesas a fins empresariais, essencial para relevância de aquisições de serviços com gastos, e para evitar situações de evasão fiscal.

(…).

No entanto, nos casos em que pode ser apurada com segurança pela Administração Tributária a materialidade da operação insuficientemente documentada, é de aventar que possam ser dispensadas as exigências formais de prova relativas à dedutibilidade de encargos contabilizados, por imposição dos princípios constitucionais da proporcionalidade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), da tributação pelo lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e com base na capacidade contributiva (que decorre do princípio da igualdade, enunciado no artigo 13.º da CRP), mas sem olvidar que estes princípios não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, pelo que não se opõem a que, legislativamente, numa ponderação global dos interesses em presença, deva dar-se prevalência à protecção do interesse público na efectividade do combate à fuga e evasão fiscal, subjacente à imposição das exigências formais de documentação.

(…)

Assim, o princípio da prevalência da substância sobre a forma invocado pela REQUERENTE poderá justificar a irrelevância do incumprimento dos requisitos formais quando houver um conhecimento seguro da materialidade das operações subjacentes aos documentos, mas não impõe à Administração Tributária que se abstenha de exigir o cumprimento desses requisitos formais sempre que não seja do seu conhecimento nem lhe seja fornecida pelo sujeito passivo a informação necessária para apurar os requisitos materiais da dedutibilidade de despesas. 

Isto é, estas exigências formais devem prevalecer sempre que a Administração Tributária não disponha da informação necessária para verificar se estão reunidos os requisitos materiais de que depende a dedutibilidade de encargos, designadamente não se lhe impondo que se substitua ao sujeito passivo, realizando diligências tendo em vista suprir o incumprimento por este dos seus deveres de documentação e de informação, como está ínsito na repartição do ónus da prova estabelecida no artigo 74.º da LGT. 

 

Mas, não sendo automática e insuperável a falta dos requisitos formais das facturas, a Administração Tributária deverá sempre, em situações de insuficiência descritiva, notificar o sujeito passivo para prestar esclarecimentos, no cumprimento do dever de colaboração que lhe impõe a alínea d) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT.”

 

Ora, no caso, do quadro 5 do RIT e das por informações complementarmente prestadas pela Requerente à Requerida, relacionando especificamente cada bem e serviço prestado pela B... com os serviços e fornecimento faturados pela Requerente aos seus clientes, com identificação dos locais de prestação dos serviços e de  entrega dos fornecimentos, também constantes do relatório inspetivo,  resulta claro que à Requerida foram facultados todos os elementos necessários à identificação e controlo  das operações em causa.

A veracidade das informações prestadas pela Requerente, não foram, sequer, questionadas pela Requerida.

Por outro lado, dos elementos dos autos não emerge qualquer dúvida objetivamente fundada de que as operações em causa não se tenham realizado pelo que, ainda que existisse qualquer incumprimento formal de algumas das alíneas do nº 4 do art. 23º do CIRC, que a Requerida, como vimos,  não indica, ainda assim, por estarem identificados todos os elementos necessários ao controlo  das operações económicas em causa, sempre havia que considerar não haver violação dos nº 3º e 4º do art. 23º do CIRC, sendo, consequentemente, inaplicável  o art. 23º-A, nº 1, al. c), do CIRC.

Assim sendo, também com base nos artigos nº 3º e 4º do art. 23º e 23º-A, nº 1, al. c), do CIRC, a correção em causa é ilegal, quer por vício de fundamentação insuficiente, equivalente a falta de fundamentação, quer por vício de violação de lei.

Falece, pois, a posição da Requerida, quando a todos os fundamentos que basearam a liquidação objeto do processo, o que implica a anulação da mesma.

 

 

-IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral:

a)    julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, decretando-se a ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação do imposto e respetivos juros compensatórios.

b)    Julgar improcedente o pedido de condenação à restituição de imposto e a juros indemnizatórios.

 

Valor da ação: € 12.341,89 (doze mil trezentos e quarenta e um euros e oitenta e nove cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem. 

 

Custas pela Requerida, no valor de 918.00 €, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, CAAD, 22.06.2022

O Árbitro

Marcolino Pisão Pedreiro

 



[1] www.dgsi.pt”, nossos sublinhados.

[2] Entendimento seguido pela decisão arbitral proferida no proc. 844/2019, de 27.12.2020. Todas as decisões arbitrais referidas na presente decisão podem ser consultadas em “https://caad.org.pt/tributario/decisoes”