SUMÁRIO
a) Sendo o pedido de revisão oficiosa meio próprio para se obter a revisão de uma liquidação, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, mesmo quando inquinada por vício na quantificação da matéria coletável que lhe serve de base, é meio próprio para conhecer de tais questões o recurso judicial ou arbitral interposto no seguimento do silêncio administrativo quanto a tal pedido.
b) Verificando-se, na situação dos autos, erro imputável aos serviços, na medida em que, não obstante a Requerida ter efetuado as liquidações de IMI com base nos VPT que constavam das matrizes, a 31 de dezembro do ano em causa, como determina o artigo 113.º, n.º 1 do Código do IMI, esta incorreu em erro de direito no procedimento de avaliação e fixação do VPT, que condicionou diretamente a sobrevalorização dos VPT e a liquidação de IMI em excesso e, em consequência, o pagamento de prestação tributária indevida.
c) Assim sendo sempre seriam de considerar reunidos todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter apreciado o pedido de revisão e anulado as liquidações de IMI relativas aos anos de 2016, 2017 e 2018 nos termos requeridos.
Decisão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs, Dr. Martins Alfaro e Dra. Raquel Franco (relatora), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
1. Enquadramento do processo
A..., S.A., sociedade com o número de identificação fiscal ... e com sede na ..., n.º ..., ... Porto, veio, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT), com vista à anulação (parcial) dos atos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre os Imóveis (“IMI”) n.os 2016..., 2016..., 2016..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., com referência aos anos de 2016, de 2017 e de 2018, no montante global de € 414.155,11.
O Requerente optou por não designar árbitro, tendo o pedido sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13/10/2021.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, foram os signatários designados árbitros, em 18/11/2021, tendo comunicado a aceitação dos respetivos encargos no prazo aplicável.
As partes foram notificadas das referidas designações, não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de as recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 24/12/2021, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro.
2. Posições das Partes
O pedido tem em vista a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de IMI n.º 2016..., 2016..., 2016..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., com referência aos anos de 2016, 2017 e 2018, no montante global de € 414.155,11, por, no entender da Requerente, tais atos tributários serem contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e direito. Em consequência, a Requerente peticiona a restituição do imposto indevidamente pago e o pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia restituída.
A Requerente suporta o seu ponto de vista, a título principal e em síntese, no facto de os valores patrimoniais dos terrenos para construção que serviram de base às aludidas liquidações terem sido apurados com a aplicação dos coeficientes, previstos nos artigos 41.º, 42.º, 43.º e 44.º do CIMI, que não faziam parte da fórmula de cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, prevista no artigo 45.º do mesmo Código à data do facto tributário relevante para efeitos de liquidação do IMI. A fundamentar a sua posição, a Requerente enumera ampla jurisprudência do STA, bem como decisões proferidas por tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD.
A título subsidiário, a Requerente pede que “seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do CIMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.”
Por sua vez, a Requerida começa por se defender por exceção no sentido de que os atos de fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção em causa estavam consolidados à data das liquidações, não podendo estas ser anuladas com fundamento em alegados erros ocorridos nas avaliações dos prédios sobre os quais incide a tributação.
Em seu entender, o pedido formulado pelo Requerente prende-se com a ilegalidade de um ato destacável, ele próprio autonomamente atacável, e não com a declaração de ilegalidade de um qualquer ato tributário, como previsto no artigo 2.º do RJAT.
Conclui que a apreciação da legalidade dos atos que procederam à fixação do valor patrimonial não cabe na competência dos tribunais arbitrais e que, portanto, o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária (RJAT), o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e conduz à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.
Por outro lado, afirma que o Requerente pretende que o Tribunal Arbitral profira despachos de deferimento dos pedidos de revisão oficiosa e que tal não seria admissível face ao princípio da separação de poderes, consagrado nos artigos 2.º e 111.º da CRP, constituindo o mesmo referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cf. artigos 202.º e 203.º da CRP).
Por outro lado, e mesmo que se admitisse a revisão oficiosa dos atos de avaliação através dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, o prazo de 3 anos previsto no n.º 4 já se encontrava ultrapassado relativamente às liquidações de 2016 e de 2017, segundo sustenta por impugnação.
Continua, ainda, dizendo que não é nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação e que, por força do artigo 168.º, n.º 1, do CPA, as avaliações em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributários dos terrenos para construção, e que tenham sido efetuadas há mais de cinco anos, já não podem ser objeto de anulação administrativa por determinação legal.
A Requerida termina pedindo que as exceções sejam julgadas procedentes, com a sua absolvição da instância, ou, caso assim não se entenda, que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.
3. Tramitação posterior à Resposta da AT
Em 03/02/2022 foi proferido Despacho para o Requerente responder, querendo, no prazo de 10 dias, à matéria de exceção suscitada pela Requerida na resposta. A Requerente veio, dentro do prazo, exercer o contraditório sobre as exceções invocadas pela Requerida.
Posteriormente, foi proferido Despacho a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, tudo nos termos dos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. Mais foram as partes notificadas para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do mesmo despacho, sendo que se concede à Requerida a faculdade de, caso assim o entenda, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo. Foi designado o dia 24 de junho de 2022 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
Não foram produzidas alegações.
II - SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente, tendo em conta as disposições contidas nos artigos 2.º n.º 1 e 5.º n.º. 1 e 2, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.
A cumulação de pedidos é legal.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
Foi suscitada matéria de exceção que será analisada mais adiante.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre apreciar e decidir.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 Questões a dirimir
A questão central nos presentes autos prende-se com a análise e decisão sobre o ato tributário de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de IMI n.ºs 2016..., 2016..., 2016..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., com referência aos anos de 2016, 2017 e 2018, no montante global de € 414.155,11, sendo estes atos objeto mediato do pedido.
III.2 Matéria de facto
2.1 Factos provados
A matéria de facto considerada relevante para a decisão é a seguinte:
A. No âmbito da sua atividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
B. O Requerente foi notificado dos seguintes atos tributários de liquidação de IMI:
· Liquidações com os n.os 2016, 2016..., 2016..., referentes ao ano de 2016, no montante total de € 12.899.609,82;
· Liquidações com os n.os 2017..., 2017..., 2017 ... referentes ao ano de 2017, no montante total de € 12.733.712,10;
· Liquidações com os n.os 2018..., 2018..., 2018..., referentes ao ano de 2018, no montante total de € 12.003.386,97.
C. O Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respectivas liquidações de IMI supra identificadas.
D. Em parte, as liquidações de IMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pelo Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula adoptada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme demonstrado nas cadernetas prediais urbanas anteriores às reavaliações efetuadas em 2019 e 2020.
E. Posteriormente, a AT corrigiu o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, conforme resulta das notificações de (re)avaliação efetuadas em 2019 e 2020, bem como das respetivas cadernetas prediais urbanas.
F. Porém, relativamente aos terrenos para construção detidos pelo Requerente e que foram igualmente objeto da reavaliação acima mencionada (e com a consequente redução dos valores patrimoniais tributários), a AT não retificou as respetivas coletas de IMI.
G. Nos terrenos para construção, a desconsideração dos coeficientes acima mencionados traduz‐se numa redução significativa dos valores patrimoniais tributários destes terrenos, e, consequentemente, da coleta de IMI sobre os mesmos.
H. O Requerente apresentou, no dia 25 de maio de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, pedido de revisão oficiosa destes atos tributários.
I. O referido pedido de revisão oficiosa veio a presumir‐se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
J. A 12/10/2021 o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral com fundamento na ilegalidade do cálculo do VPT que esteve na base do cálculo das liquidações impugnadas.
2.2 Factos não provados
O Tribunal não considerou a existência de factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.
2.3 Fundamentação da matéria de facto
Estes são os factos que o Tribunal considerou provados com base nos documentos juntos aos autos pelas partes, cuja realidade não foi por elas posta em causa.
Não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, selecionou os factos que entendeu relevantes para a decisão e discriminou a matéria provada da não provada, conforme o disposto no artigo 123.º, n,º 2 do CPPT e o artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e) do RJAT.
III.3 Matéria de Direito
Estamos perante uma impugnação de atos tributários de liquidação de IMI que, no entender da Requerente, estão suportados em erros ocorridos na avaliação que fixou os valores patrimoniais tributários sobre os quais recaiu a liquidação, uma vez que, na referida avaliação, a AT aplicou uma fórmula de cálculo inaplicável aos terrenos para construção, ao usar coeficientes multiplicadores de VPT que o artigo 45.º do CIMI não contempla.
3.1 Quanto à possibilidade, ou não, de usar o procedimento impugnatório contra liquidações de IMI com base em erros de atos de fixação de valores patrimoniais
Na perspetiva da AT, a Requerente não aponta qualquer erro específico aos atos tributários de liquidação do IMI em causa, questionando tão só o VPT que suportou as liquidações, e o ato de fixação do mesmo enquanto ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa do procedimento de liquidação.
Considera que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo e que o tribunal arbitral é incompetente para apreciar vícios de atos de fixação do valor patrimonial, atos esses que são destacáveis e autonomamente impugnáveis e que se encontram consolidados na ordem jurídica.
Conclui, portanto, que o pedido formulado pelo Requerente se prende com a ilegalidade de um ato destacável, ele próprio suscetível de impugnação autónoma, e não com a declaração de ilegalidade de um qualquer ato tributário previsto no artigo 2.º do RJAT e que a apreciação da legalidade dos atos que procederam à fixação de valores patrimoniais não cabe na competência dos tribunais arbitrais.
A incompetência do Tribunal consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e conduz à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT, o que requer.
O entendimento da Requerida é, prima facie, correto, verificando-se o efeito preclusivo, caso o sujeito passivo, que não concorde com a determinação de um dado VPT, não use, em tempo, os meios próprios de reação previstos na lei contra o ato de fixação desse mesmo VPT. Estes meios são, primeiramente, administrativos, de acordo com o disposto no artigo 86.º, n.º 2 da LGT, que estabelece que a “impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”. Tratando-se da avaliação de prédios urbanos, o sujeito passivo que não se conforme com o resultado da avaliação direta pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado, como prescreve o artigo 76.º, n.º 1 do Código do IMI. Do resultado da segunda avaliação cabe, ainda, impugnação judicial, nos termos definidos no CPPT, conforme o artigo 77.º, n.º 1 do Código do IMI. A impugnação dos atos de fixação de valores patrimoniais é regida pelo artigo 134.º do CPPT, podendo fundar-se em qualquer ilegalidade, compreendendo o erro de facto e de direito.
Não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).
A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguinte acórdãos: – de 30-06-1999, processo n.º 023160; – de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; – de 06-02-2011, processo n.º 037/11; – de 19-09-2012, processo n.º 0659/12; – de 5-2-2015, processo n.º 08/13; – de 13-7-2016, processo n.º 0173/16; – de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.
No caso concreto, as ilegalidades que o Requerente imputa aos atos de liquidação de IMI controvertidos referem-se unicamente à sua base de incidência, em concreto, à fixação do VPT desses terrenos, posta em causa por o VPT ter sido calculado de acordo com uma fórmula incorreta.
Afigura-se, pois, inequívoco que o Requerente pretende a anulação das liquidações de IMI por vício do ato de fixação do VPT. E, como acabado de se referir, o legislador estabeleceu um regime específico para a contestação do ato – destacável – (e procedimento) de fixação do VPT, que constitui um desvio, por opção legislativa, ao regime da impugnação unitária previsto no artigo 54.º do CPPT, não cabendo a sua apreciação na impugnação judicial da subsequente liquidação de IMI.
Contudo, o legislador mitigou o efeito preclusivo desse regime de impugnação autónoma ao instituir o regime de revisão oficiosa dos atos tributários ilegais – um regime que assume o cargo de ‘válvula de escape’ do sistema, ao permitir que, por iniciativa do particular ou da AT, e na medida em que se verifiquem os pressupostos legais, mormente o “erro imputável aos serviços”, seja possível proceder à revisão oficiosa dos tributários. Isso mesmo sublinha o TCA Sul, no acórdão de 31 de outubro de 2019, processo n.º 2765/12.8BELRS: “o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.”
É a esta luz que tem de apreciar-se o mecanismo de revisão dos atos tributários, conformado, em geral, pelo artigo 78.º da LGT, e, em matéria de IMI, pelo preceituado no artigo 115.º do CIMI. A inclusão de normas deste tipo nos códigos tributários é justificada pelo reforço das garantias de defesa dos contribuintes e de elevação dos meios de tutela das respetivas posições substantivas, sem que tal colida com o princípio fundamental da segurança jurídica, inerente ao Estado de Direito, pois é circunscrita a um quadro temporal pré-definido, de 4 ou 3 anos, consoante esteja em causa a aplicação do n.º 1 ou do n.º 4 do artigo 78.º da LGT.
Neste contexto, o artigo 78.º da LGT, sob a epígrafe “Revisão dos atos tributários”, na parte relevante para a apreciação das questões decidendas, dispõe o seguinte:
“1 - A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 – [revogado]
3 - A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. […]”
O instituto da revisão oficiosa está, de igual modo, previsto no artigo 115.º do Código do IMI (“Revisão oficiosa da liquidação e anulação”) que, no seu n.º 1, alínea c), determina que: “Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas […] c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado coleta de montante diferente do legalmente devido”.
Estamos perante “um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um ato ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respetivos montantes, que não estejam previstos na lei.” – v. acórdão do TCA Sul, processo n.º 2765/12.8BELRS.
Quer em relação ao artigo 78.º, n.º 1 da LGT, quer ao artigo 115.º, n.º 1, alínea c) do Código do IMT, a revisão oficiosa reporta-se, no seu sentido literal, a ilegalidades dos atos tributários stricto sensu - atos de liquidação de IMI - e não à avaliação (ou a atos de avaliação) de valores patrimoniais, que consubstanciam atos administrativos em matéria fiscal. Já no que se refere ao n.º 4 do artigo 78.º da LGT, este faz referência à “revisão da matéria coletável” e não a “atos tributários”, pelo que abrange, sem dúvida, atos de fixação de valores patrimoniais. Aqui, não constitui requisito constitutivo do direito à revisão a ocorrência de “erro imputável aos serviços”; porém, requer-se o fundamento de “injustiça grave ou notória”, sendo o prazo encurtado para três anos (posteriores ao do ato tributário). Relativamente a este ponto – do enquadramento da situação em análise no n.º 1 ou no n.º 4 do artigo 78.º da LGT – a jurisprudência diverge. O acórdão do TCA Sul, que se acompanha, preconiza uma interpretação extensiva, segundo a qual o artigo 78.º, n.º 1 da LGT é invocável também no domínio dos atos de fixação de valores patrimoniais, não obstante estar em causa matéria de avaliação de VPT, “visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.” Assim, na medida em que esses atos de avaliação se repercutem em liquidações de imposto de valor superior ao que resultaria da correta aferição da base de incidência, não existe razão para que não mereçam um nível de tutela similar. Neste sentido, segundo o citado acórdão do TCA Sul [processo n.º 2765/12.8BELRS]: “ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços. O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas. Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável. O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal.”
Esta posição tem eco na decisão arbitral n.º 500/2020-T, de 24 de junho de 2021, com os fundamentos que parcialmente se transcrevem: “Sendo o pedido de revisão oficiosa meio próprio para se obter a revisão de uma liquidação, mesmo quando inquinada por vício na quantificação da matéria coletável que lhe serve de base, é meio próprio para conhecer de tais questões o recurso judicial ou arbitral interposto no seguimento do silêncio administrativo quanto a tal pedido. Fazemos nosso o entendimento do TCAS no acórdão que pôs termo ao processo 2765/12, de 31-10-2019, segundo o qual a errada fixação do VPT pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação. […] Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado. Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1]. (…) Restringir ou eliminar essa impugnabilidade constituiria, outrossim, uma agressão manifesta ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmado nessa norma constitucional. Mesmo que assim não se entenda, sempre teríamos que a revisão oficiosa seria possível com fundamento no disposto nº 4 do art.º 78º da LGT: o apuramento da matéria coletável consubstanciar «injustiça grave ou notória». No caso, verificam-se os dois pressupostos legais: a gravidade, pois o imposto liquidado será mais de 35% superior ao devido no caso da A... quase 60% superior ao devido no caso da B...; a notoriedade, uma vez que estão em causa questões de direito, sendo que o cálculo do VPT foi feito de forma que contraria frontalmente jurisprudência consolidada do STA. Não está em causa um qualquer “comportamento negligente do contribuinte”, pois que este(s) nenhuma intervenção tiveram na fixação dos VPT’s em causa. Note-se, por último, que a “negligência” que a lei se refere é relativa ao contributo do contribuinte para o “erro” e não à negligência na utilização atempada dos meios normais de reação. Assim, mesmo admitindo – o que não se concede – que o pedido de revisão oficiosa apenas poderia ser feito ao abrigo do n.º 4 do art.º 78º da LGT, temos que, sempre seria tempestivo (as liquidações em causa relativas a 2016 – as mais antigas - são datadas de 2017, tendo os pedidos de revisão oficiosa das liquidações sido apresentados, respetivamente, em , em 02.03.2020 e 04.03.2020, ou seja, dentro dos três anos posteriores aos dos atos tributários cuja revisão se pretendia.”
Concordamos com esta posição, verificando-se, na situação dos autos, erro imputável aos serviços, na medida em que, não obstante a Requerida ter efetuado as liquidações de IMI com base nos VPT que constavam das matrizes, a 31 de dezembro do ano em causa, como determina o artigo 113.º, n.º 1 do Código do IMI , esta incorreu em erro de direito no procedimento de avaliação e fixação do VPT, que condicionou diretamente a sobrevalorização dos VPT e a liquidação de IMI em excesso e, em consequência, o pagamento de prestação tributária indevida. Interessa sublinhar que, para este desfecho, não contribuiu o Requerente. Efetivamente, a fixação do VPT foi efetuada pela Requerida, não sendo alegado nem demonstrado que o Requerente tivesse declarado algum elemento de informação errado em relação aos terrenos para construção avaliados, pelo que o eventual erro da fórmula aplicada não pode ser imputado a um comportamento negligente daquele. Esta é também a interpretação que, segundo entendemos, melhor se coaduna com o nível de proteção acrescido dos contribuintes que está subjacente à instituição do regime de revisão oficiosa e ao princípio da legalidade e da tutela efetiva das posições substantivas que lhes assistem. Conclui-se, desta forma, pela admissibilidade e tempestividade da revisão oficiosa das liquidações de IMI impugnadas na presente ação arbitral, pois mesmo relativamente às liquidações de IMI de 2016 (emitidas a 02.03.2017, a 30.05.2017 e a 12.10.2017) o prazo de 4 anos foi respeitado pois o pedido de revisão oficiosa foi apresentado ainda no dia 21.05.2021. No que concerne às liquidações respeitantes aos anos de 2017 e 2018, as mesmas foram emitidas a 07.03.2018, a 08.06.2018, a 19.10.2018, a 23.03.2019, a 12.07.2019 e a 03.10.2019, pelo que, também quanto a estas, o pedido de revisão apresentado a 21.05.2021, era tempestivo. Assim, o dirigente máximo do serviço ainda poderia autorizar o pedido de revisão da matéria tributável e consequentemente corrigir as respetivas liquidações em conformidade com a revisão autorizada.
Verificada a tempestividade do pedido, e como já se referiu, ter-se-ia ainda que apreciar se a fixação dos valores patrimoniais resulta de qualquer informação incorretamente prestada pela Requerente relativamente à natureza dos prédios. Tal não parece, porém, defensável: a avaliação foi realizada pela AT, com base numa fórmula prevista na lei, sem qualquer intervenção da Requerente, pelo que está afastado qualquer comportamento negligente da sua parte.
Pelo contrário, o erro parece ser completamente imputável à AT, na medida em que utilizou na avaliação e fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção normas legais aplicáveis aos prédios edificados, o que nos permite concluir que os erros apontados pela Requerente na fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção em causa, são exclusivamente imputáveis à AT.
Tais erros conduziram ao apuramento de valores patrimoniais dos terrenos para construção não correspondentes ao legalmente previsto no artigo 45.º do CIMI e, consequentemente, à liquidação de IMI desproporcionalmente superior ao legalmente exigível, o que se considera consubstanciar um caso de «injustiça grave ou notória», ficando, deste modo, preenchidos os requisitos exigidos pelo n.º 4 do artigo 78.º da LGT.
Nesta perspetiva justifica-se a anulação do indeferimento tácito relativamente às liquidações respeitantes aos anos de 2016, 2017 e 2018 e a sua consequente anulação parcial, ao abrigo do artigo 163.º, n.º 1 do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c) da LGT.
3.2 Questões de conhecimento prejudicado
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral, nos termos mencionados, o que se reflete na ilegalidade das liquidações impugnadas e assegura eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas, em especial as de inconstitucionalidade, de harmonia com os artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
4. Pedidos de reembolso do imposto indevidamente pago e de juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto indevidamente pago, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Relativamente aos valores a restituir, apesar de quantificados pela Requerente, o Tribunal não possui elementos que lhe permitam confirmar tal quantificação, que até poderá estar correta e não foi contestada pela Requerida, mas, de acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 110.º do CPPT, a falta de contestação não corresponde a confissão.
Nestas circunstâncias, deverá a Requerida, em execução de sentença e em cumprimento da decisão do Tribunal, proceder à reformulação das liquidações dos anos de 2016, 2017 e 2018.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, é devido o pagamento de juros de acordo com o previsto no artigo 43.º, n.º 1 da LGT e no artigo 61.º, n.º 5 do CPPT.
Porém, resulta da matéria de facto que a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em 21/05/2021, situação que conduz a que os juros indemnizatórios sejam devidos nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, isto é, quando a revisão do ato tributário ocorra para além de um ano sobre o pedido, sendo, por isso, devidos juros indemnizatórios, apenas a partir de 21/05/2022 até ao reembolso do IMI indevidamente pago, sendo os juros calculados sobre os montantes que vierem a ser apurados na execução da presente decisão, à taxa legal supletiva de acordo com os artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do CC e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, o Tribunal decide o seguinte:
a. Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no sentido da anulação do indeferimento tácito relativamente às liquidações de IMI respeitantes aos anos de 2016, 2017 e de 2018 e a sua consequente anulação parcial em conformidade com o aqui decidido, ao abrigo do artigo 163.º, n.º 1, do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c) da LGT;
b. Condenar a Requerida ao reembolso do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos referidos na fundamentação desta decisão.
V- VALOR DO PROCESSO
Fixar o valor do processo em € 414.155,11, de harmonia com as disposições contidas no artigo 299.º, n.º 1, do CPC, no artigo 97.º-A do CPPT, e no artigo 3.º, n.º 2, do RCPAT.
VI- CUSTAS
Fixar custas do processo, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, no montante total de € 6.732,00, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de junho de 2022
O Tribunal Coletivo
Fernanda Maçãs (Presidente)
vencida, nos termos que se seguem.
Martins Alfaro
(Árbitro Auxiliar)
Raquel Franco
(Árbitro Auxiliar - relatora)
Declaração de voto
Estamos perante impugnação de atos tributários de liquidação de IMI suportados em erros ocorridos na avaliação que fixou os valores patrimoniais tributários. A Requerente não aponta qualquer erro específico aos atos tributários de liquidação do IMI em causa, questionando tão só o valor patrimonial tributário que suportou aqueles.
Assim sendo, o meu sentido de voto acompanha a jurisprudência que defende não ser possível usar o procedimento impugnatório contra liquidações de IMI, com base em erros de atos de fixação de valores patrimoniais.
Na medida em que a atribuição da natureza de ato destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste ato para efeitos de impugnação contenciosa, os vícios do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo. Não haverá assim possibilidade de apreciação da correção do ato de fixação do VPT na impugnação do ato de liquidação de IMI, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.
De acordo com esta jurisprudência, os atos de fixação dos valores patrimoniais são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, os quais não tendo sido tempestivamente impugnados formam caso resolvido.
Não se percebe, aliás, como é que, na presente decisão Arbitral, embora reconhecendo-se que a Requerente não impugnou os atos destacáveis, que se fixaram na ordem jurídica, se aceita ao mesmo tempo que essa ilegalidade, que se estabilizou na ordem jurídica, com efeitos equivalentes ao do “caso julgado”, se possa transmitir para o ato de liquidação. Tudo isto para justificar uma pretensa ilegalidade da liquidação e a aplicação do artigo 78.º, n.º1, da LGT.
Esta tese a fazer a caminho faz tábua rasa da própria lei que consagra no caso a impugnação dos atos destacáveis em causa e deita por terra toda a dogmática firmada à volta deste conceito. Ao mesmo tempo desvirtua o regime da revisão oficiosa, porquanto o caso em apreço não cabe no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, mas sim no n.º 4 do mesmo preceito.
Como ficou consignado na Decisão Arbitral proferida no proc n.º 487/2020-T ” Apesar da não impugnabilidade normal de atos de liquidação com fundamento em vícios dos actos de avaliação de valores patrimoniais, os n.ºs 4 e 5 do art. 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais, a título excepcional, «com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». ( ).Por isso, invocando a Requerente que «os referidos erros na aplicação do direito (exclusivamente imputáveis à AT, repita-se) resultou uma coleta em IMI superior (mais de duas vezes superior) àquela que seria devida nos termos legais, o que é igualmente suscetível de configurar uma injustiça grave ou notória nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 4, da LGT»(…)”
Para além deste requisito, verifica-se que o prazo de revisão oficiosa se fixa nos três anos.
Deste modo, no que respeita à impugnação de atos tributários de avaliação consolidados na ordem jurídica a 31 de dezembro de 2016, há muito se encontra ultrapassado o prazo de 3 anos concedido para o efeito.
Em conclusão, seria de manter na ordem jurídica as liquidações respeitantes ao ano de 2016, procedendo o pedido de anulação parcial das liquidações respeitantes aos anos de 2017 e 2018.
Fernanda Maçãs