Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 646/2021-T
Data da decisão: 2023-07-27  Selo  
Valor do pedido: € 1.383.137,62
Tema: Imposto do Selo – comissões por intermediação de operações financeiras (verba 17.3.4. da TGIS) – artigo 5º, nº 2, alínea b) da Directiva 2008/7/CE – Decisão de reenvio (anexo à decisão)
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DECISÃO ARBITRAL[1]

 

Os Árbitros, Dra. Alexandra Coelho Martins (Árbitro Presidente), Dra. Sílvia Oliveira e Dr. Rui Ferreira Rodrigues (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 24-12-2021, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

1.1.   A..., S.A., titular do número único de matrícula e de pessoa coletiva..., com sede na ... nº ..., em Lisboa (doravante designada por Requerente), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de TAC no dia 12-10-2021, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida).

 

1.2.   A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral que o TAC se pronuncie sobre o despacho de indeferimento que incidiu sobre a reclamação graciosa apresentada relativamente às liquidações de Imposto do Selo identificadas no pedido, bem como sobre a legalidade das referidas liquidações, peticionando “(…) a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento praticado e das liquidações de Imposto do Selo lhes estão subjacentes (…)” bem como “(…) a respetiva anulação por vício de violação do Direito Comunitário e de Lei Constitucional e, bem assim, a devolução dos montantes indevidamente pagos, com as demais consequências legais, designadamente o pagamento de juros indemnizatórios”.

 

1.3.   Adicionalmente, no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente apresentou também um pedido de reenvio prejudicial “(…) caso persistam dúvidas a este (…) Tribunal ad quem (…)” quanto ao enquadramento do pedido, sugerindo que sejam formuladas ao TJUE duas questões (que formula) e apresenta duas Testemunhas.

 

1.4.   O pedido de constituição do TAC foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 13-10-2021e foi notificado à Requerida na mesma data.

 

1.5.   A Requerente não procedeu à nomeação de árbitros pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, foram os signatários designados como árbitros, em
06-12-2021, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.6.   Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.7.   Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o TAC foi constituído em 24-12-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em
03-01-2022 no sentido de notificar a Requerida para no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional.

 

1.8.   Em 04-02-2022 a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído a mesma no sentido de que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado nos termos acima peticionados, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, igualmente nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

1.9.   Em matéria de prova testemunhal, entendeu a Requerida na Resposta que “(…) o requerimento de inquirição de testemunhas deverá ser indeferido, pois, a assim não ser, estaremos perante um ato processualmente inútil e, nessa medida, legalmente inadmissível, nos termos do artigo 130.º do CPC” mas caso o Tribunal entendesse “(…) ser necessário ouvir as testemunhas arroladas, ato que para além de ser ilegal (…) será inútil e nessa medida proibido pelo artigo 130.º do CPC, a Requerente deverá ser notificada para, desde já, indicar sobre que factos (constantes no pedido arbitral) incidirá a inquirição”.

 

1.10. Na mesma data, a Requerida anexou aos autos o processo administrativo.

 

1.11. Por despacho arbitral de 14-02-2022 foi a Requerente notificada para, no prazo de 5 dias, indicar sobre que matéria/factos incidiria a prova testemunhal.

 

1.12. A Requerente apresentou, em 22-02-2022, requerimento no sentido de indicar os factos sobre os quais incidirá a inquirição das suas Testemunhas.

 

1.13. Por despacho arbitral de 23-02-2022, foram ambas as Partes notificadas que reunião prevista no artigo 18º do RJAT se realizaria no dia 25-03-2022, pelas 10:15, nas instalações do CAAD em Lisboa, podendo os árbitros e os mandatários das Partes optar por aceder à reunião por meios telemáticos, através do sistema de videoconferência Cisco Webex, utilizado pelo CAAD.

 

1.14. Em 25-03-2022 realizou-se a reunião a que alude o artigo 18º, nº 1 do RJAT, na qual foram inquiridas as Testemunhas apresentadas pela Requerente e definida a tramitação subsequente do processo, tendo sido lavrada a respectiva acta, a qual faz parte integrante do processo.

 

1.15. Em 19-04-2022, a Requerente apresentou as suas alegações no sentido de requerer que seja declarada a “(…) ilegalidade do ato de indeferimento praticado e das liquidações de Imposto do Selo lhes estão subjacentes, determinando-se a respetiva anulação por vício de violação do Direito Comunitário e de Lei Constitucional e, bem assim, a devolução dos montantes indevidamente pagos, com as demais consequências legais, designadamente o pagamento de juros indemnizatórios”.

 

1.16. Em 09-05-2022, a Requerida apresentou as suas alegações, remetendo para o que referiu na sua Resposta e “quanto à prova testemunhal produzida a mesma em nada contraria o invocado pela AT” porquanto “(…) como se disse em sede de Resposta, não se está a tributar as obrigações ou as ações propriamente ditas, mas tão-só a remuneração cobrada pelas instituições de crédito à Requerente em consequência da prestação de um serviço de intermediação financeira que engloba intermediação na transmissão (aquisição e/ou venda) daqueles valores mobiliários junto de potencias investidores”, “situação que não só não é proibida como é permitida, conforme o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º da Diretiva”, concluindo que “não pode (…) considerar-se que as comissões de intermediação financeira, (acrescidas do competente Imposto do Selo), decorrentes de serviços financeiros contratados pela Requerente estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE”, reiterando que “não estamos (…) perante uma situação que possamos considerar uma formalidade conexa”.

 

1.17. Adicionalmente, alega a Requerida que “(…) contrariamente ao que parece resultar das alegações da Requerente arbitral, nota-se que não existem factos provados por não terem sido alvo de contestação pela Requerida, dada a inexistência nos processos arbitrais de factos admitidos por acordo atento inexistir ónus de impugnação especificada (…)”.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.   A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral que o Tribunal se pronuncie sobre o despacho de indeferimento que incidiu sobre a reclamação graciosa apresentada relativamente às liquidações de Imposto do Selo identificadas no pedido, bem como sobre a legalidade das referidas liquidações, peticionando que seja declarada “(…) ilegalidade do ato de indeferimento praticado e das liquidações de Imposto do Selo lhes estão subjacentes (…)”, obtendo “(…) a respetiva anulação por vício de violação do Direito Comunitário e de Lei Constitucional e, bem assim, a devolução dos montantes indevidamente pagos, com as demais consequências legais, designadamente o pagamento de juros indemnizatórios”.

 

2.2.   Começa a Requerente por referir que, no âmbito das suas necessidades de financiamento, recorreu a serviços de intermediação financeira pelos quais suportou comissões no valor total de EUR 34.578.440,50, as quais resultaram num encargo de Imposto do Selo no montante total de EUR 1.383.137,62, montante que a Requerente suportou.

 

2.3.   Refere a Requerente que “(…) as comissões por intermediação financeira que se encontram na base das liquidações de Imposto do Selo suportado (…) foram pagas por contrapartida de serviços contratados com caráter de absoluta conexão com as operações (principais) de oferta para aquisição de obrigações, emissões de obrigações e aumento de capital realizadas pela Requerente” sendo, assim, para a Requerente “(…) notório que as operações de intermediação levadas a cabo (…) não constituem, nem nunca poderiam constituir, um fim em si mesmas, estando em tudo dependentes (…) das operações principais às quais são inerentes”.

 

2.4.   Assim, entende a Requerente que “(…) as comissões por intermediação financeira pagas no contexto (…) descrito não se encontram, por se tratarem de formalidades conexas ao abrigo do Direito da União Europeia, sujeitas a Imposto do Selo”, “razão pela qual a Requerente, não podendo concordar com as liquidações (…), apresentou, em 15 de fevereiro de 2021, reclamação graciosa, na qual detalhou as razões pelas quais aquelas liquidações deveriam ser anuladas e o imposto indevidamente pago, restituído (…)”.

 

2.5.   A Requerente esclarece que foi “(…) notificada do [seu] indeferimento em 14 de julho de 2021 (…)”.

 

  1. Neste âmbito, segundo o entendimento defendido pela Requerente, “dispõe o artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, que este imposto «incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens»” sendo que, “dispõe aquela Tabela, na sua Verba 17.1., que a utilização de crédito na sequência da respetiva concessão se encontra sujeita a Imposto do Selo, i.e., por outras palavras, os financiamentos, de modo geral, estão sujeitos a este imposto”.

 

  1. Segundo alega a Requerente, “estabelece (…) a Verba 17.3.4. da TGIS que se encontram sujeitas a Imposto do Selo «outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões»” prevendo-se “no artigo 4.º, n.º 2, alínea c) do Código do Imposto do Selo que as comissões suportadas pela Requerente estão sujeitas a Imposto do Selo em Portugal, ainda que cobrados por instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro”.

 

  1. Alega a Requerente que “ao abrigo do disposto na alínea g), do n.º 3, do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo, no âmbito das operações descritas (…), é a própria Requerente quem suporta o encargo final do imposto” pelo que “(…) ao abrigo da legislação interna, não existe qualquer norma que preveja a não sujeição ou a isenção das comissões de intermediação financeira suportadas pela Requerente no âmbito das operações de aquisição em dinheiro de obrigações, emissão de obrigações e aumento de capital, razão pela qual estas se encontrariam sujeitas e não isentas de Imposto do Selo, se apenas a legislação interna tivesse aplicação”.

 

  1. Contudo, defende a Requerente que “(…) tal não é o caso (…)”, citando para o efeito a isenção prevista na Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos sobre as reuniões de capitais, nos termos da qual se “(…) regula a aplicação pelos Estados Membros da União Europeia de impostos indiretos, incluindo Imposto do Selo, sobre i) entradas de capital em sociedades de capitais, ii) operações de reestruturação que envolvam sociedades de capitais e iii) emissão de determinados títulos e obrigações”.

 

  1. Nesta matéria, segundo a Requerente, dispõe a referida Directiva, no seu artigo 5.º, n.º 2, que “os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto: a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu; b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis”.

 

  1. Prossegue a Requerente referindo que “a não sujeição a impostos indiretos das operações descritas nas alíneas a) e b), do n.º 2, do artigo 5.º da Diretiva é (…) a regra geral” a qual “sofre as exceções referidas no artigo 6.º, n.º 1 da mesma Diretiva e citadas pela AT na decisão de indeferimento praticada (…)” mas, entende a Requerente que, “(…) não faz qualquer sentido afirmar, na esteira do que fez a AT que «caso o legislador comunitário quisesse, de facto, não sujeitar, a tributação em sede de imposto do selo, os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e papel comercial cobradas pela instituições de crédito, enquanto intermediários financeiros, bastaria que tivesse feito essa menção nas alíneas a) e b), do n.º 2, do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, e não o fez.»”.

 

  1. Na verdade, segundo alega a Requerente, “o caso é justamente o inverso: dado que o legislador comunitário optou por isentar todas operações de determinadas tipologias – e, designadamente, as que constituam formalidades conexas das expressamente mencionadas no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva – autonomizando as exceções, então, se o legislador comunitário quisesse, de facto, sujeitar, a tributação em sede de imposto do selo, os encargos decorrentes dos contratos conexos com a emissão de obrigações e papel comercial cobradas pelas instituições crédito, enquanto intermediários financeiros, bastaria que tivesse feito essa menção nas diversas alíneas do n.º 1, do artigo 6.º da Diretiva” o que “(…) não fez”, concluindo assim a Requerente que não assiste “(…) qualquer razão à AT (…) na interpretação que faz da Diretiva a este respeito”.

 

  1. Assim, para a Requerente, “(…) depressa se conclui que as comissões sobre as quais a Requerente (…) suportou Imposto do Selo e, bem assim, os serviços que lhe estão subjacentes, podem ser reconduzidos ao conceito de formalidades conexas às ofertas para a aquisição em dinheiro de obrigações, emissões de obrigações e aumento de capital que foram realizadas”, “razão pela qual sobre elas não pode incidir Imposto do Selo (…) nos termos defendidos pela AT na decisão impugnada”.

 

  1. E, reitera a Requerente que “(…) a não sujeição a impostos indiretos – tal como o é o Imposto do Selo – ao abrigo da Diretiva (…), já foi sobejamente analisada pela jurisprudência do TJUE, dela se retirando claramente que a melhor interpretação da isenção aí prevista é a aqui preconizada pela Requerente”, “caindo, desde logo, por terra, a tese da AT no sentido de que o facto de a Requerente não ser legalmente obrigada a lançar mão dos serviços de intermediação financeira sobre cujas comissões incidiram as liquidações do Imposto do Selo impugnadas, implicaria a não aplicação da isenção em causa”.

 

  1. Nestes termos, defende a Requerente que “(…) parece claro que as divergências interpretativas quanto à extensão e alcance do conceito de formalidades conexas referido na Diretiva não podem deixar de ser resolvidas no sentido preconizado pelo TJUE (…)” ou seja, “(…) que a proibição de incidência de impostos sobre as operações de reunião de capitais deverá ser também aplicável às operações que devam considerar parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais”, citando para o efeito diversa jurisprudência do TJUE, nomeadamente, a proferida no âmbito do caso Air Berlin (processo C-573/16) nos termos da qual (no contexto de uma oferta pública inicial), “(…) o TJUE considerou que a cedência prévia de todas as ações da empresa a uma entidade depositária central de valores mobiliários, «(…) por não ter consequências sobre a propriedade efetiva, não pode ser considerada uma transmissão de valores mobiliários que constitua uma operação autónoma sobre a qual pode ser cobrado um imposto, em conformidade com o disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva 69/335. Esta transmissão deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada na operação de admissão das ações na bolsa (…), a qual, em conformidade com o artigo 11.º da Diretiva 69/335, não podia ser sujeita a qualquer imposição, fosse por que forma fosse»” (sublinhado da Requerente).

 

  1. Assim, defende a Requerente que “(…) resulta claro que as comissões devidas pelos serviços de intermediação financeira contratados pela Requerente, sendo [estes] absolutamente imprescindíveis no âmbito das operações de aquisição de obrigações, emissões de obrigações e oferta pública de subscrição de ações, integram o conceito de formalidades conexas mencionado na Diretiva (…)”.

 

  1. Mas, acrescenta a Requerente que, caso se pretenda aderir “(…) a entendimento diverso, sempre se diga que, pelo menos no que respeita ao aumento de capital realizado (…), a contratação dos serviços em causa e, assim, o pagamento das correspondentes comissões, não foi uma decisão discricionária da Requerente, tratando-se antes de uma imposição legal – cfr. artigo 113.º do Código dos Valores Mobiliários – e, nesses termos, também da CMVM, sem cujo cumprimento o aumento de capital não seria, simplesmente, autorizado”, concluindo que “(…) em relação às liquidações de Imposto do Selo tituladas pelas Guia de pagamento n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., no valor global de € 789.789,74, sempre terá que reconhecer-se a respetiva ilegalidade por violação da isenção prevista no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva, anulando-se a[s] mesma[s] e reembolsando-se a Requerente em conformidade (…), com as demais consequências legais”.

 

  1. Adicionalmente, entende a Requerente que “(…) sempre haverá que considerar-se que (…) a Verba n.º 17.3.4. da TGIS, quando interpretada no sentido de sujeitar a Imposto do Selo comissões devidas por serviços de intermediação financeira que consubstanciam formalidades conexas com operações de reuniões de capitais abrangidas pela isenção prevista no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva, é inconstitucional por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia, ínsito no artigo 8.º da Constituição, inconstitucionalidade essa que desde já se alega para todos os efeitos legais”.

 

  1. Mas, “(…) caso persistam dúvidas a este douto Tribunal (…), sugere-se que sejam formuladas as seguintes questões ao TJUE, ao abrigo do designado mecanismo de reenvio prejudicial, previsto no artigo 267.º do TFUE (…)”, formulando a Requerente as duas questões que pretende ver esclarecidas por aquele Tribunal.

 

  1. Por último, reitera a Requerente que “(…) o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) da Diretiva, não se encontra integralmente transposto para a legislação portuguesa enquanto subsistir o disposto Verba 17.3.4. TGIS”, “o que já foi, de resto, (…), reconhecido pela própria AT, no (…) Despacho do Diretor-geral dos Impostos, de 13 de outubro de 2003, emitido com base no parecer n.º 156/2003 da Direção de Serviços Jurídicos e do Contencioso, que revelou discordar da aplicação, por parte da Administração, de normas internas contrárias ao direito comunitário, sob pena de derrogação do princípio do efeito direto das Diretivas”.

 

  1. Nesta matéria, segundo entende a Requerente, “(…) a AT está obrigada a interpretar as normas nacionais em conformidade com o direito comunitário, abstendo-se de criar entraves ou dificultando o efeito útil das normas comunitárias de efeito direto, como são aquelas que decorrem da proibição de liquidar Imposto do Selo nas operações em apreço ou em operações com aquelas conexas”.

 

  1. Nestes termos, peticiona a Requerente que o Tribunal conclua “(…) pela declaração de ilegalidade do ato de indeferimento praticado e das liquidações de Imposto do Selo lhes estão subjacentes, determinando-se a respetiva anulação por vício de violação do Direito Comunitário e de Lei Constitucional e, bem assim, a devolução dos montantes indevidamente pagos, com as demais consequências legais, designadamente o pagamento de juros indemnizatórios”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.   A Requerida, na resposta apresentada, defendeu-se por impugnação, começando por alegar que “(…) as comissões, genericamente denominadas de intermediação financeira, cobradas pelas instituições de crédito (intermediários financeiros) aos seus clientes, preenchem o escopo da norma de incidência (…)” da verba 17.3.4 da TGIS, conjugada com o disposto no nº 1 do artigo 1º do Código do Imposto do Selo que, segundo a Requerida, “(…) determina a sujeição a Imposto do Selo, a uma taxa de 4%, das seguintes realidades económicas: 17 Operações financeiras: […] 17.3 – Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado: […] 17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4 %.”.

 

3.2.   Segundo alega a Requerida, “a questão aqui em discussão surge assim relativamente ao enquadramento apresentado pela Requerente que entende (…) que as comissões de intermediação, que lhe foram cobradas pelas instituições de crédito, não deviam ter sido tributadas em sede de Imposto do Selo, ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS, por tal tributação configurar uma violação da Diretiva 2008/7/CE, que proíbe a tributação indireta das reuniões de capital e tributações de alguma forma conexas”.

 

3.3.   Neste âmbito, defende a Requerida que “(…) não assiste razão à Requerente (…) atenta a fundamentação que subjaz à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que não merece censura e, para que se remete uma vez mais e se dá aqui novamente por reproduzida”, “e bem assim a jurisprudência vertida nas decisões arbitrais n.ºs 856/2019-T, de 22 de setembro de 2020, 2/2020-T, 29 de março de 2021, 502/2020-T, de 4 de junho de 2021 e 559/2020-T, de 24 de junho de 2021 que, com as devidas adaptações, e na parte que aqui releva, se considera corroborar o entendimento defendido pela Requerida”, transcrevendo parte desta última decisão.

 

3.4.   Adicionalmente, alega ainda a Requerida que “(…) não se vê qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações - que é aquilo que é vedado pela Diretiva -, e a tributação de comissões de intermediação financeira - que é a realidade aqui sob apreço -, realidade essa completamente distinta das operações abrangidas pela Diretiva, que diz respeito aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais”.

 

3.5.   Nesta matéria, defende a Requerida que “(…) as comissões de intermediação financeira cobradas pelas instituições de crédito à Requerente encontram-se sujeitas a Imposto do Selo, conforme decorre das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 1.º do CIS e da verba 17.3.4 da TGIS” e, “em consequência dos ditames que provêm da Diretiva 2008/7/CE, a verba 17 da TGIS não sujeita determinado tipo de operações a Imposto do Selo, nomeadamente a criação e emissão de ações, bem como operações de financiamento traduzidas na emissão de obrigações”.

 

3.6.   Reitera a Requerida que “esta realidade decorre aliás da própria Diretiva através da qual o legislador europeu procurou, com algumas exclusões e derrogações, colocar na mesma situação todos os agentes económicos que recorressem a mercados primários com vista à reunião de capitais” porquanto “partindo da função auxiliar interpretativa oferecida, entre outros, pelos considerandos da Diretiva (…)”, “(…) alcança-se a razão de ser do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, que a Requerente usa para fazer valer a sua pretensão, que dispõe (…)” que “os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:“ a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu; b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis”.

 

3.7.   Prossegue a Requerida referindo “(…) que o artigo 6.º da Diretiva, em derrogação ao estipulado no artigo 5.º vem estabelecer (…)” que “1. Em derrogação ao disposto no artigo 5.º, os Estados-Membros podem cobrar os seguintes impostos e direitos: a) Impostos sobre a transmissão de valores mobiliários (…); b) Direitos de transmissão, incluindo os encargos de registo de propriedade que incidem sobre a entrada, numa sociedade de capitais, de bens imóveis ou de estabelecimentos comerciais sitos no respectivo território; c) Direitos de transmissão sobre activos de qualquer natureza que constituam entradas de capital numa sociedade de capitais, na medida em que a transmissão dos referidos activos não seja remunerada através de partes sociais; d) Direitos que onerem a constituição, inscrição ou extinção de privilégios e hipotecas; e) Direitos com carácter remuneratório; f) Imposto sobre o valor acrescentado. 2. Os montantes cobrados a título dos impostos e direitos referidos nas alíneas b) a e) do n.º 1 não variam, independentemente do facto de a sede de direção efetiva ou a sede estatutária da sociedade de capitais se situar ou não no território do Estado-Membro que cobra a imposição. Os referidos montantes não podem ser superiores aos dos impostos e direitos aplicáveis a operações similares realizadas no Estado-Membro que os cobra”.

 

3.8.   Ora, segundo alega a Requerida, “(…) na situação sub judice (…)”, “(…) não se está a tributar as obrigações ou as ações propriamente ditas, mas tão-só a remuneração cobrada pelas instituições de crédito à Requerente em consequência da prestação de um serviço de intermediação financeira que engloba intermediação na transmissão (aquisição e/ou venda) daqueles valores mobiliários junto de potencias investidores” situação que, segundo entende a Requerida, “(…) não só não é proibida como é permitida, conforme o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º da Diretiva”.

 

3.9.   Segundo entende a Requerida, “não pode (…) considerar-se que as comissões de intermediação financeira (…), decorrentes de serviços financeiros contratados pela Requerente estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE” porquanto “(…) o que foi tributado foi a remuneração de serviços de intermediação financeira, que tiveram como objetivo principal intermediar na aquisição e/ou venda, isto é, na transmissão de obrigações e ações junto de clientes e investidores das instituições de crédito contratadas para o efeito”.

 

3.10. E, segundo alega a Requerida, “remuneração (comissão) essa que preenche todos os pressupostos de incidência previstos na verba 17.3.4 da TGIS, estando por isso sujeita a Imposto do Selo”, pelo que conclui que “não estamos, assim, perante uma situação que possamos considerar uma formalidade conexa”.

 

3.11. “Assim, como novamente se reitera, por muito importante que fosse a prestação de serviços de intermediação financeira para o sucesso das operações em causa, tratam-se de contratos meramente acessórios e juridicamente distintos da operação de reunião de capitais propriamente dita e que com ela não se confundem” sendo, “por esta razão [que] entendemos que as liquidações aqui contestadas, efetuadas nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, não se mostram incompatíveis com os ditames da Diretiva”.

 

3.12. Adicionalmente, entende a Requerida que “(…) ao contrário do que acontece para os títulos representativos de dívida, nomeadamente obrigações, a expressão formalidades conexas não estar expressamente prevista no caso concreto das ações e outras participações sociais” porquanto “(…) a ausência no corpo da citada norma [artigo 5º, nº 2, alínea a) da Directiva] da expressão formalidades conexas é reveladora de que, no caso concreto das ações, partes sociais e outros títulos da mesma natureza, o legislador comunitário pretendeu não as excluir de uma eventual sujeição a Imposto do Selo”.

 

3.13. Reitera a Requerida que “entendimento contrário não pode proceder, porquanto não só viola o texto legal por falta de qualquer apoio na letra da lei, como não está a presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, desrespeitando os ensinamentos que emanam dos n.ºs 2 e 3 do artigo 9.º Código Civil” e “não se pode igualmente aceitar o exercício analógico que a Requerente faz entre o IVA e o Imposto do Selo chegando ao ponto de dizer que o Imposto do Selo devia funcionar como o IVA no que respeita às consideradas operações acessórias que, neste imposto, seguem o mesmo regime de tributação da operação principal” porquanto, “(…) contrariamente à alusão da Requerente, o IVA nunca foi visto pelo legislador da Diretiva 2008/7/CE como um entrave à reunião de capitais, pois de outro modo não se compreenderia a expressa derrogação consagrada para este imposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Diretiva”.

 

3.14. Nestes termos, defende a Requerida que “(…) deverá o tribunal arbitral considerar que à luz do quadro legal em vigor a Verba 17.3.4. da TGIS, quando interpretada no sentido de sujeitar a Imposto do Selo comissões devidas por serviços de intermediação financeira, que pese embora possam de algum modo estar relacionados com operações de reuniões de capitais abrangidas pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva, não é ilegal nem inconstitucional por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia, ínsito no artigo 8.º da Constituição da República”.

 

3.15. “Por tudo o que vem exposto considera-se que inexiste qualquer desconformidade das autoliquidações de Imposto do Selo incidentes sobre as comissões de intermediação financeira cobradas à Requerente com o preceituado no n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, não padecendo, por esse motivo, as mesmas de qualquer ilegalidade”.

 

3.16. No que diz respeito ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, a Requerida refere que “estando-se perante procedimento de reclamação graciosa cujo objeto respeita a atos de autoliquidação de IS, os juros indemnizatórios são devidos a partir do indeferimento expresso [da reclamação graciosa], ou seja, a partir de 14-07-2021”.

 

3.17. Conclui a Requerida a sua Resposta, requerendo que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado nos termos acima peticionados, e, consequentemente, [ser] absolvida a Requerida de todos os pedidos, igualmente nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.   O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22-03.

 

4.3.   O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.   Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer.

 

4.5.   Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.      MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.   Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.   Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.   A Requerente é uma sociedade comercial com sede em território nacional que, de acordo com os seus Estatutos, tem por objecto a promoção, dinamização e gestão, por forma direto ou indirecta, de empreendimentos e actividades na área do sector energético, quer a nível nacional, quer a nível internacional, com vista ao incremento e aperfeiçoamento do desempenho do conjunto de sociedade do seu grupo, actividade essa a que corresponde o código CAE 70100 (Actividade das Sedes Sociais), em conformidade com RIT.

 

5.4.   A Requerente, para todos os efeitos legais, é considerada “contribuinte de elevada relevância económica e fiscal”, na acepção prevista no artigo 68º-B da Lei Geral tributária (LGT).

 

5.5.   Nos anos de 2019 e 2020, a Requerente liquidou Imposto do Selo referente ao imposto da Verba 17.3.4. da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), sobre o valor de comissões devidas, a Instituições de Crédito residentes e não residentes, pelos serviços de intermediação relativos a operações de oferta para a aquisição em dinheiro de obrigações, operações de colocação e subscrição de novas obrigações emitidas naqueles anos, bem como aumento de capital com subscrição pública, no montante total de EUR 1.383.137,62, como a seguir se identificam (conforme Doc. 2 a 7 do ppa):

 

OPERAÇÃO

LIQUIDAÇÃO

DATA

PERÍODO

MONTANTE

#

Oferta para aquisição em dinheiro de obrigações – “dez 18”

...

18/02/2019

2019/01

14.999,94

(A)

Oferta para aquisição em dinheiro de obrigações “dez 18”

...

18/02/2019

2019/01

14.999,94

Emissão de obrigações – jan.2019

...

16/04/2019

2019/03

201.250,00

(B)

Emissão de obrigações – jan.2019

...

31/01/2019

2019/01

28.750,00

Emissão de obrigações – jan.2020

...

29/02/2020

2020/01

122.850,00

(C)

Emissão de obrigações – jan.2020

...

20/04/2020

2020/01

17.325,00

Emissão de obrigações – jan.2020

...

31/01/2020

2020/01

17.325,00

Oferta para aquisição em dinheiro de obrigações - “jan20”

...

30/03/2020

2020/03

27.232,00

(D)

Oferta para aquisição em dinheiro de obrigações – “jan 20”

...

23/06/2020

2020/06

13.616,00

Emissão de obrigações – abril 2020

...

30/04/2020

2020/04

120.285,00

(E)

Emissão de obrigações – abril 2020

...

20/05/2020

2020/05

13.365,00

Emissão de obrigações – abril 2020

...

18/06/2020

2020/06

1.350,00

Aumento de capital A... SA 2020

...

21/09/2020

2020/08

122.420,74

(F)

...

122.421,00

...

122.421,00

...

81.614,00

...

81.614,00

...

81.614,00

...

20/10/2020

2020/09

36.720,00

(F)

...

34.640,00

...

34.648,00

...

24.480,00

...

22.713,00

...

24.484,00

VALOR TOTAL DE IMPOSTO

1.383.137,62

 

 

5.6.   As guias de pagamento, supra identificadas no ponto 5.5. com (A), foram emitidas no contexto de uma operação de oferta para a aquisição em dinheiro, por parte da Requerente, de obrigações emitidas pela sociedade B... BV, transação na qual a A... se disponibilizou a aceitar recomprar valores mobiliários representativos de dívida emitidos por aquela sociedade do Grupo C... aos respetivos detentores dos títulos obrigacionistas.

 

5.7.   A oferta, que foi somente dirigida a investidores institucionais, visou otimizar a carteira de passivos da A... e aumentar a maturidade média da sua dívida, utilizando liquidez disponível para reduzir o montante da dívida bruta.

 

5.8.   No âmbito desta operação em concreto, a Requerente celebrou com a D... LLC e com a Z..., um contrato de prestação de serviços de intermediação financeira (Dealer Manager Agreement) mediante o qual aquelas entidades obrigaram-se a prestar serviços de (i) identificação e contacto com os titulares das obrigações em causa, aos quais transmitem a oferta de aquisição da Requerente; (ii) resposta às questões que sejam colocadas pelos mesmos detentores das obrigações sobre a oferta; (iii) assistência à Requerente na determinação do preço da oferta e na decisão sobre extensão, reabertura, alteração ou encerramento da oferta (conforme Doc. 9 do ppa).

 

5.9.   Pela prestação dos serviços acima enumerados, a Requerente suportou comissões no montante de EUR 749.997,00 (conforme Doc. 10 e 11 do ppa), estando este valor indexado ao número de obrigações efetivamente adquiridas na oferta, valor que foi sujeito a Imposto do Selo autoliquidado pela Requerente, no montante global de EUR 29.999,88 (conforme Doc. 2 do ppa).

 

5.10. As guias de pagamento, supra identificadas no ponto 5.5. com (B), foram emitidas no âmbito de uma operação de emissão de obrigações realizada pela Requerente em janeiro de 2019, esta celebrou um contrato de colocação e subscrição em mercado de obrigações por si emitidas em janeiro 2019, com um conjunto de entidades bancárias não residentes, nomeadamente, a sociedade E..., F..., G..., H..., I..., J... plc, K... Plc, L... AG, bem como com a sociedade residente Banco M... S.A. (entidades designadas pela Requerente como “Deal Managers”), conforme Doc. 12 do ppa.

 

5.11. Pelo contrato celebrado, os Deal Managers comprometeram-se a subscrever e adquirir diretamente as obrigações emitidas ou, em alternativa, a encetar esforços de prospeção de mercado com vista à identificação de um comprador para a subscrição parcial ou total das obrigações emitidas tendo a Requerente, em contrapartida, suportado uma comissão de intermediação de montante equivalente a uma percentagem (percentagem global máxima de 0,575%, valor a repartir proporcionalmente pelos Deal Managers envolvidos na operação) indexada ao valor da emissão efetuada.

 

5.12. O montante suportado pela Requerente por estas comissões pagas às entidades bancárias não residentes em Portugal, ascendeu a EUR 5.031.250,00, o qual foi deduzido pelas entidades bancárias ao montante por estas entregues à A... pelas obrigações subscritas neste âmbito, tendo este montante sido sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pela própria Requerente, no valor de EUR 201.250,00 (conforme Doc. 3 do ppa).

 

5.13. O montante suportado pela Requerente com a comissão paga à entidade bancária residente – o M... S.A. (“M...”) –, ascendeu a EUR 718.750,00 (conforme Doc. 15 do ppa), tendo este montante sido sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pelo próprio Santander e suportado pela ora Requerente, no montante de EUR 28.750,00(conforme Doc. 3 do ppa).

 

5.14. As guias de pagamento, supra identificadas no ponto 5.5. com (C), foram emitidas no contexto de uma operação de emissão de obrigações realizada pela Requerente em Janeiro/2019, para o a qual esta celebrou um contrato de colocação e subscrição em mercado de obrigações por si emitidas em Janeiro/2019, com um conjunto de entidades bancárias não residentes, nomeadamente, a sociedade N... S.p.A, O..., P..., S.A., Q... S.p.A, J... plc, K... Plc, L... AG e R... SA, bem como com as sociedades residentes Banco M... S.A. e Banco S... S.A. (entidades designadas pela Requerente como “Deal Managers”), conforme Doc. 16 do ppa).

 

5.15. A Requerente suportou, como contrapartida, uma comissão de intermediação de montante equivalente a uma percentagem (percentagem global máxima de 0,525%, valor a repartir pelos Deal Managers envolvidos na operação em função da respetiva intervenção) indexada ao valor da emissão efetuada (conforme Doc. 17 do ppa).

 

5.16. O montante suportado pela Requerente com estas comissões às entidades bancárias não residentes em Portugal, ascendeu a EUR 3.071.250,00, o qual foi deduzido pelas entidades bancárias ao montante por estas entregues à Requerente pelas obrigações subscritas neste âmbito, tendo este montante sido sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pela Requerente, no montante global de EUR 122.850,00 (conforme Doc. 4 do ppa).

 

5.17. O montante suportado pela Requerente com as comissões pagas às entidades bancárias residentes, i.e. o Banco S..., S.A (“S...”) e o Banco M..., S.A. (“M...”), ascenderam a um total de EUR 866.250,00 (EUR 433.125,00/por entidade), conforme Doc. 18 do ppa, o qual foi sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pelo S... e pelo M... e suportado pela ora Requerente, no valor global de EUR 34.650,00 (EUR 17.325,00/por cada liquidação), conforme Doc. 4 do ppa.

 

5.18. As guias de pagamento, supra identificadas no ponto 5.5. com (D), foram emitidas no contexto de uma operação de oferta de aquisição de obrigações emitidas pela Requerente “750,000,000 Fixed to Reset Rate Subordinated Notes due 2075”, a qual teve como objetivo reduzir o custo do endividamento da Requerente, nomeadamente ao permitir comprar obrigações anteriormente por si emitidas e que apresentavam um custo elevado, por força das condições de mercado no momento em que foram colocadas (i.e. apresentavam uma taxa de juro de cerca de 5%).

 

5.19. A operação identificada no ponto anterior originou a cobrança de comissões no âmbito do “Dealer Manager Agreement”, por parte dos Deal Managers F..., G... AG, H... e O..., no montante de EUR 340.400,00 por Deal Manager, totalizando EUR 1.021.200,00 (conforme Doc. 19 e 20 do ppa).

 

5.20. O contrato celebrado para efeito da operação tem idêntica natureza e previsões em tudo idênticas às dos contratos anteriormente referidos, no que diz respeito à indispensabilidade dos serviços de intermediação financeira contratados no âmbito de operações de (re)compra de títulos obrigacionistas.

 

5.21. Os montantes relativos às comissões pagas foram sujeitos a Imposto do Selo, no montante total de EUR 40.848,00 (conforme Doc. 5 do ppa).

 

5.22. As guias de pagamento, supra identificadas no ponto 5.5. com (E), foram emitidas no contexto de uma operação de emissão de obrigações realizada pela Requerente, tendo esta celebrado um contrato de colocação e subscrição em mercado de obrigações por si emitidas em Abril/2019, com um conjunto de entidades bancárias não residentes, nomeadamente, a sociedade Banco T..., S.A., E... PLC, U... Limited, V..., I... PLC, W..., J.P. X... PLC, Y..., Z..., bem como com a sociedade residente AA..., S.A. (entidades designadas pela Requerente como “Deal Managers”), conforme Doc. 21 do ppa.

 

5.23. Nos termos do referido contrato, estas entidades comprometeram-se a subscrever e adquirir diretamente as obrigações emitidas, ou a encetar esforços de prospeção de mercado com vista à identificação e negociação de um comprador para a subscrição de parte ou totalidade das obrigações emitidas no âmbito da operação em apreço.

 

5.24. Para além da assistência na determinação do preço da emissão e na colocação em mercado do instrumento obrigacionista, os Deal Managers prestaram ainda serviços de: (i) identificação e contacto com potenciais subscritores das obrigações em causa, aos quais transmitem os termos e condições da emissão de dívida da Requerente; (ii) resposta às questões que sejam colocadas pelos potenciais investidores; e (iii) negociação com vista à subscrição de parte ou totalidade da emissão em apreço pelos potenciais investidores.

 

5.25. Em contrapartida, a Requerente suportou uma comissão de intermediação de montante equivalente a uma percentagem (percentagem global máxima de 0,45%, valor a repartir pelas entidades bancarias intervenientes envolvidos na operação em função da respetiva intervenção) indexada ao valor das obrigações emitidas/colocadas em mercado até um montante máximo de EUR 3.375.000,00 (conforme Doc. 22 do ppa).

 

5.26. Neste contexto, são replicáveis no âmbito desta operação todos os factos e motivações económicas supra explanados relativamente à indispensabilidade dos serviços de intermediação financeira contratados no âmbito de operações com a emissão de títulos obrigacionistas.

 

5.27. O montante suportado pela Requerente com estas comissões às entidades bancárias não residentes em Portugal, ascendeu a EUR 3.071.250,00, o qual foi deduzido pelas entidades bancárias ao montante por estas entregues à Requerente pelas obrigações subscritas neste âmbito.

 

5.28. O montante referido no ponto anterior foi ainda sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pela Requerente, no montante global de EUR 120.285,00 (conforme Doc. 6 do ppa).

 

5.29. O montante suportado pela Requerente com a comissão paga à entidade bancária não residente V... (“V...”), ascendeu a EUR 334.125,00, tendo este montante sido sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pelo V... e suportado pela ora Requerente, no valor de EUR 13.365,00 (conforme Doc. 6 e 23 do ppa).

 

5.30. O montante suportado pela Requerente com a comissão paga à entidade bancária residente, i.e. o AA... (“Caixa AA...”), ascendeu a EUR 33.750,00 (conforme Doc. 24 do ppa), tendo sido sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pela AA... e suportado pela Requerente, no valor de EUR 1.350,00 (conforme Doc. 6 e 24 do ppa).

 

5.31. As guias de pagamento, supra identificadas no ponto 5.5. com (F), foram emitidas no contexto de um contrato de colocação e subscrição em mercado de valores mobiliários representativos do seu capital social, operação lançada a 23 de Julho de 2020 e registada em 11 de Agosto de 2020, com um conjunto de entidades bancárias não residentes, nomeadamente X... plc, D..., O..., BB... SA e CC... (os “Underwriters”), bem com o Banco S... SA (conforme Doc. 25 do ppa).

 

5.32. Esta operação de aumento de capital, destinou-se a reunir o capital necessário para financiar a aquisição pela A..., de: (i) 75,1% do negócio de distribuição de eletricidade da DD... S.à.r.l, (ii) 100% do negócio de energias renováveis da EE... e (iii) duas centrais termoeléctricas a carvão em processo de desativação até 2021.

 

5.33. Para além da assistência à Requerente na determinação do preço da oferta pública de subscrição dos valores mobiliários em questão, as entidades bancárias intervenientes na operação prestaram ainda serviços de: (i) identificação e contacto com potenciais subscritores dos valores mobiliários em causa, aos quais transmitem os termos e condições da oferta de subscrição da A...; (ii) resposta às questões que sejam colocadas pelos potenciais investidores; e (iii) negociação com vista à subscrição de parte ou totalidade da oferta em apreço pelos potenciais investidores.

 

5.34. Com as necessárias adaptações por se tratar de ações, são replicáveis no âmbito desta operação todos os factos e motivações económicas supra explanados relativamente à indispensabilidade dos serviços de intermediação financeira contratados no âmbito de Operações.

 

5.35. Em contrapartida, a Requerente suportou comissões de intermediação, compreendendo nomeadamente i) uma “comissão base” de valor equivalente a 1,5% do montante subscrito e do número agregado de novas ações, e, ii) uma “comissão discricionária” até ao valor máximo equivalente a 0,5% do montante subscrito e do número agregado de novas ações, tendo tais valores sido pagos às entidades bancárias intervenientes envolvidas na operação em função do resultado da respetiva intervenção (conforme consta da cláusula 11 do contrato anexado pela Requerente como Doc. nº 25).

 

5.36. O montante suportado pela Requerente a título de comissões base pagas às entidades bancárias não residentes em Portugal, ascendeu a EUR 12.242.100,00, o qual foi deduzido pelas entidades bancárias ao montante por estas entregues à Requerente pelos valores mobiliários subscritos neste âmbito.

 

5.37. As comissões foram sujeitas a Imposto do Selo, liquidado e suportado pela Requerente, totalizando um valor de imposto de EUR 489.684,00 (conforme Doc. 7 do ppa).

 

5.38. O montante suportado pela Requerente com a comissão base paga à entidade bancária residente, i.e. o Banco S... SA (“S...”), ascendeu a EUR 3.060.518,50 (conforme Doc. 26 do ppa), montante que foi sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pelo S... e suportado pela Requerente, no valor de EUR 122.420,74 (conforme Doc. 7 e 26 do ppa).

 

5.39. Adicionalmente, o montante suportado pela Requerente a título de comissões pagas às entidades bancárias não residentes em Portugal, ascendeu a EUR 3.524.125,00 (conforme Doc. 27 do ppa), montante que foi sujeito a Imposto do Selo, liquidado pela Requerente, no valor global de EUR 140.965,00 (conforme Doc. 7 e 27 do ppa).

 

5.40. O montante suportado pela Requerente com a comissão paga à entidade bancária residente, i.e. o S..., ascendeu a EUR 918.000,00 (conforme Doc. 28 do ppa), o qual foi sujeito a Imposto do Selo, liquidado pelo S... e suportado pela Requerente, no valor de EUR 36.720,00 (conforme Doc. 7 e 28 do ppa).

 

5.41. Em 15-02-2021 a Requerente apresentou reclamação graciosa (nº ...2021...) dos actos de autoliquidação de Imposto do Selo, acima identificados no ponto 5.5., no montante total de EUR 1.383.137,62, relativos ao Imposto do Selo suportado pela Requerente nas comissões devidas a instituições de crédito residentes e não residentes pelos serviços financeiros respeitantes a operações de oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, emissões de obrigações e aumento de capital identificadas nos pontos anteriores, efectuadas ao abrigo do disposto na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (conforme Doc. 8 do ppa).

 

5.42. Os actos tributários referidos no ponto anterior ocorreram no período de Janeiro e Março de 2019, no período de Janeiro de 2020, no período de Março a Junho de 2020 e nos período de Agosto e Setembro de 2020.

 

5.43. A reclamação graciosa apresentada teve como fundamento o facto de a Requerente entender que as liquidações de Imposto do Selo da verba 17.3.4. da TGIS, incidentes sobre as comissões pagas às várias instituições bancárias, intermediárias das operações em causa (descritas nos pontos anteriores), são contrárias às disposições da Diretiva nº 2008/7/CE do Conselho, de 12-02-2008, porquanto constituem formalidades conexas com operações que deveriam estar isentas de tributação indirecta, na medida em que a imposição da tributação sobre tais operações limita o desenvolvimento económico e o acesso a meios financeiros necessários para a concentração de capitais (conforme Doc. 8 do ppa).

 

5.44. A Requerente, na reclamação graciosa identificada no ponto anterior, peticiona a anulação das liquidações em causa, com o consequente reembolso do imposto pago, no montante total de EUR 1.383.137,62, bem como o pagamento de juros indemnizatórios incidentes sobre aquele montante.

 

5.45. Dado a Requerente se enquadrar como “contribuinte de elevada relevância económica e fiscal”, a competência para efeitos de prolação de decisão do procedimento administrativo de relação graciosa coube ao Senhor Director da UGC.

 

5.46. A Requerente foi notificada através de Ofício, datado de 27-05-2021, emitido pela UGC, do projecto de decisão de indeferimento da referida reclamação graciosa bem como para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o respectivo direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia (conforme Doc. 29 do ppa).

 

5.47. O projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa baseia-se nas seguintes conclusões (conforme Doc. 29 do ppa):

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamenteUma imagem com texto

Descrição gerada automaticamenteUma imagem com texto

Descrição gerada automaticamenteUma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

5.48. A Requerente não exerceu o seu direito de audição prévia.

 

5.49. A Requerente foi notificada através de Ofício, datado de 13-07-2021, emitido pela UGC, de que na mesma data foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, pelo Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de Subdelegação de competências (conforme Doc. 1 do ppa).

 

5.50. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa baseia-se nas seguintes conclusões (conforme Doc. 1 do ppa):

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

5.51. A Requerente apresentou, em 12-10-2021, este pedido de pronúncia arbitral.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.52. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), nos factos não contestados pela Requerida, no teor dos documentos juntos aos autos pelas Partes e no depoimento das Testemunhas inquiridas.

 

5.53. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova (documental e testemunhal) trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme nº 5 do artigo 607º do CPC sendo que somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

Dos factos não provados

 

5.54. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral

 

6.      MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.   Com a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o despacho de indeferimento que incidiu sobre a reclamação graciosa apresentada relativamente às liquidações de Imposto do Selo identificadas no pedido, bem como sobre a legalidade das referidas liquidações, peticionando “(…) a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento praticado e das liquidações de Imposto do Selo lhes estão subjacentes (…)” bem como “(…) a respetiva anulação por vício de violação do Direito Comunitário e de Lei Constitucional e, bem assim, a devolução dos montantes indevidamente pagos, com as demais consequências legais, designadamente o pagamento de juros indemnizatórios” requerendo ainda “(…) caso persistam dúvidas a este (…) Tribunal (…)” quanto ao enquadramento do pedido, seja efectuado um pedido de reenvio prejudicial, sugerindo que sejam formuladas ao TJUE duas questões que formula.

 

6.2.   Em síntese, a Requerente entende que “(…) as comissões sobre as quais (…) [se] liquidou ou suportou Imposto do Selo e, bem assim, os serviços que lhe estão subjacentes, podem ser reconduzidos ao conceito de formalidades conexas às ofertas para a aquisição em dinheiro de obrigações, emissões de obrigações e aumento de capital que foram realizadas”, “razão pela qual sobre elas não pode incidir Imposto do Selo – seja ao abrigo da Verba 17.3.4. da TGIS, seja ao abrigo de qualquer outra – nos termos defendidos pela AT na decisão impugnada(…)” porquanto “(…) sempre haverá que considerar-se que, à luz do quadro legal em vigor (…), a Verba n.º 17.3.4. da TGIS, quando interpretada no sentido de sujeitar a Imposto do Selo comissões devidas por serviços de intermediação financeira que consubstanciam formalidades conexas com operações de reuniões de capitais abrangidas pela isenção prevista no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva, é inconstitucional por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia, ínsito no artigo 8.º da Constituição, inconstitucionalidade essa que desde já se alega para todos os efeitos legais” (sublinhado nosso).

 

6.3.   Assim, entende a Requerente que “(…) resulta claro que o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) da Diretiva, não se encontra integralmente transposto para a legislação portuguesa enquanto subsistir o disposto Verba 17.3.4. TGIS”.

 

6.4.   E estando “(…) a AT (…) obrigada a interpretar as normas nacionais em conformidade com o direito comunitário, abstendo-se de criar entraves ou dificultando o efeito útil das normas comunitárias de efeito direto, como são aquelas que decorrem da proibição de liquidar Imposto do Selo nas operações em apreço ou em operações com aquelas conexas”, entende a Requerente ser de “(…) concluir que a manutenção desta perspetiva redutora da AT não atende ao conceito funcional do TJUE de “operação global”, pelo que devendo ser totalmente repudiada”.

 

6.5.   Em consequência, defende a Requerente ser de concluir “(…) pela declaração de ilegalidade do ato de indeferimento praticado e das liquidações de Imposto do Selo lhes estão subjacentes, determinando-se a respetiva anulação por vício de violação do Direito Comunitário e de Lei Constitucional e, bem assim, a devolução dos montantes indevidamente pagos, com as demais consequências legais, designadamente o pagamento de juros indemnizatórios”.

 

6.6.   Por outro lado, a Requerida entende, em síntese, que “não pode (…) considerar-se que as comissões de intermediação financeira (…), decorrentes de serviços financeiros contratados pela Requerente estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CEporquanto(…) o que foi tributado foi a remuneração de serviços de intermediação financeira, que tiveram como objetivo principal intermediar na aquisição e/ou venda, isto é, na transmissão de obrigações e ações junto de clientes e investidores das instituições de crédito contratadas para o efeito”, “remuneração (comissão) essa que preenche todos os pressupostos de incidência previstos na verba 17.3.4 da TGIS, estando por isso sujeita a Imposto do Selo”.

 

6.7.   Em consequência, entende a Requerida que não estamos, assim, perante uma situação que possamos considerar uma formalidade conexa” e nessa medida, “(…) por muito importante que fosse a prestação de serviços de intermediação financeira para o sucesso das operações em causa, tratam-se de contratos meramente acessórios e juridicamente distintos da operação de reunião de capitais propriamente dita e que com ela não se confundem” sendo, “por esta razão [que] entendemos que as liquidações aqui contestadas, efetuadas nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, não se mostram incompatíveis com os ditames da Diretiva” (sublinhado nosso).

 

6.8.   Nestes termos, defende a Requerida “(…) que à luz do quadro legal em vigor a Verba 17.3.4. da TGIS, quando interpretada no sentido de sujeitar a Imposto do Selo comissões devidas por serviços de intermediação financeira (…), não é ilegal nem inconstitucional por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia, ínsito no artigo 8.º da Constituição da República” pelo que considera “(…) que inexiste qualquer desconformidade das autoliquidações de Imposto do Selo incidentes sobre as comissões de intermediação financeira cobradas à Requerente com o preceituado no n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, não padecendo, por esse motivo, as mesmas de qualquer ilegalidade”.

 

6.9.   Nestes termos, a questão a decidir será a de se saber se, na acepção da jurisprudência do TJUE, e no âmbito da não sujeição a Imposto do Selo das operações (i) de oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações, estas operações devem ser consideradas como “operações globais”, abrangendo-se na expressão “formalidades conexas” (a que se refere o artigo 5º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2008) com aquelas operações de reunião de capital, os serviços de intermediação financeira contratados relativamente aquelas operações e, consequentemente, considerar as mesmas fora do âmbito de sujeição a Imposto do Selo da verba 17.3.4. da TGIS?

 

6.10. Cumpre decidir.

 

Do direito interno

 

6.11. De acordo com o disposto no artigo 1º (Incidência objectiva), nº 1 e 2, do Código do Imposto do Selo, “1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens. 2 - Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas. (…)” sendo que nos termos do artigo 2º (Incidência subjectiva), nº 1, alínea c) do mesmo Código, “1 - São sujeitos passivos do imposto: (…) c) Instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas residentes em território nacional, que tenham intermediado operações de crédito, de prestação de garantias ou juros, comissões e outras contraprestações devidos por residentes no mesmo território a instituições de crédito ou sociedades financeiras não residentes; (…)”.

 

6.12.    Nos termos do artigo 3º (Encargo do imposto) do referido Código, “1 - O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1.º 2 - Em caso de interesse económico comum a vários titulares, o encargo do imposto é repartido proporcionalmente por todos eles. 3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico: (…); g) Nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas; (…)”.

 

6.13.    Prevê o artigo 4º (Territorialidade) do mesmo Código que “1 - Sem prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional. 2 - São, ainda, sujeitos a imposto: (…); c) Os juros, as comissões e outras contraprestações cobrados por instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou por filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional a quaisquer entidades domiciliadas neste território, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável das entidades que intervenham na realização das operações; (…)”.

 

6.14.    O artigo 5º (Nascimento da obrigação tributária) do mesmo Código refere, na redação em vigor à data a que as liquidações se reportam (2019 e 2020) que “1 - A obrigação tributária considera-se constituída: (…); h) Nas operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações, considerando-se efetivamente cobrados os juros e comissões debitados em contas correntes à ordem de quem a eles tiver direito; (…)”.

 

6.15.    A verba 17.3.4. (Operações financeiras) da Tabela Geral do Imposto do Selo estabelece que é devido imposto, à taxa de 4%, pelas “operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobradoa título de “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.

 

6.16.    Nestes termos, face ao dispositivo interno, a Requerente suportou Imposto do Selo relativo às operações de intermediação financeira (no montante total de
EUR 34.578.440,50), realizadas por diversas instituições financeiras, residentes e não residentes em território nacional contratadas para intermediar as operações descritas no ponto 5.5., supra , o qual ascendeu a um total de EUR 1.383.137,62, que a Requerente pretende ver anulado e, consequentemente, reembolsado, com fundamento em vício de violação de lei, tendo em consideração o disposto no direito da União Europeia, que invoca.

 

Do direito da UE

 

6.17. Conforme se prevê no preambulo da Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, “a Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais foi substancialmente alterada diversas vezes” e, “dado que devem ser introduzidas novas alterações, é conveniente, por razões de clareza, proceder à reformulação da directiva”. Assim, “os impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, designadamente o imposto sobre as entradas de capital (imposto que incide sobre as entradas de capital nas sociedades), o imposto de selo sobre os títulos, e o imposto sobre as operações de reestruturação, independentemente de essas operações envolverem ou não um aumento de capital, dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitais. O mesmo se aplica a outros impostos indirectos com características idênticas às do imposto sobre as entradas de capital e do imposto de selo sobre os títulos. Consequentemente, é do interesse do mercado interno harmonizar a legislação relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais para eliminar, tanto quanto possível, factores susceptíveis de distorcer as condições de concorrência ou entravar a livre circulação de capitais” (sublinhado nosso).

 

6.18. Assim, a Directiva 2008/7/CE, de 12 de Fevereiro de 2008 veio regular a aplicação de impostos indirectos sobre (a) Entradas de capital em sociedades de capitais; (b) Operações de reestruturação que envolvam sociedades de capitais e (c) Emissão de determinados títulos e obrigações, revogando a Directiva 69/355/CEE, com efeitos desde de 1 de Janeiro de 2009.

 

6.19. De acordo com o disposto no artigo 5º, nº 1 da referida Directiva (operações não sujeitas a impostos indirectos), “1. Os Estados-Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indirecto sobre: a) Entradas de capital; b) Empréstimos ou prestações de serviços, efectuadas no âmbito das entradas de capital; c) Registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade de capitais esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica; d) Alterações do acto constitutivo ou dos estatutos de uma sociedade de capitais, designadamente (…)” as aí elencadas.

 

6.20. Nos termos do nº 2 do referido artigo 5º, “os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto: a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu; b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis” (sublinhado nosso).

 

6.21. O artigo 6º da mesma Directiva (impostos e direitos) prevê que “1. Em derrogação ao disposto no artigo 5º, os Estados-Membros podem cobrar os seguintes impostos e direitos: a) Impostos sobre a transmissão de valores mobiliários (…); b) Direitos de transmissão, incluindo os encargos de registo de propriedade que incidem sobre a entrada, numa sociedade de capitais, de bens imóveis ou de estabelecimentos comerciais sitos no respectivo território; c) Direitos de transmissão sobre activos de qualquer natureza que constituam entradas de capital numa sociedade de capitais, na medida em que a transmissão dos referidos activos não seja remunerada através de partes sociais; d) Direitos que onerem a constituição, inscrição ou extinção de privilégios e hipotecas; e) Direitos com carácter remuneratório; f) Imposto sobre o valor acrescentado. 2. Os montantes cobrados a título dos impostos e direitos referidos nas alíneas b) a e) do nº 1 não variam, independentemente do facto de a sede de direcção efectiva ou a sede estatutária da sociedade de capitais se situar ou não no território do Estado-Membro que cobra a imposição. Os referidos montantes não podem ser superiores aos dos impostos e direitos aplicáveis a operações similares realizadas no Estado-Membro que os cobra” (sublinhado nosso).

 

6.22. Nos termos do artigo 15º ainda da referida Directiva (transposição), é referido que “1. Os Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento aos artigos 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 12º, 13º e 14º até 31 de Dezembro de 2008. Devem comunicar imediatamente à Comissão o texto daquelas disposições e um quadro de correspondência entre as referidas disposições e a pressente directiva” sendo que nos termos do nº 2 se refere que “2. Os Estados Membros devem comunicar à Comissão o texto das principais disposições de direito interno que aprovarem nas matérias reguladas pela presente directiva” (sublinhado nosso).

 

Da jurisprudência do TJUE

 

6.23. Na sequência de um pedido de decisão prejudicial com o intuito de interpretar os artigos 10º e 11º da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidiam sobre as reuniões de capitais, bem como dos artigos 4º e 5º da Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais e dos artigos 12º, 43º, 48º, 49º ou 56º do Tratado CE (atuais artigos 18º, 49º, 54º, 56º e 63º do TFUE), o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) veio no Acórdão proferido no âmbito do processo C‑573/16, de 19-10-2017 (processo Air Berlin), esclarecer e decidir o seguinte (a respeito da cobrança de um imposto, em aplicação do disposto na section 70 do Finance Act 1986 sobre certas transmissões de ações realizadas em 2006 e 2009):

Quadro jurídico - Direito da União - Diretiva 69/335

3 Em conformidade com o seu primeiro considerando, a Diretiva 69/335 destina‑se a promover a livre circulação de capitais, com vista à criação de uma união económica com características análogas às de um mercado interno. Com este objetivo, como resulta dos seus sexto a oitavo considerandos, esta diretiva visa harmonizar o imposto a que estão sujeitas as entradas de capital em sociedades na Comunidade Europeia, pela instituição de um imposto único sobre as reuniões de capitais, que seja aplicado apenas uma vez no interior do mercado comum, e pela supressão de todos os outros impostos indiretos que apresentem as mesmas características deste imposto único. (…). No artigo 4º, nº 1, da Diretiva 69/335 estão enumeradas as operações que devem ser sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital. Entre essas operações figuram, nomeadamente, a constituição de uma sociedade de capitais e o aumento do seu capital social. 5 O artigo 10º da Diretiva 69/335 prevê a supressão das imposições que apresentem as mesmas características que o imposto sobre as entradas de capital em relação às operações referidas no artigo 4.º da mesma diretiva. 6 Nos termos do artigo 11.º da Diretiva 69/335: «Os Estados‑Membros não submeterão a qualquer imposição, seja sob que forma for: a) A criação, emissão, admissão em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu; b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.» 7 Todavia, por força do disposto no artigo 12.o, n.º 1, alínea a), desta diretiva, os Estados‑Membros podem, em derrogação do disposto nos seus artigos 10.º e 11.º, cobrar «impostos sobre a transmissão de valores mobiliários (…)». Diretiva 2008/7 8 A Diretiva 2008/7 é uma reformulação da Diretiva 69/335, cujos termos retoma, em substância. Todavia, como resulta dos seus considerandos 4 a 6, a mesma visa suprimir progressivamente o imposto sobre as entradas de capital. 9 O artigo 4.o desta diretiva dispõe sobre as operações de restruturação. 10 O artigo 5.º da referida diretiva, sob a epígrafe «Operações não sujeitas a impostos indiretos», dispõe: «1. Os Estados‑Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indireto sobre: a) Entradas de capital; b) Empréstimos ou prestações de serviços, efetuadas no âmbito das entradas de capital; […] 2. Os Estados‑Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto: a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu; […]» 11 Todavia, por força do disposto no antigo 6.º, n.º 1, alínea a), desta mesma diretiva, os Estados‑Membros podem, não obstante o disposto no artigo 5.º, cobrar «impostos sobre a transmissão de valores mobiliários (…)». (…)” (sublinhado nosso).

 

6.24. No caso subjacente à Decisão do TJUE em análise, verifica-se que, no Reino Unido, não era cobrado imposto sobre as entradas de capital, mas em contrapartida era cobrado Imposto do Selo sobre determinados actos que documentavam uma transmissão de ações.[2]

 

6.25. Ora, tendo sido a Air Berlin quem pagou o Imposto do Selo por ocasião das duas operações de transmissão de ações (de 2006 e 2009) em análise no referido Acórdão, veio requerer o reembolso do imposto cobrado sobre estas operações, cujo pedido foi indeferido mas, em sede de recurso desta decisão, o Tribunal Superior de Justiça competente (Inglaterra e País de Gales) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça, nomeadamente, a seguinte questão prejudicial: “A cobrança por um Estado‑Membro de imposto de selo à taxa de 1,5% sobre a transmissão de ações (…) contraria uma ou mais das seguintes disposições: a) Artigo 10º ou artigo 11º da Diretiva [69/335]; b) Artigo 4º ou artigo 5º da Diretiva [2008/7]; ou c) Artigos 12º, 43º, 48º, 49º ou 56º do Tratado CE?

 

6.26.    Nesta matéria, esclarece o referido Acórdão do TJUE que “27 A título preliminar, importa recordar que a Diretiva 69/335 e a Diretiva 2008/7, que a revogou e substituiu, procederam a uma harmonização exaustiva dos casos em que os Estados‑Membros podem sujeitar as reuniões de capitais a impostos indiretos (v., neste sentido, acórdãos de 7 de junho de 2007, Comissão/Grécia, C‑178/05, EU:C:2007:317, nº 31, e de 1 de outubro de 2009, HSBC Holdings e Vidacos Nominees, C‑569/07, EU:C:2009:594, nº 25). 28 Ora, como o Tribunal de Justiça já declarou, quando uma questão for objeto de harmonização ao nível da União, as medidas nacionais nessa matéria devem ser apreciadas à luz das disposições dessa medida de harmonização e não das do Tratado CE (v., neste sentido, acórdão de 1 de outubro de 2009, HSBC Holdings e Vidacos Nominees, C‑569/07, EU:C:2009:594, nº 26 e jurisprudência referida). 29 Daqui resulta que (…), o Tribunal de Justiça deve limitar‑se à interpretação das Diretivas 69/335 e 2008/7. (…). Por conseguinte, importa interpretar os artigos 10º e 11º da Diretiva 69/335 e o artigo 5º da Diretiva 2008/07, que proíbem, nomeadamente, qualquer forma de imposição indireta sobre as entradas de capital, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza. 31 Resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelas referidas diretivas, (…) o artigo 5º da Diretiva 2008/7 devem ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições previstas nestas disposições sejam privadas de efeito útil (v., neste sentido, acórdãos de 15 de julho de 2004, Comissão/Bélgica, C‑415/02, EU:C:2004:450, nº 33; de 28 de junho de 2007, Albert Reiss Beteiligungsgesellschaft, C‑466/03, EU:C:2007:385, nº 39; e de 1 de outubro de 2009, HSBC Holdings e Vidacos Nominees, C‑569/07, EU:C:2009:594, nº 34). 32 O Tribunal de Justiça declarou assim que, em conformidade com os objetivos do artigo 11.o da Diretiva 69/335 e do artigo 5º, nº 2, da Diretiva 2008/7, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais se aplica igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, acórdão de 9 de outubro de 2014, Gielen, C‑299/13, EU:C:2014:2266, nº 24 e jurisprudência referida). (…)” (sublinhado nosso).

 

6.27.    Assim, “(…). Os artigos 10º e 11º da Diretiva 69/335 devem ser interpretados no sentido de que se opõem à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade de todas as ações de uma sociedade foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de admitir essas ações em bolsa, sem que a sua propriedade efetiva tenha sido alterada. O artigo 5º, nº 1, alínea c), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.28.    E, conclui o referido Acórdão que “46 (…) as Diretivas 69/335 e 2008/7 se opõem à cobrança de um imposto pela transmissão de ações para um serviço de compensação que faça parte de uma operação de admissão dessas ações em bolsa ou de emissão de novas ações” (sublinhado nosso).

 

6.29.    Nestes termos, “(…), o Tribunal de Justiça (…) declara: 1) Os artigos 10º e 11º da Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade de todas as ações de uma sociedade foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de admitir essas ações em bolsa, sem que a sua propriedade efetiva tenha sido alterada. 2) O artigo 5º, nº 1, alínea c), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações. 3) (…)” (sublinhado nosso).

 

6.30.    À luz da jurisprudência do TJUE acima transcrita, a Requerente defende no pedido de pronúncia arbitral que é “(…) notório que as operações de intermediação levadas a cabo no contexto (…) das transações realizadas no mercado financeiro (…) não constituem, nem nunca poderiam constituir, um fim em si mesmas, estando em tudo dependentes (…) das operações principais às quais são inerentes” porquanto essas “(…) comissões por intermediação financeira (…) foram pagas por contrapartida de serviços contratados com caráter de absoluta conexão com as operações (principais) de oferta para aquisição de obrigações, emissões de obrigações e aumento de capital realizadas pela Requerente”, fundamentos que levam a Requerente a concluir que “(…) as comissões por intermediação financeira pagas no contexto (…) descrito não se encontram, por se tratarem de formalidades conexas ao abrigo do Direito da União Europeia, sujeitas a Imposto do Selo” (sublinhado nosso).

 

6.31.    E, refira-se, é essa dependência das operações de intermediação financeira para com as operações (principais) de oferta para aquisição de obrigações, emissão de obrigações e aumentos de capital realizados que a Requerente pretendeu demonstrar com a inquirição das testemunhas que apresentou.

 

6.32.    Com efeito, as testemunhas inquiridas pretenderam criar a convicção de que em operações da dimensão igual à das operações sobre as quais incidiram as comissões por intermediação financeira, a A... não tinha (nem tinha de ter) capacidade interna em matéria de Recursos Humanos, know-how e networking para lançar, intermediar e agilizar todo o processo inerente a cada uma das operações, sendo por isso, como sintetiza a Requerente nas suas alegações, impraticável realizar este tipo de operações sem recorrer a intermediários financeiros.

 

6.33.    Na verdade, dado que os investidores destinatários de cada uma das referidas operações são investidores de grande dimensão e relevância no contexto financeiro internacional, tratando-se, em muitos dos casos, de investidores institucionais, não estão acessíveis ao contacto directo com a A... enquanto entidade promotora das operações de reunião de capitais em causa.

 

6.34.    Assim, reitera a Requerente nas suas alegações que “(…) os Deal Managers têm um papel fundamental na garantia da subscrição das obrigações cuja obrigação de pagamento não seja cumprida, assumindo também eles o risco enquanto investidor e não apenas como simples prestador de serviços financeiros (…)” sendo que “(…) quem coloca as obrigações em circulação no mercado, são os intermediários financeiros”, concluindo que “(…) num mercado de capitais com a necessidade premente de atração de captação de investimento externo e sendo a Requerente uma empresa cotada, qualquer situação de emissão de obrigações que não seja um sucesso tem imediatamente um correlativo e forte reflexo negativo no valor das suas ações em bolsa, detidas por investidores nacionais e internacionais (…)”, numa tentativa de demonstrar a indispensabilidade dos serviços de intermediação financeira contratados no âmbito das operações identificadas.

 

6.35.    Com efeito, aparentemente não lhe assistia outra opção porquanto não poderia a Requerente deixar de contratar os intermediários financeiros (e, consequentemente, deixar de suportar as referidas comissões) sem comprometer a viabilidade e êxito de cada uma das operações intermediadas.

 

6.36.    E, como refere a Requerida, no que diz respeito à Oferta Pública de Subscrição de Capital Social (no caso, o da Requerente), “(…) é a própria legislação, em particular o artigo 113.º do Código dos Valores Mobiliários, que impõe a intermediação financeira obrigatória, ou seja, estas operações de capitais não se poderão realizar sem a intervenção dos intermediários financeiros, relevando o seu papel nas operações de mercados de capitais”, concluindo que “(…) o objetivo de não tributar formalidades conexas com as operações que estão isentas de impostos indiretos – tais como as que se encontra sob apreciação nos presentes Autos – prende-se com a necessidade de garantir que essas operações conexas não são afetadas quanto à finalidade que prosseguem (…) «uma concentração de meios financeiros» e «o reforço do potencial económico das sociedades»”.[3]

 

6.37.    Em consequência, a Requerente justifica com a referida indispensabilidade dos serviços de intermediação financeira a isenção prevista no artigo 5º, nº 2, alínea b), da Directiva nº 2008/7/CE do Conselho, de 18 de Fevereiro, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, fundamento para este pedido de pronúncia arbitral, nos termo do qual “Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto: (…) b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis” (sublinhado nosso).

 

6.38.    Neste âmbito, refira-se que apesar de a posição da Requerente fazer sentido do ponto de visto de explicação e de enquadramento dado, subsistem a este Tribunal Arbitral dúvidas, quer quanto à posição assumida pela Requerente, quer quanto à posição assumida pela Requerida de que não assiste razão à Requerente ao alegar que:

 

6.38.1.   “(…) não se vê qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações (…) e a tributação de comissões de intermediação financeira (…), realidade essa completamente distinta das operações abrangidas pela Diretiva, que diz respeito aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais”,

6.38.2.   E que, no caso em análise, “(…) não se está a tributar as obrigações ou as ações propriamente ditas, mas tão-só a remuneração cobrada pelas instituições de crédito (…) em consequência da prestação de um serviço de intermediação financeira que engloba intermediação na transmissão (aquisição e/ou venda) daqueles valores mobiliários junto de potencias investidores”.

 

6.39. Segundo alega a Requerida, dado que a “remuneração (comissão) (…) preenche todos os pressupostos de incidência previstos na verba 17.3.4 da TGIS, estando por isso sujeita a Imposto do Selo” conclui que “não estamos (…) perante uma situação que possamos considerar uma formalidade conexa” porquanto entende que “(…) por muito importante que fosse a prestação de serviços de intermediação financeira para o sucesso das operações em causa, tratam-se de contratos meramente acessórios e juridicamente distintos da operação de reunião de capitais propriamente dita e que com ela não se confundem” (sublinhado nosso).

 

6.40. Segundo entendemos, neste âmbito não faz sentido esta posição assumida pela Requerida porquanto:

 

6.40.1.   Por um lado, justificar a rácio da legislação da UE (no caso, da Directiva 2008/7/CE do Conselho) com base na rácio da legislação interna (TGIS) seria inverter a ordem da hierarquia das normas e, em consequência, do primado supranacional daquela legislação, constitucionalmente previsto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual a Requerida também reconhece na Resposta ao afirmar (para defesa da sua posição) que “(…) deverá o tribunal arbitral considerar que à luz do quadro legal em vigor a Verba 17.3.4. da TGIS, quando interpretada no sentido de sujeitar a Imposto do Selo comissões devidas por serviços de intermediação financeira, que pese embora possam de algum modo estar relacionados com operações de reuniões de capitais abrangidas pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva, não é ilegal nem inconstitucional por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia, ínsito no artigo 8.º da Constituição da República” (sublinhado nosso);[4]

6.40.2.   Por outro lado, a Requerida na afirmação transcrita no ponto anterior de que as “(…) comissões devidas por serviços de intermediação financeira (…) pese embora possam de algum modo estar relacionados com operações de reuniões de capitais (…)” vêm contradizer a sua posição de que “(…) não se vê qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações (…) e a tributação de comissões de intermediação financeira (…), realidade essa completamente distinta das operações abrangidas pela Diretiva (…)”.

 

6.41. Adicionalmente, também não concorda este Tribunal Arbitral com o argumento da Requerida para suporte da sua posição quando refere que (citando o Parecer nº 507, de 13-04-2004, da Direção de Serviços Jurídicos e do Contencioso da DGCI) “(…) o legislador comunitário não manifestou qualquer vontade de integrar na proibição do art. 11º da Directiva nº 69/335/CEE as formalidades conexas, não das operações de reuniões de capitais, incluindo os empréstimos efectuados por meio da emissão de valores mobiliários, mas de operações meramente acessórias das operações de reunião de capitais” reiterando que “(…) por muito importante que fosse a prestação de serviços de intermediação financeira para o sucesso das operações em causa, tratam-se de contratos meramente acessórios e juridicamente distintos da operação de reunião de capitais propriamente dita e que com ela não se confundem”.[5]

 

6.42. E, continua a Requerida referindo que “outro aspeto que não pode nem deve ser ignorado pelo destinatário/intérprete na sua tarefa hermenêutica é o facto de, ao contrário do que acontece para os títulos representativos de dívida, nomeadamente obrigações, a expressão “formalidades conexas” não estar expressamente prevista no caso concreto das ações e outras participações sociais”, entendendo que “(…) a ausência no corpo da citada norma da expressão “formalidades conexas” é reveladora de que, no caso concreto das ações, partes sociais e outros títulos da mesma natureza, o legislador comunitário pretendeu não as excluir de uma eventual sujeição a Imposto do Selo”, concluindo que “entendimento contrário não pode proceder, porquanto não só viola o texto legal por falta de qualquer apoio na letra da lei, como não está a presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, desrespeitando os ensinamentos que emanam dos n.ºs 2 e 3 do artigo 9.º Código Civil” (sublinhado nosso)

 

6.43. Quanto a estes argumentos invocados pela Requerida refira-se que o Acórdão proferido no âmbito do processo C‑573/16, de 19-10-2017 (processo Air Berlin), acima já parcialmente transcrito (ponto 6.23. e seguintes) veio esclarecer, neste âmbito, que “(…) a Diretiva 69/335 destina‑se a promover a livre circulação de capitais, com vista à criação de uma união económica com características análogas às de um mercado interno. Com este objetivo, (…), esta diretiva visa harmonizar o imposto a que estão sujeitas as entradas de capital em sociedades na Comunidade Europeia, pela instituição de um imposto único sobre as reuniões de capitais, que seja aplicado apenas uma vez no interior do mercado comum, e pela supressão de todos os outros impostos indiretos que apresentem as mesmas características deste imposto único. (…). A Diretiva 2008/7 é uma reformulação da Diretiva 69/335, cujos termos retoma, em substância. Todavia, como resulta dos seus considerandos 4 a 6, a mesma visa suprimir progressivamente o imposto sobre as entradas de capital. (…)” sendo que “resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelas referidas diretivas, (…) o artigo 5º da Diretiva 2008/7 devem ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições previstas nestas disposições sejam privadas de efeito útil (…)” tendo assim o TJUE declarado que “(…) em conformidade com os objetivos do artigo 11.º da Diretiva 69/335 e do artigo 5º, nº 2, da Diretiva 2008/7, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais se aplica igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (…)” (negrito e sublinhado nosso).

 

6.44.    Assim, atento o exposto no ponto anterior, o que deverá entender-se por “formalidades conexas” em sentido lato?

 

6.45.    De acordo com o dicionário da Porto Editora (www.infopedia,pt), por “formalidade” deve entender-se, nomeadamente, “a maneira geralmente aceite de proceder” ou “a condição legal indispensável para que um ato seja considerado legítimo” sendo que por “conexo” deverá entender-se “o que está relacionado com outro”, “dependente” ou “que tem nexo”.

 

6.46.    Nestes termos, para efeitos do acima exposto, por “formalidades conexas” numa interpretação “latu sensu” deverão de facto entender-se, como tem sido prática na jurisprudência do TJUE, todas as formalidades ou condições que estejam relacionadas com as operações abrangidas no artigo 5º da Directiva 2008/7/CE e não excepcionadas pelo artigo 6º da referida Directiva.[6]

 

6.47.    Contudo, e no que diz respeito à jurisprudência arbitral [posições vertidas nas decisões arbitrais citadas pela Requerida (a nº 856/2019-T, de 22-09-2020, a 2/2020-T, 29-03-2021, a 502/2020, de 04-06-2021 e a nº 559/2020-T, de 24-06-2021], refira-se o seguinte:

 

6.48.1.   A decisão arbitral prolatada no âmbito do processo nº 856/2019-T diz respeito a encargos directamente relacionados com contratos de emissão de obrigações e de papel comercial e a aplicação do regime de isenção previsto no artigo 7.º, n° 1, alínea e) do CIS, relativo às operações de financiamento, juros e comissões, tendo aquele Tribunal Arbitral entendido que “(…) a factualidade subjacente é ligeiramente distinta da que se resulta da aplicação da Directiva 2008/7/CE ou do acórdão “Air Berlin”; [7]

6.48.2.   A decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 2/2020-T diz respeito ao sentido e alcance da norma do artigo 7.º, nº1, alínea d), do Código de Imposto do Selo, em especial quando se faz referência às “garantias inerentes a operações realizadas, registadas (…) que tenham por objeto (…) valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários”, não tendo sido, no âmbito desta decisão, sido considerado procedente o argumento invocado de que “(…) será ainda a liquidação ilegal por resultar na violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, que proíbe os Estados-Membros da União Europeia de imporem qualquer forma de tributação indireta (incluindo imposto do selo) sobre «todas as formalidades conexas» a empréstimos obrigacionistas” por ter sido entendido que “(…) a Requerente optou por não proceder directamente à emissão de obrigações ou papel comercial (…)”;

6.48.3.   A decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 502/2020-T nos termos da qual se conclui, por remissão para outras decisões, que “a proibição de sujeição a imposto do selo resultante do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Directiva 2008/7/CE, aplicável a empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis e formalidades conexas, não abrange os encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições de crédito a título de prestação de serviços de intermediação nessas operações financeiras”;

6.48.4.   A decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 559/2020-T também conclui que “os encargos decorrentes dos contratos de emissão de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos não cabem no conceito formalidades conexas, a que se refere o artigo 5.º, nº 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE” porquanto no seu entendimento remeteu para as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 586/2019-T e 2/2020-T (acima referidos), “por não terem sido invocadas razões para divergir da jurisprudência fixada, nas referidas decisões arbitrais (…)”.

 

6.49. Reitere-se que, neste contexto, o Acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-573/16, Air Berlin (acima já mencionado) se pronunciou sobre a interpretação do artigo 5º, nº 2, no sentido de que “a proibição da imposição das operações de reunião de capitais se aplica igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais” (§32), não sendo “necessário que exista uma obrigação legal quando se trata de determinar se uma operação é um fim em si mesma ou deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais” (§37).

 

6.50. Porém, apesar da considerável amplitude conferida pelo Tribunal ao artigo 5º, nº 2 da Diretiva, as operações visadas no processo Air Berlin respeitam à transmissão de ações (artigo 5º, nº 1, alínea c) e nº 2, alínea a) da Diretiva) e são distintas das que constituem o objecto destes autos, relativas a serviços de intermediação financeira de colocação de instrumentos de dívida, obrigações e papel comercial e aumento de capital (artigo 5º, nº 2, alínea b) da Diretiva).

 

6.51. Assim, subsistem a este Tribunal Arbitral dúvidas sobre a interpretação do conceito de “formalidades conexas” com as operações de reunião de capitais.

 

Questão do reenvio prejudicial

 

6.52. Em conformidade com as conclusões emanadas do Acórdão Schwarze (processo 16/65, de 1 de Dezembro de 1965), o reenvio prejudicial é “um instrumento de cooperação judiciária […] pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros”.

 

6.53. É certo que a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada, conforme se depreende do Acórdão Cilfit (processo 283/81, de 6 de Outubro de 1982, processo 283/81), se:

 

  1. A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;
  2. O Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma;
  3. O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.

 

6.54. No caso, como acima explicitado, não se verifica o preenchimento destas condições porquanto não pode afirmar-se que o acto em questão seja claro ou esteja devidamente aclarado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de forma firme ou por meio de jurisprudência consolidada.

 

6.55. E, em caso de dúvida sobre o direito da União Europeia, o juiz nacional é obrigado a efectuar o reenvio prejudicial sendo que, em caso de dúvida sobre a existência de uma excepção à obrigação de reenvio é, de igual modo, aconselhável colocar a questão prejudicial.

 

6.56. Nestes termos, resulta do exposto que a questão controvertida se reconduz à aplicação do direito da União Europeia/Directiva de Reunião de Capitais, importando aferir se o artigo 5º, nº 2, alínea b) daquele diploma europeu inclui na sua previsão as operações em presença, proibindo a sua tributação, com a consequente incompatibilidade da incidência do Imposto do Selo sobre as mesmas resultante da aplicação literal das normas de direito interno.

 

6.57. Assim, decide este Tribunal Arbitral suspender a instância e proceder ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, de harmonia com o disposto no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) formulando para o efeito as seguintes questões ao Tribunal de Justiça, incluindo as que foram enunciados pela Requerente no pedido de reenvio formulado no ppa:

 

6.57.1.   “Devem as operações de (i) oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações ser consideradas como ‘operações globais’ na aceção da jurisprudência do TJUE resultante do Casos Isabele Gielen, processo C-299/13 e Air Berlin, processo C-573/16?”;

6.57.2.   “A expressão formalidades conexas a que se refere o artigo 5º, nº 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2008, deve ser interpretada no sentido de abranger os serviços de intermediação financeira contratados acessoriamente às operações (i) de oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações?”;

6.57.3.   “O artigo 5º, nº 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro, pode ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação em Imposto do Selo de comissões cobradas por serviços de intermediação financeira, prestados por um Banco, relativos (i) à recompra de instrumentos de dívida, (ii) à emissão e colocação em mercado de títulos negociáveis e (iii) ao aumento de capital por subscrição pública das acções emitidas, compreendendo tais serviços a obrigação de serem identificados e contactados investidores, de modo a distribuir os valores mobiliários, receber ordens de subscrição ou de aquisição e, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objecto da oferta?

6.57.4.   “A resposta às questões enunciadas nos pontos anteriores difere consoante a prestação dos serviços financeiros seja legalmente exigida ou seja opcional?

 

7.      DECISÃO

 

7.1.   Nestes termos, face ao acima exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral Colectivo em suspender a instância, até à pronúncia do Tribunal de Justiça, e determinar a passagem de carta a dirigir pelo CAAD à Secretaria daquele Tribunal Europeu, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado do translado do processo, incluindo cópias do pedido inicial e da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como cópia dos diplomas legais mencionados na presente decisão.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 1.383.137,62.

 

Custas: A responsabilidade pelo valor das custas do processo será fixada na decisão final.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de junho de 2022

 

A Árbitro Presidente

 

Alexandra Coelho Martins

 

A Árbitro Adjunto (Relatora)

 

Sílvia Oliveira

 

O Árbitro Adjunto

 

 

Rui Ferreira Rodrigues

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Com efeito, e segundo o descrito subjacente à decisão do TJUE, no Reino Unido, quando não existisse um documento escrito de transmissão (por exemplo, no caso das transmissões eletrónicas) era cobrado um imposto adicional ao Imposto do Selo. Contudo, face à dificuldade da cobrança do imposto por cada transmissão de propriedade nos sistemas de compensação, estava prevista a aplicação de disposições especiais, nos termos das quais se previa o imposto de selo à taxa de 1,5% no momento da admissão inicial dos valores no sistema de compensação, estando isentas de imposto as transmissões a efetuar ulteriormente dentro deste sistema, sem prejuízo da possibilidade de opção por um regime alternativo que estabelecia a cobrança do imposto à taxa de 0,5% do montante da contrapartida paga pela transmissão, por qualquer transmissão das ações. De acordo com o texto do Acórdão do TJUE, quando a venda fosse realizada através de um documento escrito, o Imposto do Selo inglês era de 0,5% do montante ou do valor da contrapartida da cessão, nos termos do nº 1 do anexo 13 do Finance Act 1999. Quando a transmissão de ações não resultasse de uma venda, o Imposto do Selo era de 5 libras esterlinas (GBP), por aplicação do disposto no nº 16 do anexo 13 do Finance Act 1999 (este imposto de 5 GBP foi suprimido em 2008).

[3] Neste âmbito, refira-se que o artigo 113º do Código dos Valores Mobiliários (Intermediação Obrigatória), na redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 99-A/2021, de 31/12, que o revogou, referia que “1. As ofertas públicas relativas a valores mobiliários em que seja exigível prospeto devem ser realizadas com intervenção de intermediário financeiro, que presta pelo menos os seguintes serviços: a) Assistência e colocação, nas ofertas públicas de distribuição; b) Assistência a partir do anúncio preliminar e receção das declarações de aceitação, nas ofertas públicas de aquisição. 2 - As funções correspondentes às referidas no número anterior podem ser desempenhadas pelo oferente, quando este seja intermediário financeiro autorizado a exercê-las”. Assim, era esta a redação em vigor à data das operações que deram origem às comissões sobre as quais incidiram as liquidações de Imposto do Selo objecto do ppa.

[4] Transcreva-se aqui o artigo 8º (Direito internacional) da CRP, nos termos do qual se dispõe que “1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. 2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português. 3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos. 4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

[5] No âmbito deste Parecer é considerado que a expressão “formalidades conexas” reporta-se “(…) apenas às formalidades da operação de reunião de capitais propriamente dita, no caso, a emissão de papel comercial, ou seja, à sua exterioridade perante os destinatários da operação, onde cabem nomeadamente as operações de inscrição no livro registo, registos comerciais e publicações da deliberação de emissões”, adoptando uma visão muito restritiva do conceito que é contrariada pela posição adoptada pelo TJUE.

[6] Neste sentido interpretativo, ainda que para realidades que possam divergir na sua essência da realidade do caso em análise, vide também os exemplos citados pela Requerente, nomeadamente, o respeitante ao caso Comissão v. Bélgica (processo C-415/02), nos termos do qual “(…) resulta claramente que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pela Diretiva, o respetivo artigo 5.º deve ser sujeito a interpretação extensiva, para evitar que as proibições aí previstas sejam privadas de efeito útil”, bem como o caso Isabele Gielen (processo C-299/13), nos termos do qual o TJUE declarou que “resulta (…) da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às disposições do artigo 11.° da Diretiva 69/335, e nomeadamente dos Acórdãos FECSA e ACESA (EU:C:1998:508) e Comissão/Bélgica (EU:C:2004:450), que, em conformidade com os objetivos da referida diretiva, a proibição da tributação das operações de reunião de capitais se aplica igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa tributação equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. Esta interpretação é transponível para o artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7, que reproduz, em termos idênticos, o artigo 11.º da Diretiva 69/335”.

[7] No âmbito desta decisão arbitral é referido que “(…) a Requerente optou por não proceder directamente à emissão de obrigações ou papel comercial (…) - tendo contratado, para o efeito, os serviços de intermediação financeira prestados por bancos. Não estava obrigada a fazê-lo em face da realização de operações de emissão de papel comercial, não podendo aqui ser invocado o princípio da exclusividade das instituições de crédito e sociedades financeiras. (…). Em síntese, a Requerente não estava vinculada a contratar uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira em ordem a proceder à emissão de papel comercial. Não pode, por isso, considerar-se que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Directiva 2008/7/CE. Estão em causa realidades distintas. No caso da Directiva 2008/7/CE proíbe-se a sujeição, a qualquer forma de imposto indirecto, dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis independentemente de quem os emitiu. Ora as emissões de papel comercial sub judice não foram tributadas em imposto de selo. Por outro lado, os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos, são tributados em sede de imposto de selo (cfr., v.g., verbas 17 e 17.3.3. da Tabela Geral de Imposto de Selo). Consequentemente, não procede o pedido da Requerente relativo à não-tributação, em sede de imposto de selo, dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estão abrangidas. (…)” (sublinhado nosso).

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

SUMÁRIO:

I.           A respeito da cobrança do Imposto do Selo sobre os serviços (comissões) de colocação em mercado de obrigações, ações e ofertas para recompra de obrigações, o TJUE veio declarar que o artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um Imposto do Selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a várias entidades bancárias às quais confiou serviços de intermediação financeira para efeitos, primeiro, de publicação de ofertas para recompra ou compra de obrigações que impliquem a extinção definitiva da dívida que essas obrigações representam, segundo, de colocação em mercado e subscrição de novas obrigações e, terceiro, de subscrição de novas ações com vista ao aumento do seu capital social, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente – A..., S.A.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Os Árbitros, Dra. Alexandra Coelho Martins (Árbitro Presidente), Dra. Sílvia Oliveira e Dr. Rui Ferreira Rodrigues (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 24-12-2021, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:

 

1.          RELATÓRIO

 

1.1.   A..., S.A., titular do número único de matrícula e de pessoa coletiva..., com sede na ..., em Lisboa (doravante designada por Requerente), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de TAC no dia 12-10-2021, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida).

 

1.2.   A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral que o TAC se pronuncie sobre o despacho de indeferimento que incidiu sobre a reclamação graciosa apresentada relativamente às liquidações de Imposto do Selo identificadas no pedido, bem como sobre a legalidade das referidas liquidações, peticionando “(…) a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento praticado e das liquidações de Imposto do Selo lhes estão subjacentes (…)” bem como “(…) a respetiva anulação por vício de violação do Direito Comunitário e de Lei Constitucional e, bem assim, a devolução dos montantes indevidamente pagos, com as demais consequências legais, designadamente o pagamento de juros indemnizatórios”.

 

1.3.   Adicionalmente, no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente apresentou também um pedido de reenvio prejudicial “(…) caso persistam dúvidas a este (…) Tribunal ad quem (…)” quanto ao enquadramento do pedido, sugerindo que sejam formuladas ao TJUE duas questões (que formula) e apresenta duas Testemunhas.

 

1.4.   O pedido de constituição do TAC foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 13-10-2021e foi notificado à Requerida na mesma data.

 

1.5.   A Requerente não procedeu à nomeação de árbitros pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, foram os signatários designados como árbitros, em 
06-12-2021, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.6.   Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.7.   Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o TAC foi constituído em 24-12-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em 
03-01-2022 no sentido de notificar a Requerida para no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional.

 

1.8.   Em 04-02-2022 a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído a mesma no sentido de que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado nos termos acima peticionados, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, igualmente nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

1.9.   Em matéria de prova testemunhal, entendeu a Requerida na Resposta que “(…) o requerimento de inquirição de testemunhas deverá ser indeferido, pois, a assim não ser, estaremos perante um ato processualmente inútil e, nessa medida, legalmente inadmissível, nos termos do artigo 130.º do CPC” mas caso o Tribunal entendesse “(…) ser necessário ouvir as testemunhas arroladas, ato que para além de ser ilegal (…) será inútil e nessa medida proibido pelo artigo 130.º do CPC, a Requerente deverá ser notificada para, desde já, indicar sobre que factos (constantes no pedido arbitral) incidirá a inquirição”.

 

1.10. Na mesma data, a Requerida anexou aos autos o processo administrativo.

 

1.11. Por despacho arbitral de 14-02-2022 foi a Requerente notificada para, no prazo de 5 dias, indicar sobre que matéria/factos incidiria a prova testemunhal.

 

1.12. A Requerente apresentou, em 22-02-2022, requerimento no sentido de indicar os factos sobre os quais incidirá a inquirição das suas Testemunhas.

 

1.13. Por despacho arbitral de 23-02-2022, foram ambas as Partes notificadas que reunião prevista no artigo 18º do RJAT se realizaria no dia 25-03-2022, pelas 10:15, nas instalações do CAAD em Lisboa, podendo os árbitros e os mandatários das Partes optar por aceder à reunião por meios telemáticos, através do sistema de videoconferência Cisco Webex, utilizado pelo CAAD.

 

1.14. Em 25-03-2022 realizou-se a reunião a que alude o artigo 18º, nº 1 do RJAT, na qual foram inquiridas as Testemunhas apresentadas pela Requerente e definida a tramitação subsequente do processo, tendo sido lavrada a respectiva acta, a qual faz parte integrante do processo.

 

1.15. Em 19-04-2022, a Requerente apresentou as suas alegações no sentido de requerer que seja declarada a “(…) ilegalidade do ato de indeferimento praticado e das liquidações de Imposto do Selo lhes estão subjacentes, determinando-se a respetiva anulação por vício de violação do Direito Comunitário e de Lei Constitucional e, bem assim, a devolução dos montantes indevidamente pagos, com as demais consequências legais, designadamente o pagamento de juros indemnizatórios”.

 

1.16. Em 09-05-2022, a Requerida apresentou as suas alegações, remetendo para o que referiu na sua Resposta e “quanto à prova testemunhal produzida a mesma em nada contraria o invocado pela AT” porquanto “(…) como se disse em sede de Resposta, não se está a tributar as obrigações ou as ações propriamente ditas, mas tão-só a remuneração cobrada pelas instituições de crédito à Requerente em consequência da prestação de um serviço de intermediação financeira que engloba intermediação na transmissão (aquisição e/ou venda) daqueles valores mobiliários junto de potencias investidores”, “situação que não só não é proibida como é permitida, conforme o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º da Diretiva”, concluindo que “não pode (…) considerar-se que as comissões de intermediação financeira, (acrescidas do competente Imposto do Selo), decorrentes de serviços financeiros contratados pela Requerente estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE”, reiterando que “não estamos (…) perante uma situação que possamos considerar uma formalidade conexa”.

 

1.17.  Adicionalmente, alega a Requerida que “(…) contrariamente ao que parece resultar das alegações da Requerente arbitral, nota-se que não existem factos provados por não terem sido alvo de contestação pela Requerida, dada a inexistência nos processos arbitrais de factos admitidos por acordo atento inexistir ónus de impugnação especificada (…)”.

 

1.18.  Em 20-06-2022, tendo em consideração que a questão controvertida no processo se reconduzia à aplicação do direito da União Europeia/Directiva de Reunião de Capitais, importando aferir se o artigo 5º, nº 2, alínea b) daquele diploma europeu incluía na sua previsão as operações em presença, proibindo a sua tributação, com a consequente incompatibilidade da incidência do Imposto do Selo sobre as mesmas resultante da aplicação literal das normas de direito interno, decidiu este Tribunal Arbitral suspender a instância e proceder ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, de harmonia com o disposto no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) formulando para o efeito as seguintes questões ao Tribunal de Justiça, incluindo as que foram enunciados pela Requerente no pedido de reenvio formulado no ppa:

1.18.1.   “Devem as operações de (i) oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações ser consideradas como ‘operações globais’ na aceção da jurisprudência do TJUE resultante do Casos Isabele Gielen, processo C-299/13 e Air Berlin, processo C-573/16?”;

1.18.2.   “A expressão formalidades conexas a que se refere o artigo 5º, nº 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2008, deve ser interpretada no sentido de abranger os serviços de intermediação financeira contratados acessoriamente às operações (i) de oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações?”;

1.18.3.   “O artigo 5º, nº 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro, pode ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação em Imposto do Selo de comissões cobradas por serviços de intermediação financeira, prestados por um Banco, relativos (i) à recompra de instrumentos de dívida, (ii) à emissão e colocação em mercado de títulos negociáveis e (iii) ao aumento de capital por subscrição pública das acções emitidas, compreendendo tais serviços a obrigação de serem identificados e contactados investidores, de modo a distribuir os valores mobiliários, receber ordens de subscrição ou de aquisição e, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objecto da oferta?”;

1.18.4.   “A resposta às questões enunciadas nos pontos anteriores difere consoante a prestação dos serviços financeiros seja legalmente exigida ou seja opcional?

 

1.19.  Ao processo que deu entrada no TJUE, em 21-06-2022, foi atribuído o nº C-416/22.

 

1.20.  Em 21-07-2023 foi este Tribunal notificado de despacho proferido pela Décima Secção do TJUE, no âmbito do referido processo nº C-416/22, de 19-03-2023, proferido ao abrigo do artigo 99º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, nos termos do qual se declara que “o artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que: se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a várias entidades bancárias às quais confiou serviços de intermediação financeira para efeitos, primeiro, de publicação de ofertas para recompra ou compra de obrigações que impliquem a extinção definitiva da dívida que essas obrigações representam, segundo, de colocação em mercado e subscrição de novas obrigações e, terceiro, de subscrição de novas ações com vista ao aumento do seu capital social, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária”.

 

1.21.  Foi proferido despacho arbitral, em 24-07-2023, no sentido de se determinar a cessação da suspensão da instância do ppa e, em virtude da tramitação processual e da interposição de períodos de férias judiciais, determinar a prorrogação pelo período de dois meses do prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

2.          CAUSA DE PEDIR

 

2.1.   A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral que o Tribunal se pronuncie sobre o despacho de indeferimento que incidiu sobre a reclamação graciosa apresentada relativamente às liquidações de Imposto do Selo identificadas no pedido, bem como sobre a legalidade das referidas liquidações, peticionando que seja declarada “(…) ilegalidade do ato de indeferimento praticado e das liquidações de Imposto do Selo lhes estão subjacentes (…)”, obtendo “(…) a respetiva anulação por vício de violação do Direito Comunitário e de Lei Constitucional e, bem assim, a devolução dos montantes indevidamente pagos, com as demais consequências legais, designadamente o pagamento de juros indemnizatórios”.

 

2.2.   Começa a Requerente por referir que, no âmbito das suas necessidades de financiamento, recorreu a serviços de intermediação financeira pelos quais suportou comissões no valor total de EUR 34.578.440,50, as quais resultaram num encargo de Imposto do Selo no montante total de EUR 1.383.137,62, montante que a Requerente suportou.

 

2.3.   Refere a Requerente que “(…) as comissões por intermediação financeira que se encontram na base das liquidações de Imposto do Selo suportado (…) foram pagas por contrapartida de serviços contratados com caráter de absoluta conexão com as operações (principais) de oferta para aquisição de obrigações, emissões de obrigações e aumento de capital realizadas pela Requerente” sendo, assim, para a Requerente “(…) notório que as operações de intermediação levadas a cabo (…) não constituem, nem nunca poderiam constituir, um fim em si mesmas, estando em tudo dependentes (…) das operações principais às quais são inerentes”.

 

2.4.   Assim, entende a Requerente que “(…) as comissões por intermediação financeira pagas no contexto (…) descrito não se encontram, por se tratarem de formalidades conexas ao abrigo do Direito da União Europeia, sujeitas a Imposto do Selo”, “razão pela qual a Requerente, não podendo concordar com as liquidações (…), apresentou, em 15 de fevereiro de 2021, reclamação graciosa, na qual detalhou as razões pelas quais aquelas liquidações deveriam ser anuladas e o imposto indevidamente pago, restituído (…)”.

 

2.5.   A Requerente esclarece que foi “(…) notificada do [seu] indeferimento em 14 de julho de 2021 (…)”.

 

2.5.     Neste âmbito, segundo o entendimento defendido pela Requerente, “dispõe o artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, que este imposto «incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens»” sendo que, “dispõe aquela Tabela, na sua Verba 17.1., que a utilização de crédito na sequência da respetiva concessão se encontra sujeita a Imposto do Selo, i.e., por outras palavras, os financiamentos, de modo geral, estão sujeitos a este imposto”.

 

2.6.     Segundo alega a Requerente, “estabelece (…) a Verba 17.3.4. da TGIS que se encontram sujeitas a Imposto do Selo «outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões»” prevendo-se “no artigo 4.º, n.º 2, alínea c) do Código do Imposto do Selo que as comissões suportadas pela Requerente estão sujeitas a Imposto do Selo em Portugal, ainda que cobrados por instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro”.

 

2.7.     Alega a Requerente que “ao abrigo do disposto na alínea g), do n.º 3, do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo, no âmbito das operações descritas (…), é a própria Requerente quem suporta o encargo final do imposto” pelo que “(…) ao abrigo da legislação interna, não existe qualquer norma que preveja a não sujeição ou a isenção das comissões de intermediação financeira suportadas pela Requerente no âmbito das operações de aquisição em dinheiro de obrigações, emissão de obrigações e aumento de capital, razão pela qual estas se encontrariam sujeitas e não isentas de Imposto do Selo, se apenas a legislação interna tivesse aplicação”.

 

2.8.     Contudo, defende a Requerente que “(…) tal não é o caso (…)”, citando para o efeito a isenção prevista na Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos sobre as reuniões de capitais, nos termos da qual se “(…) regula a aplicação pelos Estados Membros da União Europeia de impostos indiretos, incluindo Imposto do Selo, sobre i) entradas de capital em sociedades de capitais, ii) operações de reestruturação que envolvam sociedades de capitais e iii) emissão de determinados títulos e obrigações”.

 

2.9.     Nesta matéria, segundo a Requerente, dispõe a referida Diretiva, no seu artigo 5.º, n.º 2, que “os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto: a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu; b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis”.

 

2.10.  Prossegue a Requerente referindo que “a não sujeição a impostos indiretos das operações descritas nas alíneas a) e b), do n.º 2, do artigo 5.º da Diretiva é (…) a regra geral” a qual “sofre as exceções referidas no artigo 6.º, n.º 1 da mesma Diretiva e citadas pela AT na decisão de indeferimento praticada (…)” mas, entende a Requerente que, “(…) não faz qualquer sentido afirmar, na esteira do que fez a AT que «caso o legislador comunitário quisesse, de facto, não sujeitar, a tributação em sede de imposto do selo, os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e papel comercial cobradas pela instituições de crédito, enquanto intermediários financeiros, bastaria que tivesse feito essa menção nas alíneas a) e b), do n.º 2, do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, e não o fez.»”.

 

2.11.  Na verdade, segundo alega a Requerente, “o caso é justamente o inverso: dado que o legislador comunitário optou por isentar todas operações de determinadas tipologias – e, designadamente, as que constituam formalidades conexas das expressamente mencionadas no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva – autonomizando as exceções, então, se o legislador comunitário quisesse, de facto, sujeitar, a tributação em sede de imposto do selo, os encargos decorrentes dos contratos conexos com a emissão de obrigações e papel comercial cobradas pelas instituições crédito, enquanto intermediários financeiros, bastaria que tivesse feito essa menção nas diversas alíneas do n.º 1, do artigo 6.º da Diretiva” o que “(…) não fez”, concluindo assim a Requerente que não assiste “(…) qualquer razão à AT (…) na interpretação que faz da Diretiva a este respeito”.

 

2.12.  Assim, para a Requerente, “(…) depressa se conclui que as comissões sobre as quais a Requerente (…) suportou Imposto do Selo e, bem assim, os serviços que lhe estão subjacentes, podem ser reconduzidos ao conceito de formalidades conexas às ofertas para a aquisição em dinheiro de obrigações, emissões de obrigações e aumento de capital que foram realizadas”, “razão pela qual sobre elas não pode incidir Imposto do Selo (…) nos termos defendidos pela AT na decisão impugnada”.

 

2.13.  E, reitera a Requerente que “(…) a não sujeição a impostos indiretos – tal como o é o Imposto do Selo – ao abrigo da Diretiva (…), já foi sobejamente analisada pela jurisprudência do TJUE, dela se retirando claramente que a melhor interpretação da isenção aí prevista é a aqui preconizada pela Requerente”, “caindo, desde logo, por terra, a tese da AT no sentido de que o facto de a Requerente não ser legalmente obrigada a lançar mão dos serviços de intermediação financeira sobre cujas comissões incidiram as liquidações do Imposto do Selo impugnadas, implicaria a não aplicação da isenção em causa”.

 

2.14.  Nestes termos, defende a Requerente que “(…) parece claro que as divergências interpretativas quanto à extensão e alcance do conceito de formalidades conexas referido na Diretiva não podem deixar de ser resolvidas no sentido preconizado pelo TJUE (…)” ou seja, “(…) que a proibição de incidência de impostos sobre as operações de reunião de capitais deverá ser também aplicável às operações que devam considerar parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais”, citando para o efeito diversa jurisprudência do TJUE, nomeadamente, a proferida no âmbito do caso Air Berlin (processo C-573/16) nos termos da qual (no contexto de uma oferta pública inicial), “(…) o TJUE considerou que a cedência prévia de todas as ações da empresa a uma entidade depositária central de valores mobiliários, «(…) por não ter consequências sobre a propriedade efetiva, não pode ser considerada uma transmissão de valores mobiliários que constitua uma operação autónoma sobre a qual pode ser cobrado um imposto, em conformidade com o disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva 69/335. Esta transmissão deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada na operação de admissão das ações na bolsa (…), a qual, em conformidade com o artigo 11.º da Diretiva 69/335, não podia ser sujeita a qualquer imposição, fosse por que forma fosse»” (sublinhado da Requerente).

 

2.15.  Assim, defende a Requerente que “(…) resulta claro que as comissões devidas pelos serviços de intermediação financeira contratados pela Requerente, sendo [estes] absolutamente imprescindíveis no âmbito das operações de aquisição de obrigações, emissões de obrigações e oferta pública de subscrição de ações, integram o conceito de formalidades conexas mencionado na Diretiva (…)”.

 

2.16.  Mas, acrescenta a Requerente que, caso se pretenda aderir “(…) a entendimento diverso, sempre se diga que, pelo menos no que respeita ao aumento de capital realizado (…), a contratação dos serviços em causa e, assim, o pagamento das correspondentes comissões, não foi uma decisão discricionária da Requerente, tratando-se antes de uma imposição legal – cfr. artigo 113.º do Código dos Valores Mobiliários – e, nesses termos, também da CMVM, sem cujo cumprimento o aumento de capital não seria, simplesmente, autorizado”, concluindo que “(…) em relação às liquidações de Imposto do Selo tituladas pelas Guia de pagamento n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., no valor global de € 789.789,74, sempre terá que reconhecer-se a respetiva ilegalidade por violação da isenção prevista no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva, anulando-se a[s] mesma[s] e reembolsando-se a Requerente em conformidade (…), com as demais consequências legais”.

 

2.17.  Adicionalmente, entende a Requerente que “(…) sempre haverá que considerar-se que (…) a Verba n.º 17.3.4. da TGIS, quando interpretada no sentido de sujeitar a Imposto do Selo comissões devidas por serviços de intermediação financeira que consubstanciam formalidades conexas com operações de reuniões de capitais abrangidas pela isenção prevista no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva, é inconstitucional por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia, ínsito no artigo 8.º da Constituição, inconstitucionalidade essa que desde já se alega para todos os efeitos legais”.

 

2.18.  Mas, “(…) caso persistam dúvidas a este douto Tribunal (…), sugere-se que sejam formuladas as seguintes questões ao TJUE, ao abrigo do designado mecanismo de reenvio prejudicial, previsto no artigo 267.º do TFUE (…)”, formulando a Requerente as duas questões que pretende ver esclarecidas por aquele Tribunal.

 

2.19.  Por último, reitera a Requerente que “(…) o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) da Diretiva, não se encontra integralmente transposto para a legislação portuguesa enquanto subsistir o disposto Verba 17.3.4. TGIS”, “o que já foi, de resto, (…), reconhecido pela própria AT, no (…) Despacho do Diretor-geral dos Impostos, de 13 de outubro de 2003, emitido com base no parecer n.º 156/2003 da Direção de Serviços Jurídicos e do Contencioso, que revelou discordar da aplicação, por parte da Administração, de normas internas contrárias ao direito comunitário, sob pena de derrogação do princípio do efeito direto das Diretivas”.

 

2.20.  Nesta matéria, segundo entende a Requerente, “(…) a AT está obrigada a interpretar as normas nacionais em conformidade com o direito comunitário, abstendo-se de criar entraves ou dificultando o efeito útil das normas comunitárias de efeito direto, como são aquelas que decorrem da proibição de liquidar Imposto do Selo nas operações em apreço ou em operações com aquelas conexas”.

 

2.21.  Nestes termos, peticiona a Requerente que o Tribunal conclua “(…) pela declaração de ilegalidade do ato de indeferimento praticado e das liquidações de Imposto do Selo lhes estão subjacentes, determinando-se a respetiva anulação por vício de violação do Direito Comunitário e de Lei Constitucional e, bem assim, a devolução dos montantes indevidamente pagos, com as demais consequências legais, designadamente o pagamento de juros indemnizatórios”.

 

3.          RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.   A Requerida, na resposta apresentada, defendeu-se por impugnação, começando por alegar que “(…) as comissões, genericamente denominadas de intermediação financeira, cobradas pelas instituições de crédito (intermediários financeiros) aos seus clientes, preenchem o escopo da norma de incidência (…)” da verba 17.3.4 da TGIS, conjugada com o disposto no nº 1 do artigo 1º do Código do Imposto do Selo que, segundo a Requerida, “(…) determina a sujeição a Imposto do Selo, a uma taxa de 4%, das seguintes realidades económicas: 17 Operações financeiras: […] 17.3 – Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado: […] 17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4 %.”.

 

3.2.   Segundo alega a Requerida, “a questão aqui em discussão surge assim relativamente ao enquadramento apresentado pela Requerente que entende (…) que as comissões de intermediação, que lhe foram cobradas pelas instituições de crédito, não deviam ter sido tributadas em sede de Imposto do Selo, ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS, por tal tributação configurar uma violação da Diretiva 2008/7/CE, que proíbe a tributação indireta das reuniões de capital e tributações de alguma forma conexas”.

 

3.3.   Neste âmbito, defende a Requerida que “(…) não assiste razão à Requerente (…) atenta a fundamentação que subjaz à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que não merece censura e, para que se remete uma vez mais e se dá aqui novamente por reproduzida”, “e bem assim a jurisprudência vertida nas decisões arbitrais n.ºs 856/2019-T, de 22 de setembro de 2020, 2/2020-T, 29 de março de 2021, 502/2020-T, de 4 de junho de 2021 e 559/2020-T, de 24 de junho de 2021 que, com as devidas adaptações, e na parte que aqui releva, se considera corroborar o entendimento defendido pela Requerida”, transcrevendo parte desta última decisão.

 

3.4.   Adicionalmente, alega ainda a Requerida que “(…) não se vê qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações - que é aquilo que é vedado pela Diretiva -, e a tributação de comissões de intermediação financeira - que é a realidade aqui sob apreço -, realidade essa completamente distinta das operações abrangidas pela Diretiva, que diz respeito aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais”.

 

3.5.   Nesta matéria, defende a Requerida que “(…) as comissões de intermediação financeira cobradas pelas instituições de crédito à Requerente encontram-se sujeitas a Imposto do Selo, conforme decorre das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 1.º do CIS e da verba 17.3.4 da TGIS” e, “em consequência dos ditames que provêm da Diretiva 2008/7/CE, a verba 17 da TGIS não sujeita determinado tipo de operações a Imposto do Selo, nomeadamente a criação e emissão de ações, bem como operações de financiamento traduzidas na emissão de obrigações”.

 

3.6.   Reitera a Requerida que “esta realidade decorre aliás da própria Diretiva através da qual o legislador europeu procurou, com algumas exclusões e derrogações, colocar na mesma situação todos os agentes económicos que recorressem a mercados primários com vista à reunião de capitais” porquanto “partindo da função auxiliar interpretativa oferecida, entre outros, pelos considerandos da Diretiva (…)”, “(…) alcança-se a razão de ser do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, que a Requerente usa para fazer valer a sua pretensão, que dispõe (…)” que “os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:“ a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu; b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis”.

 

3.7.   Prossegue a Requerida referindo “(…) que o artigo 6.º da Diretiva, em derrogação ao estipulado no artigo 5.º vem estabelecer (…)” que “1. Em derrogação ao disposto no artigo 5.º, os Estados-Membros podem cobrar os seguintes impostos e direitos: a) Impostos sobre a transmissão de valores mobiliários (…); b) Direitos de transmissão, incluindo os encargos de registo de propriedade que incidem sobre a entrada, numa sociedade de capitais, de bens imóveis ou de estabelecimentos comerciais sitos no respectivo território; c) Direitos de transmissão sobre activos de qualquer natureza que constituam entradas de capital numa sociedade de capitais, na medida em que a transmissão dos referidos activos não seja remunerada através de partes sociais; d) Direitos que onerem a constituição, inscrição ou extinção de privilégios e hipotecas; e) Direitos com carácter remuneratório; f) Imposto sobre o valor acrescentado. 2. Os montantes cobrados a título dos impostos e direitos referidos nas alíneas b) a e) do n.º 1 não variam, independentemente do facto de a sede de direção efetiva ou a sede estatutária da sociedade de capitais se situar ou não no território do Estado-Membro que cobra a imposição. Os referidos montantes não podem ser superiores aos dos impostos e direitos aplicáveis a operações similares realizadas no Estado-Membro que os cobra”.

 

3.8.   Ora, segundo alega a Requerida, “(…) na situação sub judice (…)”, “(…) não se está a tributar as obrigações ou as ações propriamente ditas, mas tão-só a remuneração cobrada pelas instituições de crédito à Requerente em consequência da prestação de um serviço de intermediação financeira que engloba intermediação na transmissão (aquisição e/ou venda) daqueles valores mobiliários junto de potencias investidores” situação que, segundo entende a Requerida, “(…) não só não é proibida como é permitida, conforme o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º da Diretiva”.

 

3.9.   Segundo entende a Requerida, “não pode (…) considerar-se que as comissões de intermediação financeira (…), decorrentes de serviços financeiros contratados pela Requerente estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE” porquanto “(…) o que foi tributado foi a remuneração de serviços de intermediação financeira, que tiveram como objetivo principal intermediar na aquisição e/ou venda, isto é, na transmissão de obrigações e ações junto de clientes e investidores das instituições de crédito contratadas para o efeito”.

 

3.10. E, segundo alega a Requerida, “remuneração (comissão) essa que preenche todos os pressupostos de incidência previstos na verba 17.3.4 da TGIS, estando por isso sujeita a Imposto do Selo”, pelo que conclui que “não estamos, assim, perante uma situação que possamos considerar uma formalidade conexa”.

 

3.11. “Assim, como novamente se reitera, por muito importante que fosse a prestação de serviços de intermediação financeira para o sucesso das operações em causa, tratam-se de contratos meramente acessórios e juridicamente distintos da operação de reunião de capitais propriamente dita e que com ela não se confundem” sendo, “por esta razão [que] entendemos que as liquidações aqui contestadas, efetuadas nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, não se mostram incompatíveis com os ditames da Diretiva”.

 

3.12. Adicionalmente, entende a Requerida que “(…) ao contrário do que acontece para os títulos representativos de dívida, nomeadamente obrigações, a expressão formalidades conexas não estar expressamente prevista no caso concreto das ações e outras participações sociais” porquanto “(…) a ausência no corpo da citada norma [artigo 5º, nº 2, alínea a) da Directiva] da expressão formalidades conexas é reveladora de que, no caso concreto das ações, partes sociais e outros títulos da mesma natureza, o legislador comunitário pretendeu não as excluir de uma eventual sujeição a Imposto do Selo”.

 

3.13. Reitera a Requerida que “entendimento contrário não pode proceder, porquanto não só viola o texto legal por falta de qualquer apoio na letra da lei, como não está a presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, desrespeitando os ensinamentos que emanam dos n.ºs 2 e 3 do artigo 9.º Código Civil” e “não se pode igualmente aceitar o exercício analógico que a Requerente faz entre o IVA e o Imposto do Selo chegando ao ponto de dizer que o Imposto do Selo devia funcionar como o IVA no que respeita às consideradas operações acessórias que, neste imposto, seguem o mesmo regime de tributação da operação principal” porquanto, “(…) contrariamente à alusão da Requerente, o IVA nunca foi visto pelo legislador da Diretiva 2008/7/CE como um entrave à reunião de capitais, pois de outro modo não se compreenderia a expressa derrogação consagrada para este imposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Diretiva”.

 

3.14. Nestes termos, defende a Requerida que “(…) deverá o tribunal arbitral considerar que à luz do quadro legal em vigor a Verba 17.3.4. da TGIS, quando interpretada no sentido de sujeitar a Imposto do Selo comissões devidas por serviços de intermediação financeira, que pese embora possam de algum modo estar relacionados com operações de reuniões de capitais abrangidas pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva, não é ilegal nem inconstitucional por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia, ínsito no artigo 8.º da Constituição da República”.

 

3.15. “Por tudo o que vem exposto considera-se que inexiste qualquer desconformidade das autoliquidações de Imposto do Selo incidentes sobre as comissões de intermediação financeira cobradas à Requerente com o preceituado no n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, não padecendo, por esse motivo, as mesmas de qualquer ilegalidade”.

 

3.16. No que diz respeito ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, a Requerida refere que “estando-se perante procedimento de reclamação graciosa cujo objeto respeita a atos de autoliquidação de IS, os juros indemnizatórios são devidos a partir do indeferimento expresso [da reclamação graciosa], ou seja, a partir de 14-07-2021”.

 

3.17. Conclui a Requerida a sua Resposta, requerendo que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado nos termos acima peticionados, e, consequentemente, [ser] absolvida a Requerida de todos os pedidos, igualmente nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

4.          SANEADOR

 

4.1.   O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22-03.

 

4.3.   O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.   Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer.

 

4.5.   Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.      MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.   Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.   Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.   A Requerente é uma sociedade comercial com sede em território nacional que, de acordo com os seus Estatutos, tem por objecto a promoção, dinamização e gestão, por forma direta ou indirecta, de empreendimentos e actividades na área do sector energético, quer a nível nacional, quer a nível internacional, com vista ao incremento e aperfeiçoamento do desempenho do conjunto de sociedade do seu grupo, actividade essa a que corresponde o código CAE 70100 (Actividade das Sedes Sociais), em conformidade com RIT.

 

5.4.   A Requerente, para todos os efeitos legais, é considerada “contribuinte de elevada relevância económica e fiscal”, na acepção prevista no artigo 68º-B da Lei Geral tributária (LGT).

 

5.5.   Nos anos de 2019 e 2020, a Requerente liquidou Imposto do Selo referente ao imposto da Verba 17.3.4. da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), sobre o valor de comissões devidas, a Instituições de Crédito residentes e não residentes, pelos serviços de intermediação relativos a operações de oferta para a aquisição em dinheiro de obrigações, bem como nas operações de colocação e subscrição de novas obrigações emitidas naqueles anos, no montante total de EUR 1.383.137,62, como a seguir se identificam (conforme Doc. 2 a 7 do ppa):

 

OPERAÇÃO

LIQUIDAÇÃO

DATA

PERÍODO

MONTANTE

#

Oferta para aquisição em dinheiro de obrigações – “dez 18”

...

18/02/2019

2019/01

14.999,94

(A)

Oferta para aquisição em dinheiro de obrigações “dez 18” 

...

18/02/2019

2019/01

14.999,94

Emissão de obrigações – jan.2019

...

16/04/2019

2019/03

201.250,00

(B)

Emissão de obrigações – jan.2019 

...

31/01/2019

2019/01

28.750,00

Emissão de obrigações – jan.2020 

...

29/02/2020

2020/01

122.850,00

(C)

Emissão de obrigações – jan.2020 

...

20/04/2020

2020/01

17.325,00

Emissão de obrigações – jan.2020 

...

31/01/2020

2020/01

17.325,00

Oferta para aquisição em dinheiro de obrigações - “jan20” 

...

30/03/2020

2020/03

27.232,00

(D)

Oferta para aquisição em dinheiro de obrigações – “jan 20” 

...

23/06/2020

2020/06

13.616,00

Emissão de obrigações – abril 2020 

...

30/04/2020

2020/04

120.285,00

(E)

Emissão de obrigações – abril 2020 

...

20/05/2020

2020/05

13.365,00

Emissão de obrigações – abril 2020 

...

18/06/2020

2020/06

1.350,00

Aumento de capital A... SA 2020

...

21/09/2020

2020/08

122.420,74

(F)

...

122.421,00

...

122.421,00

...

81.614,00

...

81.614,00

...

81.614,00

...

20/10/2020

2020/09

36.720,00

(F)

...

34.640,00

...

34.648,00

...

24.480,00

...

22.713,00

...

24.484,00

VALOR TOTAL DE IMPOSTO

1.383.137,62

 

 

5.6.   As guias de pagamento, supra identificadas no ponto 5.5. com (A), foram emitidas no contexto de uma operação de oferta para a aquisição em dinheiro, por parte da Requerente, de obrigações emitidas pela sociedade B... BV, transação na qual a A... se disponibilizou a aceitar recomprar valores mobiliários representativos de dívida emitidos por aquela sociedade do Grupo C... aos respetivos detentores dos títulos obrigacionistas.

 

5.7.   A oferta, que foi somente dirigida a investidores institucionais, visou otimizar a carteira de passivos da A... e aumentar a maturidade média da sua dívida, utilizando liquidez disponível para reduzir o montante da dívida bruta.

 

5.8.   No âmbito desta operação em concreto, a Requerente celebrou com a D... e com a E..., um contrato de prestação de serviços de intermediação financeira (Dealer Manager Agreement) mediante o qual aquelas entidades obrigaram-se a prestar serviços de (i) identificação e contacto com os titulares das obrigações em causa, aos quais transmitem a oferta de aquisição da Requerente; (ii) resposta às questões que sejam colocadas pelos mesmos detentores das obrigações sobre a oferta; (iii) assistência à Requerente na determinação do preço da oferta e na decisão sobre extensão, reabertura, alteração ou encerramento da oferta (conforme Doc. 9 do ppa).

 

5.9.   Pela prestação dos serviços acima enumerados, a Requerente suportou comissões no montante de EUR 749.997,00 (conforme Doc. 10 e 11 do ppa), estando este valor indexado ao número de obrigações efetivamente adquiridas na oferta, valor que foi sujeito a Imposto do Selo autoliquidado pela Requerente, no montante global de EUR 29.999,88 (conforme Doc. 2 do ppa).

 

5.10. As guias de pagamento, supra identificadas no ponto 5.5. com (B), foram emitidas no âmbito de uma operação de emissão de obrigações realizada pela Requerente em janeiro de 2019, esta celebrou um contrato de colocação e subscrição em mercado de obrigações por si emitidas em janeiro 2019, com um conjunto de entidades bancárias não residentes, nomeadamente, a sociedade F...PLCG...H... AGI...J...K... plcL... PlcM... AG, bem como com a sociedade residente Banco N... S.A. (entidades designadas pela Requerente como “Deal Managers”), conforme Doc. 12 do ppa.

 

5.11. Pelo contrato celebrado, os Deal Managers comprometeram-se a subscrever e adquirir diretamente as obrigações emitidas ou, em alternativa, a encetar esforços de prospeção de mercado com vista à identificação de um comprador para a subscrição parcial ou total das obrigações emitidas tendo a Requerente, em contrapartida, suportado uma comissão de intermediação de montante equivalente a uma percentagem (percentagem global máxima de 0,575%, valor a repartir proporcionalmente pelos Deal Managers envolvidos na operação) indexada ao valor da emissão efetuada.

 

5.12. O montante suportado pela Requerente por estas comissões pagas às entidades bancárias não residentes em Portugal, ascendeu a EUR 5.031.250,00, o qual foi deduzido pelas entidades bancárias ao montante por estas entregues à A...pelas obrigações subscritas neste âmbito, tendo este montante sido sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pela própria Requerente, no valor de EUR 201.250,00 (conforme Doc. 3 do ppa).

 

5.13. O montante suportado pela Requerente com a comissão paga à entidade bancária residente – o Banco N... S.A. (“N...”) –, ascendeu a EUR 718.750,00 (conforme Doc. 15 do ppa), tendo este montante sido sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pelo próprio N... e suportado pela ora Requerente, no montante de EUR 28.750,00(conforme Doc. 3 do ppa).

 

5.14. As guias de pagamento, supra identificadas no ponto 5.5. com (C), foram emitidas no contexto de uma operação de emissão de obrigações realizada pela Requerente em Janeiro/2019, para o a qual esta celebrou um contrato de colocação e subscrição em mercado de obrigações por si emitidas em Janeiro/2019, com um conjunto de entidades bancárias não residentes, nomeadamente, a sociedade Banca O...P...Q..., S.A., R... S.p.AS... plcL... PlcM... AG T... SA, bem como com as sociedades residentes Banco N... S.A. e Banco U... S.A. (entidades designadas pela Requerente como “Deal Managers”), conforme Doc. 16 do ppa).

 

5.15. A Requerente suportou, como contrapartida, uma comissão de intermediação de montante equivalente a uma percentagem (percentagem global máxima de 0,525%, valor a repartir pelos Deal Managers envolvidos na operação em função da respetiva intervenção) indexada ao valor da emissão efetuada (conforme Doc. 17 do ppa).

 

5.16. O montante suportado pela Requerente com estas comissões às entidades bancárias não residentes em Portugal, ascendeu a EUR 3.071.250,00, o qual foi deduzido pelas entidades bancárias ao montante por estas entregues à Requerente pelas obrigações subscritas neste âmbito, tendo este montante sido sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pela Requerente, no montante global de EUR 122.850,00 (conforme Doc. 4 do ppa).

 

5.17. O montante suportado pela Requerente com as comissões pagas às entidades bancárias residentes, i.e. o Banco U..., S.A (“U...”) e o Banco N..., S.A. (“N...”), ascenderam a um total de EUR 866.250,00 (EUR 433.125,00/por entidade), conforme Doc. 18 do ppa, o qual foi sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pelo U... e pelo N... e suportado pela ora Requerente, no valor global de EUR 34.650,00 (EUR 17.325,00/por cada liquidação), conforme Doc. 4 do ppa.

 

5.18. As guias de pagamento, supra identificadas no ponto 5.5. com (D), foram emitidas no contexto de uma operação de oferta de aquisição de obrigações emitidas pela Requerente “750,000,000 Fixed to Reset Rate Subordinated Notes due 2075”, a qual teve como objetivo reduzir o custo do endividamento da Requerente, nomeadamente ao permitir comprar obrigações anteriormente por si emitidas e que apresentavam um custo elevado, por força das condições de mercado no momento em que foram colocadas (i.e. apresentavam uma taxa de juro de cerca de 5%).

 

5.19. A operação identificada no ponto anterior originou a cobrança de comissões no âmbito do “Dealer Manager Agreement”, por parte dos Deal Managers G...H... AGI... e P..., no montante de EUR 340.400,00 por Deal Manager, totalizando EUR 1.021.200,00 (conforme Doc. 19 e 20 do ppa).

 

5.20. O contrato celebrado para efeito da operação tem idêntica natureza e previsões em tudo idênticas às dos contratos anteriormente referidos, no que diz respeito à indispensabilidade dos serviços de intermediação financeira contratados no âmbito de operações de (re)compra de títulos obrigacionistas.

 

5.21. Os montantes relativos às comissões pagas foram sujeitos a Imposto do Selo, no montante total de EUR 40.848,00 (conforme Doc. 5 do ppa).

 

5.22. As guias de pagamento, supra identificadas no ponto 5.5. com (E), foram emitidas no contexto de uma operação de emissão de obrigações realizada pela Requerente, tendo esta celebrado um contrato de colocação e subscrição em mercado de obrigações por si emitidas em Abril/2019, com um conjunto de entidades bancárias não residentes, nomeadamente, a sociedade V..., S.A., F... PLCW... LimitedX...J...,Y...Z... PLCAA...E..., bem como com a sociedade residente BB..., S.A. (entidades designadas pela Requerente como “Deal Managers”), conforme Doc. 21do ppa.

 

5.23. Nos termos do referido contrato, estas entidades comprometeram-se a subscrever e adquirir diretamente as obrigações emitidas, ou a encetar esforços de prospeção de mercado com vista à identificação e negociação de um comprador para a subscrição de parte ou totalidade das obrigações emitidas no âmbito da operação em apreço.

 

5.24. Para além da assistência na determinação do preço da emissão e na colocação em mercado do instrumento obrigacionista, os Deal Managers prestaram ainda serviços de: (i) identificação e contacto com potenciais subscritores das obrigações em causa, aos quais transmitem os termos e condições da emissão de dívida da Requerente; (ii) resposta às questões que sejam colocadas pelos potenciais investidores; e (iii) negociação com vista à subscrição de parte ou totalidade da emissão em apreço pelos potenciais investidores.

 

5.25. Em contrapartida, a Requerente suportou uma comissão de intermediação de montante equivalente a uma percentagem (percentagem global máxima de 0,45%, valor a repartir pelas entidades bancarias intervenientes envolvidos na operação em função da respetiva intervenção) indexada ao valor das obrigações emitidas/colocadas em mercado até um montante máximo de EUR 3.375.000,00 (conforme Doc. 22 do ppa).

 

5.26. Neste contexto, são replicáveis no âmbito desta operação todos os factos e motivações económicas supra explanados relativamente à indispensabilidade dos serviços de intermediação financeira contratados no âmbito de operações com a emissão de títulos obrigacionistas.

 

5.27. O montante suportado pela Requerente com estas comissões às entidades bancárias não residentes em Portugal, ascendeu a EUR 3.071.250,00, o qual foi deduzido pelas entidades bancárias ao montante por estas entregues à Requerente pelas obrigações subscritas neste âmbito.

 

5.28. O montante referido no ponto anterior foi ainda sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pela Requerente, no montante global de EUR 120.285,00 (conforme Doc. 6 do ppa).

 

5.29. O montante suportado pela Requerente com a comissão paga à entidade bancária não residente CC... Limited(“CC...), ascendeu a EUR 334.125,00, tendo este montante sido sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pelo CC... e suportado pela ora Requerente, no valor de EUR 13.365,00 (conforme Doc. 6 e 23 do ppa).

 

5.30. O montante suportado pela Requerente com a comissão paga à entidade bancária residente, i.e. o Banco BB... (“BB...”), ascendeu a EUR 33.750,00 (conforme Doc. 24 do ppa) , tendo sido sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pela BB... e suportado pela Requerente, no valor de EUR 1.350,00 (conforme Doc. 6 e 24 do ppa).

 

5.31. As guias de pagamento, supra identificadas no ponto 5.5. com (F), foram emitidas no contexto de um contrato de colocação e subscrição em mercado de valores mobiliários representativos do seu capital social, operação lançada a 23 de Julho de 2020 e registada em 11 de Agosto de 2020, com um conjunto de entidades bancárias não residentes, nomeadamente Z...D...plcP...DD... SA e EE... (os “XXX”), bem com o Banco U... SA (conforme Doc. 25 do ppa).

 

5.32. Esta operação de aumento de capital, destinou-se a reunir o capital necessário para financiar a aquisição pela A..., de: (i) 75,1% do negócio de distribuição de eletricidade da FF... S.à.r.l, (ii) 100% do negócio de energias renováveis da GG... (iii) duas centrais termoeléctricas a carvão em processo de desativação até 2021.

 

5.33. Para além da assistência à Requerente na determinação do preço da oferta pública de subscrição dos valores mobiliários em questão, as entidades bancárias intervenientes na operação prestaram ainda serviços de: (i) identificação e contacto com potenciais subscritores dos valores mobiliários em causa, aos quais transmitem os termos e condições da oferta de subscrição da A...; (ii) resposta às questões que sejam colocadas pelos potenciais investidores; e (iii) negociação com vista à subscrição de parte ou totalidade da oferta em apreço pelos potenciais investidores.

 

5.34. Com as necessárias adaptações por se tratar de ações, são replicáveis no âmbito desta operação todos os factos e motivações económicas supra explanados relativamente à indispensabilidade dos serviços de intermediação financeira contratados no âmbito de Operações.

 

5.35. Em contrapartida, a Requerente suportou comissões de intermediação, compreendendo nomeadamente i) uma “comissão base” de valor equivalente a 1,5% do montante subscrito e do número agregado de novas ações, e, ii) uma “comissão discricionária” até ao valor máximo equivalente a 0,5% do montante subscrito e do número agregado de novas ações, tendo tais valores sido pagos às entidades bancárias intervenientes envolvidas na operação em função do resultado da respetiva intervenção (conforme consta da cláusula 11 do contrato anexado pela Requerente como Doc. nº 25).

 

5.36. O montante suportado pela Requerente a título de comissões base pagas às entidades bancárias não residentes em Portugal, ascendeu a EUR 12.242.100,00, o qual foi deduzido pelas entidades bancárias ao montante por estas entregues à Requerente pelos valores mobiliários subscritos neste âmbito.

 

5.37. As comissões foram sujeitas a Imposto do Selo, liquidado e suportado pela Requerente, totalizando um valor de imposto de EUR 489.684,00 (conforme Doc. 7 do ppa).

 

5.38. O montante suportado pela Requerente com a comissão base paga à entidade bancária residente, i.e. o Banco U... SA(“U...”), ascendeu a EUR 3.060.518,50 (conforme Doc. 26 do ppa), montante que foi sujeito a Imposto do Selo, autoliquidado pelo U... e suportado pela Requerente, no valor de EUR 122.420,74 (conforme Doc. 7 e 26 do ppa).

 

5.39. Adicionalmente, o montante suportado pela Requerente a título de comissões pagas às entidades bancárias não residentes em Portugal, ascendeu a EUR 3.524.125,00 (conforme Doc. 27 do ppa), montante que foi sujeito a Imposto do Selo, liquidado pela Requerente, no valor global de EUR 140.965,00 (conforme Doc. 7 e 27 do ppa).

 

5.40. O montante suportado pela Requerente com a comissão paga à entidade bancária residente, i.e. o U..., ascendeu a EUR 918.000,00 (conforme Doc. 28 do ppa), o qual foi sujeito a Imposto do Selo, liquidado pelo U... e suportado pela Requerente, no valor de EUR 36.720,00 (conforme Doc. 7 e 28 do ppa).

 

5.41. Em 15-02-2021 a Requerente apresentou reclamação graciosa (nº ...2021...) dos actos de autoliquidação de Imposto do Selo, acima identificados no ponto 5.5., no montante total de EUR 1.383.137,62, relativos ao Imposto do Selo suportado pela Requerente nas comissões devidas a instituições de crédito residentes e não residentes pelos serviços financeiros respeitantes a operações de oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, emissões de obrigações e aumento de capital identificadas nos pontos anteriores, efectuadas ao abrigo do disposto na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (conforme Doc. 8 do ppa).

 

5.42. Os actos tributários referidos no ponto anterior ocorreram no período de Janeiro e Março de 2019, no período de Janeiro de 2020, no período de Março a Junho de 2020 e nos período de Agosto e Setembro de 2020.

 

5.43. A reclamação graciosa apresentada teve como fundamento o facto de a Requerente entender que as liquidações de Imposto do Selo da verba 17.3.4. da TGIS, incidentes sobre as comissões pagas às várias instituições bancárias, intermediárias das operações em causa (descritas nos pontos anteriores), são contrárias às disposições da Diretiva nº 2008/7/CE do Conselho, de 12-02-2008, porquanto constituem formalidades conexas com operações que deveriam estar isentas de tributação indirecta, na medida em que a imposição da tributação sobre tais operações limita o desenvolvimento económico e o acesso a meios financeiros necessários para a concentração de capitais (conforme Doc. 8 do ppa).

 

5.44. A Requerente, na reclamação graciosa identificada no ponto anterior, peticiona a anulação das liquidações em causa, com o consequente reembolso do imposto pago, no montante total de EUR 1.383.137,62, bem como o pagamento de juros indemnizatórios incidentes sobre aquele montante.

 

5.45. Dado a Requerente se enquadrar como “contribuinte de elevada relevância económica e fiscal”, a competência para efeitos de prolação de decisão do procedimento administrativo de relação graciosa coube ao Senhor Director da UGC.

 

5.46. A Requerente foi notificada através de Ofício, datado de 27-05-2021, emitido pela UGC, do projecto de decisão de indeferimento da referida reclamação graciosa bem como para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o respectivo direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia (conforme Doc. 29 do ppa).

 

5.47. O projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa baseia-se nas seguintes conclusões (conforme Doc. 29 do ppa):

 

5.48. A Requerente não exerceu o seu direito de audição prévia.

 

5.49. A Requerente foi notificada através de Ofício, datado de 13-07-2021, emitido pela UGC, de que na mesma data foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, pelo Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de Subdelegação de competências (conforme Doc. 1 do ppa).

 

5.50. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa baseia-se nas seguintes conclusões (conforme Doc. 1 do ppa):

 

5.51. A Requerente apresentou, em 12-10-2021, este pedido de pronúncia arbitral.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.52. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), nos factos não contestados pela Requerida, no teor dos documentos juntos aos autos pelas Partes e no depoimento das Testemunhas inquiridas.

 

5.53. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova (documental e testemunhal) trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme nº 5 do artigo 607º do CPC sendo que somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

Dos factos não provados

 

5.54. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral 

 

6.      MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.   Com a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o despacho de indeferimento que incidiu sobre a reclamação graciosa apresentada relativamente às liquidações de Imposto do Selo identificadas no pedido, bem como sobre a legalidade das referidas liquidações, peticionando “(…) a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento praticado e das liquidações de Imposto do Selo lhes estão subjacentes (…)” bem como “(…) a respetiva anulação por vício de violação do Direito Comunitário e de Lei Constitucional e, bem assim, a devolução dos montantes indevidamente pagos, com as demais consequências legais, designadamente o pagamento de juros indemnizatórios” requerendo ainda “(…) caso persistam dúvidas a este (…) Tribunal (…)” quanto ao enquadramento do pedido, seja efectuado um pedido de reenvio prejudicial, sugerindo que sejam formuladas ao TJUE duas questões que formula.

 

6.2.   Em síntese, a Requerente entende que “(…) as comissões sobre as quais (…) [se] liquidou ou suportou Imposto do Selo e, bem assim, os serviços que lhe estão subjacentes, podem ser reconduzidos ao conceito de formalidades conexas às ofertas para a aquisição em dinheiro de obrigações, emissões de obrigações e aumento de capital que foram realizadas”, “razão pela qual sobre elas não pode incidir Imposto do Selo – seja ao abrigo da Verba 17.3.4. da TGIS, seja ao abrigo de qualquer outra – nos termos defendidos pela AT na decisão impugnada(…)” porquanto “(…) sempre haverá que considerar-se que, à luz do quadro legal em vigor (…), a Verba n.º 17.3.4. da TGIS, quando interpretada no sentido de sujeitar a Imposto do Selo comissões devidas por serviços de intermediação financeira que consubstanciam formalidades conexas com operações de reuniões de capitais abrangidas pela isenção prevista no artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva, é inconstitucional por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia, ínsito no artigo 8.º da Constituição, inconstitucionalidade essa que desde já se alega para todos os efeitos legais” (sublinhado nosso).

 

6.3.   Assim, entende a Requerente que “(…) resulta claro que o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) da Diretiva, não se encontra integralmente transposto para a legislação portuguesa enquanto subsistir o disposto Verba 17.3.4. TGIS”.

 

6.4.   E estando “(…) a AT (…) obrigada a interpretar as normas nacionais em conformidade com o direito comunitário, abstendo-se de criar entraves ou dificultando o efeito útil das normas comunitárias de efeito direto, como são aquelas que decorrem da proibição de liquidar Imposto do Selo nas operações em apreço ou em operações com aquelas conexas”, entende a Requerente ser de “(…) concluir que a manutenção desta perspetiva redutora da AT não atende ao conceito funcional do TJUE de “operação global”, pelo que devendo ser totalmente repudiada”.

 

6.5.   Em consequência, defende a Requerente ser de concluir “(…) pela declaração de ilegalidade do ato de indeferimento praticado e das liquidações de Imposto do Selo lhes estão subjacentes, determinando-se a respetiva anulação por vício de violação do Direito Comunitário e de Lei Constitucional e, bem assim, a devolução dos montantes indevidamente pagos, com as demais consequências legais, designadamente o pagamento de juros indemnizatórios”.

 

6.6.   Por outro lado, a Requerida entende, em síntese, que “não pode (…) considerar-se que as comissões de intermediação financeira (…), decorrentes de serviços financeiros contratados pela Requerente estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE” porquanto “(…) o que foi tributado foi a remuneração de serviços de intermediação financeira, que tiveram como objetivo principal intermediar na aquisição e/ou venda, isto é, na transmissão de obrigações e ações junto de clientes e investidores das instituições de crédito contratadas para o efeito”, “remuneração (comissão) essa que preenche todos os pressupostos de incidência previstos na verba 17.3.4 da TGIS, estando por isso sujeita a Imposto do Selo”.

 

6.7.   Em consequência, entende a Requerida que não estamos, assim, perante uma situação que possamos considerar uma formalidade conexa” e nessa medida, “(…) por muito importante que fosse a prestação de serviços de intermediação financeira para o sucesso das operações em causa, tratam-se de contratos meramente acessórios e juridicamente distintos da operação de reunião de capitais propriamente dita e que com ela não se confundem” sendo, “por esta razão [que] entendemos que as liquidações aqui contestadas, efetuadas nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, não se mostram incompatíveis com os ditames da Diretiva” (sublinhado nosso).

 

6.8.   Nestes termos, defende a Requerida “(…) que à luz do quadro legal em vigor a Verba 17.3.4. da TGIS, quando interpretada no sentido de sujeitar a Imposto do Selo comissões devidas por serviços de intermediação financeira (…), não é ilegal nem inconstitucional por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia, ínsito no artigo 8.º da Constituição da República” pelo que considera “(…) que inexiste qualquer desconformidade das autoliquidações de Imposto do Selo incidentes sobre as comissões de intermediação financeira cobradas à Requerente com o preceituado no n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE, não padecendo, por esse motivo, as mesmas de qualquer ilegalidade”.

 

6.9.   Nestes termos, a questão a decidir será a de se saber se, na acepção da jurisprudência do TJUE, e no âmbito da não sujeição a Imposto do Selo das operações (i) de oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações, estas operações devem ser consideradas como “operações globais”, abrangendo-se na expressão “formalidades conexas” (a que se refere o artigo 5º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2008) com aquelas operações de reunião de capital, os serviços de intermediação financeira contratados relativamente aquelas operações e, consequentemente, considerar as mesmas fora do âmbito de sujeição a Imposto do Selo da verba 17.3.4. da TGIS?

 

6.10. Cumpre decidir.

 

Do direito interno

 

6.11. De acordo com o disposto no artigo 1º (Incidência objectiva), nº 1 e 2, do Código do Imposto do Selo, “1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens. 2 - Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas. (…)” sendo que nos termos do artigo 2º (Incidência subjectiva), nº 1, alínea c) do mesmo Código, “1 - São sujeitos passivos do imposto: (…) c) Instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas residentes em território nacional, que tenham intermediado operações de crédito, de prestação de garantias ou juros, comissões e outras contraprestações devidos por residentes no mesmo território a instituições de crédito ou sociedades financeiras não residentes; (…)”.

 

6.12.    Nos termos do artigo 3º (Encargo do imposto) do referido Código, “1 - O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1.º 2 - Em caso de interesse económico comum a vários titulares, o encargo do imposto é repartido proporcionalmente por todos eles. 3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico: (…); g) Nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas; (…)”.

 

6.13.    Prevê o artigo 4º (Territorialidade) do mesmo Código que “1 - Sem prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional. 2 - São, ainda, sujeitos a imposto: (…); c) Os juros, as comissões e outras contraprestações cobrados por instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou por filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional a quaisquer entidades domiciliadas neste território, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável das entidades que intervenham na realização das operações; (…)”.

 

6.14.    O artigo 5º (Nascimento da obrigação tributária) do mesmo Código refere, na redação em vigor à data a que as liquidações se reportam (2019 e 2020) que “1 - A obrigação tributária considera-se constituída: (…); h) Nas operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações, considerando-se efetivamente cobrados os juros e comissões debitados em contas correntes à ordem de quem a eles tiver direito; (…)”.

 

6.15.    A verba 17.3.4. (Operações financeiras) da Tabela Geral do Imposto do Selo estabelece que é devido imposto, à taxa de 4%, pelas “operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado” a título de “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.

 

6.16.    Nestes termos, face ao dispositivo interno, a Requerente suportou Imposto do Selo relativo às operações de intermediação financeira (no montante total de 
EUR 34.578.440,50), realizadas por diversas instituições financeiras, residentes e não residentes em território nacional contratadas para intermediar as operações descritas no ponto 5.5., supra , o qual ascendeu a um total de EUR 1.383.137,62, que a Requerente pretende ver anulado e, consequentemente, reembolsado, com fundamento em vício de violação de lei, tendo em consideração o disposto no direito da União Europeia, que invoca.

 

Do direito da UE

 

6.17. Conforme se prevê no preambulo da Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, “a Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais foi substancialmente alterada diversas vezes” e, “dado que devem ser introduzidas novas alterações, é conveniente, por razões de clareza, proceder à reformulação da directiva”. Assim, “os impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, designadamente o imposto sobre as entradas de capital (imposto que incide sobre as entradas de capital nas sociedades), o imposto de selo sobre os títulos, e o imposto sobre as operações de reestruturação, independentemente de essas operações envolverem ou não um aumento de capital, dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitaisO mesmo se aplica a outros impostos indirectos com características idênticas às do imposto sobre as entradas de capital e do imposto de selo sobre os títulos. Consequentemente, é do interesse do mercado interno harmonizar a legislação relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais para eliminar, tanto quanto possível, factores susceptíveis de distorcer as condições de concorrência ou entravar a livre circulação de capitais” (sublinhado nosso).

 

6.18. Assim, a Directiva 2008/7/CE, de 12 de Fevereiro de 2008 veio regular a aplicação de impostos indirectos sobre (a) Entradas de capital em sociedades de capitais; (b) Operações de reestruturação que envolvam sociedades de capitais e (c) Emissão de determinados títulos e obrigações, revogando a Directiva 69/355/CEE, com efeitos desde de 1 de Janeiro de 2009.

 

6.19. De acordo com o disposto no artigo 5º, nº 1 da referida Directiva (operações não sujeitas a impostos indirectos), “1. Os Estados-Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indirecto sobre: a) Entradas de capital; b) Empréstimos ou prestações de serviços, efectuadas no âmbito das entradas de capital; c) Registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade de capitais esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica; d) Alterações do acto constitutivo ou dos estatutos de uma sociedade de capitais, designadamente (…)” as aí elencadas.

 

6.20. Nos termos do nº 2 do referido artigo 5º, “os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto: a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu; b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis” (sublinhado nosso).

 

6.21. O artigo 6º da mesma Directiva (impostos e direitos) prevê que “1. Em derrogação ao disposto no artigo 5º, os Estados-Membros podem cobrar os seguintes impostos e direitos: a) Impostos sobre a transmissão de valores mobiliários (…); b) Direitos de transmissão, incluindo os encargos de registo de propriedade que incidem sobre a entrada, numa sociedade de capitais, de bens imóveis ou de estabelecimentos comerciais sitos no respectivo território; c) Direitos de transmissão sobre activos de qualquer natureza que constituam entradas de capital numa sociedade de capitais, na medida em que a transmissão dos referidos activos não seja remunerada através de partes sociais; d) Direitos que onerem a constituição, inscrição ou extinção de privilégios e hipotecas; e) Direitos com carácter remuneratório; f) Imposto sobre o valor acrescentado. 2. Os montantes cobrados a título dos impostos e direitos referidos nas alíneas b) a e) do nº 1 não variam, independentemente do facto de a sede de direcção efectiva ou a sede estatutária da sociedade de capitais se situar ou não no território do Estado-Membro que cobra a imposição. Os referidos montantes não podem ser superiores aos dos impostos e direitos aplicáveis a operações similares realizadas no Estado-Membro que os cobra” (sublinhado nosso).

 

6.22. Nos termos do artigo 15º ainda da referida Directiva (transposição), é referido que “1. Os Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento aos artigos 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 12º, 13º e 14º até 31 de Dezembro de 2008. Devem comunicar imediatamente à Comissão o texto daquelas disposições e um quadro de correspondência entre as referidas disposições e a pressente directiva” sendo que nos termos do nº 2 se refere que “2. Os Estados Membros devem comunicar à Comissão o texto das principais disposições de direito interno que aprovarem nas matérias reguladas pela presente directiva” (sublinhado nosso).

 

Da jurisprudência do TJUE

 

6.23. Na sequência de um pedido de decisão prejudicial com o intuito de interpretar os artigos 10º e 11º da Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidiam sobre as reuniões de capitais, bem como dos artigos 4º e 5º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais e dos artigos 12º, 43º, 48º, 49º ou 56º do Tratado CE (atuais artigos 18º, 49º, 54º, 56º e 63º do TFUE), o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) veio no Acórdão proferido no âmbito do processo C‑573/16, de 19-10-2017 (processo Air Berlin), esclarecer e decidir o seguinte (a respeito da cobrança de um imposto, em aplicação do disposto na section 70 do Finance Act 1986 sobre certas transmissões de ações realizadas em 2006 e 2009):

Quadro jurídico - Direito da União - Diretiva 69/335

3 Em conformidade com o seu primeiro considerando, a Diretiva 69/335 destina‑se a promover a livre circulação de capitais, com vista à criação de uma união económica com características análogas às de um mercado interno. Com este objetivo, como resulta dos seus sexto a oitavo considerandos, esta diretiva visa harmonizar o imposto a que estão sujeitas as entradas de capital em sociedades na Comunidade Europeia, pela instituição de um imposto único sobre as reuniões de capitais, que seja aplicado apenas uma vez no interior do mercado comum, e pela supressão de todos os outros impostos indiretos que apresentem as mesmas características deste imposto único. (…). No artigo 4º, nº 1, da Diretiva 69/335 estão enumeradas as operações que devem ser sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital. Entre essas operações figuram, nomeadamente, a constituição de uma sociedade de capitais e o aumento do seu capital social. 5 O artigo 10º da Diretiva 69/335 prevê a supressão das imposições que apresentem as mesmas características que o imposto sobre as entradas de capital em relação às operações referidas no artigo 4.º da mesma diretiva. 6 Nos termos do artigo 11.o da Diretiva 69/335: «Os Estados‑Membros não submeterão a qualquer imposição, seja sob que forma for: a) A criação, emissão, admissão em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu; b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.» 7 Todavia, por força do disposto no artigo 12.o, n.º 1, alínea a), desta diretiva, os Estados‑Membros podem, em derrogação do disposto nos seus artigos 10.º e 11.º, cobrar «impostos sobre a transmissão de valores mobiliários (…)». Diretiva 2008/7 8 A Diretiva 2008/7 é uma reformulação da Diretiva 69/335, cujos termos retoma, em substância. Todavia, como resulta dos seus considerandos 4 a 6, a mesma visa suprimir progressivamente o imposto sobre as entradas de capital. 9 O artigo 4.o desta diretiva dispõe sobre as operações de restruturação. 10 O artigo 5.º da referida diretiva, sob a epígrafe «Operações não sujeitas a impostos indiretos», dispõe: «1. Os Estados‑Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indireto sobre: a) Entradas de capital; b) Empréstimos ou prestações de serviços, efetuadas no âmbito das entradas de capital; […] 2. Os Estados‑Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto: a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu; […]» 11 Todavia, por força do disposto no antigo 6.o, n.º 1, alínea a), desta mesma diretiva, os Estados‑Membros podem, não obstante o disposto no artigo 5.º, cobrar «impostos sobre a transmissão de valores mobiliários (…)». (…)” (sublinhado nosso).

 

6.24. No caso subjacente à Decisão do TJUE em análise, verifica-se que, no Reino Unido, não era cobrado imposto sobre as entradas de capital, mas em contrapartida era cobrado Imposto do Selo sobre determinados actos que documentavam uma transmissão de ações.[2]

 

6.25. Ora, tendo sido a Air Berlin quem pagou o Imposto do Selo por ocasião das duas operações de transmissão de ações (de 2006 e 2009) em análise no referido Acórdão, veio requerer o reembolso do imposto cobrado sobre estas operações, cujo pedido foi indeferido mas, em sede de recurso desta decisão, o Tribunal Superior de Justiça competente (Inglaterra e País de Gales) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça, nomeadamente, a seguinte questão prejudicial: “A cobrança por um Estado‑Membro de imposto de selo à taxa de 1,5% sobre a transmissão de ações (…) contraria uma ou mais das seguintes disposições: a) Artigo 10º ou artigo 11º da Diretiva [69/335]; b) Artigo 4º ou artigo 5º da Diretiva [2008/7]; ou c) Artigos 12º, 43º, 48º, 49º ou 56º do Tratado CE?

 

6.26.    Nesta matéria, esclarece o referido Acórdão do TJUE que “27 A título preliminar, importa recordar que a Diretiva 69/335 e a Diretiva 2008/7, que a revogou e substituiu, procederam a uma harmonização exaustiva dos casos em que os Estados‑Membros podem sujeitar as reuniões de capitais a impostos indiretos (v., neste sentido, acórdãos de 7 de junho de 2007, Comissão/Grécia, C‑178/05, EU:C:2007:317, nº 31, e de 1 de outubro de 2009, HSBC Holdings e Vidacos Nominees, C‑569/07, EU:C:2009:594, nº 25). 28 Ora, como o Tribunal de Justiça já declarou, quando uma questão for objeto de harmonização ao nível da União, as medidas nacionais nessa matéria devem ser apreciadas à luz das disposições dessa medida de harmonização e não das do Tratado CE (v., neste sentido, acórdão de 1 de outubro de 2009, HSBC Holdings e Vidacos Nominees, C‑569/07, EU:C:2009:594, nº 26 e jurisprudência referida). 29 Daqui resulta que (…), o Tribunal de Justiça deve limitar‑se à interpretação das Diretivas 69/335 e 2008/7. (…). Por conseguinte, importa interpretar os artigos 10º e 11º da Diretiva 69/335 e o artigo 5º da Diretiva 2008/07, que proíbem, nomeadamente, qualquer forma de imposição indireta sobre as entradas de capital, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza. 31 Resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelas referidas diretivas, (…) o artigo 5º da Diretiva 2008/7 devem ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições previstas nestas disposições sejam privadas de efeito útil (v., neste sentido, acórdãos de 15 de julho de 2004, Comissão/Bélgica, C‑415/02, EU:C:2004:450, nº 33; de 28 de junho de 2007, Albert Reiss Beteiligungsgesellschaft, C‑466/03, EU:C:2007:385, nº 39; e de 1 de outubro de 2009, HSBC Holdings e Vidacos Nominees, C‑569/07, EU:C:2009:594, nº 34). 32 O Tribunal de Justiça declarou assim que, em conformidade com os objetivos do artigo 11.o da Diretiva 69/335 e do artigo 5º, nº 2, da Diretiva 2008/7, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais se aplica igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, acórdão de 9 de outubro de 2014, Gielen, C‑299/13, EU:C:2014:2266, nº 24 e jurisprudência referida). (…)” (sublinhado nosso).

 

6.27.    Assim, “(…). Os artigos 10º e 11º da Diretiva 69/335 devem ser interpretados no sentido de que se opõem à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade de todas as ações de uma sociedade foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de admitir essas ações em bolsa, sem que a sua propriedade efetiva tenha sido alterada. O artigo 5º, nº 1, alínea c), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.28.    E, conclui o referido Acórdão que “46 (…) as Diretivas 69/335 e 2008/7 se opõem à cobrança de um imposto pela transmissão de ações para um serviço de compensação que faça parte de uma operação de admissão dessas ações em bolsa ou de emissão de novas ações” (sublinhado nosso).

 

6.29.    Nestes termos, “(…)o Tribunal de Justiça (…) declara: 1) Os artigos 10º e 11º da Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade de todas as ações de uma sociedade foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de admitir essas ações em bolsa, sem que a sua propriedade efetiva tenha sido alterada. 2) O artigo 5º, nº 1, alínea c), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações. 3) (…)” (sublinhado nosso).

 

6.30.    À luz da jurisprudência do TJUE acima transcrita, a Requerente defende no pedido de pronúncia arbitral que é “(…) notório que as operações de intermediação levadas a cabo no contexto (…) das transações realizadas no mercado financeiro (…) não constituem, nem nunca poderiam constituir, um fim em si mesmas, estando em tudo dependentes (…) das operações principais às quais são inerentes” porquanto essas “(…) comissões por intermediação financeira (…) foram pagas por contrapartida de serviços contratados com caráter de absoluta conexão com as operações (principais) de oferta para aquisição de obrigações, emissões de obrigações e aumento de capital realizadas pela Requerente”, fundamentos que levam a Requerente a concluir que “(…) as comissões por intermediação financeira pagas no contexto (…) descrito não se encontram, por se tratarem de formalidades conexas ao abrigo do Direito da União Europeia, sujeitas a Imposto do Selo” (sublinhado nosso).

 

6.31.    E, refira-se, é essa dependência das operações de intermediação financeira para com as operações (principais) de oferta para aquisição de obrigações, emissão de obrigações e aumentos de capital realizados que a Requerente pretendeu demonstrar com a inquirição das testemunhas que apresentou.

 

6.32.    Com efeito, as testemunhas inquiridas criaram a convicção, neste Tribunal Arbitral, que em operações da dimensão igual à das operações sobre as quais incidiram as comissões por intermediação financeira, a A... não tinha (nem tinha de ter) capacidade interna em matéria de Recursos Humanos, know-how e networking para lançar, intermediar e agilizar todo o processo inerente a cada uma das operações, sendo por isso, como sintetiza a Requerente nas suas alegações, impraticável realizar este tipo de operações sem recorrer a intermediários financeiros.

 

6.33.    Na verdade, dado que os investidores destinatários de cada uma das referidas operações são investidores de grande dimensão e relevância no contexto financeiro internacional, tratando-se, em muitos dos casos, de investidores institucionais, não estão acessíveis ao contacto directo com a A... enquanto entidade promotora das operações de reunião de capitais em causa.

 

6.34.    Assim, reitera a Requerente nas suas alegações que “(…) os Deal Managers têm um papel fundamental na garantia da subscrição das obrigações cuja obrigação de pagamento não seja cumprida, assumindo também eles o risco enquanto investidor e não apenas como simples prestador de serviços financeiros (…)” sendo que “(…) quem coloca as obrigações em circulação no mercado, são os intermediários financeiros”, concluindo que “(…) num mercado de capitais com a necessidade premente de atração de captação de investimento externo e sendo a Requerente uma empresa cotada, qualquer situação de emissão de obrigações que não seja um sucesso tem imediatamente um correlativo e forte reflexo negativo no valor das suas ações em bolsa, detidas por investidores nacionais e internacionais (…)”, numa tentativa bem sucedida de demonstrar a indispensabilidade dos serviços de intermediação financeira contratados no âmbito das operações identificadas.

 

6.35.    Com efeito, não lhe assistia outra opção porquanto não poderia a Requerente deixar de contratar os intermediários financeiros (e, consequentemente, deixar de suportar as referidas comissões) sem comprometer a viabilidade e êxito de cada uma das operações intermediadas.

 

6.36.    E, como refere a Requerida, no que diz respeito à Oferta Pública de Subscrição de Capital Social (no caso, o da Requerente), “(…) é a própria legislação, em particular o artigo 113.º do Código dos Valores Mobiliários, que impõe a intermediação financeira obrigatória, ou seja, estas operações de capitais não se poderão realizar sem a intervenção dos intermediários financeiros, relevando o seu papel nas operações de mercados de capitais”, concluindo que “(…) o objetivo de não tributar formalidades conexas com as operações que estão isentas de impostos indiretos – tais como as que se encontra sob apreciação nos presentes Autos – prende-se com a necessidade de garantir que essas operações conexas não são afetadas quanto à finalidade que prosseguem (…) «uma concentração de meios financeiros» e «o reforço do potencial económico das sociedades»”.[3]

 

6.37.    Em consequência, a Requerente justifica com a referida indispensabilidade dos serviços de intermediação financeira a isenção prevista no artigo 5º, nº 2, alínea b), da Diretiva nº 2008/7/CE do Conselho, de 18 de Fevereiro, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, fundamento para este pedido de pronúncia arbitral, nos termo do qual “Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto: (…) b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis” (sublinhado nosso).

 

6.38.    Neste âmbito, refira-se ser também essa a posição deste Tribunal Arbitral, não se acompanhando a posição assumida pela Requerida de que não assiste razão à Requerente ao alegar que:

 

6.38.1.   “(…) não se vê qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações (…) e a tributação de comissões de intermediação financeira (…), realidade essa completamente distinta das operações abrangidas pela Diretiva, que diz respeito aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais”,

6.38.2.   E que, no caso em análise, “(…) não se está a tributar as obrigações ou as ações propriamente ditas, mas tão-só a remuneração cobrada pelas instituições de crédito (…) em consequência da prestação de um serviço de intermediação financeira que engloba intermediação na transmissão (aquisição e/ou venda) daqueles valores mobiliários junto de potencias investidores”.

 

6.39. Segundo alega a Requerida, dado que a “remuneração (comissão) (…) preenche todos os pressupostos de incidência previstos na verba 17.3.4 da TGIS, estando por isso sujeita a Imposto do Selo” conclui que “não estamos (…) perante uma situação que possamos considerar uma formalidade conexa” porquanto entende que “(…) por muito importante que fosse a prestação de serviços de intermediação financeira para o sucesso das operações em causa, tratam-se de contratos meramente acessórios e juridicamente distintos da operação de reunião de capitais propriamente dita e que com ela não se confundem” (sublinhado nosso).

 

 

 

6.40. Segundo entendemos, não faz sentido esta posição assumida pela Requerida porquanto:

 

6.40.1.   Por um lado, justificar a rácio da legislação da UE (no caso, da Directiva 2008/7/CE do Conselho) com base na rácio da legislação interna (TGIS) seria inverter a ordem da hierarquia das normas e, em consequência, do primado supranacional daquela legislação, constitucionalmente previsto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual a Requerida também reconhece na Resposta ao afirmar (para defesa da sua posição) que “(…) deverá o tribunal arbitral considerar que à luz do quadro legal em vigor a Verba 17.3.4. da TGIS, quando interpretada no sentido de sujeitar a Imposto do Selo comissões devidas por serviços de intermediação financeira, que pese embora possam de algum modo estar relacionados com operações de reuniões de capitais abrangidas pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva, não é ilegal nem inconstitucional por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia, ínsito no artigo 8.º da Constituição da República” (sublinhado nosso);[4]

6.40.2.   Por outro lado, a Requerida na afirmação transcrita no ponto anterior de que as “(…) comissões devidas por serviços de intermediação financeira (…) pese embora possam de algum modo estar relacionados com operações de reuniões de capitais (…)” vêm contradizer a sua posição de que “(…) não se vê qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações (…) e a tributação de comissões de intermediação financeira (…), realidade essa completamente distinta das operações abrangidas pela Diretiva (…)”.

 

6.41. Adicionalmente, também não concorda este Tribunal Arbitral com o argumento da Requerida para suporte da sua posição quando refere que (citando o Parecer nº 507, de 13-04-2004, da Direção de Serviços Jurídicos e do Contencioso da DGCI) “(…) o legislador comunitário não manifestou qualquer vontade de integrar na proibição do art. 11º da Directiva nº 69/335/CEE as formalidades conexas, não das operações de reuniões de capitais, incluindo os empréstimos efectuados por meio da emissão de valores mobiliários, mas de operações meramente acessórias das operações de reunião de capitais” reiterando que “(…) por muito importante que fosse a prestação de serviços de intermediação financeira para o sucesso das operações em causa, tratam-se de contratos meramente acessórios e juridicamente distintos da operação de reunião de capitais propriamente dita e que com ela não se confundem”.[5]

 

6.42. E, continua a Requerida referindo que “outro aspeto que não pode nem deve ser ignorado pelo destinatário/intérprete na sua tarefa hermenêutica é o facto de, ao contrário do que acontece para os títulos representativos de dívida, nomeadamente obrigações, a expressão “formalidades conexas” não estar expressamente prevista no caso concreto das ações e outras participações sociais”, entendendo que “(…) a ausência no corpo da citada norma da expressão “formalidades conexas” é reveladora de que, no caso concreto das ações, partes sociais e outros títulos da mesma natureza, o legislador comunitário pretendeu não as excluir de uma eventual sujeição a Imposto do Selo”, concluindo que “entendimento contrário não pode proceder, porquanto não só viola o texto legal por falta de qualquer apoio na letra da lei, como não está a presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, desrespeitando os ensinamentos que emanam dos n.ºs 2 e 3 do artigo 9.º Código Civil” (sublinhado nosso)

 

6.43. Quanto a estes argumentos invocados pela Requerida refira-se que o Acórdão proferido no âmbito do processo C‑573/16, de 19-10-2017 (processo Air Berlin), acima já parcialmente transcrito (ponto 6.23. e seguintes) veio esclarecer, neste âmbito, que “(…) a Diretiva 69/335 destina‑se a promover a livre circulação de capitais, com vista à criação de uma união económica com características análogas às de um mercado interno. Com este objetivo, (…), esta diretiva visa harmonizar o imposto a que estão sujeitas as entradas de capital em sociedades na Comunidade Europeia, pela instituição de um imposto único sobre as reuniões de capitais, que seja aplicado apenas uma vez no interior do mercado comum, e pela supressão de todos os outros impostos indiretos que apresentem as mesmas características deste imposto único. (…). A Diretiva 2008/7 é uma reformulação da Diretiva 69/335, cujos termos retoma, em substância. Todavia, como resulta dos seus considerandos 4 a 6, a mesma visa suprimir progressivamente o imposto sobre as entradas de capital. (…)” sendo que “resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelas referidas diretivas, (…) o artigo 5º da Diretiva 2008/7 devem ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições previstas nestas disposições sejam privadas de efeito útil (…)” tendo assim o TJUE declarado que “(…) em conformidade com os objetivos do artigo 11.º da Diretiva 69/335 e do artigo 5º, nº 2, da Diretiva 2008/7, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais se aplica igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (…)” (negrito e sublinhado nosso).

 

6.44.    Assim, atento o exposto no ponto anterior, o que deverá entender-se por “formalidades conexas” em sentido lato?

 

6.45.    De acordo com o dicionário da Porto Editora (www.infopedia,pt), por “formalidade” deve entender-se, nomeadamente, “a maneira geralmente aceite de proceder” ou “a condição legal indispensável para que um ato seja considerado legítimo” sendo que por “conexo” deverá entender-se “o que está relacionado com outro”, “dependente” ou “que tem nexo”.

 

6.46.    Nestes termos, para efeitos do acima exposto, por “formalidades conexas” numa interpretação “latu sensu” deverão de facto entender-se, como tem sido prática na jurisprudência do TJUE, todas as formalidades ou condições que estejam relacionadas com as operações abrangidas no artigo 5º da Directiva 2008/7/CE e não excepcionadas pelo artigo 6º da referida Directiva.[6]

 

6.47.    E, por conseguinte, não se vislumbra qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade no raciocínio da Requerente.

 

6.48. Por último, e no que diz respeito às posições vertidas nas decisões arbitrais citadas pela Requerida (a nº 856/2019-T, de 22-09-2020, a 2/2020-T, 29-03-2021, a 502/2020, de 04-06-2021 e a nº 559/2020-T, de 24-06-2021, refira-se o seguinte:

 

6.48.1.   A decisão arbitral prolatada no âmbito do processo nº 856/2019-T diz respeito a encargos directamente relacionados com contratos de emissão de obrigações e de papel comercial e a aplicação do regime de isenção previsto no artigo 7.º, n° 1, alínea e) do CIS, relativo às operações de financiamento, juros e comissões, tendo aquele Tribunal Arbitral entendido que “(…) a factualidade subjacente é ligeiramente distinta da que se resulta da aplicação da Directiva 2008/7/CE ou do acórdão “Air Berlin”, posição que este Tribunal não acompanha, atentos os argumentos expostos. [7]

6.48.2.   A decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 2/2020-T diz respeito ao sentido e alcance da norma do artigo 7.º, nº1, alínea d), do Código de Imposto do Selo, em especial quando se faz referência às “garantias inerentes a operações realizadas, registadas (…) que tenham por objeto (…) valores mobiliários, de natureza real ou teórica, direitos a eles equiparados, contratos de futuros, taxas de juro, divisas ou índices sobre valores mobiliários”, não tendo sido, no âmbito desta decisão, sido considerado procedente o argumento invocado de que “(…) será ainda a liquidação ilegal por resultar na violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, que proíbe os Estados-Membros da União Europeia de imporem qualquer forma de tributação indireta (incluindo imposto do selo) sobre «todas as formalidades conexas» a empréstimos obrigacionistas” por ter sido entendido que “(…) a Requerente optou por não proceder directamente à emissão de obrigações ou papel comercial (…)”, posição que este Tribunal não acompanha, atentos os argumentos expostos.

6.48.3.   A decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 502/2020-T nos termos da qual se conclui, por remissão para outras decisões, que “a proibição de sujeição a imposto do selo resultante do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Directiva 2008/7/CE, aplicável a empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis e formalidades conexas, não abrange os encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições de crédito a título de prestação de serviços de intermediação nessas operações financeiras” posição que este Tribunal não acompanha, atentos os argumentos expostos.

6.48.4.   A decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 559/2020-T também conclui que “os encargos decorrentes dos contratos de emissão de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos não cabem no conceito formalidades conexas, a que se refere o artigo 5.º, nº 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE” porquanto no seu entendimento remeteu para as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 586/2019-T e 2/2020-T (acima referidos), “por não terem sido invocadas razões para divergir da jurisprudência fixada, nas referidas decisões arbitrais (…)”, posição que este Tribunal não acompanha, atentos os argumentos expostos.

 

6.49. Reitere-se que, neste contexto, o Acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-573/16, Air Berlin (acima já mencionado) se pronunciou sobre a interpretação do artigo 5º, nº 2, no sentido de que “a proibição da imposição das operações de reunião de capitais se aplica igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais” (§32), não sendo “necessário que exista uma obrigação legal quando se trata de determinar se uma operação é um fim em si mesma ou deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais” (§37).

 

 

 

6.50. Porém, apesar da considerável amplitude conferida pelo Tribunal ao artigo 5º, nº 2 da Diretiva, as operações visadas no processo Air Berlin respeitam à transmissão de ações (artigo 5º, nº 1, alínea c) e nº 2, alínea a) da Diretiva) e são distintas das que constituem o objecto destes autos, relativas a serviços de intermediação financeira de colocação de instrumentos de dívida, obrigações e papel comercial e aumento de capital (artigo 5º, nº 2, alínea b) da Diretiva).

 

6.51. Nestes termos, resulta do exposto que a questão controvertida se reconduzia à aplicação do direito da União Europeia/Directiva de Reunião de Capitais, importando aferir se o artigo 5º, nº 2, alínea b) daquele diploma europeu incluía na sua previsão as operações em presença, proibindo a sua tributação, com a consequente incompatibilidade da incidência do Imposto do Selo sobre as mesmas resultante da aplicação literal das normas de direito interno.

 

6.52. Assim, como subsistiam neste Tribunal Arbitral dúvidas sobre a interpretação do conceito de “formalidades conexas” com as operações de reunião de capitais, e atento o normativo aplicável de que, em caso de dúvida sobre o direito da União Europeia, o juiz nacional é obrigado a efectuar o reenvio prejudicial, decidiu este Tribunal Arbitral, em 20-06-2022, suspender a instância e proceder ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, de harmonia com o disposto no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) formulando para o efeito as seguintes questões ao Tribunal de Justiça, incluindo as que foram enunciados pela Requerente no pedido de reenvio formulado no ppa:[8]

 

6.52.1.   “Devem as operações de (i) oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações ser consideradas como ‘operações globais’ na aceção da jurisprudência do TJUE resultante do Casos Isabele Gielen, processo C-299/13 e Air Berlin, processo C-573/16?”;

6.52.2.   “A expressão formalidades conexas a que se refere o artigo 5º, nº 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2008, deve ser interpretada no sentido de abranger os serviços de intermediação financeira contratados acessoriamente às operações (i) de oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações?”;

6.52.3.   “O artigo 5º, nº 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro, pode ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação em Imposto do Selo de comissões cobradas por serviços de intermediação financeira, prestados por um Banco, relativos (i) à recompra de instrumentos de dívida, (ii) à emissão e colocação em mercado de títulos negociáveis e (iii) ao aumento de capital por subscrição pública das acções emitidas, compreendendo tais serviços a obrigação de serem identificados e contactados investidores, de modo a distribuir os valores mobiliários, receber ordens de subscrição ou de aquisição e, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objecto da oferta?

6.52.4.   “A resposta às questões enunciadas nos pontos anteriores difere consoante a prestação dos serviços financeiros seja legalmente exigida ou seja opcional?

 

 

 

6.53. Por despacho datado de 19-07-2023, a Décima Secção do TJUE pronunciou-se sobre o pedido de decisão prejudicial apresentado “no âmbito de um litígio (…), a respeito da cobrança do imposto do selo sobre os serviços de colocação em mercado de obrigações, ações e ofertas para recompra de obrigações” e que “tem por objeto a interpretação do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (…)”.

 

6.54. Neste âmbito, aqui se transcreve o referido despacho do TJUE no que diz respeito ao “Direito da União” e “Litígio no processo e questões prejudiciais”:

“(…).

Direito da União

3 Os considerandos 1 a 3 e 9 da Diretiva 2008/7 têm a seguinte redação:

«(1) A Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais [(JO 1969, L 249, p. 25)], foi substancialmente alterada diversas vezes [...]. Dado que devem ser introduzidas novas alterações, é conveniente, por razões de clareza, proceder à reformulação da diretiva.

(2) Os impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, designadamente o imposto sobre as entradas de capital (imposto que incide sobre as entradas de capital nas sociedades), o imposto de selo sobre os títulos, e o imposto sobre as operações de reestruturação, independentemente de essas operações envolverem ou não um aumento de capital, dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitais. O mesmo se aplica a outros impostos indiretos com características idênticas às do imposto sobre as entradas de capital e do imposto de selo sobre os títulos.

(3) Consequentemente, é do interesse do mercado interno harmonizar a legislação relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais para eliminar, tanto quanto possível, fatores suscetíveis de distorcer as condições de concorrência ou entravar a livre circulação de capitais.

[...]

(9) Não deverão ser aplicados impostos indiretos às reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. Em especial, não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência.»

4 O artigo 1.° desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto», prevê:

«A presente diretiva regula a aplicação de impostos indiretos sobre:

a) Entradas de capital em sociedades de capitais;

b) Operações de reestruturação que envolvam sociedades de capitais;

c) Emissão de determinados títulos e obrigações.»

5 O artigo 2.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Sociedade de capitais», dispõe, no seu n.° 1, alínea a):

«Para efeitos da presente diretiva, entende-se por sociedade de capitais:

a) Qualquer sociedade que assuma uma das formas enunciadas no anexo I».

6 O anexo I da mesma diretiva refere-se, no ponto 22, nomeadamente, à sociedade anónima de direito português.

7 O artigo 5.° da Diretiva 2008/7, sob a epígrafe «Operações não sujeitas a impostos indiretos», dispõe, no seu n.° 2:

«Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto:

a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;

b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.»

8 Nos termos do artigo 6.° desta diretiva, sob a epígrafe «Impostos e direitos»:

«1. Em derrogação ao disposto no artigo 5.°, os Estados-Membros podem cobrar os seguintes impostos e direitos:

a)    Impostos sobre a transmissão de valores mobiliários, cobrados forfetariamente ou não;

(…)

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11 A A... é uma sociedade anónima portuguesa que tem por objeto a promoção, dinamização e gestão de empreendimentos e de atividades na área do setor energético, com vista ao incremento e aperfeiçoamento do desempenho do conjunto de sociedades do grupo a que pertence. 4 A... (Imposto QUE incide sobre a comercialização de títulos).

 

 

12 Nos anos de 2019 e 2020, a A... liquidou um imposto do selo calculado sobre o valor das comissões devidas a instituições de crédito portuguesas e estrangeiras a título de vários serviços de intermediação financeira. Tratava-se, em particular, de serviços relativos, primeiro, a ofertas para a recompra em dinheiro de obrigações emitidas pela A... e de obrigações emitidas por outra sociedade do mesmo grupo, segundo, à colocação em mercado e à subscrição de novas obrigações e, terceiro, à colocação em mercado e à subscrição de novas ações para efeitos de aumento do capital social.

13 O Tribunal Arbitrai Tributário (…), o órgão jurisdicional de reenvio, esclarece que as ofertas para recompra e compra de obrigações visavam otimizar a carteira de passivos da A... mediante o reembolso de obrigações com uma taxa de juro elevada e o aumento da maturidade média da sua dívida, utilizando a liquidez disponível para reduzir o montante da dívida bruta. Os serviços de intermediação relativos à recompra e compra das obrigações em questão diziam respeito à identificação e ao contacto com os titulares dessas obrigações, à resposta às suas eventuais questões e à assistência à A... na determinação do preço da oferta e na decisão sobre a extensão, reabertura, alteração ou encerramento das ofertas.

14 No que se refere à colocação em mercado e à subscrição de novas obrigações, os serviços de intermediação em causa no processo principal consistiam em esforços de prospeção de mercado com vista à identificação de potenciais compradores para a subscrição parcial ou total das obrigações emitidas, podendo as instituições de crédito, prestadoras desses serviços, comprar igualmente as obrigações em causa. Assim, os serviços em questão incluíam a assistência na determinação do preço da emissão e na colocação em mercado das obrigações, a identificação e o contacto com potenciais subscritores, as respostas às suas questões e a negociação com vista à subscrição.

15 No que respeita à subscrição de novas ações para efeitos de aumento do capital social da A..., os serviços de intermediação em causa no processo principal eram relativos, do mesmo modo, à determinação do preço da oferta pública de subscrição das ações, à identificação e ao contacto com potenciais subscritores, à resposta às suas questões e à negociação com vista à subscrição.

16 A título das comissões devidas pelos serviços de intermediação em causa no processo principal, a A... pagou às instituições de crédito prestadoras um montante de 34 578 440,50 euros, acrescido de um montante de 1 383 137,62 euros a título do respetivo imposto do selo.

17 Entendendo não ser devido imposto sobre estas comissões de colocação, a A... apresentou uma reclamação graciosa contra essas liquidações à Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (Portugal).

18 Na sequência do indeferimento dessa reclamação, a A... recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo, nomeadamente, a anulação dos atos de liquidação do imposto do selo em causa no processo principal. Em apoio do seu pedido, invoca um fundamento relativo à violação do artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7.

19 O órgão jurisdicional de reenvio assinala que, embora o artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7 proíba efetivamente a tributação das operações de emissão de títulos negociáveis emitidos pelas próprias sociedades ou por terceiros, ainda subsistem dúvidas quanto ao alcance dos conceitos de «operação global do ponto de vista da reunião de capitais» e de «formalidades conexas», na aceção desta disposição.

20 Nestas condições, o Tribunal Arbitrai Tributário (…) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais: «1) Devem as operações de (i) oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações ser consideradas como “operações globais” na aceção da jurisprudência do TJUE resultante do[s] Casos Isabele Gielen, processo C-299/13 e Air Berlin, processo C-573/16?; 2) A expressão [“]formalidades conexas[”] a que se refere o artigo 5.°, n.° 2, alínea b) da Diretiva [2008/7] deve ser interpretada no sentido de abranger os serviços de intermediação financeira contratados acessoriamente às operações (i) de oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações? 3) O artigo 5.°, n.° 2, alínea b) da Diretiva [2008/7] pode ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação em Imposto do Selo de comissões cobradas por serviços de intermediação financeira, prestados por um Banco, relativos (i) à recompra de instrumentos de dívida (ii) à emissão e colocação em mercado de títulos negociáveis e (iii) ao aumento de capital por subscrição pública das ações emitidas, compreendendo tais serviços a obrigação de serem identificados e contactados investidores, de modo a distribuir os valores mobiliários, receber ordens de subscrição ou de aquisição e, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta? 4) A resposta às questões enunciadas nos pontos anteriores difere consoante a prestação dos serviços financeiros seja legalmente exigida ou seja opcional?»

Quanto às questões prejudiciais

21 Nos termos do artigo 99.° do seu Regulamento de Processo, quando a resposta a uma questão prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, decidir pronunciar-se por meio de despacho fundamentado.

22 Há que aplicar esta disposição no presente processo.

23 Com as suas quatro questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a várias entidades bancárias às quais confiou serviços de intermediação financeira para efeitos, primeiro, de publicação de ofertas para recompra de obrigações, segundo, de colocação em mercado e subscrição de novas obrigações e, terceiro, de subscrição de novas ações para efeitos de aumento do seu capital social.

24 A título preliminar, importa salientar que, enquanto sociedade anónima, a A... está abrangida pelo conceito de «sociedades de capitais», na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2008/7. Está, por conseguinte, abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

25 De acordo com o seu considerando 9, a referida diretiva tem por objeto excluir qualquer imposto indireto sobre as reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. O mesmo considerando precisa que, em especial, não deve ser aplicado imposto do selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência.

26 Neste contexto, por um lado, o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, disposição relevante, em conformidade com a sua redação, no que se refere aos serviços de intermediação financeira relativos à subscrição de novas ações para efeitos de aumento do capital de uma sociedade de capitais, proíbe os Estados-Membros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto, a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

27 Por outro lado, o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, disposição relevante, em conformidade com a sua redação, no que se refere aos serviços de intermediação financeira relativos à subscrição de novas obrigações e à recompra de obrigações emitidas anteriormente por uma sociedade de capitais, proíbe a sujeição a qualquer forma de imposto indireto dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

28 A este respeito, tendo em conta as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio, cumpre antes de mais salientar que o conceito de «formalidades conexas», que 7 devem estar isentas de impostos indiretos, visa as eventuais atuações que uma sociedade de capitais é, por força da legislação nacional, obrigada a levar a cabo para proceder à criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dos títulos negociáveis em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C-31/97 e C-32/97, EU:C:1998:508, n.os 21 e 22, e, por analogia, de 28 de junho de 2007, Albert Reiss Beteiligungsgesellschaft, C-466/03, EU:C:2007:385, n.os 52 a 54 e jurisprudência referida).

29 Todavia, serviços de intermediação financeira como os que estão em causa no processo principal estão relacionados com a substância das operações de reunião de capitais, pelo que não são abrangidos pelas «formalidades» a que se refere o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7.

30 No entanto, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 5.° da Diretiva 2008/7 deve, tendo em conta o objetivo prosseguido pela mesma, ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê fiquem privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica-se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 28 e jurisprudência referida).

31 Assim, já resulta, em substância, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, uma vez que uma emissão de títulos negociáveis só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição de títulos efetuada no âmbito da sua emissão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 29 e jurisprudência referida).

32 Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que a transmissão da titularidade de ações, exigida pelo direito nacional, unicamente para efeitos de uma operação de admissão dessas ações à cotação em bolsa e sem consequências sobre a propriedade efetiva das mesmas, deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada nessa operação de admissão, a qual, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, não pode ser sujeita a qualquer forma de imposto (v., por analogia, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C-573/16, EU:C:2017:772, n.° 36).

33 Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já esclareceu que o artigo 11.0, alínea b), da Diretiva 69/335, disposição cuja redação era idêntica à do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, que revogou a Diretiva 69/335, devia ser interpretado no sentido de que a proibição de sujeitar um empréstimo obrigacionista ao imposto se opõe igualmente à tributação de todas as formalidades conexas, incluindo o ato notarial obrigatório para registar o reembolso desse empréstimo (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 1998, FECSAe ACESA, C-31/97 e C-32/97, EU:C: 1998:508, n.os 19,21 e22).

34 Ora, uma vez que os serviços de colocação em mercado de novas ações para efeitos de aumento do capital social ou de novas obrigações apresentam, à semelhança das operações e das formalidades referidas pela jurisprudência recordada nos n.os31 a 33 do presente despacho, uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais em causa (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 31).

35 Por conseguinte, o facto de dar a conhecer junto do público uma oferta de títulos negociáveis, como ações e obrigações, de identificar e contactar potenciais compradores, de responder às suas questões e de negociar com eles ou, em alternativa, de comprar por conta própria esses títulos constitui uma diligência comercial necessária e que, nessa medida, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 33).

36 O mesmo se aplica à recompra de obrigações emitidas anteriormente, desde que a referida recompra equivalha ao reembolso do empréstimo contraído sob a forma de emissão de obrigações. Com efeito, proibir a cobrança de um imposto quando da emissão de um empréstimo obrigacionista mas autorizá-la quando do reembolso desse empréstimo teria como consequência, contrariamente ao objetivo prosseguido pela Diretiva 2008/7, tributar o empréstimo enquanto operação global para a reunião de capitais (v., por analogia, Acórdão de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C-31/97 e C-32/97, EU:C: 1998:508, n.° 18).

37 Em contrapartida, o facto de uma sociedade que integra um grupo de sociedades adquirir, junto do público, obrigações emitidas por outra sociedade do mesmo grupo com o único objetivo de alterar a identidade do credor, e, portanto, sem que essa aquisição implique a extinção da dívida que as obrigações em causa incorporam, constitui uma transmissão de valores mobiliários que pode ser tributada em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2008/7.

38 No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio assinala que as obrigações em causa no processo principal que foram objeto de ofertas para recompra ou compra por parte da A... foram, em parte, emitidas por esta última e, em parte, emitidas pela B... BV, outra sociedade do mesmo grupo.

39 A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio esclarece que a recompra pela A... das obrigações por si emitidas foi efetuada com o objetivo de reduzir o custo do endividamento desta sociedade, nomeadamente permitindo a recompra de obrigações emitidas anteriormente e que representavam um custo elevado. Tal recompra implica, portanto, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, o reembolso das dívidas que as obrigações em questão representam.

40 Do mesmo modo, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a aquisição, pela A..., das obrigações emitidas pela B... visou otimizar a carteira de passivos da A... e aumentar a maturidade média da sua dívida, utilizando a liquidez disponível para reduzir o montante da dívida bruta. Sem prejuízo das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, esta descrição do objeto da operação em causa sugere que essa aquisição de obrigações implicou a extinção definitiva da dívida que essas obrigações representavam e não simplesmente que a sociedade que realizou essa operação se tornou credora das dívidas em questão.

41 Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de intermediação financeira com essas operações de emissão e de colocação em circulação dos títulos em causa, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de colocação em mercado a terceiros em vez de as efetuar diretamente (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 34).

42 A este respeito, há que recordar, por um lado, que esta disposição não faz depender a obrigação de os Estados-Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista de uma reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21, EU:C:2022:1024, n.° 35 e jurisprudência referida).

43 Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a várias entidades bancárias às quais confiou serviços de intermediação financeira para efeitos, primeiro, de publicação de ofertas para recompra ou compra de obrigações que impliquem a extinção definitiva da dívida que essas obrigações representam, segundo, de colocação em mercado e subscrição de novas obrigações e, terceiro, de subscrição de novas ações com vista ao aumento do seu capital social, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.

(…).

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

O artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que: se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a várias entidades bancárias às quais confiou serviços de intermediação financeira para efeitos, primeiro, de publicação de ofertas para recompra ou compra de obrigações que impliquem a extinção definitiva da dívida que essas obrigações representam, segundo, de colocação em mercado e subscrição de novas obrigações e, terceiro, de subscrição de novas ações com vista ao aumento do seu capital social, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária. (…)(sublinhado nosso).

 

6.55. Em conformidade com o acima analisado, bem como tendo em consideração a posição definida pelo TJUE, parcialmente transcrita no ponto anterior, entende este Tribunal Arbitral Colectivo que a resposta à questão a decidir, apresentada no ponto 6.9., supra, deverá ser no sentido de que, para efeitos do que se entende como “formalidades conexas” (a que se refere o artigo 5º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2008), na acepção da jurisprudência do TJUE, e para efeitos da sua não sujeição ao Imposto do Selo, se devem considerar como abrangidos naquele conceito os serviços de intermediação financeira contratados relativamente às operações (i) de oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações.

 

6.56. Em consequência, não estarão sujeitas à incidência de Imposto do Selo da verba 17.3.4. da TGIS as comissões por intermediação financeira cobradas na decorrência dos serviços de intermediação financeira prestados no âmbito das referidas operações de reunião de capitais.

 

6.57. Nestes termos, será de considerar procedente o pedido, apresentado pela Requerente, de anulação das liquidações de Imposto do Selo objecto do ppa, com as consequências daí decorrentes, bem como de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa às referidas liquidações.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios

 

6.58. A par do pedido de declaração da ilegalidade dos acto tributários aqui impugnados, a Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios, incidentes sobre o montante total de imposto suportado indevidamente.

 

6.59. No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.60. De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.61. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[9] [10]

 

6.62. Ora, na sequência da declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral, com os fundamentos acima enunciados, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.63. Nestes termos, terá de haver lugar ao reembolso do montante total de imposto e juros pago pela Requerente, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade acima assinalada.

 

6.64. Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, a Requerente terá direito aos referidos juros, calculados à taxa legal em vigor, sobre a quantia de imposto e de juros indevidamente cobrada e paga, os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.65. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC em vigor (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.66. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.67. Nestes termos, face ao acima exposto, da análise efectuada resulta que deverá ser imputada exclusivamente à Requerida a responsabilidade pelas custas do processo.

 

 

 

7.      DECISÃO

 

7.1.   Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decide este Tribunal Arbitral Colectivo:

 

7.1.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a anulação das liquidações de Imposto do Selo identificadas no processo, com fundamento em vício de violação da lei, e ordenando-se o reembolso à Requerente da quantia total de imposto suportada, no montante de EUR 1.383.137,62, acrescida dos juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;

7.1.2.     Em consequência, considerar procedente o pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa oportunamente apresentada pela Requerente contra as liquidações agora mandadas anular.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 1.383.137,62.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 18.666,00, a cargo Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

 

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27-07-2023

 

A Árbitro Presidente

 

Alexandra Coelho Martins

 

A Árbitro Adjunto (Relatora)

 

Sílvia Oliveira

 

O Árbitro Adjunto 

 

 

Rui Ferreira Rodrigues



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Com efeito, e segundo o descrito subjacente à decisão do TJUE, no Reino Unido, quando não existisse um documento escrito de transmissão (por exemplo, no caso das transmissões eletrónicas) era cobrado um imposto adicional ao Imposto do Selo. Contudo, face à dificuldade da cobrança do imposto por cada transmissão de propriedade nos sistemas de compensação, estava prevista a aplicação de disposições especiais, nos termos das quais se previa o imposto de selo à taxa de 1,5% no momento da admissão inicial dos valores no sistema de compensação, estando isentas de imposto as transmissões a efetuar ulteriormente dentro deste sistema, sem prejuízo da possibilidade de opção por um regime alternativo que estabelecia a cobrança do imposto à taxa de 0,5% do montante da contrapartida paga pela transmissão, por qualquer transmissão das ações. De acordo com o texto do Acórdão do TJUE, quando a venda fosse realizada através de um documento escrito, o Imposto do Selo inglês era de 0,5% do montante ou do valor da contrapartida da cessão, nos termos do nº 1 do anexo 13 do Finance Act 1999. Quando a transmissão de ações não resultasse de uma venda, o Imposto do Selo era de 5 libras esterlinas (GBP), por aplicação do disposto no nº 16 do anexo 13 do Finance Act 1999 (este imposto de 5 GBP foi suprimido em 2008).

[3] Neste âmbito, refira-se que o artigo 113º do Código dos Valores Mobiliários (Intermediação Obrigatória), na redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 99-A/2021, de 31/12, que o revogou, referia que “1. As ofertas públicas relativas a valores mobiliários em que seja exigível prospeto devem ser realizadas com intervenção de intermediário financeiro, que presta pelo menos os seguintes serviços: a) Assistência e colocação, nas ofertas públicas de distribuição; b) Assistência a partir do anúncio preliminar e receção das declarações de aceitação, nas ofertas públicas de aquisição. 2 - As funções correspondentes às referidas no número anterior podem ser desempenhadas pelo oferente, quando este seja intermediário financeiro autorizado a exercê-las”. Assim, era esta a redação em vigor à data das operações que deram origem às comissões sobre as quais incidiram as liquidações de Imposto do Selo objecto do ppa.

[4] Transcreva-se aqui o artigo 8º (Direito internacional) da CRP, nos termos do qual se dispõe que “1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. 2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português. 3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos. 4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

[5] No âmbito deste Parecer é considerado que a expressão “formalidades conexas” reporta-se “(…) apenas às formalidades da operação de reunião de capitais propriamente dita, no caso, a emissão de papel comercial, ou seja, à sua exterioridade perante os destinatários da operação, onde cabem nomeadamente as operações de inscrição no livro registo, registos comerciais e publicações da deliberação de emissões”, adoptando uma visão muito restritiva do conceito que é contrariada pela posição adoptada pelo TJUE.

[6] Neste sentido interpretativo, ainda que para realidades que possam divergir na sua essência da realidade do caso em análise, vide também os exemplos citados pela Requerente, nomeadamente, o respeitante ao caso Comissão v. Bélgica (processo C-415/02), nos termos do qual “(…) resulta claramente que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pela Diretiva, o respetivo artigo 5.º deve ser sujeito a interpretação extensiva, para evitar que as proibições aí previstas sejam privadas de efeito útil”, bem como o caso Isabele Gielen (processo C-299/13), nos termos do qual o TJUE declarou que “resulta (…) da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às disposições do artigo 11.° da Diretiva 69/335, e nomeadamente dos acórdãos FECSA e ACESA (EU:C:1998:508) e Comissão/Bélgica (EU:C:2004:450), que, em conformidade com os objetivos da referida diretiva, a proibição da tributação das operações de reunião de capitais se aplica igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa tributação equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. Esta interpretação é transponível para o artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7, que reproduz, em termos idênticos, o artigo 11.º da Diretiva 69/335”.

[7] No âmbito desta decisão arbitral é referido que “(…) a Requerente optou por não proceder directamente à emissão de obrigações ou papel comercial (…) - tendo contratado, para o efeito, os serviços de intermediação financeira prestados por bancos. Não estava obrigada a fazê-lo em face da realização de operações de emissão de papel comercial, não podendo aqui ser invocado o princípio da exclusividade das instituições de crédito e sociedades financeiras. (…). Em síntese, a Requerente não estava vinculada a contratar uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira em ordem a proceder à emissão de papel comercial. Não pode, por isso, considerar-se que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Directiva 2008/7/CE. Estão em causa realidades distintas. No caso da Directiva 2008/7/CE proíbe-se a sujeição, a qualquer forma de imposto indirecto, dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis independentemente de quem os emitiu. Ora as emissões de papel comercial sub judice não foram tributadas em imposto de selo. Por outro lado, os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos, são tributados em sede de imposto de selo (cfr., v.g., verbas 17 e 17.3.3. da Tabela Geral de Imposto de Selo). Consequentemente, não procede o pedido da Requerente relativo à não-tributação, em sede de imposto de selo, dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estão abrangidas. (…)” (sublinhado nosso).

[8] Neste âmbito, refira-se que, em conformidade com o já decidido pelo TJUE (acórdão Cilfit, de 06/10/1982, processo C-283/81), a obrigatoriedade de reenvio, nos casos em que a mesma exista (sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, como é o caso das decisões arbitrais proferidas pelos tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD), pode ser dispensada quando (i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal, (ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma, (iii) o Juiz Nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente (teoria do acto claro, cujos exigentes e cumulativos critérios de verificação foram igualmente definidos no referido Acórdão). Com efeito, tendo em consideração as matérias em presença e considerando as questões a decidir, o Tribunal Arbitral entendeu ser necessário promover o reenvio prejudicial para o TJUE porquanto, no caso concreto, considerou não estarem preenchidas duas das três exceções à obrigatoriedade de reenvio prejudicial para o TJUE. Por um lado, a questão a esclarecer era essencial para dar resposta à questão a decidir. Por outro lado, subsistiam dúvidas (antes do reenvio) a este Tribunal sobre a correta interpretação das normas jurídicas em causa nos autos.

[9] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Edição, 2012, página 116).

[10] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).