Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 550/2021-T
Data da decisão: 2022-07-13  IRS  
Valor do pedido: € 8.431,50
Tema: IRS - Aplicação do artigo 51.º do CIRS. Definições legais de encargos e despesas.
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SUMÁRIO: 

1.     As despesas efetuadas por um proprietário de um terreno para construção com a obtenção de um alvará de construção incluindo todos os projetos de arquitetura e de especialidade são encargos com a valorização do bem a acrescer ao valor de aquisição para efeitos de cálculo das mais valias nos termos da alínea a) do artigo 51.º do CIRS.

2.     A caducidade do alvará obtido não retira às despesas comprovadamente efetuadas a qualidade de encargo de valorização desde que feitas dentro dos doze anos previstos na norma.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

            O árbitro Vasco António Branco Guimarães árbitro singular designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 07-12-2021, decide o seguinte:

 

            

1. Relatório

 

A..., NIF..., residente na Rua ..., n.º..., ...-... em Lisboa, doravante abreviadamente designado por “Requerente” , (doravante designado de “Requerente”), apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a  apreciação da legalidade sobre:

1.         A decisão de indeferimento expresso de pedido de Reclamação Graciosa n.º ...2020...;

2.         Da (i)legalidade dos actos tributários de liquidação dos juros compensatórios n.º 2020... .

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 06-09-2021 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em10-09-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 28-10-2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 17-11-2021.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a legalidade da liquidação corretiva efetuada pugnado pela improcedência do pedido e a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e as Alegações. Juntou Jurisprudência e argumentação jurídica.

Por despacho de 11-01-2022, foram as Partes convidadas a apresentar Alegações. Só o SP apresentou alegações onde reafirma o Pedido inicial.

Em 17-05-2022 foi a instância prorrogada por dois meses ao abrigo do artigo 21.º do RJAT.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto 

2.1. Factos provados 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

 

A.        O Requerente adquiriu pelo valor de Euro 440.000,00 (quatrocentos e quarenta mil) o direito de propriedade sobre o prédio urbano com natureza de terreno para construção correspondente ao ... sito no ..., na freguesia do ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., da mesma freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário à data de Euro 149.252,50 (cento e quarenta e nove mil, duzentos e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos).

B.        O Requerente procedeu à contratação de profissionais especializados na conceção, elaboração de projetos de licenciamento e execução de arquitetura e especialidades e apresentou esses estudos e projetos à Câmara Municipal de Lisboa tendo o processo de construção tramitado sob o n.º .../EDI/2011 tendo o mesmo sido aprovado e emitido o Alvará de Construção .../CE/2011 em 21 de dezembro de 2011 referido ao imóvel em causa.

C.        Em 09-03-2018 o Requerente procedeu à alienação do imóvel pelo valor de Euro 635.000,00 (seiscentos e trinta e cinco mil). 

D.        A mais-valia realizada foi declarada na Mod. 3 do ano de 2018 em 25.06.2019.

E.        Nessa declaração foram apresentadas pelo Requerente despesas e encargos no montante de Euro 86.385,18 (oitenta e seis mil trezentos e oitenta e cinco euros e dezoito cêntimos).

F.        A Autoridade Tributária criou um processo de divergências.

G.        O Requerente apresentou cópia dos documentos de suporte.

H.        A AT desconsiderou gastos no valor de Euro 34.127,33 (trinta e quatro mil, cento e vinte e sete euros e trinta e três cêntimos) correspondentes aos pontos 6.a. a e. da Informação ...2021... com data de 09-03-2021 junta como Doc. 10. com o PPA.

Os restantes argumentos expendidos são matéria de direito ou referências a Jurisprudência sobre a matéria sem relevância fáctica.

 

3. Matéria de direito.

 

As questões de mérito que são objeto deste processo são: 

1.         Saber se as despesas e encargos suportados pelo Requerente enquadram os conceitos legais de despesas e encargos com previsão normativa no artigo 51º do CIRS.

2.         Saber se são devidos os juros compensatórios pagos pelo Autor do PPA.

 

3.1. Posições das Partes.

 

O Requerente defende o seguinte, em suma:

- O Tribunal Arbitral tem competência para julgar os pedidos porque resultam de indeferimento expresso do pedido de reclamação graciosa e a AT faz uma errada aplicação da norma ao caso em concreto.

A AT defende a improcedência do PPA nos mesmos termos em que indeferiu reclamação graciosa defendendo que «o R. não logrou demonstrar, para efeitos do disposto na alínea a) do artigo 51.º do CIRS, que as restantes despesas declaradas se destinaram à valorização do imóvel sujeito a mais-valias».

 

3.2. Apreciação da questão.

Os encargos e as despesas em crise na interpretação da AT estão inequivocamente conexas com o imóvel alienado e a ele intrinsecamente ligadas.

Resulta do processo instrutor que os técnicos da AT consideram as despesas com a obtenção do alvará de construção, incluindo as despesas com o projeto de arquitetura como sendo aptas a valorizar o imóvel. No entanto, consideram que as mesmas devem ser desconsideradas porque a licença caducou e não estava em vigor à data da transmissão.

Nesta interpretação parece resultar que só a valorização vigente e ainda com benefício deveria ser valorizada para efeitos de cálculo da mais-valia tributável.

Ora, não é isso que resulta do texto legal nem da Jurisprudência sobre a matéria.

O texto legal dispõe que «para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem: a) Os encargos com a valorização dos bens,».

O intervalo temporal admitido para a ponderação destes encargos é de doze anos (anteriormente cinco anos).

Doze anos é um prazo superior à maioria das caducidades existentes em direito tributário e outros.

Para a tese da AT ter fundamento a norma teria de estar escrita de outra forma.

A interpretação normativa e o elemento literal e lógico não admitem a posição assumida pela AT neste processo que se apresenta como contraditória e incoerente. A norma não pode estabelecer que os encargos com a valorização dos bens comprovadamente realizados nos últimos doze anos acrescem ao valor de aquisição e depois defender-se que se um encargo realizado nesse período de tempo perdeu validade jurídica já não pode valorizar o bem. 

No caso em concreto existe mesmo uma declaração dos compradores a valorizar o facto que a AT desvalorizou.

Um terreno para construção com um alvará de construção, mesmo caducado, tem claramente um valor superior de mercado e isto desde logo, porque a capacidade do imóvel ser efetivamente construído é um passo determinante na utilidade económica de um terreno para construção. O mesmo pode ser afirmado em relação aos projetos e estudos de especialidade e os respetivos pagamentos. As faturas pagas a entidades que têm de aprovar os projetos de especialidade (como água, esgotos, gás e energia) são claramente uma despesa de valorização. O mesmo é válido para os estudos de arquitetura que incluem área de construção e logradouro, solução arquitetónica e restantes condicionantes que têm de passar pelo escrutínio das autoridades municipais e nacionais competentes.

Procedem assim de facto e de Direito os argumentos expendidos pelo Autor do PPA.

Em sentido idêntico, mas referidos a imóveis construídos e não terrenos para construção vide, Decisão Arbitral 407/2020-T e Acórdão do STA de 18-11-2020, 2ª Seção processo n.º 0245/17.4BELRA.

Improcedem assim os argumentos apresentados pela Autoridade Tributária de facto e de jure.

 

Termos em que:

a.         se declara a anulabilidade da liquidação corretiva em apreciação nos autos e se condena a Autoridade Tributária a aceitar os valores declarados e provados como encargos e despesas dedutíveis ao abrigo do disposto no artigo 51.º do CIRS e, em consequência,

b.         que seja devolvida ao Requerente do PPA a quantia de Euro 8.431, 50 (oito mil quatrocentos e trinta e um euros e cinquenta cêntimos) que inclui imposto e juros compensatórios pagos acrescida dos juros indemnizatórios devidos ao abrigo do artigo 43.º da LGT, desde a data da reclamação graciosa até efetivo pagamento.

 

Uma vez que procederam os pedidos principal e subsidiário são devidos juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

Custas a cargo da Autoridade Tributária por ter decaído que se fixam em Euro 918,00 (novecentos e dezoito).

 

Valor do processo Euro 8.431,50 (oito mil quatrocentos e trinta e um euros e cinquenta cêntimos).

 

Lisboa, 13 de julho de 2022

 

O Árbitro Singular

 

 

(Vasco Branco Guimarães)