Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 310/2014-T
Data da decisão: 2014-11-26  IVA  
Valor do pedido: € 19.527,78
Tema: IVA – Aplicação de Métodos Indiretos; competência do Tribunal Arbitral
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Decisão Arbitral

 

Processo de Arbitragem Tributária

Processo nº 310/2014 – T

Tema: IVA – Aplicação de Métodos Indiretos – Competência do Tribunal Arbitral

 

 

A Árbitro Dra. Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 4 de Junho de 2014, acorda no seguinte:

 

       I.     RELATÓRIO

 

                 A sociedade A... S.A,  pessoa colectiva n.º …, com sede na Zona Industrial de …, adiante “Requerente”, vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do artigo 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por “RJAT”[1], requerer a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais de IVA n.ºs …, no valor total de €19.525,78 referentes ao ano de 2009, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, resultantes da aplicação de métodos indiretos de determinação da matéria colectável, nos termos do disposto no artigo 90.º do Código do IVA.

 

                 Para fundamentar o seu pedido, considera a Requerente, e em síntese, que não estão preenchidos os pressupostos legais de aplicação de métodos indiretos, por terem sido disponibilizados todos os elementos necessários à comprovação e a quantificação direta e exata da matéria tributável. Discorda, ainda, dos critérios de apuramento utilizados, salientando a arbitrariedade na escolha da mediana de cálculo do  lucro presumido.

                 A este respeito, alega que não foram detetadas irregularidades na contabilidade, à exceção da não apresentação de dossier de preços de transferência, exigência que, em todo o caso, não lhe seria aplicável dado o seu volume de negócios ficar aquém do limite legal. Neste âmbito, opõe-se à relação alegada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) entre a violação do artigo 63.º do Código do IRC e a presumível subfacturação da Requerente associada ao facto da empresa dominante do grupo recorrer à subcontratação de terceiros.

                 Porquanto, entende a Requerente que a manutenção das correções que subjazem às liquidações adicionais de IVA se revela ilegal, por não preencher os requisitos de recurso a métodos indiretos, e ainda que tal recurso se considere fundamentado, seriam inaceitáveis os critérios e valores da fixação da matéria coletável, invocando, neste âmbito, inexistência de facto tributário, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT.

 

                 No dia 1 de Abril de 2014, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

                 A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.

                 Assim, nos termos e para os efeitos do disposto do nº 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi designado árbitro do Tribunal Arbitral Singular a Exma. Dra. Filipa Barros, que comunicou, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

                 Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 4 de Junho de 2014, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

                 A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual deduz defesa por exceção fundada na incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria. Para tanto, invoca o disposto na alínea b), do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (“Portaria de Vinculação”), segundo a qual é subtraída à jurisdição arbitral a competência para apreciar “pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributária, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”.

                 A título subsidiário, e por impugnação, sustenta que não tem fundamento o alegado erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, pois os serviços de inspeção tributária fizeram prova da verificação dos referidos pressupostos, tendo a Requerente dado consentimento à aplicação de métodos indiretos ao avançar com uma quantificação indireta da sua matéria colectável.

                 De acordo com a Requerida foram apurados factos que revelam uma capacidade contributiva diversa da declarada, respeitante à divergência entre a rentabilidade com pessoal da Requerente e o rácio para o mesmo sector de atividade e unidade orgânica, a qual consubstancia uma quebra acentuada de produtividade relativamente aos anos anteriores sem que a Requerente tenha avançado qualquer justificação razoável para o efeito, ou apresentado documentos contabilísticos, designadamente, o dossier de preços de transferência, ou outros, susceptíveis de comprovar a comparabilidade de preços praticados bem como os custos imputados aos serviços facturados, afastando também os sérios indícios de subfacturação.

                 Contesta-se que as correções efetuadas tenham tido por base a violação do disposto no artigo 63.º do Código do IRC, sendo a referência feita à apresentação do dossier de preços de transferência um meio de prova, pertinente na medida em que o único cliente da Requerente é a “B...” (parte relacionada) sendo susceptível de demonstrar a comparabilidade dos preços praticados, o qual a existir, teria permitido à AT proceder a correções meramente aritméticas da matéria tributável.      

                 Impugna, de igual modo, o invocado erro na quantificação da matéria coletável, apontando o facto de a Requerente não ter conseguido demonstrar o excesso de quantificação, ónus que sobre si impendia nos termos do artigo 100.º do CPPT, e de não ter trazido qualquer elemento de apuramento objetivo da matéria coletável.

                 Conclui pela procedência da exceção dilatória de incompetência e, subsidiariamente, pela improcedência da ação.

 

                 Em 15 de Outubro de 2014, realizou-se a primeira reunião do tribunal arbitral, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT.

                 No exercício do direito ao contraditório, foi admitida a junção ao processo de resposta escrita apresentada pela Requerente às exceções invocadas pela Requerida.

 

                 Alega a Requerente, na resposta às exceções, no essencial e em síntese:

Ao contrário do afirmado pela AT, a correcção teve por fundamento a violação da disciplina dos preços de transferência em sede de IRC (art. 63.º do CIRC) conforme resulta do relatório da inspeção tributária (vide ponto 17 do requerimento inicial).

Em 2009 (exercício da correcção), a disciplina dos preços de transferência não se encontra prevista no CIVA.

Assim, o que está em causa é a total inadequação/ilegalidade do recurso dos métodos indirectos para corrigir a base tributável em sede de IVA com base na (suposta) violação da disciplina dos preços de transferência prevista no CIRC.

É facto que a requerente apresentou o pedido de revisão da matéria  colectável nos termos do artigo 91º da LGT.

E recorreu a este pedido, não por concordar ou conceder quanto ao fundamento da correcção (preços de transferência), mas apenas para acautelar uma futura defesa e discussão sobre a quantificação.

Para acomodar o pedido da requerente apenas à questão da ilegalidade do recurso dos métodos indirectos em sede de IVA com base na violação da disciplina dos preços de transferência (mais grave: em sede de IRC), requer-se a redução dos fundamentos do pedido da requerente a esta matéria. Note-se, por último, que se entende que o recurso (ilegal) por parte da AT aos métodos indirectos para efectuar correcções em sede de IVA com base na violação da disciplina dos preços de transferência em de IRC, permite à AT  subtrair-se à vinculação do douto tribunal arbitral em matéria da disciplina dos preços de transferência, está encontrada uma ilimitada “válvula de escape” para a AT se desvincular da arbitragem tributária.”

 

                 Ouvidas as partes o Tribunal notificou a Requerida e a Requerente, para por esta ordem e de modo sucessivo apresentarem alegações escritas relativas à resposta à exceção apresentada pela Requerida na sua resposta.

                

                 O Tribunal decidiu que se pronunciaria em decisão interlocutória sobre a matéria relativa à exceção invocada pela Requerida.

                 Em conformidade, e ouvidas as partes, o Tribunal determinou o adiamento para momento posterior da eventual realização da inquirição de testemunhas.   

 

                 Face às alegações produzidas pelas partes e à exceção suscitada, são questões a decidir as seguidamente identificadas:

 

1.      Questão prévia - Da incompetência deste tribunal em razão da matéria; 

 

Caso não se verifique a procedência da exceção invocada pela Requerida cumprirá decidir sobre:

2.      O erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos; e, por último,

3.      O excesso de quantificação da matéria tributável por critérios de avaliação indireta.

 

II. SANEAMENTO DO PROCESSO

 

                 As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

                

          Exceção ou questão prévia: a incompetência material do Tribunal Arbitral.

                

                 Suscita a AT, entre outras questões, a da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido da Requerente.

                 E funda a sua posição no facto de ser objeto dos autos um pedido de pronúncia arbitral que tem por base liquidações adicionais de  IVA - a que a Requerente imputa o vício de ilegalidade - com recurso a métodos indiretos, nos termos do artigo 90.º do Código do IVA, e das alíneas b) e e) do n.º 1 do artigo 87.º e alíneas a) e d) do artigo 88.º da LGT, matéria que se encontra expressamente excluída dos termos da vinculação da AT à jurisdição arbitral pela Portaria de Vinculação.

                                                                      

                 Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (artigo 13.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT), e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso [artigo 16.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT], importa começar por apreciar a exceção dilatória suscitada pela Requerida sobre a incompetência do Tribunal Arbitral.

                 Vejamos, por conseguinte, os factos, ainda que apenas os especialmente  relevantes para a prolação da decisão quanto à competência material do Tribunal Arbitral.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

1. Factos dados como provados

 

Estão documentalmente comprovados no âmbito do processo administrativo e/ou aceites pelas partes nos respetivos articulados, os seguintes factos:

 

1)      A Requerente desenvolve a sua atividade no sector da indústria e confecção de malhas, têxteis e vestuário.

2)      Os serviços de confecção efectuados pela Requerente em 2009 destinaram-se essencialmente à C... - , S.A. e respeitam essencialmente à confecção de peças a feitio sobre as quais é pago um preço por peça executada;

3)      A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva externa de âmbito geral efetuada em cumprimento da ordem de serviço n.º OI …, de 27.07.2012, relativa ao exercício de 2009;

4)      Do relatório de inspeção resulta que os Serviços de Inspeção Tributária analisaram a estrutura de custos da Requerente, os elementos da contabilidade e a política de preços praticada com a parte relacionada C... tendo considerado o seguinte:

o elevado peso dos custos com pessoal, bem como das amortizações do exercício dos custos totais, representando 81,6% e 8,1%, respectivamente, face ao volume de negócios declarado contribuíram para que a empresa apresentasse prejuízos continuados, pelo que o rácio de rentabilidade é negativo quer (...) em 2009, quer em exercícios anteriores. (...) Daqui se poderá inferir a existência de subfacturação, já que os serviços prestados consistem, essencialmente,  em mão de obra incorporada nos serviços de acabamentos para o único cliente “...” que detém pleno domínio societário (administrador único) e por conseguinte pode interferir na política de preços declarados.

Ademais, este seu cliente efectua entregas/transferências bancárias, ao longo do ano, de valores superiores aos facturados, como vem evidenciado na contabilidade. De facto, a conta clientes acumula saldos credores (DOC III), traduzindo que os valores recebidos são superiores aos facturados, sendo posteriormente aquele saldo credor anulado por contrapartida a crédito da conta 26827001 “adiantamentos – ...(...).

O relatório refere ainda que, “pese embora conste do quadro 11 da IES, entregue pelo s.p., a resposta afirmativa à seguinte questão: a documentação relativa a preços de transferência praticados encontra-se organizada? O certo é que não possui qualquer documento relativo a preços de transferência (...) tendo sido enviados elementos escassos e inconclusivos, na medida em que a amostra dos preços indicados como comparáveis é muito pequena (2 produtos/referências) quer do s.p. quer de terceiros (...) entidades estas subcontratadas pela .... Além de indicar preços praticados em anos diferentes, ou seja 2009 (s.p.) e 2010 (das empresas que servem de termo de comparação), não nos é possível confirmar efetivamente a comparabilidade.(...).

Assim sendo, não obedecendo às regras constantes do Código do IRC, relativamente a preços de transferência, impossibilitando o apuramento da matéria coletável através da avaliação direta, socorremo-nos dos indicadores de atividade (rácios), neste caso, R18=rentabilidade com pessoal para presumir volumes de negócios (...).

E em conclusão, no relatório dos Serviços de Inspeção Tributária aponta-se:

 “Por tudo o que foi dito ao longo do presente relatório verifica-se estarmos perante a possibilidade de determinação direta e exata da matéria coletável a que se refere o artigo 88.º da LGT (...). Assim, a contabilidade não refletindo a verdadeira situação patrimonial e à falta de elementos fornecidos pelo s.p. não nos é possível determinar a matéria coletável de forma direta motivo pelo qual subsidiariamente recorremos aos métodos indiretos, socorrendo-nos do rácio de atividade (R18 mediana da UO) para presumir o volume de negócios, mantendo as correções já constantes do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária”. (cf. doc. n.º 13, que se dá por integralmente reproduzido, junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral); 

5)      Face à impossibilidade de quantificar de forma direta e exata a matéria tributável, em sede de IRC e IVA, para o exercício de 2009, os Serviços de Inspeção Tributária, consideraram reunidos os pressupostos previstos na alínea b) e e) do n.º 1 do artigo 87.º e alínea a) e d) do artigo 88.º, ambos da LGT, tendo procedido  à determinação da mesma com recurso a métodos indiretos, nos termos do disposto no artigo 90.º da LGT em conjugação com artigo 57.º do Código do IRC e artigo 90.º do Código do IVA, (cf. Processo Administrativo);

6)      Em consequência, a matéria tributável da Requerente foi objeto de correção em €97.629,05, resultado da diferença entre o volume de negócios declarado e o volume de negócios presumido (234.261,74 – 136.632,69), corrigindo o lucro tributável para efeitos de IRC num montante de €9.080,39 (em face do prejuízo fiscal declarado de € 88.548,66) e fixando o IVA em falta num montante total de € 19.525,78, nos termos do artigo 90.º do Código do IVA.

7)      Pelo Ofício n.º … de 13.03.2013, a Requerente foi notificada para exercer o Direito de Audição Prévia ao Projeto de Relatório de Inspeção.

8)      Em 02.04.2013 a Requerente apresentou a sua defesa em  Direito de Audição, alegando, em síntese, o seguinte:

1)      Quanto à questão da justificação do baixo rácio (R18) custos pessoal/serviços prestados, a A... esclareceu que a situação da empresa se devia (i) ao compromisso assumido com a CM de …, por força do protocolo celebrado, (junto no Relatório) da manutenção dos postos de trabalho, implicando a respectiva violação uma obrigação de pagamento de avultadas indemnizações, associado (ii) à grande crise do sector têxtil e (iii) à dívida/subsídio contraída junto IAPMEI cujo termos de reembolso era em Outubro de 2009;

2)      No que respeita ao incumprimento de apresentação de dossier de preços de transferência, salientou que não está obrigada a possuir processo de documentação fiscal na medida em que o seu volume de negócios é de €136.633, pelo que fica aquém do limite legal “assim cabe à administração fiscal o ónus da prova de que os preços praticados com  entidades em relações especiais (operações vinculadas) diferem dos que seriam normalmente acordados na ausência dessas relações especiais.” (cf. pedido de pronuncia arbitral); 

9)      Por Ofício … de 16-04-2013, emitido pela Exma. Senhora Diretora de Finanças de …, a Requerente foi notificada, em 08-05-2013, do Relatório Final Definitivo, no qual se decidia pela manutenção dos valores propostos no Projeto de Relatório. (cf. Processo Administrativo).

10)  Em 21-05-2013 a Requerente apresentou nos termos e para os efeitos do artigo 91.º da LGT o Pedido de Revisão da Matéria Coletável, opondo-se contra a fixação da matéria colectável em IRC e em IVA, relativa ao ano de 2009, por métodos indiretos, requerendo a designação de perito para a representar na Comissão de Revisão, bem como de  perito independente; (cf. doc. n.º 18 junto com o pedido de Pronúncia Arbitral);

11)  Nos termos da Ata da Reunião para Apreciação do Pedido de Revisão da Matéria Coletável, de 14-06-2013, considerou-se que “nos termos da análise aos fundamentos e dados constantes do processo, nomeadamente relatório de Inspeção Tributária, pedido de revisão formulado pelo sujeito passivo e alegações produzidas por ambos os peritos durante a reunião, não foi possível o estabelecimento de um acordo nos termos do artigo 92.º n.º 1 da LGT. (cf. Processo Administrativo).

12)  Por decisão datada de 25-09-2013, concluiu a Exma. Senhora Diretora da Finanças  que:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(cf. Decisão Final do Pedido de Revisão e Fixação da Matéria Tributável,   documento n.º 18, junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

 

13)  Em 31-03-2014, a Requerente deduziu o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo. (cf. requerimento electrónico ao CAAD).

 

2.    Factos não provados

 

       Não se constataram factos com relevo para a apreciação da matéria da exceção  que não se tenham provado.

 

3.    Motivação

           

       A convicção do Tribunal ao estabelecer o quadro factual supra, fundou-se na documentação junta aos autos pelas partes e no processo administrativo instrutor.

 

 

 

 

 

B.        DO DIREITO

 

            Os atos tributários objeto de apreciação são tão só as liquidações adicionais de IVA n.ºs …, no valor total de €19.525,78 referentes ao ano de 2009, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, resultantes da aplicação de métodos indiretos de determinação da matéria colectável, nos termos do disposto no artigo 90.º do Código do IVA.

           

            A Requerida invocou uma da exceção dilatória de incompetência material do Tribunal cuja procedência obsta ao conhecimento do mérito da questão. O âmbito da jurisdição arbitral tributária é delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material.

 

            Nos termos do referido preceito, integra a competência dos tribunais arbitrais  a apreciação das seguintes pretensões:

 

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;” (redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) 

 

            A apreciação da competência do tribunal arbitral envolve um juízo sobre a adequação ao caso sub judice do meio processual utilizado pela Requerente, tendo em atenção o disposto no artigo 2.º n.º do do RJAT, os campos de aplicação definidos para o processo de impugnação judicial (artigo. 97.º, 102.º e 100.º do CPPT) e ainda a Portaria de Vinculação, Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

  

            Com efeito, dado o caráter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, dispõe o artigo 4.º, n.º 1 do RJAT que a vinculação da administração tributária depende de regulamentação constante de portaria.

 

            A referida Portaria de Vinculação veio estabelecer as condições e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.

 

            Com relevância para a situação vertente, ficam excluídas da apreciação dos tribunais arbitrais, de acordo com a mencionada portaria, as pretensões relativas a “actos de determinação da matéria coletável e actos de determinação da matéria tributária, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão” – (cf. artigo 2.º, alínea b) da Portaria de Vinculação sob a epígrafe “Objecto da Vinculação”.

 

            Vejamos seguidamente a subsunção da pretensão da Requerente ao quadro legal descrito .

           

            A pretensão material da Requerente, tal como definida no Pedido de Pronúncia Arbitral, enquadra-se precisamente nesta hipótese de exclusão. Com efeito, o pedido de anulação dos atos tributários alicerça-se no não preenchimento dos pressupostos legais de aplicação de métodos indiretos e no excesso de quantificação da matéria coletável, também por via da aplicação critérios de avaliação indireta. Na verdade, a Requerente considera ilegal o recurso aos métodos indiretos no caso em questão, colando em causa a própria legalidade da quantificação. Supervenientemente, a Requerente veio ainda invocar a questão da legalidade de se efetuarem correções em sede de IVA como base na alegada violação das regras de preços de transferência.  

           

            Ora, conforme tem sido jurisprudência constante deste Tribunal, a Requerida não se encontra vinculada à Jurisdição do CAAD quanto às matérias peticionadas pela Requerente, que são objeto das liquidações adicionais de IVA, efectuadas exclusivamente por recurso a métodos indiretos, e não por força da violação do regime de preços de transferência, conforme resulta claramente do processo administrativo.

 

            Diga-se, aliás, que a alteração superveniente do fundamento do pedido da Requerente apenas como resultado da resposta à exceção de incompetência material invocada pela Requerida, na respetiva Resposta, para um pedido de “declaração de ilegalidade do recurso da aplicação de métodos indiretos em sede de IVA com base na violação dos preços de transferência em sede de IRC”, configura uma alteração superveniente da instância, que não encontra sustentação no processo administrativo instrutor, nem tão pouco na existência de factos novos que tenham ocorrido na pendência do processo arbitral, ou dos quais a Requerente só tivesse tido conhecimento em data posterior à da propositura do pedido de pronúncia arbitral, conforme previsto artigo 20.º n.º 1 do RJAT.

 

            Por conseguinte, importa, identificar claramente a causa subjacente aos atos de liquidação adicional de IVA, referentes ao ano de 2009, cuja legalidade a Requerente impugna no seu pedido, sendo certo, que estes atos se encontram fundados na determinação da matéria coletável com recurso à aplicação de métodos indiretos.

 

            Conforme atrás referido, encontra-se vedada aos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões que se refiram à avaliação da base de incidência por métodos indiretos e à própria decisão do procedimento de revisão (cujo objecto respeita aos pressupostos de aplicação e à determinação da matéria tributável por métodos indiretos). Com efeito, no caso da determinação da matéria tributável por métodos indiretos a lei prevê um procedimento próprio, efetuando-se a liquidação de acordo com a decisão do referido procedimento (cf. n.º 1 do artigo 62.º do CPPT e artigos 91.º e 92.º da LGT). O atual procedimento de revisão também abrange os próprios pressupostos de aplicação de métodos indiretos, ao contrário do que sucedia no anterior regime do Código de Processo Tributário.

           

            Assim, se a causa de pedir da presente ação se funda precisamente no erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, (incluindo quando a questão da aplicação resulte de uma alegada violação das regras de preços de transferência) e na “adequação” da respectiva quantificação, por discordância face aos rácios aplicados, então, dúvidas não restam, de que a apreciação dos atos de liquidação controvertidos, que materializam a decisão final do procedimento, com tais fundamentos, está excluída da jurisdição deste tribunal.

           

            Insiste-se que a questão que perpassa os vários articulados apresentados pela Requerente é sempre a da ilegalidade ou “total inadequação” do recurso a métodos indiretos para corrigir a base tributável em sede de IVA, tendo a este respeito, o Relatório de Inspeção Tributária apontado vários motivos para a impossibilidade de quantificar de forma  direta e exata a matéria coletável.

 

            Por conseguinte, os atos de liquidação IVA objecto da presente ação arbitral foram a consequência direta e exclusiva de uma decisão tomada em sede de procedimento de revisão que indeferiu as pretensões da Requerente, estando excluído dos tribunais arbitrais o conhecimento dessa decisão.

 

            Tal posição tem sido perfilhada em vários acórdãos[2] e decorre diretamente da lei, porquanto a AT afastou tal possibilidade ao excluir expressamente da sua vinculação aos tribunais arbitrais “pretensões relativas as atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributária, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão conforme alínea b), do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. 

     

            A propósito do invocado pela Requerente, que subtrair a matéria em questão, - designadamente “o recurso (ilegal) por parte da AT aos métodos indiretos para efetuar correções em sede de IVA, com base na violação da disciplina dos preços de transferência em de IRC”, - do objeto da arbitragem tributária constituiria uma ilimitada “válvula de escape” para a AT se desvincular desta jurisdição, refira-se que o que está em causa para apreciação da questão da incompetência é apenas a interpretação da alínea b), do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, e da averiguação da intenção que lhe esta subjacente.

 

            De realçar, que os termos da vinculação da AT aos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD não foi estabelecida por lei, sendo, antes, por ela atribuído aos ministros das Finanças e da Justiça um poder discricionário de, no exercício das suas competências administrativas (através de uma portaria, que tem natureza de ato regulamentar), definirem a vinculação da administração tributária àqueles Tribunais Arbitrais. Por conseguinte, o legislador ordinário pode limitar a sua existência no exercício da sua discricionariedade legislativa, quanto ao tipo e valor máximo dos litígios abrangidos, nos termos do artigo 4.º do RJAT.

 

            Se assim não se entendesse, tal significaria permitir, através da referida apreciação dos atos de liquidação, o julgamento de uma pretensão relativa “a atos de determinação da matéria coletável (...) por métodos indiretos” expressamente vedada pela Portaria de Vinculação, em concreto pelo artigo 2.º, alínea b) supra citado.

 

            Aliás tal apreciação, a ser admitida (o que, reitera-se, não se afigura ser o caso), teria de ficar restrita a vícios formais relativos aos atos de liquidação, uma vez que a matéria substantiva e a sua fundamentação, estando abrangidas pelo procedimento de revisão e respetiva decisão, não podem ser conhecidas pelos tribunais arbitrais.

 

Não têm, por isso, sustentação legal os argumentos invocados pela Requerente.

 

            Em face do exposto, conclui-se pela procedência da exceção de incompetência suscitada pela Requerida.

 

            A procedência da exceção dilatória de incompetência do Tribunal obsta e prejudica o conhecimento do mérito do pedido, conduzindo à absolvição da Requerida da instância.

IV. DISPOSITIVO

a)        Em face do exposto, julga-se procedente a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria e, em consequência, rejeita-se o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a Requerida da instância;

b)        Em consequência, o Tribunal decide dar por concluído o prosseguimento do processo, convolando a decisão interlocutória em decisão arbitral;

c)        Condena-se a Requerente no pagamento das custas (artigo 22.º n.º 4, do RJAT), fixando-se estas na importância de €1.224,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

*

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € €19.525,78.

 

Notifique.

 

Lisboa, 26 de Novembro de 2014

 

 

 

 

 A Árbitro

 

 

 

 

 

 

 

(Filipa Barros)

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

[2] Processo Arbitral n.º 17/2012 –T, de 14 de Maio de 2012, Processo Arbitral n.º 52/2012-T de 22 de Outubro de 2012, Processo Arbitral n.º 70/2012-T, de 31 de Outubro de 2012,  Processo Arbitral n.º 175/2013-T de 16 de Janeiro de 2013, entre outros.