SUMÁRIO:
I. A declaração, no momento da aquisição de imóvel, que o mesmo se destina a revenda determina a sua imediata afetação à atividade profissional ou empresarial do adquirente.
II. A Lei Fundamental não exige que as mais-valias apenas sejam tributadas no momento em que se gera a liquidez.
III. As normas contidas nos artigos 3º nº 2 c) e 29º nº 3, ambas do CIRS, na redação decorrente da republicação deste diploma em anexo à Lei nº 82-E/2014, de 31 de dezembro, quando interpretadas no sentido de que a mera transferência de bens do património empresarial para o património pessoal do mesmo sujeito passivo constitui facto tributável no âmbito da categoria B, não violam o princípio constitucional da igualdade, na vertente da capacidade contributiva.
Em cumprimento do acórdão nº 737/2023, proferido pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do recurso nº 806/2022, 1ª Secção, segue decisão arbitral reformada de acordo com o julgado do Tribunal Constitucional:
Decisão Arbitral
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RELATÓRIO:
A..., titular do número de identificação fiscal ... e B..., titular do número de identificação fiscal..., casados entre si, doravante simplesmente designados Requerentes, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa nº ...2020..., com a consequente anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) nº 2020... e do ato de liquidação de juros moratórios nº 2020... no valor, respetivamente, de € 28.124,22 e € 946,20, bem como da respetiva demonstração de acerto de contas nº 2020..., no montante de € 27.431,41, com as devidas consequências legais, designadamente o pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida.
Para fundamentar o seu pedido alegam, em síntese:
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Os Requerentes adquiriram, com declaração de revenda e beneficiando da consequente isenção de pagamento de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), os seguintes prédios:
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Prédio 1: fração autónoma designada pela letra “B”, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., da União de freguesias de ..., adquirido em 03/02/2017, pelo preço de € 195.019,82; e
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Prédio 2: prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., adquirido em 14/02/2017, pelo preço de € 199.210,03 e alienado em 18/06/2018, pelo preço de € 325.000,00;
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À data da aquisição dos prédios 1 e 2, o Requerente marido encontrava-se inscrito na atividade de compra e venda de bens imóveis, que cessou em 16/11/2018;
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No ano de 2020, os Requerentes foram objeto de um procedimento de inspeção tributária, que culminou com a correção dos elementos declarados relativos ao exercício de 2018, com a consequente alteração do rendimento coletável de € 14.556,38, para € 86.210,97;
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A AT considerou que, com a cessação da atividade do Requerente marido, o Prédio 1, que não havia sido alienado, foi transferido do património da empresa para a esfera pessoal dos Requerentes, razão pela qual efetuou uma correção no montante de € 29.252,57, que acresceu aos rendimentos da categoria B;
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E que as mais-valias geradas com a alienação do Prédio 2 deveriam ser tributadas como rendimento da categoria B e não como rendimento da categoria G;
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E, em consequência, emitiu a liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios impugnadas;
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Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa dos atos de liquidação adicional de IRS e juros compensatórios relativos ao exercício de 2018, a qual veio a ser indeferida por ofício datado de 08/01/2021;
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O Requerente marido nunca afetou nenhum dos imóveis adquiridos à sua atividade empresarial;
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Nem nunca praticou, quanto a estes, qualquer ato de comércio suscetível de consubstanciar uma afetação dos mesmos à atividade empresarial;
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O Prédio 1 esteve, nos exercícios de 2017 e 2018, arrendado, tendo as respetivas rendas sido declaradas pelos Requerentes na categoria F do IRS;
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O Relatório de Inspeção Tributária que esteve na origem das liquidações impugnadas padece de falta de fundamentação;
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A AT não logrou demonstrar os factos constitutivos do seu direito de tributar, nem afastar a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, prevista no artigo 75º da LGT;
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As liquidações impugnadas violam o princípio da capacidade contributiva;
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Os Requerentes não pagaram as liquidações efetuadas na sequência da inspeção tributária, o que motivou a instauração, por parte da AT, de um processo de execução fiscal com vista à sua cobrança coerciva;
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Com vista a suspender os efeitos do processo executivo instaurado, os Requerentes prestaram garantia bancária, inicialmente pelo valor de € 35.097,49 e entretanto reforçada para o valor de € 37.378,00.
Os Requerentes juntaram 12 documentos e não arrolaram testemunhas.
No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes optaram por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
O tribunal arbitral foi constituído em 05 de julho de 2021.
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando, em síntese:
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Os prédios em causa nos autos foram adquiridos com uma finalidade pré-definida, a revenda, o que corresponde a um ato típico da atividade profissional exercida pelo Requerente marido, ou seja, a compra e venda de imóveis;
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O Relatório de Inspeção Tributária que esteve na origem das liquidações impugnadas encontra-se devidamente fundamentado, sendo que, da argumentação dos Requerentes se verifica que estes não tiveram dificuldade na apreensão dos motivos que levaram a AT à prática do ato;
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As declarações apresentadas pelos Requerentes não se encontram em conformidade com os elementos de que a AT dispõe, pelo que, in casu, se verifica inversão do ónus da prova, cabendo aos Requerentes a prova dos factos por si invocados;
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A AT limitou-se a aplicar a lei em vigor à data dos fatos, em obediência ao princípio da legalidade e da igualdade, pelo que não se verifica qualquer violação do princípio da capacidade contributiva.
Conclui, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado nenhuma testemunha.
Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, tendo ambas as partes apresentado alegações escritas, nas quais reiteraram o teor dos seus anteriores articulados.
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SANEAMENTO:
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
Não existem nulidades que invalidem o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.
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QUESTÕES A DECIDIR:
Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre determinar:
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se o Relatório de Inspeção Tributária em causa nos autos padece do vicio de falta de fundamentação ou se a mesma é insuficiente;
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sobre quem impende o ónus da prova dos factos em causa nos autos;
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se a aquisição dos Prédios em causa nos autos, com declaração de revenda, determina a sua automática afetação ao património empresarial do Requerente marido;
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se o enquadramento jurídico-fiscal dos rendimentos gerados pelos prédios efetuado pela AT padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
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se as liquidações impugnadas violam o princípio da capacidade contributiva;
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se a AT se encontra constituída na obrigação de indemnizar os Requerentes, por prestação de garantia indevida.
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MATÉRIA DE FACTO:
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Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:
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Os Requerentes adquiriram, com declaração de revenda e beneficiando da consequente isenção de pagamento de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), os seguintes prédios:
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Prédio 1: fração autónoma designada pela letra “B”, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., da União de freguesias de ..., adquirido em 03/02/2017, pelo preço de € 195.019,82; e
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Prédio 2: prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., adquirido em 14/02/2017, pelo preço de € 199.210,03;
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À data da aquisição dos prédios 1 e 2, o Requerente marido encontrava-se inscrito na atividade de compra e venda de bens imóveis, que cessou em 16/11/2018;
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Nos exercícios de 2017 e 2018, os Requerentes não declararam a afetação dos Prédios 1 e 2 à atividade empresarial ou profissional, através da respetiva inscrição no quadro 8 do anexo B das correspondentes declarações de rendimentos;
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O Prédio 1 esteve, nos exercícios de 2017 e 2018, arrendado, tendo as respetivas rendas sido declaradas pelos Requerentes como rendimento da categoria F do IRS;
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À data da cessação da atividade do Requerente marido, o Prédio 1 não havia sido alienado;
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O Prédio 2 foi alienado em 18/06/2018, pelo preço de € 325.000,00, tendo tal alienação sido declarada pelos Requerentes como rendimentos da categoria G do IRS;
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Os Requerentes foram objeto de um procedimento de inspeção tributária, que culminou com a correção dos elementos declarados relativos ao exercício de 2018, com a consequente alteração do rendimento coletável de € 14.556,38, para € 86.210,97;
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A AT procedeu à liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, da qual resultou o valor a pagar pelos Requerentes de € 27.431,41;
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Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa dos atos de liquidação adicional de IRS relativos ao exercício de 2018, a qual veio a ser indeferida por ofício datado de 08/01/2021;
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Os Requerentes não pagaram o valor constante das liquidações de IRS e juros compensatórios, pelo que a AT instaurou execução com vista à sua cobrança coerciva;
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Com vista a suspender a execução, os Requerentes prestaram garantia bancária, em 21/12/2020, inicialmente pelo valor de € 35.097,49 e entretanto reforçada para o valor de € 37.378,00;
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O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral deu entrada em 23/04/2021.
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Factos não provados
Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou.
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Fundamentação da matéria de facto
A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base os elementos constantes dos autos, a prova documental junta pelas partes e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.
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DO DIREITO:
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Da alegada falta/insuficiência de fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária:
Começam os Requerentes por invocar que o Relatório da Inspeção Tributária padece do vício de falta/insuficiência de fundamentação, o que, segundo defendem, impõe a anulação dos atos de liquidação impugnados.
Para o efeito invocam, em síntese, que a AT se limitou a elencar meros juízos conclusivos, o que não permite ao destinatário do ato, in casu, aos Requerentes, ficar cientes do iter volitivo da administração tributária no que concerne à determinação do imposto em falta.
Mais invocam que só com a indicação de todas as razões, de facto e de direito, poderiam os Requerentes, em consciência, aferir da legalidade dos argumentos invocados pela AT e, assim, optar pela contestação ou acatamento dos atos de liquidação.
A AT, por seu turno, defende de nenhum vício de falta ou insuficiência de fundamentação padecer o Relatório de Inspeção Tributária, sendo certo que da argumentação dos Requerentes se verifica que estes não tiveram dificuldade na apreensão dos motivos que levaram a AT à prática do ato.
A propósito da fundamentação, dispõe o número 1 do artigo 77º da LGT que “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
Por seu turno, nos termos do disposto no número 2 do mesmo preceito “a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
A lei impõe o dever de fundamentação, enquanto direito consagrado e constitucionalmente garantido dos cidadãos (artigo 268º nº 3, da Constituição da República Portuguesa) e ato definidor da posição da Administração Tributária perante os particulares, do qual se consegue inferir o raciocínio lógico seguido por esta para decidir no sentido em que decidiu e não noutro.
O dever de fundamentação permite, assim, a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, de modo que aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
É precisamente por tal razão que o artigo 77.º nº 2 da Lei Geral Tributária impõe que a decisão do procedimento contenha “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”, pois que apenas desta forma pode o sujeito passivo do imposto apreender a razão de ser do ato tributário e ponderar as reações ao mesmo.
Analisado o teor do Relatório de Inspeção Tributária, verifica-se que a AT, em cumprimento da obrigação de fundamentação, expôs, de forma, aliás, circunstanciada, as razões de facto e de direito que motivaram a prática do ato e indicou as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Aliás, não pode deixar de se referir, conforme bem frisa a Requerida, que, atendendo à exposição de factos e à fundamentação utilizada pelos Requerentes, resulta claro que estes perceberam exatamente qual o caminho traçado pela AT para a liquidação do imposto em causa nos presentes autos, pelo que sempre se teria de entender ultrapassado o vício formal invocado de falta de fundamentação.
A este propósito, decidiu o STA que “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido (…)”.
Se estes pressupostos e razões correspondem ou não à realidade é questão que tem a ver com o mérito e já não com a forma e que, portanto, se coloca numa outra dimensão de que não cumpre, neste ponto, conhecer.
Improcede, assim, o vício de falta/insuficiência de fundamentação invocado pelos Requerentes.
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Do ónus da prova:
No que diz respeito ao ónus da prova, defendem os Requerentes que é sobre a AT que impende o ónus da prova dos fatos constitutivos do seu direito, prova essa que não logrou efetuar.
Ao invés, defende a AT que, as declarações apresentadas pelos Requerentes não se encontram em conformidade com os elementos de que a AT dispõe, pelo que, in casu, se verifica inversão do ónus da prova, cabendo aos Requerentes a prova dos factos por si invocados.
O ónus da prova encontra-se previsto no artigo 74º da LGT, cujos números 1 e 2 dispõem:
“1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
2 - Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correta identificação junto da administração tributária”.
Por seu turno, dispõem os números 1 e 2 do artigo 75º da LGT:
“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica previstos na presente lei.
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A”.
No caso dos autos, a AT tem em seu poder as escrituras que titulam a aquisição pelos Requerentes dos Prédios 1 e 2, das quais constam a declaração expressa de que ambos se destinavam a revenda, assim beneficiando da isenção de pagamento de IMT, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 7º nº 1 do CIMT.
Ora, da declaração de rendimentos apresentada pelos Requerentes relativa ao exercício de 2018, verifica-se que estes declararam os rendimentos provenientes da venda do Prédio 2, ocorrida em 18/06/2018, como rendimento da categoria G e não como rendimento da categoria B.
Resulta ainda da mesma declaração que os Requerentes não declararam a aquisição do Prédio 1, por via da afetação ao património pessoal dos Requerentes, ocorrida em face da cessação da atividade empresarial do Requerente marido nesse mesmo exercício de 2018.
De onde resulta que a declaração efetuada pelos Requerentes aquando da apresentação da declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2018 não se encontra em conformidade com os elementos de prova de que a AT dispõe - in casu, as escrituras públicas de compra dos Prédios 1 e 2.
Pelo que dúvidas não restam de que, nesta hipótese, se verifica, a favor da AT, a inversão do ónus da prova, impendendo assim, sobre os Requerente a prova da veracidade dos factos declarados na declaração de rendimentos e não sobre a AT a prova da sua falsidade.
Improcede, pois, também nesta parte, o alegado pelos Requerentes.
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Da afetação resultante da aquisição para revenda:
No âmbito da terceira questão elencada como decidenda, defendem os Requerentes que o facto de terem declarado no respetivo título aquisitivo que os Prédios 1 e 2 se destinavam a revenda não determina, sem mais, a sua afetação ao património empresarial do Requerente marido.
Em defesa da sua tese invocam que o Requerente marido (i) nunca afetou nenhum dos imóveis adquiridos à sua atividade empresarial, designadamente através do preenchimento do quadro 8 do anexo B da declaração de rendimentos; (ii) nunca praticou, quanto a estes prédios, qualquer ato de comércio suscetível de consubstanciar uma afetação dos mesmos à atividade empresarial e (iii) nos exercícios de 2017 e 2018, o Prédio 1 esteve arrendado, tendo as respetivas rendas sido declaradas como rendimentos da categoria F.
O que, aliás, veio a ser julgado provado - cfr. pontos 3) e 4) da matéria de facto provada.
Por seu turno, defende a AT que o facto de os Prédios terem sido adquiridos com declaração expressa de se destinarem a revenda determina a sua afetação automática ao património empresarial do Requerente marido.
Com o que desde já adiantamos concordar.
Desde logo porque a aquisição dos imóveis com destino à sua revenda, que permite beneficiar da isenção de pagamento do IMT, apenas é possível justamente porque o adquirente se encontra inscrito na atividade de compra e venda de imóveis, não se tratando de possibilidade aberta a todo e qualquer contribuinte.
Note-se que o objetivo pretendido pelo legislador com esta isenção é o de sujeitar os ganhos obtidos na atividade de revenda de prédios à disciplina do imposto sobre o rendimento, tributação considerada, neste caso, mais perfeita do que a que resultaria do IMT “pois entra em linha de conta com os proveitos e os custos respetivos, procurando atingir o lucro real. Além disso, os prédios adquiridos para revenda fazem parte do ativo permutável da empresa (mercadorias) e não do seu imobilizado (capital), o que aponta para a sua tributação como rendimento e não como transmissão de capital” - cfr. FRANCISCO PINTO FERNANDES E JOSÉ CARDOSO DOS SANTOS, in “Código da SISA e do Imposto sobre as Sucessões e Doações Anotado e Comentado”, Volume I, INCM, página 225.
A tese defendida pelos Requerentes não encontra respaldo nem na letra nem no espírito da lei, sendo ostensivamente contrário aos princípios da boa fé e da igualdade tributária defender que um contribuinte pudesse declarar a aquisição com destino à revenda, assim beneficiando da isenção de pagamento do IMT e posteriormente, em função daquilo que lhe fosse fiscalmente mais conveniente, optar por afetar ou não à atividade tal aquisição.
É certo que a aquisição com destino à revenda não determina uma verdadeira isenção do pagamento de IMT, tratando-se apenas de uma suspensão do seu pagamento, cuja exigência ou dispensa fica condicionada à verificação de determinados pressupostos.
Mas ainda que tal pagamento viesse a ser exigido, sempre tal configuraria uma violação do principio da igualdade tributária, por permitir que um determinado contribuinte que se encontra inscrito na atividade de compra e venda de imóveis possa postergar o pagamento do imposto para um momento que lhe seja mais conveniente, ao passo que um contribuinte que não se encontre inscrito nessa atividade não teria possibilidade de o fazer, sendo obrigado a pagar o respetivo imposto no momento da aquisição do imóvel.
Assim, e pese embora, por um lado, tenha resultado provado que os Requerentes não declararam, através do preenchimento do quadro 8 do anexo B da respetiva declaração de rendimentos, a afetação dos imóveis adquiridos à atividade profissional ou empresarial do Requerente marido e, por outro lado, não tenha resultado provado que, para além da declaração efetuada aquando da sua aquisição, o Requerente marido tenha praticado, quanto aos Prédios 1 e 2, qualquer ato de comércio suscetível de consubstanciar uma afetação dos mesmos à atividade empresarial, a verdade é que a simples declaração, no momento da aquisição e no respetivo título, que os imóveis adquiridos se destinam à sua revenda consubstancia, para todos os efeitos, uma verdadeira afetação dos imóveis à atividade empresarial do Requerente marido.
De onde resulta que, ao contrário do defendido pelos Requerentes, a aquisição do imóvel com destino à sua revenda configura uma verdadeira declaração de afetação do imóvel à atividade empresarial ou profissional do adquirente, que ocorreu no momento da respetiva aquisição.
Não havendo, por isso, qualquer reparo a fazer, neste ponto, ao Relatório de Inspeção Tributária que esteve na origem das liquidações impugnadas.
E se assim foi, naturalmente que a cessação da atividade por parte do Requerente marido determinou a imediata e automática afetação do Prédio 1 à sua esfera pessoal.
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Do invocado erro sobre os pressupostos de facto e de direito:
No âmbito da quarta questão decidenda, defendem os Requerentes, em defesa da sua tese, em síntese, que, uma vez que os Prédios dos autos não foram afetos à atividade profissional do Requerente marido, tendo-se mantido na sua esfera pessoal, os rendimentos por si gerados não podem ser tributados como rendimentos empresariais.
Assim, segundo defendem, os rendimentos provenientes da alienação do Prédio 2 foram corretamente declarados no anexo G da respetiva declaração de rendimentos do exercício de 2018.
Sendo que, quanto ao Prédio 1, a cessação da atividade empresarial do Requerente marido não determinou a sua transferência para o património pessoal dos Requerentes, de onde nunca saiu, razão pela qual tal cessação da atividade não determina qualquer rendimento suscetível de ser tributado como categoria B.
A AT, ao invés, por considerar que ambos os imóveis foram, no momento da aquisição, afetos à atividade empresarial do Requerente marido, defende deverem os rendimentos por eles gerados ser tributados como rendimentos empresariais e não como rendimentos pessoais dos Requerentes.
Conforme resulta do já decidido, a aquisição dos imóveis com destino à sua revenda configura uma verdadeira declaração de afetação do imóvel à atividade empresarial ou profissional do adquirente.
Pelo que, os imóveis em causa nos autos foram afetos, no momento da respetiva aquisição, à atividade empresarial ou profissional do Requerente marido, tendo o Prédio 1 ingressado na esfera pessoal dos Requerentes por efeito da cessação da atividade do Requerente marido.
A apreciação da questão a decidir impõe a prévia determinação da subsunção jurídico-fiscal, em relação ao Prédio 1, da sua desafetação da respetiva atividade empresarial do Requerente marido e afetação ao património pessoal do empresário e, quanto ao Prédio 2, da sua alienação em momento anterior à cessação da atividade.
Vejamos:
A este propósito cumpre convocar o regime jurídico aplicável aos rendimentos da categoria B, em vigor à data dos factos.
Nos termos do disposto no artigo 3º nº 1 do CIRS, consideram-se, entre outros, rendimentos empresariais e profissionais os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária.
Por seu turno, prescreve o nº 2 c) do mesmo artigo que se consideram ainda rendimentos da categoria B “as mais-valias apuradas no âmbito das atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, definidas nos termos do artigo 46.º do Código do IRC, designadamente as resultantes da transferência para o património particular dos empresários de quaisquer bens afetos ao ativo da empresa”.
Quanto à imputação, prescreve o artigo 29º nº 1 do CIRS que na determinação do rendimento só são considerados proveitos e custos os relativos a bens ou valores que façam parte do ativo da empresa individual do sujeito passivo ou que estejam afetos às atividades empresariais e profissionais por ele desenvolvidas, sendo que, conforme decorre do nº 3 da mesma norma, no caso de transferência para o património particular do sujeito passivo de bens afetos à sua atividade empresarial e profissional, o valor dos bens corresponde ao valor de mercado dos mesmos à data da transferência.
Visto este enquadramento, parece claro que bem andou a AT no enquadramento que fez dos rendimentos provenientes dos Prédios 1 e 2.
Com efeito, tratando-se ambos os prédios de ativo da empresa, não há dúvidas que os rendimentos gerados por estes se enquadram na categoria B.
Assim, quanto ao rendimento proveniente da alienação do Prédio 2, ocorrida em 18/06/2018, dúvidas não restam de que o mesmo deverá ser considerado como rendimento profissional ou empresarial, tributado, em consequência, como rendimento da categoria B.
Da mesma forma, a transferência do Prédio 1 para o património pessoal dos Requerentes, por efeito da cessação da atividade profissional do Requerente marido, constitui rendimento profissional ou empresarial, devendo, em consequência, ser tributado como rendimento da categoria B e não como rendimento da categoria G, como defendido pelos Requerentes.
Sendo neste caso o valor a considerar o respetivo valor de mercado à data da transferência, isto é, à data da cessação da atividade do Requerente marido, conforme decorre do disposto no artigo 29º nº 3 do CIRS, o qual não poderá ser inferior ao respetivo valor patrimonial tributário.
Pelo que, também neste aspeto nenhum reparo merece o ato praticado pela Autoridade Tributária.
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Da alegada violação do princípio da capacidade contributiva:
Sobre esta questão defendem os Requerentes que a afetação e desafetação de bens entre diferentes esferas patrimoniais do mesmo sujeito passivo não envolve qualquer entrada financeira ou em espécie a favor desse sujeito passivo, não passando os correspondentes ganhos de meras ficções de ganhos calculados com recurso ao valor de mercado do bem à data da desafetação.
O que, de acordo com os Requerentes, viola o princípio da capacidade contributiva, pois que tributa um ganho meramente potencial ou latente.
Com o que a AT não concorda, defendendo na resposta apresentada que as liquidações impugnadas foram efetuadas no estrito cumprimento do princípio da igualdade, ao qual a AT se encontra vinculada e que se concretiza, por um lado, na proibição do arbítrio e da discriminação e, por outro, na obrigação de diferenciação.
Salientando ainda que, no prosseguimento das suas atribuições, não compete à AT tecer considerandos acerca de qualquer eventual inconstitucionalidade das normas tributárias, que se limita a aplicar.
Conforme é sabido, o princípio da igualdade tributária ou impositiva comporta duas vertentes: a da “generalidade” (todos estão obrigados ao pagamento de impostos) e a da “uniformidade” (a repartição dos impostos obedece ao mesmo critério para todos).
Ora, o princípio da capacidade contributiva, enquanto “capacidade de gastar” (ability to pay) pretende ser a expressão dessa segunda vertente do princípio da igualdade na tributação — e traduz a ideia ou a conceção segundo a qual a incidência dos impostos deve ter como critério o património ou o rendimento dos contribuintes, segundo o grau de intensidade em função desses fatores - cfr. JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, “O princípio da capacidade contributiva no constitucionalismo português e na jurisprudência do Tribunal Constitucional”, in BOLETIM DE CIÊNCIAS ECONÓMICAS LVII / I (2014) pág. 1159.
Partindo destas premissas, vejamos se as liquidações impugnadas violam o princípio da capacidade contributiva, como defendido pelos Requerentes.
Por se tratar de realidades distintas, analisaremos de forma separada o enquadramento fiscal de cada um dos prédios.
Assim,
Começando pelo Prédio 2, alienado em 18/06/2018 pelo valor de € 325.000,00, considerou a AT que os rendimentos provenientes da sua venda foram auferidos no âmbito da atividade profissional do Requerente marido, pelo que devem ser tributados como rendimentos da categoria B e não como rendimentos da categoria G, como declarado pelos Requerentes.
Assim, por aplicação do coeficiente de 0,15, previsto no artigo 31º nº 1 a) do CIRS, ao valor da alienação (€ 325.000,00) apurou um rendimento tributável de € 48.750,00, que acresceu aos rendimentos da categoria B.
Quanto a este enquadramento, não se vislumbra que o mesmo seja passível de violar o princípio da capacidade contributiva, já que este prédio, adquirido, como dito foi, com destino a revenda, ficou automaticamente afeto à atividade empresarial no Requerente marido. E, se se encontrava afeto a tal atividade, a sua venda não poderá deixar de se considerar como verificada no âmbito desta atividade.
Pelo que, quanto ao Prédio 2, bem andou a AT em enquadrar o rendimento proveniente da sua alienação como rendimento da categoria B, não merecendo a liquidação de IRS impugnada, na parte respeitante a este enquadramento, qualquer censura, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.
Em consequência, também a liquidação dos respetivos juros compensatórios respeitantes a esta parte da liquidação de IRS se deverá manter, já que foi por facto imputável ao contribuinte que se verificou retardamento da liquidação - cfr. artigo 35º nº 1 da LGT.
No que diz respeito ao Prédio 1, considerou a AT que a sua desafetação da atividade empresarial do Requerente marido e consequente transferência para o património pessoal dos Requerentes também constitui um rendimento empresarial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3º nº 2 c) do CIRS, pelo que devem igualmente ser tributados como rendimentos da categoria B.
Assim, por aplicação do referido coeficiente de 0,15, previsto no artigo 31º nº 1 a) do CIRS, ao valor patrimonial tributário (€ 195.019,82), apurou um rendimento tributável de € 29.252,97, que também acresceu aos rendimentos da categoria B.
Na decisão arbitral proferida em 04/05/2022, considerou este tribunal que as normas constantes dos artigos 3º nº 2 c) e 29º nº 3, ambas do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, quando interpretadas no sentido de que a mera transferência de bens do património empresarial para o património pessoal do mesmo sujeito passivo constitui facto tributável no âmbito da categoria B, violam o princípio constitucional da igualdade, na vertente da capacidade contributiva.
Razão pela qual se decidiu pela sua não aplicação, suspendendo a sua força vinculativa no caso concreto e declarando, em consequência, o ato de liquidação de IRS em causa, na parte em que tributa como rendimento da categoria B a transferência do Prédio 1 para o património pessoal dos Requerentes, acrescendo aos respetivos rendimentos o valor de € 29.252,97, ilegal, decidindo-se, a final, pela sua parcial anulação.
No entanto, na sequência do recurso obrigatório interposto pelo Ministério Público, veio o Tribunal Constitucional a concluir pela não inconstitucionalidade de tais normas, quando interpretadas no sentido expendido, defendendo que a Constituição não obriga a tributar as mais-valias apenas no momento em que se gera a liquidez.
Ao contrário, citando Mónica Duque, “Mais-valias, afetação e desafetação de bens imóveis e princípio da realização: alguns problemas”, in Cadernos de Justiça Tributária, abril-julho 2018, pág. 16, defendeu-se naquele aresto que «se o bem deixar de estar afeto à atividade, essa circunstância tem de ser espelhada na contabilidade e se tiver ocorrido uma valorização do bem entre o momento da “entrada” e o momento da “saída”, sob o ponto de vista contabilístico verifica-se uma mais-valia. No caso de o bem ser alienado a título oneroso, essa mais-valia contabilística gera liquidez. Já na hipótese de o bem não ser objeto de alienação a título oneroso, mas apenas afeto a fins alheios à atividade exercida, sem sair da titularidade jurídica do mesmo sujeito passivo, a mais-valia verificada não gera liquidez, mas tem existência real na contabilidade, por isso, numa lógica de categoria B, sendo considerada como um proveito (a par dos restantes proveitos gerados pela atividade, com a especificidade de permitir a consideração das menos-valias), vai ser tida em conta para efeitos de tributação, ainda que constitua apenas um “paper gain”»
Concluindo-se que “o ganho, caso se verifique, apesar de latente, não é inexistente”.
De onde decorre que, como decidido pelo Tribunal Constitucional, o regime fiscal em vigor à data dos factos em causa nos autos não é inconstitucional, representando apenas “um outro modo de regular a desejável separação entre a esfera pessoal e a esfera empresarial – essa opção legislativa só seria jurídico-constitucionalmente censurável se a Lei Fundamental obrigasse sempre e em todo o caso à tributação com base na efetiva perceção do rendimento (…) ou se a tributação nesses termos originasse um tratamento desigual injustificado (…)”, o que não sucede in casu.
Tudo para concluir não se afigurarem razões para um juízo de censura jurídico constitucional das normas contidas nos artigos 3º nº 2 c) e 29º nº 3, ambas do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, quando interpretadas no sentido de que a mera transferência de bens do património empresarial para o património pessoal do mesmo sujeito passivo constitui facto tributável no âmbito da categoria B.
Encontrando-se o tribunal arbitral vinculado à decisão proferida pelo Tribunal Constitucional (artigo 80º nº 2 da LTC), impõe-se a reforma da decisão proferida quanto ao enquadramento efetuado pela AT do rendimento proveniente da desafetação do Prédio 1 da atividade empresarial do Requerente marido e transferência para o património pessoal dos Requerentes.
Assim, não exigindo a Lei Fundamental – como se concluiu no Acórdão nº 737/2023, proferido no âmbito do processo 806/2022 - que as mais-valias apenas sejam tributadas no momento em que se gera a liquidez, nenhum reparo haverá a fazer ao enquadramento efetuado pela AT, devendo o rendimento proveniente de tal transferência ser tributado em sede de categoria B.
Não merece, pois, censura a liquidação de IRS impugnada, na parte respeitante ao enquadramento do rendimento proveniente da desafetação do Prédio 1 da atividade empresarial do Requerente marido e transferência para o património pessoal dos Requerentes, devendo manter-se na ordem jurídica.
Também a liquidação dos respetivos juros compensatórios respeitantes a esta parte da liquidação de IRS se deverá manter, já que foi por facto imputável ao contribuinte que se verificou retardamento da liquidação - cfr. artigo 35º nº 1 da LGT.
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Da indemnização por prestação de garantia indevida.
A indemnização pelo pagamento de garantia indevida encontra-se prevista no artigo 53º nº 1 da LGT, que prevê que “o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida”, prescrevendo o nº 2 do mesmo preceito que “o prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.
Do exposto resulta claro que o direito a tal indemnização pelos prejuízos implica a montante não só a instauração de um processo de execução fiscal, bem como a inerente prestação de garantia na sequência da instauração desse mesmo processo.
No caso dos autos, conforme resulta da matéria de facto provada – cfr. pontos 10 e 11 -, a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios respeitante ao exercício de 2018 não foi paga pelos Requerentes, tendo sido, em consequência, instaurado processo de execução fiscal e tendo os Requerentes, com vista à sua suspensão, prestado garantia bancária, em 21/12/2020.
No entanto, para que se constitua na esfera jurídica do contribuinte o direito à indemnização por garantia indevida, é necessário que a pretensão deste venha a ter acolhimento, em sede de “recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida”.
O que, in casu, não se verifica, já que, como vimos, por força da decisão proferida pelo Tribunal Constitucional, a pretensão dos Requerentes não obteve vencimento.
Assim, não se encontra a AT obrigada a indemnizar os Requerentes pela prestação de garantia indevida.
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DISPOSITIVO:
Em face do exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:
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julgar improcedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação de IRS e de juros compensatórios respeitante ao exercício de 2018, na parte respeitante ao acréscimo aos rendimentos da categoria B do montante de € 48.750,00;
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julgar improcedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação de IRS e de juros compensatórios respeitante ao exercício de 2018, na parte respeitante ao acréscimo aos rendimentos da categoria B do montante de € 29.252,97;
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julgar improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida.
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Fixa-se o valor do processo em € 27.431,41, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pelos Requerentes, por serem a parte vencida.
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Lisboa, 21 de fevereiro de 2024.
O Árbitro,
Alberto Amorim Pereira
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 242/2021-T
Tema: IRS – aquisição de imóveis para revenda. Transferência entre esfera empresarial e pessoal do mesmo sujeito passivo.
*Substituída pela decisão arbitral de 21 de fevereiro de 2024
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SUMÁRIO:
I. A declaração, no momento da aquisição de imóvel, que o mesmo se destina a revenda determina a sua imediata afetação à atividade profissional ou empresarial do adquirente.
II. A transferência do património entre a esfera empresarial e pessoal do mesmo sujeito passivo não constitui facto tributável, por não se verificar qualquer acréscimo da capacidade contributiva, que apenas existirá no momento em que o património for alienado a terceiros.
III. Verificando-se que as normas constantes dos artigos 3º nº 2 c) e 29º nº 3, ambas do CIRS, quando interpretadas no sentido de que a mera transferência de bens do património empresarial para o património pessoal do mesmo sujeito passivo constitui facto tributável no âmbito da categoria B, violam o princípio constitucional da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, impõe-se que o tribunal se abstenha de as aplicar, suspendendo a sua força vinculativa no caso concreto.
Decisão Arbitral
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RELATÓRIO:
A…, titular do número de identificação fiscal … e B…, titular do número de identificação fiscal …, casados entre si, doravante simplesmente designados Requerentes, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa nº …, com a consequente anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) nº 2020 … e do ato de liquidação de juros moratórios nº 2020 … no valor, respetivamente, de € 28.124,22 e € 946,20, bem como da respetiva demonstração de acerto de contas nº 2020 …, no montante de € 27.431,41, com as devidas consequências legais, designadamente o pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida.
Para fundamentar o seu pedido alegam, em síntese:
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Os Requerentes adquiriram, com declaração de revenda e beneficiando da consequente isenção de pagamento de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), os seguintes prédios:
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Prédio 1: fração autónoma designada pela letra “B”, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da União de freguesias de Coimbra, adquirido em 03/02/2017, pelo preço de € 195.019,82; e
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Prédio 2: prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de Santo António dos Olivais, adquirido em 14/02/2017, pelo preço de € 199.210,03 e alienado em 18/06/2018, pelo preço de € 325.000,00;
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À data da aquisição dos prédios 1 e 2, o Requerente marido encontrava-se inscrito na atividade de compra e venda de bens imóveis, que cessou em 16/11/2018;
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No ano de 2020, os Requerentes foram objeto de um procedimento de inspeção tributária, que culminou com a correção dos elementos declarados relativos ao exercício de 2018, com a consequente alteração do rendimento coletável de € 14.556,38, para € 86.210,97;
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A AT considerou que, com a cessação da atividade do Requerente marido, o Prédio 1, que não havia sido alienado, foi transferido do património da empresa para a esfera pessoal dos Requerentes, razão pela qual efetuou uma correção no montante de € 29.252,57, que acresceu aos rendimentos da categoria B;
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E que as mais-valias geradas com a alienação do Prédio 2 deveriam ser tributadas como rendimento da categoria B e não como rendimento da categoria G;
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E, em consequência, emitiu a liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios impugnadas;
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Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa dos atos de liquidação adicional de IRS e juros compensatórios relativos ao exercício de 2018, a qual veio a ser indeferida por ofício datado de 08/01/2021;
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O Requerente marido nunca afetou nenhum dos imóveis adquiridos à sua atividade empresarial;
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Nem nunca praticou, quanto a estes, qualquer ato de comércio suscetível de consubstanciar uma afetação dos mesmos à atividade empresarial;
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O Prédio 1 esteve, nos exercícios de 2017 e 2018, arrendado, tendo as respetivas rendas sido declaradas pelos Requerentes na categoria F do IRS;
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O Relatório de Inspeção Tributária que esteve na origem das liquidações impugnadas padece de falta de fundamentação;
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A AT não logrou demonstrar os factos constitutivos do seu direito de tributar, nem afastar a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, prevista no artigo 75º da LGT;
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As liquidações impugnadas violam o princípio da capacidade contributiva;
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Os Requerentes não pagaram as liquidações efetuadas na sequência da inspeção tributária, o que motivou a instauração, por parte da AT, de um processo de execução fiscal com vista à sua cobrança coerciva;
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Com vista a suspender os efeitos do processo executivo instaurado, os Requerentes prestaram garantia bancária, inicialmente pelo valor de € 35.097,49 e entretanto reforçada para o valor de € 37.378,00.
Os Requerentes juntaram 12 documentos e não arrolaram testemunhas.
No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes optaram por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
O tribunal arbitral foi constituído em 05 de julho de 2021.
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando, em síntese:
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Os prédios em causa nos autos foram adquiridos com uma finalidade pré-definida, a revenda, o que corresponde a um ato típico da atividade profissional exercida pelo Requerente marido, ou seja, a compra e venda de imóveis;
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O Relatório de Inspeção Tributária que esteve na origem das liquidações impugnadas encontra-se devidamente fundamentado, sendo que, da argumentação dos Requerentes se verifica que estes não tiveram dificuldade na apreensão dos motivos que levaram a AT à prática do ato;
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As declarações apresentadas pelos Requerentes não se encontram em conformidade com os elementos de que a AT dispõe, pelo que, in casu, se verifica inversão do ónus da prova, cabendo aos Requerentes a prova dos factos por si invocados;
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A AT limitou-se a aplicar a lei em vigor à data dos fatos, em obediência ao princípio da legalidade e da igualdade, pelo que não se verifica qualquer violação do princípio da capacidade contributiva.
Conclui, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado nenhuma testemunha.
Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, tendo ambas as partes apresentado alegações escritas, nas quais reiteraram o teor dos seus anteriores articulados.
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SANEAMENTO:
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
Não existem nulidades que invalidem o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.
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QUESTÕES A DECIDIR:
Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre determinar:
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se o Relatório de Inspeção Tributária em causa nos autos padece do vicio de falta de fundamentação ou se a mesma é insuficiente;
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sobre quem impende o ónus da prova dos factos em causa nos autos;
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se a aquisição dos Prédios em causa nos autos, com declaração de revenda, determina a sua automática afetação ao património empresarial do Requerente marido;
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se o enquadramento jurídico-fiscal dos rendimentos gerados pelos prédios efetuado pela AT padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
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se as liquidações impugnadas violam o princípio da capacidade contributiva;
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se a AT se encontra constituída na obrigação de indemnizar os Requerentes, por prestação de garantia indevida.
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MATÉRIA DE FACTO:
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Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:
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Os Requerentes adquiriram, com declaração de revenda e beneficiando da consequente isenção de pagamento de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), os seguintes prédios:
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Prédio 1: fração autónoma designada pela letra “B”, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da União de freguesias de Coimbra, adquirido em 03/02/2017, pelo preço de € 195.019,82; e
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Prédio 2: prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de Santo António dos Olivais, adquirido em 14/02/2017, pelo preço de € 199.210,03;
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À data da aquisição dos prédios 1 e 2, o Requerente marido encontrava-se inscrito na atividade de compra e venda de bens imóveis, que cessou em 16/11/2018;
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Nos exercícios de 2017 e 2018, os Requerentes não declararam a afetação dos Prédios 1 e 2 à atividade empresarial ou profissional, através da respetiva inscrição no quadro 8 do anexo B das correspondentes declarações de rendimentos;
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O Prédio 1 esteve, nos exercícios de 2017 e 2018, arrendado, tendo as respetivas rendas sido declaradas pelos Requerentes como rendimento da categoria F do IRS;
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À data da cessação da atividade do Requerente marido, o Prédio 1 não havia sido alienado;
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O Prédio 2 foi alienado em 18/06/2018, pelo preço de € 325.000,00, tendo tal alienação sido declarada pelos Requerentes como rendimentos da categoria G do IRS;
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Os Requerentes foram objeto de um procedimento de inspeção tributária, que culminou com a correção dos elementos declarados relativos ao exercício de 2018, com a consequente alteração do rendimento coletável de € 14.556,38, para € 86.210,97;
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A AT procedeu à liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, da qual resultou o valor a pagar pelos Requerentes de € 27.431,41;
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Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa dos atos de liquidação adicional de IRS relativos ao exercício de 2018, a qual veio a ser indeferida por ofício datado de 08/01/2021;
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Os Requerentes não pagaram o valor constante das liquidações de IRS e juros compensatórios, pelo que a AT instaurou execução com vista à sua cobrança coerciva;
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Com vista a suspender a execução, os Requerentes prestaram garantia bancária, em 21/12/2020, inicialmente pelo valor de € 35.097,49 e entretanto reforçada para o valor de € 37.378,00;
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O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral deu entrada em 23/04/2021.
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Factos não provados
Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou.
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Fundamentação da matéria de facto
A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base os elementos constantes dos autos, a prova documental junta pelas partes e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.
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DO DIREITO:
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Da alegada falta/insuficiência de fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária:
Começam os Requerentes por invocar que o Relatório da Inspeção Tributária padece do vício de falta/insuficiência de fundamentação, o que, segundo defendem, impõe a anulação dos atos de liquidação impugnados.
Para o efeito invocam, em síntese, que a AT se limitou a elencar meros juízos conclusivos, o que não permite ao destinatário do ato, in casu, aos Requerentes ficar cientes do iter volitivo da administração tributária no que concerne à determinação do imposto em falta.
Mais invocam que só com a indicação de todas as razões, de facto e de direito, poderiam os Requerentes, em consciência, aferir da legalidade dos argumentos invocados pela AT e, assim, optar pela contestação ou acatamento dos atos de liquidação.
A AT, por seu turno, defende de nenhum vício de falta ou insuficiência de fundamentação padecer o Relatório de Inspeção Tributária, sendo certo que da argumentação dos Requerentes se verifica que estes não tiveram dificuldade na apreensão dos motivos que levaram a AT à prática do ato.
A propósito da fundamentação, dispõe o número 1 do artigo 77º da LGT que “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
Por seu turno, nos termos do disposto no número 2 do mesmo preceito “a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
A lei impõe o dever de fundamentação, enquanto direito consagrado e constitucionalmente garantido dos cidadãos (artigo 268º nº 3, da Constituição da República Portuguesa) e ato definidor da posição da Administração Tributária perante os particulares, do qual se consegue inferir o raciocínio lógico seguido por esta para decidir no sentido em que decidiu e não noutro.
O dever de fundamentação permite, assim, a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, de modo a que aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
É precisamente por tal razão que o artigo 77.º nº 2 da Lei Geral Tributária impõe que a decisão do procedimento contenha “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”, pois que apenas desta forma pode o sujeito passivo do imposto apreender a razão de ser do ato tributário e ponderar as reações ao mesmo.
Analisado o teor do Relatório de Inspeção Tributária, verifica-se que a AT, em cumprimento da obrigação de fundamentação, expôs, de forma, aliás, circunstanciada, as razões de facto e de direito que motivaram a prática do ato e indicou as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Aliás, não pode deixar de se referir, conforme bem frisa a Requerida, que, atendendo à exposição de factos e à fundamentação utilizada pelos Requerentes, resulta claro que estes perceberam exatamente qual o caminho traçado pela AT para a liquidação do imposto em causa nos presentes autos, pelo que sempre se teria de entender ultrapassado o vício formal invocado de falta de fundamentação.
A este propósito, decidiu o STA que “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido (…)”.
Se estes pressupostos e razões correspondem ou não à realidade é questão que tem a ver com o mérito e já não com a forma e que, portanto, se coloca numa outra dimensão de que não cumpre, neste ponto, conhecer.
Improcede, assim, o vício de falta/insuficiência de fundamentação invocado pelos Requerentes.
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Do ónus da prova:
No que diz respeito ao ónus da prova, defendem os Requerentes que é sobre a AT que impende o ónus da prova dos fatos constitutivos do seu direito, prova essa que não logrou efetuar.
Ao invés, defende a AT que, as declarações apresentadas pelos Requerentes não se encontram em conformidade com os elementos de que a AT dispõe, pelo que, in casu, se verifica inversão do ónus da prova, cabendo aos Requerentes a prova dos factos por si invocados.
O ónus da prova encontra-se previsto no artigo 74º da LGT, cujos números 1 e 2 dispõem:
“1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
2 - Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correta identificação junto da administração tributária”.
Por seu turno, dispõem os números 1 e 2 do artigo 75º da LGT:
“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica previstos na presente lei.
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A”.
No caso dos autos, a AT tem em seu poder as escrituras que titulam a aquisição pelos Requerentes dos Prédios 1 e 2, das quais constam a declaração expressa de que ambos se destinavam a revenda, assim beneficiando da isenção de pagamento de IMT, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 7º nº 1 do CIMT.
Ora, da declaração de rendimentos apresentada pelos Requerentes relativa ao exercício de 2018, verifica-se que estes declararam os rendimentos provenientes da venda do Prédio 2, ocorrida em 18/06/2018, como rendimento da categoria G e não como rendimento da categoria B.
Resulta ainda da mesma declaração que os Requerentes não declararam a aquisição do Prédio 1, por via da afetação ao património pessoal dos Requerentes, ocorrida em face da cessação da atividade empresarial do Requerente marido nesse mesmo exercício de 2018.
De onde resulta que a declaração efetuada pelos Requerentes aquando da apresentação da declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2018 não se encontra em conformidade com os elementos de prova de que a AT dispõe - in casu, as escrituras públicas de compra dos Prédios 1 e 2.
Pelo que dúvidas não restam de que, nesta hipótese, se verifica, a favor da AT, a inversão do ónus da prova, impendendo assim, sobre os Requerente a prova da veracidade dos factos declarados na declaração de rendimentos e não sobre a AT a prova da sua falsidade.
Improcede, pois, também nesta parte, o alegado pelos Requerentes.
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Da afetação resultante da aquisição para revenda:
No âmbito da terceira questão elencada como decidenda, defendem os Requerentes que o facto de terem declarado no respetivo título aquisitivo que os Prédios 1 e 2 se destinavam a revenda não determina, sem mais, a sua afetação ao património empresarial do Requerente marido.
Em defesa da sua tese invocam que o Requerente marido (i) nunca afetou nenhum dos imóveis adquiridos à sua atividade empresarial, designadamente através do preenchimento do quadro 8 do anexo B da declaração de rendimentos; (ii) nunca praticou, quanto a estes prédios, qualquer ato de comércio suscetível de consubstanciar uma afetação dos mesmos à atividade empresarial e (iii) nos exercícios de 2017 e 2018, o Prédio 1 esteve arrendado, tendo as respetivas rendas sido declaradas como rendimentos da categoria F.
O que, aliás, veio a ser julgado provado - cfr. pontos 3) e 4) da matéria de facto provada.
Por seu turno, defende a AT que o facto de os Prédios terem sido adquiridos com declaração expressa de se destinarem a revenda determina a sua afetação automática ao património empresarial do Requerente marido.
Com o que desde já adiantamos concordar.
Desde logo porque a aquisição dos imóveis com destino à sua revenda, que permite beneficiar da isenção de pagamento do IMT, apenas é possível justamente porque o adquirente se encontra inscrito na atividade de compra e venda de imóveis, não se tratando de possibilidade aberta a todo e qualquer contribuinte.
Note-se que o objetivo pretendido pelo legislador com esta isenção é o de sujeitar os ganhos obtidos na atividade de revenda de prédios à disciplina do imposto sobre o rendimento, tributação considerada, neste caso, mais perfeita do que a que resultaria do IMT “pois entra em linha de conta com os proveitos e os custos respetivos, procurando atingir o lucro real. Além disso, os prédios adquiridos para revenda fazem parte do ativo permutável da empresa (mercadorias) e não do seu imobilizado (capital), o que aponta para a sua tributação como rendimento e não como transmissão de capital” - cfr. FRANCISCO PINTO FERNANDES E JOSÉ CARDOSO DOS SANTOS, in “Código da SISA e do Imposto sobre as Sucessões e Doações Anotado e Comentado”, Volume I, INCM, página 225.
A tese defendida pelos Requerentes não encontra respaldo nem na letra nem no espírito da lei, sendo ostensivamente contrário aos princípios da boa fé e da igualdade tributária defender que um contribuinte pudesse declarar a aquisição com destino à revenda, assim beneficiando da isenção de pagamento do IMT e posteriormente, em função daquilo que lhe fosse fiscalmente mais conveniente, optar por afetar ou não à atividade tal aquisição.
É certo que a aquisição com destino à revenda não determina uma verdadeira isenção do pagamento de IMT, tratando-se apenas de uma suspensão do seu pagamento, cuja exigência ou dispensa fica condicionada à verificação de determinados pressupostos.
Mas ainda que tal pagamento viesse a ser exigido, sempre tal configuraria uma violação do principio da igualdade tributária, por permitir que um determinado contribuinte que se encontra inscrito na atividade de compra e venda de imóveis possa postergar o pagamento do imposto para um momento que lhe seja mais conveniente, ao passo que um contribuinte que não se encontre inscrito nessa atividade não teria possibilidade de o fazer, sendo obrigado a pagar o respetivo imposto no momento da aquisição do imóvel.
Assim, e pese embora, por um lado, tenha resultado provado que os Requerentes não declararam, através do preenchimento do quadro 8 do anexo B da respetiva declaração de rendimentos, a afetação dos imóveis adquiridos à atividade profissional ou empresarial do Requerente marido e, por outro lado, não tenha resultado provado que, para além da declaração efetuada aquando da sua aquisição, o Requerente marido tenha praticado, quanto aos Prédios 1 e 2, qualquer ato de comércio suscetível de consubstanciar uma afetação dos mesmos à atividade empresarial, a verdade é que a simples declaração, no momento da aquisição e no respetivo título, que os imóveis adquiridos se destinam à sua revenda consubstancia, para todos os efeitos, uma verdadeira afetação dos imóveis à atividade empresarial do Requerente marido.
De onde resulta que, ao contrário do defendido pelos Requerentes, a aquisição do imóvel com destino à sua revenda configura uma verdadeira declaração de afetação do imóvel à atividade empresarial ou profissional do adquirente, que ocorreu no momento da respetiva aquisição.
Não havendo, por isso, qualquer reparo a fazer, neste ponto, ao Relatório de Inspeção Tributária que esteve na origem das liquidações impugnadas.
E se assim foi, naturalmente que a cessação da atividade por parte do Requerente marido determinou a imediata e automática afetação do Prédio 1 à sua esfera pessoal.
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Do invocado erro sobre os pressupostos de facto e de direito:
No âmbito da quarta questão decidenda, defendem os Requerentes, em defesa da sua tese, em síntese, que, uma vez que os Prédios dos autos não foram afetos à atividade profissional do Requerente marido, tendo-se mantido na sua esfera pessoal, os rendimentos por si gerados não podem ser tributados como rendimentos empresariais.
Assim, segundo defendem, os rendimentos provenientes da alienação do Prédio 2 foram corretamente declarados no anexo G da respetiva declaração de rendimentos do exercício de 2018.
Sendo que, quanto ao Prédio 1, a cessação da atividade empresarial do Requerente marido não determinou a sua transferência para o património pessoal dos Requerentes, de onde nunca saiu, razão pela qual tal cessação da atividade não determina qualquer rendimento suscetível de ser tributado como categoria B.
A AT, ao invés, por considerar que ambos os imóveis foram, no momento da aquisição, afetos à atividade empresarial do Requerente marido, defende deverem os rendimentos por eles gerados ser tributados como rendimentos empresariais e não como rendimentos pessoais dos Requerentes.
Conforme resulta do já decidido, a aquisição dos imóveis com destino à sua revenda configura uma verdadeira declaração de afetação do imóvel à atividade empresarial ou profissional do adquirente.
Pelo que, os imóveis em causa nos autos foram afetos, no momento da respetiva aquisição, à atividade empresarial ou profissional do Requerente marido, tendo o Prédio 1 ingressado na esfera pessoal dos Requerentes por efeito da cessação da atividade do Requerente marido.
A apreciação da questão a decidir impõe a prévia determinação da subsunção jurídico-fiscal, em relação ao Prédio 1, da sua desafetação da respetiva atividade empresarial do Requerente marido e afetação ao património pessoal do empresário e, quanto ao Prédio 2, da sua alienação em momento anterior à cessação da atividade.
Vejamos:
A este propósito cumpre convocar o regime jurídico aplicável aos rendimentos da categoria B, em vigor à data dos factos.
Nos termos do disposto no artigo 3º nº 1 do CIRS, consideram-se, entre outros, rendimentos empresariais e profissionais os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária.
Por seu turno, prescreve o nº 2 c) do mesmo artigo que se consideram ainda rendimentos da categoria B “as mais-valias apuradas no âmbito das atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, definidas nos termos do artigo 46.º do Código do IRC, designadamente as resultantes da transferência para o património particular dos empresários de quaisquer bens afetos ao ativo da empresa”.
Quanto à imputação, prescreve o artigo 29º nº 1 do CIRS que na determinação do rendimento só são considerados proveitos e custos os relativos a bens ou valores que façam parte do ativo da empresa individual do sujeito passivo ou que estejam afetos às atividades empresariais e profissionais por ele desenvolvidas, sendo que, conforme decorre do nº 3 da mesma norma, no caso de transferência para o património particular do sujeito passivo de bens afetos à sua atividade empresarial e profissional, o valor dos bens corresponde ao valor de mercado dos mesmos à data da transferência.
Visto este enquadramento, parece claro que bem andou a AT no enquadramento que fez dos rendimentos provenientes dos Prédios 1 e 2.
Com efeito, tratando-se ambos os prédios de ativo da empresa, não há dúvidas que os rendimentos gerados por estes se enquadram na categoria B.
Assim, quanto ao rendimento proveniente da alienação do Prédio 2, ocorrida em 18/06/2018, dúvidas não restam de que o mesmo deverá ser considerado como rendimento profissional ou empresarial, tributado, em consequência, como rendimento da categoria B.
Da mesma forma, a transferência do Prédio 1 para o património pessoal dos Requerentes, por efeito da cessação da atividade profissional do Requerente marido, constitui rendimento profissional ou empresarial, devendo, em consequência, ser tributado como rendimento da categoria B e não como rendimento da categoria G, como defendido pelos Requerentes.
Sendo neste caso o valor a considerar o respetivo valor de mercado à data da transferência, isto é, à data da cessação da atividade do Requerente marido, conforme decorre do disposto no artigo 29º nº 3 do CIRS, o qual não poderá ser inferior ao respetivo valor patrimonial tributário.
Pelo que, também neste aspeto nenhum reparo merece o ato praticado pela Autoridade Tributária.
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Da alegada violação do principio da capacidade contributiva:
Sobre esta questão defendem os Requerentes que a afetação e desafetação de bens entre diferentes esferas patrimoniais do mesmo sujeito passivo não envolve qualquer entrada financeira ou em espécie a favor desse sujeito passivo, não passando os correspondentes ganhos de meras ficções de ganhos calculados com recurso ao valor de mercado do bem à data da desafetação.
O que, de acordo com os Requerentes, viola o princípio da capacidade contributiva, pois que tributa um ganho meramente potencial ou latente.
Com o que a AT não concorda, defendendo na resposta apresentada que as liquidações impugnadas foram efetuadas no estrito cumprimento do princípio da igualdade, ao qual a AT se encontra vinculada e que se concretiza, por um lado, na proibição do arbítrio e da discriminação e, por outro, na obrigação de diferenciação.
Salientando ainda que, no prosseguimento das suas atribuições, não compete à AT tecer considerandos acerca de qualquer eventual inconstitucionalidade das normas tributárias, que se limita a aplicar.
Conforme é sabido, o princípio da igualdade tributária ou impositiva comporta duas vertentes: a da “generalidade” (todos estão obrigados ao pagamento de impostos) e a da “uniformidade” (a repartição dos impostos obedece ao mesmo critério para todos).
Ora, o princípio da capacidade contributiva, enquanto “capacidade de gastar” (ability to pay) pretende ser a expressão dessa segunda vertente do princípio da igualdade na tributação — e traduz a ideia ou a conceção segundo a qual a incidência dos impostos deve ter como critério o património ou o rendimento dos contribuintes, segundo o grau de intensidade em função desses fatores - cfr. JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, “O princípio da capacidade contributiva no constitucionalismo português e na jurisprudência do Tribunal Constitucional”, in BOLETIM DE CIÊNCIAS ECONÓMICAS LVII / I (2014) pág. 1159.
Partindo destas premissas, vejamos se as liquidações impugnadas violam o princípio da capacidade contributiva, como defendido pelos Requerentes.
Por se tratar de realidades distintas, analisaremos de forma separada o enquadramento fiscal de cada um dos prédios.
Assim,
Começando pelo Prédio 2, alienado em 18/06/2018 pelo valor de € 325.000,00, considerou a AT que os rendimentos provenientes da sua venda foram auferidos no âmbito da atividade profissional do Requerente marido, pelo que devem ser tributados como rendimentos da categoria B e não como rendimentos da categoria G, como declarado pelos Requerentes.
Assim, por aplicação do coeficiente de 0,15, previsto no artigo 31º nº 1 a) do CIRS, ao valor da alienação (€ 325.000,00) apurou um rendimento tributável de € 48.750,00, que acresceu aos rendimentos da categoria B.
Quanto a este enquadramento, não se vislumbra que o mesmo seja passível de violar o princípio da capacidade contributiva, já que este prédio, adquirido, como dito foi, com destino a revenda, ficou automaticamente afeto à atividade empresarial no Requerente marido. E, se se encontrava afeto a tal atividade, a sua venda não poderá deixar de se considerar como verificada no âmbito desta atividade.
Pelo que, quanto ao Prédio 2, bem andou a AT em enquadrar o rendimento proveniente da sua alienação como rendimento da categoria B, não merecendo a liquidação de IRS impugnada, na parte respeitante a este enquadramento, qualquer censura, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.
Em consequência, também a liquidação dos respetivos juros compensatórios respeitantes a esta parte da liquidação de IRS se deverá manter, já que foi por facto imputável ao contribuinte que se verificou retardamento da liquidação - cfr. artigo 35º nº 1 da LGT.
No que diz respeito ao Prédio 1, considerou a AT que a sua desafetação da atividade empresarial do Requerente marido e consequente transferência para o património pessoal dos Requerentes também constitui um rendimento empresarial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3º nº 2 c) do CIRS, pelo que devem igualmente ser tributados como rendimentos da categoria B.
Assim, por aplicação do referido coeficiente de 0,15, previsto no artigo 31º nº 1 a) do CIRS, ao valor patrimonial tributário (€ 195.019,82), apurou um rendimento tributável de € 29.252,97, que também acresceu aos rendimentos da categoria B.
Enquadramento este com o qual, no entanto, não concordamos.
Com efeito, ao contrário do defendido pela AT, não se vislumbra que a afetação e desafetação do imóvel a diferentes esferas patrimoniais do mesmo sujeito passivo seja suscetível de demonstrar qualquer acréscimo da capacidade contributiva.
Não se ignora que, à data da afetação do Prédio 1 ao património pessoal dos Requerentes, o sistema fiscal vigente ficcionava que tal transferência constituía uma manifestação de capacidade contributiva.
No entanto, entendemos que tal ficção não poderá ter acolhimento, por manifestamente violadora do princípio constitucional da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, já que a mera transferência de património entre esferas patrimoniais distintas do mesmo sujeito passivo não consubstancia verdadeira transmissão de bens, a qual apenas se materializará com a venda do imóvel a um terceiro, fora do contexto de afetação e desafetação entre as esferas patrimoniais do mesmo sujeito passivo.
Note-se, ademais, que, no âmbito do regime vigente à data dos factos, a transferência de património da esfera pessoal para a empresarial constituía facto tributável no âmbito da categoria G, ficando, no entanto, a mais-valia e respetiva exigibilidade do imposto suspensa até à alienação do imóvel a terceiro. E isto era assim precisamente porque o legislador entendia, e bem, que apenas nesse momento se verificava uma verdadeira transmissão de bens e consequente aumento da capacidade contributiva do contribuinte.
E se isto era assim no âmbito da transferência da esfera pessoal para a empresarial, não se vislumbram razões que justifiquem que o regime aplicável à transferência da esfera empresarial para a pessoal deva ser diverso.
Aliás, o próprio legislador ter-se-á apercebido desta incongruência, o que terá motivado a alteração do respetivo regime, com a publicação da LOE 2021 (Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro), passando então a transferência de património da esfera empresarial para a esfera pessoal a ser fiscalmente neutra, apenas sendo tributável a posterior alienação do imóvel a terceiro, justamente por ser apenas aquando dessa alienação que se verifica um verdadeiro aumento do rendimento do sujeito passivo e da sua capacidade contributiva.
Assim, por se entender que as normas constantes dos artigos 3º nº 2 c) e 29º nº 3, ambas do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, quando interpretadas no sentido de que a mera transferência de bens do património empresarial para o património pessoal do mesmo sujeito passivo constitui facto tributável no âmbito da categoria B, viola o princípio constitucional da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, decide-se pela não aplicação das referidas normas do CIRS, suspendendo a sua força vinculativa no caso concreto.
Pelo que, o ato de liquidação de IRS em causa, na parte em que tributa como rendimento da categoria B a transferência do Prédio 1 para o património pessoal dos Requerentes, acrescendo aos respetivos rendimentos o valor de € 29.252,97, é ilegal, devendo por via disso ser parcialmente anulado.
Em consequência, também a liquidação dos respetivos juros compensatórios respeitantes a esta parte da liquidação de IRS não poderá manter-se na ordem jurídica, já que, quanto a esta, não houve qualquer retardamento da liquidação, que se verifica não ser, afinal, devida - cfr. artigo 35º nº 1 da LGT.
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Da indemnização por prestação de garantia indevida.
A indemnização pelo pagamento de garantia indevida encontra-se prevista no artigo 53º nº 1 da LGT, que prevê que “o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida”, prescrevendo o nº 2 do mesmo preceito que “o prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.
Do exposto resulta claro que o direito a tal indemnização pelos prejuízos implica a montante não só a instauração de um processo de execução fiscal, bem como a inerente prestação de garantia na sequência da instauração desse mesmo processo.
No caso dos autos, conforme resulta da matéria de facto provada – cfr. pontos 10 e 11 -, a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios respeitante ao exercício de 2018 não foi paga pelos Requerentes, tendo sido, em consequência, instaurado processo de execução fiscal e tendo os Requerentes, com vista à sua suspensão, prestado garantia bancária, em 21/12/2020.
Atenta a data da prestação da garantia, verifica-se que esta não foi prestada há mais de 3 anos.
Por outro lado, pese embora a parcial procedência da presente impugnação, a verdade é que não se poderá defender, para este efeito, ter havido erro imputável aos serviços, que, em bom rigor, se limitaram a aplicar a lei vigente à data dos factos, não lhes sendo lícito, atento o principio da vinculação das autoridades administrativas a que estão sujeitos, optar, in casu, pela não aplicação, ainda que parcial, das normas de incidência.
Assim, não se encontra a AT obrigada a indemnizar os Requerentes pela prestação de garantia indevida.
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DISPOSITIVO:
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:
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julgar improcedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação de IRS e de juros compensatórios respeitante ao exercício de 2018, na parte respeitante ao acréscimo aos rendimentos da categoria B do montante de € 48.750,00;
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julgar procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação de IRS e de juros compensatórios respeitante ao exercício de 2018, na parte respeitante ao acréscimo aos rendimentos da categoria B do montante de € 29.252,97;
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julgar improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida.
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Fixa-se o valor do processo em € 27.431,41, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pelos Requerentes e pela Requerida, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 62,50% para os Requerentes e 37,50% para a Requerida.
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Notifique-se o representante do Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento da impugnação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º nº 3 do RJAT.
Lisboa, 04 de maio de 2022.
O Árbitro,
Alberto Amorim Pereira