Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 768/2021-T
Data da decisão: 2022-03-18   
Valor do pedido: € 475.074,60
Tema: IRC. Dedutibilidade de gastos de financiamento. Fusão inversa.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Luís M. S. Oliveira e Dra. Sofia Quental, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01-02-2022, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., contribuinte n…., com sede na Rua …, doravante designada por “Requerente” ou “A...”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2021 831... e das liquidações de Juros Compensatórios n.ºs 2121 000... (recebimento indevido - arts. 102.º do CIRC e 35.º da LGT), e 2021 000... (retardamento da liquidação - arts. 102.º do CIRC e 35.º da LGT), e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2021 000..., no montante total a pagar de € 475.074,60.

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.

 É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05-11-2021.

Em 12-01-2022, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 01-02-2022.

A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 11-03-2022, foi decidido dispensar reunião e alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

  Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão das questões prévias:

 

  1. A Requerente é uma sociedade que se dedica principalmente à produção e comercialização de bidões metálicos especialmente destinados ao uso industrial dos setores alimentar, insere-se no Código de Atividade Económica (CAE) principal 25910, correspondente à Fabricação de Embalagens Metálicas Pesadas e, no período de tributação de 2016, está enquadrada no regime geral de tributação e adopta um período de tributação diferente do ano civil, com início em 1 de Novembro de cada ano e fim em 30 de Outubro do ano seguinte;
  2. Nos períodos anteriores a 2016, a Requerente fazia parte do perímetro de um grupo de sociedades tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo a sociedade dominante do grupo a B..., NIF … (doravante “B... Serviços”);
  3. O Grupo em causa também adoptava um período de tributação diferente do ano civil, com início em 1 de Novembro de cada ano e fim em 30 de Outubro do ano seguinte;
  4. No dia 21-06-2017, realizou-se uma fusão por incorporação mediante a transferência global do património da sociedade B... Serviços (sociedade incorporada) para a Requerente A..., na qualidade de sociedade incorporante, com efeitos fiscais a partir de 01-11-2016;
  5. Antes da fusão a B... Serviços era detentora de 100% do capital social da Requerente;
  6. A B... Serviços tinha como actividade principal a prestação de serviços de assessoria empresarial, administração e gestão empresarial, incluindo serviços de consultoria e assessoria técnica relacionados, entre outras com a actividade industrial e comercial de quaisquer outros recipientes ou processos de embalagens para a indústria alimentar, bem como serviços de natureza administrativa, contabilística e económica;
  7. A B... Serviços era uma sociedade por quotas, constituída em 18-10-2011 e com o capital social de €100.000,00 detido pelas seguintes entidades residentes na Holanda:

•C...BV (quota no valor nominal de €50.000,00)

•D... B.V.: (quota no valor nominal de €50.000,00)

  1. A operação de fusão por incorporação inversa foi efectuada com fundamento na finalidade de obtenção de uma redução dos custos operacionais e uma maior racionalização dos recursos utilizados e um consequente aumento de produtividade e rentabilidade, concentrando o Grupo X o negócio e actividades desenvolvidas pela A... e pela B... Serviços numa única entidade jurídica em território nacional;
  2. No período de tributação de 2016 (após a fusão) a Requerente era uma sociedade anónima com um capital social no valor de €100.003,00, representado por 10.000.300 ações com valor nominal de €0,01 cada, o qual era detido, em partes iguais, pelas seguintes entidades residentes na Holanda:

•C...BV: 5.000.150 ações (€50.001,50)

•D... B.V.: 5.050.150 ações (€50.001,50)

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente relativa ao período de 2016, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II.3.6. Acontecimentos Marcantes - FUSÃO

Aos 21 de junho de 2017, ocorreu uma fusão invertida entre a B... Serviços e Investimentos Lda, NIF ... (Sociedade incorporada) e a A... NIF ... (Sociedade Incorporante). esta última detida a 100% pela B... Serviços e Investimentos, Lda (doravante B... Serviços).

Segue-se um resumo dos termos e condições em que ocorreu a referida fusão, em conformidade com o estabelecido no documento "projeto de Fusão" datado de 21-03-2017.

 

Modalidade da Fusão

A operação assumiu a forma de fusão por incorporação da B… Serviços na A.... regulada nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 97.º e seguintes do CSC, com a consequente extinção da B... Serviços. Em termos fiscais, a operação encontra-se abrangida pelo regime de neutralidade fiscal previsto nos artigos 73.º e seguintes do CIRC.

 

  • Motivo da Fusão

A A... e a B... Serviços fazem parte do Grupo multinacional X, um Grupo que se dedica à indústria e comércio de tambores ou quaisquer outros recipientes ou processos de embalagens e todas as atividades afins.

 

A B... Serviços é detentora da totalidade do capital social da A..., e tem como atividade principal a prestação de serviços de acessória empresarial, administração e gestão empresarial, incluindo serviços de consultoria e acessória técnica relacionados, entre outras com a atividade industrial e comercial de quaisquer outros recipientes ou processos de embalagens para a indústria alimentar, bem como serviços de natureza administrativa, contabilística e económica. Para além da A..., os serviços prestados pela B... Serviços, têm como destinatárias diversas empresas do Grupo a operar na União Europeia, nomeadamente em Espanha, Holanda e Bélgica.

A A..., S.A. tem como atividade principal a Indústria e Comércio de tambores ou quaisquer outros recipientes ou processos de embalagens para a indústria alimentar.

É atual estratégia do grupo, a nível internacional, proceder à integração e unificação das estruturas societárias locais, com vista a obter uma redução dos custos operacionais e uma maior racionalização dos recursos utilizados, com um consequentemente aumento de produtividade e rentabilidade. É, assim, com vista à concretização destes objetivos que o X..pretende concentrar, em Portugal, o negócio e atividades desenvolvidas pela A... e pela B... Serviços numa única entidade jurídica, através de operação de fusão por incorporação daquela última na A....

 

  •  Objetivos da Fusão

•     Reforçar a dimensão empresarial, e, consequentemente reforçar a capacidade de resposta a atuais e novas solicitações nos domínios técnico, financeiro, administrativo e comercial do conjunto das atuais empresas.

•     Obter sinergias funcionais e administrativas - melhoria na organização das tarefas administrativas.

•     Reforço da estrutura de capitais próprios da A..., através da incorporação dos ativos da B... Serviços, permitindo à sociedade incorporante uma situação económica e financeira que lhe proporcione condições de gestão mais favoráveis e uma maior produtividade e rentabilidade.

•     Reduzir custos operacionais das duas empresas, permitindo uma melhor gestão dos recursos comuns.

 

>   Condições da Fusão

A A... assume todas as situações ativas e passivas emergentes de contratos anteriormente celebrados pela B... Serviços e respeitantes à atividade prosseguida por esta última sociedade.

Não foi estabelecida qualquer relação de troca. Ou seja, a totalidade das ações da A... será entregue, na proporção das respetivas participações de capital, aos sócios da B... Serviços. Em consequência, o capital social da A... manter-se-á na atual importância de 100.003,00€.

 

>   Identificação e Caracterização das Entidades Intervenientes na Fusão

 

Sociedade Incorporante A...

A A..., S.A. NIF ... é uma sociedade anónima, com sede na Rua da …, 1, Póvoa de Santa Iria. É detida a 100% pela B... Serviços Lda e não detém qualquer participação em outras sociedades.

O objeto social/atividade exercida e o enquadramento fiscal da A... encontram-se descritos nos pontos 11.3.1 e II.3.2 anteriores, não se tendo verificado alterações em consequência da fusão.

 

Sociedade Incorporada B... Serviços

A B... Serviços, NIF ..., é uma sociedade por quotas, constituída em 18-10-2011, com sede na Rua ….. O capital sócial da empresa no montante de 100.000,00€ está representado por 2 quotas detidas pelas seguintes entidades:

•     C...BV (quota no valor nominal de 50.000,00€)

•     D... B.V.: (quota no valor nominal de 50.000,00€)

 

Tem como objeto social a prestação de serviços de acessória empresarial, administração e gestão empresarial, incluindo serviços de consultoria e acessória técnica relacionados, entre outras com a atividade industrial e comercial de tambores e quaisquer outros recipientes ou processos de embalagens, serviços de natureza administrativa, contabilística e económica. Detenção e gestão da carteira própria de títulos e de participações noutras sociedade a operar em quaisquer setores de atividade. Compra, venda e administração de bens móveis ou imóveis, bem como a promoção e gestão de negócios, mobiliários ou imobiliários. Quaisquer outras atividades anteriormente referidas.

Está registada para efeitos fiscais com início de atividade em 19-10-2011, com o CAE principal 74900: oul. Act.consultoria, científicas, técnicas e similares, e CAE secundário 69200: Actividades contabilidade e auditoria; consultoria fiscal.

Para efeitos de IRC, a B... Serviços apresenta um período especial de tributação (PET) que decorre de 1 de novembro do ano n a 31 de outubro do ano n+1 e é tributada pelo regime geral. Em sede de IVA, está enquadra no regime normal com periodicidade mensal.

 

>   Projeto de alteração do contrato social da sociedade incorporante

Conforme referido no "Projeto de Fusão" (ponto 6 do capítulo II), o contrato de sociedade da A... não foi objeto de quaisquer alterações em consequência da fusão.

 

>   Data  a partir da  qual  as  operações  da sociedade  incorporada  são consideradas, como efetuadas por conta da sociedade incorporante.

As operações da B... Serviços foram consideradas, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos de IRC, nos termos do disposto no artigo0 8.º, n.º 11 e 12, do CIRC, como efetuadas por conta da A..., com efeitos a partir de 01-11-2016. Os resultados realizados pela B... Serviços, entre 1 de novembro de 2016 e a data de produção de efeitos jurídicos da operação de fusão, serão transferidos para efeitos de serem incluídos no lucra tributável de IRC da A..., respeitante ao período de tributação iniciado no dia 1 de novembro de 2016 (exercício fiscal de 2016).

 

>   Regime Fiscal

Na alínea a) do capítulo III do "projeto de fusão", é referido o seguinte:

".. .a operação de fusão tem o seu enquadramento na alínea e) do n.º 1 do artigo 73º do CIRC, nos termos da qual se dará a transferência global do património da B... Serviços (sociedade fundida) para a A (sociedade beneficiária), sendo a totalidade das partes representativas do capital social desta detida pela sociedade fundida.

...tanto a A como a B... Serviços cumprem os restantes requisitos de acesso ao regime especial aplicável às fusões, cisões, entrada de ativos e permuta de partes sociais, na medida em que ambas as sociedades têm a respetiva sede e direção efetiva em território português, sendo ambas sujeitas e não isentas de IRC, resultando claramente do projeto de fusão (modalidade, motivos e objetivos da fusão), que a mesma é determinada por razões económicas validas, visando a reestruturação e racionalização das atividades das sociedades que neta participam e lendo estas sociedades a totalidade dos seus rendimentos sujeitos ao mesmo regime de tributação em sede de IRC.

Nestes termos, à projetada operação será aplicável o regime denominado de neutralidade fiscal em sede de IRC, pelo que nos termos legais não será considerado qualquer resultado derivado da transferência dos elementos patrimoniais em consequência da fusão. Por outro lado, e se aplicável, não serão considerados como rendimentos, nos termos do n.º3 do artigo 28.º e do nº3 do artigo 28º-A, os ajustamentos em inventários e as perdas por imparidade e outras correções de valor que respeitem a créditos, inventários e, bem assim, nos termos do n.º 4 do artigo 39.º as provisões relativas a obrigações e encargos objeto de transferência, aceites para efeitos fiscais.

...a A irá manter, para efeitos fiscais, os elementos patrimoniais objeto de transferência pelos mesmos valores que tinham na B... Serviços.

...na determinação do lucro tributável da A o apuramento dos resultados será feito como se não tivesse havido fusão, as depreciações ou amortizações sobre os elementos do alivo fixo tangível, ativo intangível e das propriedades de investimento contabilizadas ao custo histórico transferidos (se aplicável) serão efetuadas de acordo com o regime que vinha sendo seguido na B... Serviços e os ajustamentos em inventários, as perdas por imparidade e as provisões que sejam transferidos (se aplicável) terão, para efeitos fiscais, o regime que lhes era aplicável na B... Serviços.

...considerando que a B... Serviços detém a totalidade das ações representativas do capital social da A, não concorre para a formação do lucro tributável a mais-valia ou a menos-valia eventualmente resultante da atribuição aos sócios da B... Serviços (sociedade fundida) das ações da A... (sociedade beneficiária)."

 

>   Cessão de posições contratuais/Outros direitos e obrigações

A posição contratual da B... Serviços nos contratos de trabalho, nos contratos fornecimentos de bens e serviços e nos contratos celebrados com clientes, em vigor à data da fusão, transmitem-se para a A.... Transmitem-se ainda para a A..., todos os demais direitos e obrigações da B... Serviços diretamente relacionados com a sua atividade, que se encontrem na esfera jurídica da sociedade à data da conclusão da fusão.

 

>    Integração do património da B... Serviços

Os elementos mais relevantes do ativo e do passivo transferidos para a sociedade A..., foram os seguintes:

Ativo:

•     Goodwill: 31.219.657,57€ Passivo não corrente / corrente:

•     Acionistas: 17.657.958,96€+1.555.078,97€= 19.213.037,94€

Segue-se um quadro que reflete os movimentos contabilísticos de integração decorrentes da fusão (reprodução do documento "A- AT - Anexo - Ponto 2.2.pdf" apresentado pelo contribuinte no decurso do presente procedimento inspetivo). Neste quadro encontram-se identificados os elementos patrimoniais que integravam os balanços da sociedade fundida e da sociedade beneficiária em 31.10.2016 (período fiscal anterior ao da fusão). Os valores inscritos nos balanços individuais correspondem aos valores declarados na IES (Q04-A) do exercício fiscal de 2015 (período findo em 31.10.2016). O balanço agregado reflete os valores registados na A... após integração dos elementos patrimoniais da B... Serviços e depois de efetuadas as correspondentes reclassificações e anulações de saldos entre empresas, com referência a 31.10.2016:

(...)

A integração do património da B... Serviços originou uma variação no capital próprio da sociedade A..., no montante de 12.132.283,38€. conforme se demonstra no quadro infra:

(...)

 

 

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS A MATÉRIA COLETÁVEL

III.1. CORREÇÕES EM SEDE DE IRC - MATÉRIA COLETÁVEL

III.1.1. ENCARGOS FINANCEIROS

a) Impacto dos Encargos Financeiros nos resultados contabilístico e fiscais da A...

No exercício fiscal de 2016, os encargos financeiros ascenderam ao montante de 2.052.496,95€, dos quais 1.852.056,04€ dizem respeito a juros suportados com suprimentos. Os restantes encargos financeiros no montante de 200.400,91€ dizem respeito aos gastos suportados com factoring. Os encargos financeiros estão refletidos no balancete da sociedade nas contas a seguir identificadas:

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A evolução dos encargos financeiros e dos resultados contabilísticos e fiscais da A..., no triénio 2014-2016, foi a seguinte:

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Descrição gerada automaticamente

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Conforme se observa nos quadras supra, verifica-se uma redução bastante significativa do resultado contabilístico no exercício de 2016, comparativamente aos dois exercícios anteriores, em virtude essencialmente, dos acréscimos dos gastos relativos a amortização do Goodwill e encargos financeiros. Contrariamente ao custo com a amortização do Goodwill, o qual não teve qualquer impacto a nível fiscal (o gasto foi tributado), o acréscimo dos encargos financeiros contribuiu substancialmente para a redução do lucro tributável no exercício de 2016, tendo o mesmo diminuído em cerca de 45% comparativamente ao exercício anterior.

(...)

Segue-se a transcrição integral dos esclarecimentos prestados pela A... em resposta ao solicitado no ponto 5 do Ofício, os quais constam do documento "Notas de esclarecimento At - A.docx" (anexo 2).

Ponto 5

No exercido em análise a rubrica de financiamentos apresentava o saldo de 21.065.093,97 Euros,

  •  5.1 -A contraparte desta operação é uma das acionistas

C... BV, corporate entity number …, with head office at Utrecht, …, in The Netherlands, registered with the Chamber of Commerce for Midden Nederland under nr. …, herein represented by Mr. …, in his capacity as Director and (hercafter referred to as "Lander"), and

  •    5.2 - Este financiamento ocorreu antes da fusão (em 2012), foi celebrado entre a entidade acima indicada e a B... Serviços. Destinou-se à aquisição da A... por parte da B... Serviços. Com a fusão passou para a A....
  • 5.3 - Contrato em anexo - Vide: A-AT-Anexo-ponto 5.3
  • 5.4 - Extratos em anexo - Vicia: A-AT-Anexo-ponto 5.4 o 5.5 — Extratos em anexo - Vide: A-AT-Anexo-ponto 5.5
  •   5..6 - Segue abaixo cálculo de apuramento do valor incluído no campo 748 do Q07 da modelo 22

 

d) Análise à dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com o empréstimo da C...BV à luz das regras de dedutibilidade fiscal previstas no artigo 23.º do CIRC

Foram registados na contabilidade da A..., na conta #69131, os encargos financeiros (juros) relativos a um suprimento da C... Bv. Tais encargos ascendem ao montante de 1.852.056,04€ e foram considerados na determinação do lucro tributável referente ao período fiscal de 2016.

Juntam-se em anexo 4 o extrato da conta #69131 e os respetivos documentos de suporte dos registos efetuados nesta conta.

Os encargos financeiros atrás referidos estão associados ao empréstimo obtido pela sociedade B... Serviços e que por via da operação de fusão, passou a integrar o passivo da A..., cujo saldo à data de 31.10.2017, ascende ao montante de 21.065.093,97€, assim repartido:

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

(...)

 

c) Empréstimo com a entidade C...BV

O contrato em Anexo 3 suporta o financiamento obtido registado na contabilidade da A... no exercício de 2016 (exercício findo em 31.10.2017). Este contrato data de 3 de fevereiro de 2012, e foi celebrado entre a sociedade B... Serviços NIF ... (à data com a denominação social E... Lda) e a sua acionista C... BV que detinha uma participação de 50% no capital social daquela desde 19-10-2011. O contrato de financiamento foi celebrado nos seguintes termos:

I.    O mutuante C...BV detém 50% do capital social da mutuada (B... Serviços)

II.   A mutuada adquiriu ao mutuante, 333.333 ações da empresa A... com valor nominal de 0,01€ cada, pelo preço de 12.149.443,83€, o qual deve ser pago até 28-02-2012. Parte do preço já foi pago e presentemente a mutuada deve o montante de 6.399.444,00€

III.   Na data do contrato, o mutuante adquiriu à sociedade D... 8.V (titular de uma participação de 50% no capital social da B... Serviços) um crédito que a D... B.V detinha sobre a mutuada (B... Serviços), o qual está relacionado com a aquisição de 6.666.667 ações da empresa A... com valor nominal de 0,01€ cada, efetuada pela mutuada (B... Serviços) à empresa D... BV. Este crédito, no montante de 16.542.551,00€, corresponde a parte do preço de aquisição que a mutuada (B... Serviços) devia à empresa D... B.V., o qual deve ser pago até 28-02-2012.

IV.  Conforme referido nas alíneas ii e iii do contrato, o mutuante detêm, na data do contrato,  um   crédito   sobre   a   mutuada   (B   Serviços),    no   montante   de 22.941.995,00€, (6.399.444,00€ + 16.542,551,00€), o qual deve ser pago até 28-02-2012.

V.   O mutuante e a mutuada concordam em diferir o prazo de pagamento do crédito por um período de 10 anos.

 

Nos termos anteriormente referidos, a mutuante (C...BV) concedeu à mutuada (B... Serviços) um empréstimo, em forma de suprimento, no montante de 22.941.995,00€, para efeitos de dilatação do prazo de reembolso da dívida da B... Serviços mencionada nos pontos II e III anteriores. O empréstimo tem um prazo de 10 anos, com data de vencimento em 03-02-2022. Os juros do empréstimo são calculados trimestralmente a uma taxa anual de 10%.

Ou seja, o financiamento registado no balanço da sociedade A... em 31.10.2017, no montante de 21.065.093,97€, que gerou encargos com juros no montante de 1.852.056,04€, ocorreu em 2012 (antes da fusão) e foi contratualizado entre a entidade C...BV e a sociedade B... Serviços (sociedade incorporada na A... na sequência da fusão, conforme descrito no ponto II.3.6 deste relatório). Este financiamento destinou-se exclusivamente à aquisição por parte da B... Serviços das ações da A....

 

d) Análise à dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com o empréstimo da C...HV à luz das regras de dedutibilidade fiscal previstas no artigo 23.º do CIRC

Foram registados na contabilidade da A..., na conta #69131, os encargos financeiros (juros) relativos a um suprimento da C...Bv. Tais encargos ascendem ao montante de 1.852.056,04€ e foram considerados na determinação do lucro tributável referente ao período fiscal de 2016.

Juntam-se em anexo 4 o extrato da conta #69131 e os respetivos documentos de suporte dos registos efetuados nesta conta.

Os encargos financeiros atrás referidos estão associados ao empréstimo obtido pela sociedade B... Serviços e que por via da operação de fusão, passou a integrar o passivo da A..., cujo saldo à data de 31.10.2017, ascende ao montante de 21.065.093,97€, assim repartido:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

De acordo com os esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo em análise (anexo 2) e da leitura do contrato que suporta o financiamento obtido (anexo 3), conclui-se que este financiamento se consubstancia num empréstimo, em forma de suprimento, concedido pela C...BV à sociedade B... Serviços, para efeitos de dilatação do prazo de reembolso da dívida da mutuada decorrente da aquisição de partes de capital da A....

A sociedade B... Serviços foi constituída em 18-10-2011 e pela consulta às declarações fiscais (IES) de exercícios anteriores, esta sociedade era detentora de 100% do capital social da A... no exercício findo em 31.10.2012.

Com a fusão entre as sociedades A... (incorporante) e a B... Serviços (incorporada), o financiamento obtido junto da C...BV transitou da sociedade B... Serviços para a sociedade A..., mediante a integração do passivo da B... Serviços no património da A..., conforme se demonstra:

 

 
  Caixa de texto: B

 

 

 

Caixa de texto: AUma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

 

Verifica-se assim que o financiamento, bem como os respetivos encargos a ele associados, relacionados com a aquisição de partes de capital social (ações) da A..., com a operação de fusão passam a ser suportados por ela própria, isto é, a sociedade A... passa a suportar os encargos financeiros com a aquisição dela própria.

Neste contexto, importa aferir se os encargos financeiros suportados pela A..., são fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 23.º do CIRC.

Em primeiro lugar, é de referir que os juros suportados pelos sujeitos passivos de IRC como remuneração de empréstimos contraídos e demais encargos financeiros associados, são dedutíveis como custos no apuramento do lucro tributável em conformidade com o disposto no artigo 23.º do CIRC, n.º 1. al. c), na redação em vigor em 2016 e 2017, na qual se dispõe o seguinte:

1  - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis Iodos os gastos e perdas incorridos ou suportados pato sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a)...

b)...

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e omissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado.

 

Nos termos desta disposição legal, a dedutibilidade fiscal dos juros suportados relativos ao recurso a capitais alheios, depende de um juízo quanto à sua natureza, conexão com a exploração e capacidade para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, requisitos previstos no corpo do n.º 1) do artigo 23º, e na alínea c) do nº 2 do mesmo número.

A dedutibilidade fiscal pressupõe, então, que os custos incorridos com os encargos financeiros possuam uma conexão de causalidade com a atividade empresarial desenvolvida, máxime sirvam ao desenvolvimento da atividade da sociedade deles devedora.

Importa assim, atento o disposto no artigo 23º do CIRC, verificar em concreto, se os gastos financeiros relativos aos juros incorridos com o empréstimo que permitiu financiar a compra de ações da empresa A..., preenchem os requisitos legais necessários à aceitação da sua dedutibilidade para efeitos fiscais, nomeadamente no que se refere à sua conexão a capitais alheios aplicados na exploração e à capacidade para obter ou garantir para a própria empresa, rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRC.

Deste modo, importa analisar o fim a que o financiamento obtido se destinou e a sua aplicação, para aferir o enquadramento dos respetivos encargos suportados, à luz do disposto no artigo 23º do CIRC, e assim determinar as correspondentes implicações para efeitos do apuramento do lucro tributável do exercício.

Devemos ter presente que o cumprimento dos requisitos elencados no artigo 23º do CIRC, é justificado pela necessidade de impedir que "certos" gastos contabilizados pelas empresas, que sejam considerados inapropriados ou excessivos, sejam dedutíveis fiscalmente.

Daqui decorre que são aceites os gastos essenciais ao processo produtivo e à obtenção de proveitos, que são realizados no interesse da empresa e que contribuem para obtenção do lucro de forma direta ou indireta, contudo, não deverá este requisito ser visto de "per si", mas sim coadjuvado com critérios de motivação económica, ou seja, deve o mesmo ser interpretado de acordo com critérios essencialmente económicos.

Assim sendo, é afastada a dedutibilidade fiscal dos gastos que não estejam relacionados com o negócio da empresa ou o fim económico da mesma, ainda que registados na contabilidade.

Vislumbrando o caso em apreço e, confrontando-o com o exposto, conclui-se pela inexistência do balanceamento entre os gastos suportados com os encargos financeiros e os respectivos proveitos, o que constitui um elemento relevante para efeitos de dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais nos termos artigo 23.º do CIRC.

Em   termos contabilísticos,   esta   premissa  corresponde  ao   princípio  contabilístico  do balanceamento previsto na Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), mais concretamente quando estabelece que:

 

Ponto   93-   Reconhecimento   de   gastos  (Estrutura   Conceptual   do   Sistema   de   Normalização Contabilística)

Os gastos são reconhecidos na demonstração de resultados com base numa associação direta entre os custos incorridos o a obtenção de rendimentos específicos. Este processo, geralmente referido como balanceamento dos custos com réditos, envolve o reconhecimento simultâneo ou combinado de réditos e de gastos que resultem direta ou conjuntamente das mesmas transações ou de outros acontecimentos;

 

Daqui podemos concluir que um gasto será fiscalmente aceite desde que conexionado com a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC o que significa que, para efeitos fiscais, não são aceites todos e quaisquer gastos e perdas incorridos pelo sujeito passivo, mas apenas aqueles que se mostrem necessários à obtenção de rendimentos sujeitos a imposto.

Efetivamente, da leitura do contrato de financiamento apresentado pelo contribuinte no decurso do presente procedimento inspetivo, retira-se, que o empréstimo teve como finalidade, destino e uso, a aquisição das próprias participações sociais da A... pela sociedade B... Serviços, pelo que a afetação do empréstimo não se prende com a atividade nem com ativos detidos pela sociedade que dele é agora devedora, ou seja, a A..., mas sim com ativos detidos pelos seus acionistas.

O empréstimo concedido à B... Serviços teve por finalidade exclusiva prolongar o prazo de reembolso da dívida que a mesma detinha para com o credor C...BV, sendo que essa dívida resultou da aquisição de partes de capital da sociedade A....

Ora, com a operação de fusão, na sequência da qual o património da B... Serviços foi integrado na sociedade A..., as partes de capital em causa passaram a fazer parte do património dos acionistas da A... (os acionistas à data eram as sociedades C...BV e D... BV) e não da própria (caso em que constituiriam ações próprias).

Consabidamente, o ativo financeiro consistente numa participação social representa, como regra, uma fonte suscetível de produzir rendimentos tributáveis (dividendos em face da distribuição de lucros pela empresa participada, mais-valias em face da alienação das participações).

No caso em apreço, a entidade que pode aproveitar, no seu interesse próprio, como fonte de rendimentos o ativo financeiro (ações da A...) não é a entidade que suporta, em exclusivo, os custos relativos ao financiamento da aquisição do ativo (a A...), mas sim outras entidades distintas (os acionistas da A...).

Verifica-se assim, que os gastos incorridos com o empréstimo em apreciação, não são aplicados na atividade empresarial da A..., nem garantem a obtenção por parte desta de rendimentos sujeitos a IRC. Tais gastos, embora inscritos na contabilidade da A..., não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, quando muito beneficiam terceiros, no caso os acionistas da A....

Assim, os gastos suportados com o empréstimo, transitaram por força da operação de fusão para a A..., que incorreu em gastos que não possuem conexão económica com a atividade desenvolvida por esta entidade e que acabou por ficar a suportar os encargos financeiros decorrentes da sua própria aquisição.

Daqui resulta que os referidos gastos financeiros, não têm enquadramento na definição de custos e perdas (gastos) para efeitos de determinação do lucro tributável da A..., uma vez que ficou demonstrado que a assunção dos encargos em causa não foi determinada por motivações empresariais desta entidade, mas sim no âmbito de uma política de interesses do Grupo em que as entidades A... e B... Serviços se inserem. Este propósito está descrito no próprio documento "Projeto de Fusão", onde relativamente ao motivo da Fusão, é descrito:

"É atual estratégia do grupo, a nível internacional, proceder à integração e unificação das estruturas societárias locais, com vista a obter uma redução dos custos operacionais e uma maior racionalização dos recursos utilizados, com um consequentemente aumento de produtividade e rentabilidade. É assim, com vista a concretização destes objetivos que o Grupo X... pretende concentrar, em Portugal, o negócio e atividades desenvolvidas pela A... B pela B... Serviços numa única entidade jurídica, através de operação do fusão por incorporação daquela última na A..."

O corolário de todos os factos que têm vindo a ser descritos ao longo deste relatório, não poderá deixar de se consubstanciar na desconsideração da dedutibilidade para efeitos fiscais, dos encargos financeiros que oneraram negativamente a estrutura de gastos da A..., decorrentes do financiamento contratualizado pela B... Serviços e transpostos para as suas demonstrações financeiras por via da fusão com esta entidade.

Não podendo descurar que é às empresas que cabe decidir quais as opções negociais que consideram preferíveis para assegurar os seus interesses, o cumprimento dos requisitos que determinam a dedutibilidade fiscal dos gastos, reprime qualquer ato de gestão que seja desconforme com o interesse social da própria empresa que o suporta, sobretudo quando sacrifica o objetivo de potenciar o lucro, à satisfação de interesses alheios.

Como se escreve no acórdão do TCA Sul de 02/02/2010, processo nº 03669/09 é "no conceito de indispensabilidade ínsito no artigo 23º do CIRC que radica a questão essencial de consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta a distinção fundamental entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo de empresa e o que pode resultar apenas no interesse individual do sócio, de um grupo de sócios, de terceiros ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo".

Daí que a apreciação de dedutibilidade fiscal dos gastos assumidos por uma sociedade inserida num grupo económico, não poderá pautar-se por uma "lógica de grupo". Esta não pode ser atendida para a justificação da dedutibilidade fiscal de um gasto, quando este comprovadamente, não contribuiu direta ou indiretamente. para a obtenção de lucros para o sujeito passivo que os suporta.

No caso em apreço, da análise objetiva do impacto dos gastos financeiros resultantes da operação de financiamento para adquirir partes de capital da A..., concluiu-se que para além da mesma não ter capacidade para potenciar os resultados do sujeito passivo em análise (A...), ainda colocou em causa o seu propósito - O lucro.

Noutra vertente, encontra-se igualmente devidamente explicitado que é pressuposto na aplicação do artigo 23.º do CIRC "a consideração individualizada de cada empresa ou instituição pelo que não podem interferir aqui raciocínios daqueles em que se faz apelo a critérios de gestão do "grupo" ou mesmo dos financiamentos - ainda que gratuitos - dos seus sócios ou mesmo a vontade destes que nessa maioria é irrelevante, visto que só trata de um critério legal, sendo unicamente relevante a pessoa coletiva cujos custos estão em apreciação" (vd. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16.10.2007, proc. n.º 01276/06).

Deste modo, é estritamente em relação à entidade cujos gastos estão em consideração e à atividade empresarial que desenvolve, que importa apreciar a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros.

Assim, independentemente da assunção do empréstimo em causa pela A... ter resultado de Fusão, os gastos relativos aos juros do empréstimo, contabilizados por esta sociedade no exercício em causa, não satisfazem os requisitos previstos no artigo 23.º do CIRC, dado faltar a necessária afetação dos gastos em consideração ao interesse empresarial e à atividade produtiva da A....

 

Conclusão

Conforme referido nas alíneas anteriores, resulta da análise efetuada, que os encargos financeiros (juros) suportados pela A... com a operação de financiamento para a aquisição de partes de capital da própria sociedade, não preenchem os requisitos legais enunciados no artigo 23º do CIRC, para que se aceite a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, nomeadamente por não se considerar comprovado o interesse económico ou a necessidade para o desenvolvimento da atividade, da operação que lhes está subjacente. Efetivamente, os gastos financeiros incorridos, não geram diretamente ou indiretamente quaisquer rendimentos, nem deles sai beneficiada a prossecução da atividade da empresa.

Estamos na presença de operações de financiamento, aquisição de participações sociais e de concentração empresarial, que ocorrem no "seio" do próprio grupo, motivo pelo qual são merecedoras de uma especial atenção, no sentido de afastar eventuais situações de planeamento fiscal, que desvirtua as normais relações entre os contribuintes e a igualdade de tratamento, situação que o legislador pretendeu acautelar ao conferir ao artigo 23º do CIRC, a natureza de cláusula geral.

Salienta-se uma vez mais, que em resultado da fusão, a sociedade A... "herdou" um financiamento destinado exclusivamente à aquisição de ações dela própria, o qual havia sido contraído pela sociedade incorporada B... Serviços (detentora à data de 100% do capital social da A...). Consequentemente, a sociedade A... passou a suportar encargos financeiros relativos a um financiamento ao qual não está associado qualquer ativo suscetível de produzir rendimentos para a sociedade.

 

e)  Correções ao lucro tributável nos termos do artigo 23.º do CIRC

Em face do exposto na alínea anterior, e na medida em que os gastos financeiros não concorrem para a formação do lucro tributável, por não se considerarem verificados os requisitos legais que determinam a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, à luz dos nºs 1 e 2 alínea c) do artigo 23º do CIRC, é corrigido o montante de 1.852.056,04€, correspondente aos encargos financeiros (juros) relativos ao empréstimo (suprimento) da C...BV.

 

 

  1. Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2021 831... e as liquidações de Juros Compensatórios n.ºs 2121 000... (recebimento indevido - arts. 102.º do CIRC e 35.º da LGT), e 2021 000... (retardamento da liquidação - arts. 102.º do CIRC e 35.º da LGT), bem como a respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2021 000..., no montante total a pagar de € 475.074,60, com indicação de 31-08-2021, como data-limite de pagamento voluntário (documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. Em 22-11-2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que a Requerente tenha efectuado o pagamento das quantias liquidadas.

Na verdade, a Requerente afirma que pagou, mas não apresentou qualquer prova do pagamento e, inclusivamente, a demonstração de acerto de contas que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral não tem indicação de ter sido feito o pagamento, no local destinado a certificá-lo.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto relevante para a apreciação da legalidade dos actos impugnados.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. A questão que é objecto do processo

 

Está em causa no presente processo a aplicação do artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 23.º

Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

 

(...)

 

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

(...)

 

Em 2012, foi celebrado um contrato de financiamento, em forma de suprimento, entre a B... Serviços e a C...BV  (doravante “…BV”), que era detentora de 50% do capital social daquela (páginas 27 e 28 do Relatório da Inspecção Tributária).

Os juros do empréstimo foram calculados trimestralmente a uma taxa anual de 10%.

Este financiamento destinou-se exclusivamente à aquisição por parte da B... Serviços das acções da A... (página 28 do Relatório da Inspecção Tributária).

Em 2016, ocorreu a fusão por incorporação da B... Serviços na A.... 

Na data da fusão, a B... Serviços era a detentora da totalidade do capital social da A....

Como resulta do artigo 112.º do Código das Sociedades Comerciais, com a fusão por incorporação «extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade».

Assim, como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, «com a fusão entre as sociedades A... (incorporante) e a B... Serviços (incorporada), o financiamento obtido junto da C...BV transitou da sociedade B... Serviços para a sociedade A..., mediante a integração do passivo da B... Serviços no património da A...».

Na sequência desta integração do passivo da B... Serviços, a A... passou a suportar os encargos com o financiamento referido.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não questionou que os encargos com o financiamento fossem fiscalmente dedutíveis pela B... Serviços, à face do preceituado no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, antes reconheceu implicitamente essa dedutibilidade ao dizer que «consabidamente, o ativo financeiro consistente numa participação social representa, como regra, uma fonte suscetível de produzir rendimentos tributáveis (dividendos em face da distribuição de lucros pela empresa participada, mais-valias em face da alienação das participações)». (página 32 do Relatório da Inspecção Tributária).

No entanto, na sequência da fusão por incorporação da B... Serviços na A..., a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que esses encargos com o financiamento não são fiscalmente dedutíveis, à face do artigo 23.º do CIRC, pelo seguinte, em suma:

Daqui decorre que são aceites os gastos essenciais ao processo produtivo e à obtenção de proveitos, que são realizados no interesse da empresa e que contribuem para obtenção do lucro de forma direta ou indireta, contudo, não deverá este requisito ser visto de "per si", mas sim coadjuvado com critérios de motivação económica, ou seja, deve o mesmo ser interpretado de acordo com critérios essencialmente económicos.

Assim sendo, é afastada a dedutibilidade fiscal dos gastos que não estejam relacionados com o negócio da empresa ou o fim económico da mesma, ainda que registados na contabilidade.

Vislumbrando o caso em apreço e, confrontando-o com o exposto, conclui-se pela inexistência do balanceamento entre os gastos suportados com os encargos financeiros e os respectivos proveitos, o que constitui um elemento relevante para efeitos de dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais nos termos artigo 23.º do CIRC.

(...)

O empréstimo concedido a B... Serviços teve por finalidade exclusiva prolongar o prazo de reembolso da dívida que a mesma detinha para com o credor C...BV, sendo que essa dívida resultou da aquisição de partes de capital da sociedade A....

Ora, com a operação de fusão, na sequência da qual o património da B... Serviços foi integrado na sociedade A..., as partes de capital em causa passaram a fazer parte do património dos acionistas da A... (os acionistas à data eram as sociedades C...BV e D... BV) e não da própria (caso em que constituiriam ações próprias).

(...)

No caso em apreço, a entidade que pode aproveitar, no seu interesse próprio, como fonte de rendimentos o ativo financeiro (ações da A...) não é a entidade que suporta, em exclusivo, os custos relativos ao financiamento da aquisição do ativo (a A...), mas sim outras entidades distintas (os acionistas da A...).

Verifica-se assim, que os gastos incorridos com o empréstimo em apreciação, não são aplicados na atividade empresarial da A..., nem garantem a obtenção por parte desta de rendimentos sujeitos a IRC. Tais gastos, embora inscritos na contabilidade da A..., não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, quando muito beneficiam terceiros, no caso os acionistas da A....

Assim, os gastos suportados com o empréstimo, transitaram por força da operação de fusão para a A..., que incorreu em gastos que não possuem conexão económica com a atividade desenvolvida por esta entidade e que acabou por ficar a suportar os encargos financeiros decorrentes da sua própria aquisição.

Daqui resulta que os referidos gastos financeiros, não têm enquadramento na definição de custos e perdas (gastos) para efeitos de determinação do lucro tributável da A..., uma vez que ficou demonstrado que a assunção dos encargos em causa não foi determinada por motivações empresariais desta entidade, mas sim no âmbito de uma política de interesses do Grupo em que as entidades A... e B... Serviços se inserem.

(...)

Daí que a apreciação de dedutibilidade fiscal dos gastos assumidos por uma sociedade inserida num grupo económico, não poderá pautar-se por uma "lógica de grupo". Esta não pode ser atendida para a justificação da dedutibilidade fiscal de um gasto, quando este comprovadamente, não contribuiu direta ou indiretamente, para a obtenção de lucros para o sujeito passivo que os suporta.

No caso em apreço, da análise objetiva do impacto dos gastos financeiros resultantes da operação de financiamento para adquirir partes de capital da A..., conclui-se que para além da mesma não ter capacidade para potenciar os resultados do sujeito passivo em análise (A...), ainda colocou em causa o seu propósito - O lucro.

(...)

Deste modo, é estritamente em relação à entidade cujos gastos estão em consideração e a atividade empresarial que desenvolve, que importa apreciar a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros.

(...)

Conclusão

Conforme referido nas alíneas anteriores, resulta da análise efetuada, que os encargos financeiros (juros) suportados pela A... com a operação de financiamento para a aquisição de partes de capital da própria sociedade, não preenchem os requisitos legais enunciados no artigo 23ºdo CIRC, para que se aceite a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, nomeadamente por não se considerar comprovado o interesse económico ou a necessidade para o desenvolvimento da atividade, da operação que lhes está subjacente. Efetivamente, os gastos financeiros incorridos, não geram diretamente ou indiretamente quaisquer rendimentos, nem deles sai beneficiada a prossecução da atividade da empresa.

Estamos na presença de operações de financiamento, aquisição de participações sociais e de concentração empresarial, que ocorrem no "seio" do próprio grupo, motivo pelo qual são merecedoras de uma especial atenção, no sentido de afastar eventuais situações de planeamento fiscal, que desvirtua as normais relações entre os contribuintes e a Igualdade de tratamento, situação que o legislador pretendeu acautelar ao conferir ao artigo 23º do CIRC, a natureza de cláusula geral.

Salienta-se uma vez mais, que em resultado da fusão, a sociedade A... "herdou" um financiamento destinado exclusivamente à aquisição de ações dela própria, o qual havia sido contraído pela sociedade Incorporada B... Serviços (detentora à data de 100% do capital social da A...). Consequentemente, a sociedade A... passou a suportar encargos financeiros relativos a um financiamento ao qual não está associado qualquer ativo suscetível de produzir rendimentos para a sociedade.

 

A Requerente discorda desta fundamentação pelo seguinte, em suma:

 

• no âmbito da fusão inversa operada entre a requerente e a B... Serviços, foram  transferidas para a requerente (incorporante) todas as posições activas e passivas da  B... Serviços (incorporada), incluindo as resultantes daquele financiamento;

• a fundamentação pugnada pela AT afigura-se ilícita, sendo consequentemente inadmissível, visto que a aplicação dos capitais alheios continua a subsumir-se no  exercício da actividade da requerente e prossecução do lucro;

• não se pode dizer que os capitais alheios deixaram de ser aplicados (os financiamentos continuaram) e mantêm-se afectos à exploração, agora reestruturada por efeitos legais da fusão (transmissão dos direitos e obrigações para a sociedade incorporante).

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira reafirma a fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária, dizendo ainda, o seguinte, em suma:

 

  • No caso concreto, os encargos financeiros que antes da fusão eram suportados pela sociedade incorporada (B... Serviços) em razão da aquisição do ativo não corrente representado  pelas partes de capital da requerente, após a fusão esse ativo foi transferido para a esfera jurídica dos acionistas da requerente, uma vez que representa o Capital Social dela própria, demarcado na contabilidade da sociedade incorporante (requerente) como elemento do capital próprio e não como elemento do ativo.
  • O que antes era um ativo detido pela sociedade incorporada, passou agora (após a fusão) a ser um ativo detido pelos sócios da requerente, não podendo, por esse facto, os encargos financeiros em questão ter relevância fiscal na esfera da requerente (sociedade incorporante), dada a impossibilidade de os mesmos gerarem rendimentos sujeitos a IRC – o ativo subjacente não lhe pertence;
  • A aceitar-se a dedutibilidade dos encargos financeiros, como defende a Requerente, equivaleria a introduzir-se uma distorção no regime de neutralidade da fusão.  

 

Antes de mais, importa esclarecer que o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

            Por isso, os actos impugnados têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos.

         Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:

  • de 30-01-2019, processo n.º 2176/15.3BEPRT 0915/17, em que se entendeu que:

  I – O tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a sua legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, não podendo substituir-se à Administração e ir ponderar se o acto pode ser sancionado com distinta fundamentação e argumentação jurídica.

  Ii – O direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários reclama que o particular apenas tenha de defender-se dos pressupostos que aí foram enunciados e dos quais se distraíram os efeitos lesivos, pelo que não será de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, pois se assim não fosse o particular ver-se-ia surpreendido em juízo com a invocação de uma outra realidade e isso representaria uma contracção do seu direito de impugnação contenciosa face à impossibilidade de utilizar os meios conferidos por lei para sindicar tais actos e que são mais favoráveis que os meios conferidos por lei para impugnar decisões judiciais. 

 

  • de 01-07-2020, processo n.º 309/14.6BEBRG, em que se entendeu que:

I – O tribunal, na apreciação da legalidade de uma decisão administrativa, não pode considerar que esta se alicerça noutros fundamentos que não aqueles que aí foram externados.

II – Assim, não pode julgar improcedente a impugnação judicial da decisão que indeferiu o pedido de revisão de um acto tributário alicerçando-se na não verificação de um requisito se a AT não usou esse fundamento para indeferir aquele pedido.

 

  •   de 28-10-2020, processo n.º 2887/13.8BEPRT em que se entendeu que:

 I – No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.

II – Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou. 

 

 

         Assim, sendo objecto do processo o acto impugnado e não a relação jurídica tributária estabelecida entre o sujeito passivo e a Administração Tributária, os tribunais arbitrais, no âmbito dos seus poderes de declaração de ilegalidade de actos, têm apenas de apurar se os actos que foram praticados, tal como o foram, enfermam da ilegalidade ou ilegalidades que lhe são imputadas pelo impugnante.

         O que, de resto, se compreende à luz dos direitos de defesa ínsitos no princípio constitucional da tutela judicial efectiva (arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4 da CRP), pois, se a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse invocado outros fundamentos da liquidação, a fundamentação da impugnação poderia ser diferente e as provas que o Sujeito Passivo a trazer ao processo poderiam ser diferentes.

         Por isso, o direito à tutela judicial efectiva não permite que o Tribunal conheça de possíveis fundamentos do acto impugnado que o sujeito passivo não teve oportunidade  de conhecer quando elaborou a sua impugnação e relativamente aos quais não teve oportunidade de utilizar todos os meios de defesa administrativos (reclamação graciosa, recurso hierárquico) e contenciosos (impugnação judicial o pedido de constituição do tribunal arbitral) que a lei prevê, nas condições em que a lei atribui esses direitos.

         Assim, não se coloca no presente processo a questão da eventual utilização de planeamento fiscal abusivo que possa justificar a aplicação da cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º da LGT, pois não foi com fundamento nela que foi efectuada a correcção impugnada.  

 

        

         3.2. Apreciação das questões

 

         3.2.1. Questão da necessidade de balanceamento entre gastos e rendimentos e do interesse empresarial

 

         Antes de mais, há que esclarecer que o regime de dedutibilidade de gastos previsto no artigo 23.º do CIRC, não exige o balanceamento entre gastos e rendimentos de que fala a Autoridade Tributária e Aduaneira.

         Na verdade, essa alegada exigência de conexão entre gastos e rendimentos foi há muito afastada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no acórdão de 24-09-2014, proferido no processo n.º 0779/12, em que se refere:

 

“I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adotar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redação em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da atividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objetivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).

III - Sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, não pode a AT desconsiderar os custos respeitantes à aquisição de dois prédios com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade, ainda que este negócio se venha a revelar economicamente não rentável em virtude da sua venda por um preço seis vezes inferior àquele por que foram adquiridos ter gerado um prejuízo.”

 

            O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 27-06-2018, proferido no processo n.º 01402/17 veio a estabilizar a jurisprudência sobre esta matéria, afirmando:

 

  O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o art. 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.

 

Assim, é desta perspectiva da conexão dos gastos com a actividade empresarial da B... Serviços e da A... que há que apreciar a questão da dedutibilidade para determinação do lucro tributável.

 

3.2.2. Questão da restrição da dedutibilidade aos juros de capitais alheios aplicados na exploração

 

A regra geral em matéria de dedutibilidade de gastos para determinação do lucro tributável é a de que «são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC» (n.º 1 do artigo 23.º do CIRC).

O n.º 2 do mesmo artigo 23.º indica vários tipos de gastos que são fiscalmente dedutíveis, entre os quais faz referência expressa à dedutibilidade «juros de capitais alheios aplicados na exploração» na alínea c) do mesmo n.º 2.

No entanto, o texto do artigo 23.º é duplamente explícito quanto à natureza meramente exemplificativa dos tipos de gastos arrolado no n.º 2, em que se refere que «consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas (...)».

  A alínea c) deste n.º 2 reafirma essa natureza exemplificativa ao referir gastos «de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração...».

Assim, os tipos de gastos indicados no artigo 23.º, n.º 2, do CIRC, são meros exemplos, que poderão ter o alcance de fazer presumir a conexão entre esses os gastos e o interesse da empresa ([1] ), mas não  afastam a relevância para determinação do lucro tributável de «todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC», como se refere no n.º 1 do mesmo artigo, isto é, todos os outros gastos que satisfaçam o teste geral de serem realizados no interesse da empresa, desde que estejam comprovados e não sejam afastados por outra norma jurídico-fiscal.

Por isso, a alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC não obsta à dedutibilidade dos encargos financeiros em causa.

De qualquer modo, é inequívoco que as despesas de financiamento em causa eram fiscalmente dedutíveis pela B... Serviços, por se tratar de capitais aplicados na sua exploração, isto é, na sua actividade visando a obtenção de lucros, o que é expressamente aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao disse que «consabidamente, o ativo financeiro consistente numa participação social representa, como regra, uma fonte suscetível de produzir rendimentos tributáveis (dividendos em face da distribuição de lucros pela empresa participada, mais-valias em face da alienação das participações)». (página 32 do Relatório da Inspecção Tributária).

De resto, os encargos financeiros são mesmo um dos custos fiscais típicos elencados no n.º 2 do transcrito artigo 23.º, não havendo qualquer obstáculo a que esses encargos respeitem a financiamentos utilizados na formação ou estruturação de grupos económicos, pois trata-se de actividades que se inserem na gestão empresarial e, por vezes, são mesmo essenciais à subsistência das empresas, num mundo económico globalizado, em que a maior dimensão, com as correspondentes economias de escala, proporciona melhores possibilidades de obtenção de lucros ou é mesmo imprescindível para que eles sejam obtidos.

Sendo assim, os gastos com o financiamento utilizado pela B... Serviços na aquisição das acções da A... eram dedutíveis na esfera daquela, pois esse financiamento visou obter uma fonte susceptível de produzir rendimentos tributáveis, como reconhece a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Como se diz no acórdão arbitral de 19-05-2017, proferido no processo n.º 537/2016, com a fusão «não ocorre um desvio do financiamento, num intuito abusivo, no sentido que serve-se agora o favorecimento de interesses extra empresariais, p. ex., em benefício de um sócio».

A dedutibilidade fiscal dos encargos decorrentes do financiamento manteve-se, após a fusão, na esfera da A..., pois a fusão implica a transmissão global para a incorporante de todos os direitos e obrigações da incorporada, por força do disposto no artigo 112.º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, e, por isso, transmitiu-se também o direito à dedutibilidade dos encargos financeiros que esta sociedade detinha.

Por outro lado, o apuramento da dedutibilidade de encargos, entendido como aferição da sua realização no interesse empresarial, tem de fazer-se tendo em conta o facto que lhes dá origem.

Na verdade, como se refere no mesmo acórdão arbitral:

Suponhamos que uma empresa X compra uma máquina de valor elevado para prosseguir uma nova atividade – e financia-se junto da Banca para a comprar e que pagará 100 mil euros de juros durante 10 anos (e no final terá de amortizar o capital). Imagine-se agora que a empresa conclui, no final do 4º ano, que essa atividade não é rentável, pois não há mercado para os produtos produzidos pela máquina, pelo que decide abandonar a produção e a máquina é desligada e “abandonada”. Claro que terá de continuar a pagar os juros anuais de 100 mil euros. Mas será que esses juros, a partir do 5º ano, não serão dedutíveis ao rendimento fiscal, por se advogar que não são aplicados na exploração ou que não são indispensáveis para os proveitos ou manutenção da fonte produtora?

 

Ora, aqueles encargos manter-se-ão dedutíveis, não obstante o desaparecimento – por via de uma decisão empresarial – do objeto em que os capitais alheios que remuneram foram aplicados. O capital alheio foi aplicado na exploração no momento inicial – dando origem ao investimento produtivo. E isso é suficiente e bastante para legitimar a dedução fiscal dos juros daí decorrentes, independentemente das vicissitudes empresariais futuras desse investimento. Os encargos financeiros continuam a ser dedutíveis, ainda que o investimento se tenha gorado ou se tenha revelado como um mau negócio ou uma decisão empresarial infrutífera – pois, e é isso que importa, os capitais alheios estiveram ligados a um investimento que no momento inicial foi aplicado na exploração.

E se isto é assim, independentemente da ocorrência de qualquer fusão (mas no desinvestimento económico), sê-lo-á ainda com mais propriedade em caso de fusão, em que, como se viu, não há uma decisão subjetiva de qualquer desinvestimento, mas apenas a objetiva transmissão de direitos e obrigações, por efeito legal desse instituto do direito comercial.

 

Assim, assente que os encargos com o financiamento eram fiscalmente dedutíveis, para efeitos de IRC, na esfera da B... Serviços, com a sua fusão por incorporação transmitiu-se para a A... esse direito a deduzi-los, por força do disposto no artigo 112.º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais.

            A subsistência do direito a deduzir os encargos de financiamento da sociedade incorporada explica-se também pela realidade económica subjacente à fusão por incorporação, que o Supremo Tribunal Administrativo explica no acórdão de 13-04-2005, processo n.º 01265/04, citado pela Requerente:

«A fusão por incorporação, ainda que implique que só sobreviva, com personalidade jurídica própria, a sociedade na qual as demais se incorporam, não tem como consequência, no campo das realidades económicas e empresariais, o desaparecimento das empresas fundidas. Alguma doutrina comercialista – vd. PINTO FURTADO, PINTO COELHO e PUPO CORREIA (...) – aponta que a sociedade fundida, perdendo a sua personalidade jurídica, todavia persiste, modificada, formando um todo com outras, em condições diversas das que ocorriam antes da fusão. Mas não deixa de continuar a existir a mesma realidade económica, um mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva, que os sócios, aliás, quiseram potenciar com a fusão».

Ou seja, com a fusão por incorporação ocorre uma transformação da sociedade, mas não uma extinção, não decorrendo da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que implique a perda de personalidade jurídica.

 

Por outro lado, está-se perante uma fusão a que é aplicável o princípio da neutralidade (como se refere no Relatório da Inspecção Tributária) e o entendimento referido é o que se compagina com esse princípio, previsto, em primeira linha, na Directiva 2009/133/CE do Conselho de 19 de Outubro de 2009, que se reconduz a que «essas operações não deverão ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções resultantes em particular das disposições fiscais dos Estados-Membros» (Considerando 2), mas que é também um princípio de direito interno, enunciado no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13-04-2005, proferido no processo n.º 01265/04, e no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul  de 17-04-2012, proferido no processo 04172/10, também invocado pela Requerente.

Deixando «de se permitir a consideração fiscal de gastos anteriormente admissíveis, chega-se a um resultado que se afigura contrário ao espírito da Directiva, isto é, de impedir que questões fiscais distorçam o mercado no sentido de favorecer, restringir (ou mesmo impedir) operações de reorganização empresarial, com as inerentes consequências ao nível da concorrência no mercado único», como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30-01-2019, proferido no processo n.º 02176/15.3BEPRT 0915/17 ([2] ), em que considerou ser uma «consistente motivação» a fundamentação da decisão que aí era objecto de recurso, que sintetizou nestes termos:

 

Em suma, sentença analisou a questão da dedutibilidade dos referidos custos à luz da fundamentação que alicerçava as impugnadas correcções, tendo julgado que os encargos assumidos pela sociedade incorporada e que por força da fusão passaram a ser suportados pela sociedade incorporante podiam relevar como custo fiscal para a determinação da matéria colectável desta, porquanto o momento temporal para aferir da sua admissibilidade é determinado pelo instante em que são gerados e não pelo momento em que são suportados; e visto que a incorporada tinha o direito de os relevar na sua matéria tributável, esse direito persistia, ope legis, na esfera jurídica da incorporante, sendo que entendimento diverso redundaria na violação do princípio comunitário da neutralidade fiscal das fusões.


            Assim, na linha desta jurisprudência, a questão da dedutibilidade tem de ser apreciada não em face da conexão do financiamento com o interesse empresarial da incorporante, mas sim da transmissão para esta de todos os direitos da incorporada, determinada pelo artigo 112.º do Código das Sociedades Comerciais, inclusivamente o direito a dedução dos encargos com financiamento de longo prazo, que é exigida pelo princípio de direito europeu e direito nacional da neutralidade das fusões.

Trata-se de um regime especial de dedutibilidade de encargos que, por ser exigência de um princípio de Direito da União Europeia, se sobrepõe às normas de direito interno, inclusivamente ao artigo 23.º do CIRC, por força do preceituado no n.º 4 do artigo 8.º da CRP.

Para além disso, ao contrário do que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira nos artigos 73.º a 75.º da sua Resposta, o regime de dedução de encargos propugnado pela Requerente tem expresso apoio no artigo 75.º-A, n.º 2, do CIRC, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 75.º-A

Transmissão dos benefícios fiscais e da dedutibilidade de gastos de financiamento

 

 2 - Os gastos de financiamento líquidos das sociedades fundidas por estas não deduzidos, bem como a parte não utilizada do limite a que se refere o n.º 3 do artigo 67.º, podem ser considerados na determinação do lucro tributável da sociedade beneficiária numa operação de fusão a que seja aplicado o regime especial estabelecido no artigo 74.º, até ao termo do prazo de que dispunham as sociedades fundidas, de acordo com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do referido artigo 67.º

 

Assim, a transmissibilidade para a sociedade incorporante do direito que a sociedade incorporada tinha a deduzir gastos de financiamento líquidos não deduzidos, não é uma distorção do princípio da neutralidade, antes é um dos direitos previstos para o concretizar.

E, por ser este um regime especial sobre a dedutibilidade de gastos, ele prevalece, no seu específico campo de aplicação, sobre as regras gerais do artigo 23.º do CIRC.

Assim, a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira enferma de erro de interpretação do artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do CIRC, que constitui vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito que justifica a sua anulação. 

 

         4. Devolução de imposto pago e juros indemnizatórios

 

         A Requerente pede o reembolso da quantia cujo pagamento diz ter feito, com juros indemnizatórios.

         Como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que a Requerente tivesse efetuado o pagamento das quantias liquidada.

         O reembolso de quantia paga por força de acto anulado e os juros indemnizatórios dependem, naturalmente, do pagamento indevido e da data em que ele é efectuado, pelo que não há fundamento factual para se decidir neste processo se a Requerente tem ou não direito a reembolso e a juros indemnizatórios.

         A ter ocorrido pagamento a Requerente, como consequência da anulação das liquidações, terá direito a reembolso das quantias pagas e também direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, já que a anulação da liquidações se baseia em erro imputável aos serviços. 

         Assim, não tendo sido feita prova do pagamento, aqueles  pedidos têm de ser julgados improcedentes, sem prejuízo dos eventuais direitos a reembolso e juros indemnizatórios poderem ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir, quando não há elementos para esse efeito no processo declarativo (artigo 609.º, n.º 2, do CPC e 61.º, n.º 2, do CPPT).

 

5. Decisão        

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular a liquidação adicional de IRC n.º 2021 831... e as liquidações de Juros Compensatórios n.ºs 2121 000... (recebimento indevido - arts. 102.º do CIRC e 35.º da LGT), e 2021 000... (retardamento da liquidação - arts. 102.º do CIRC e 35.º da LGT), e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2021 000..., no montante total a pagar de € 475.074,60;
  3. Julgar improcedentes os pedidos de reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios, sem prejuízo de os respectivos direitos deverem ser apreciados em execução do presente acórdão.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 475 074,60, atribuído pelos Requerentes, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

6. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.650,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 18-03-2022

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

 

 

(Luís M. S. Oliveira)

 

 

 

 

(Sofia Quental)

 

 

 



[1] Como defendeu o Professor Teixeira Ribeiro, à luz da norma equivalente do artigo 26.º do Código da Contribuição Industrial, em Comentário ao acórdão do Supremo de 9 de Outubro de 1985, publicado em Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3743, páginas 39-43.

[2] Jurisprudência seguida no acórdão os Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2020, proferido no processo n.º 0887/13.8BEPRT.