Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 770/2020-T
Data da decisão: 2022-03-16  IVA  
Valor do pedido: € 1.187.933,98
Tema: IVA - Prestações de serviços - Nutrição e/ou consultas de dietéticas prestados em ginásios - Isenção do artº 9º, 1) do CIVA - Operação económica única composta por vários elementos.
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SUMÁRIO: I - Trata-se de forma complementar ou acessória do núcleo essencial dos serviços prestados por ginásios ou de entidades dedicadas a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividade desportivas, aquela que é aí  disponibilizada por profissionais na área da dietética ou da nutrição e que são contratados pelos ginásios  para melhor  acompanhamento dos seus clientes que o desejarem  II - Essa atividade complementar ou acessória dos serviços prestados pelos ginásios, sem finalidade terapêutica, não beneficia da isenção a que alude o artigo 9º, 1), do Código do IVA.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Dr. Henrique Fernando Rodrigues e Dr. Nuno Maldonado Sousa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 21 de maio de 2021, acordam no seguinte:

 

 

I.                     Relatório

 

A..., S.A., pessoa coletiva e contribuinte nº ..., com sede na Rua ..., ..., ..., ..., ...-... ..., (adiante apenas Requerente), veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de tribunal arbitral.

 

A Requerente pretende que o Tribunal declare a ilegalidade e consequente anulação do ato tributário de liquidação de IRC e consequente reposição dos prejuízos fiscais, e dos atos tributários de liquidação de IVA, e respetivos juros compensatórios, emitidos e notificados na sequência da ação de inspeção aos exercícios de 2016, no montante total de 1.187.933,98 Euros.

Subsidiariamente, a Requerente invoca que, caso os serviços de nutrição fossem tributados em IVA, o cálculo do imposto devia ser feito “por dentro”, considerando-se o IVA incluído no preço final que foi praticado com os clientes, que são consumidores finais.

Alega a Requerente que a AT, “erradamente, considera que alguns serviços de nutrição praticados pela Requerente não se subsumem no artigo 9º. alínea 1) do Código do IVA, às declarações de IVA mensais entregues pela Requerente do ano de 2016, para além de consequências ao nível de IRC”.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT”).

 

Em 21 de maio de 18 de dezembro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT, em 21 de dezembro 2020.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes, notificadas dessa designação em 3 de maio de 2021, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 21 de maio de 2021.

 

Em 30 de junho de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido e juntou o processo administrativo.

 

Alegou a AT, no que respeita à prestação dos serviços de nutrição, por um lado, que não se verifica a finalidade terapêutica e como tal, não beneficiam da isenção constante da al. 1) do artigo 9.º do CIVA, e, por outro, que os serviços de nutrição em apreço são  acessórios dos serviços de ginásio e, deste modo, com o mesmo enquadramento tributário, em sede de IVA. 

 

Por despacho de 22 de setembro de 2021, o Tribunal Arbitral considerou desnecessária a realização da reunião com as partes e a inquirição de testemunhas.

 

Por Requerimento apresentado em 23 de junho de 2021 foi pedida a ampliação do pedido, sendo este “incidente” totalmente indeferido por despacho oportunamente proferido.

 

Continuando a tramitação do processo, o Tribunal notificou as partes para alegações finais, escritas sucessivas, que ambas apresentaram, mantendo no essencial, as posições anteriormente assumidas.

 

Por despacho de 22 de setembro de 2021 fixou-se o dia 22 de novembro de 2021, como data-limite para a decisão final e, ulteriormente, por despachos de 11-11-2021 e 18-01-2022,  foi fundadamente  prorrogado o prazo para prolação e notificação da decisão arbitral final, previsto no artigo 21º, do RJAT.

 

II.            Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A cumulação de pedidos é admissível à luz do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), considerando que a procedência desses pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito. Mais concretamente:  está em causa nestes autos a apreciação de idênticas circunstâncias de facto e o mesmo regime jurídico de acessoriedade, para efeitos de IVA, entre os serviços (consultas) de nutrição disponibilizados pela Requerente e a utilização do ginásio, com os inerentes reflexos em sede de IRC.

 

As partes são legítimas e não se surpreendem questões prévias e ou nulidades.

 

III.          Fundamentação

 

III.I. Matéria de facto

 

A.           Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

1.            A Requerente é uma sociedade de direito português, com início de atividade em 1999, encontrando-se inscrita pelo exercício de “atividades de ginásio (fitness)”, a que corresponde o CAE 93130; formação profissional a que corresponde o CAE 85591; “outras atividades de saúde humana N.E.” a que corresponde o CAE 86906; “instituto de beleza” a que corresponde o CAE 96022.

2.            A Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal de IVA.

3.            O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto as liquidações adicionais de IVA as quais tiveram  a sua origem no procedimento de inspeção tributária ao exercício de 2016,com fonte na ordem de serviço números OI2017... (Cfr cópia do processo administrativo junto, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).

4.            No referido procedimento, os serviços de inspeção concluíram que as prestações de serviços dietéticos não se enquadram no conceito de prestação de serviços médicos e, além disso, devem ser consideradas acessórias em relação à prestação principal - utilização de instalações desportivas - e, por essa razão, estão sujeitas a IVA à taxa de 23%, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.

5.            De acordo com o Relatório dos Serviços de Inspeção Tributária (doravante designado por SIT) estão em causa consultas de nutrição constantes do "Contrato de Prestação de Serviços de Dietética", associado ao contrato de prestação de serviços de ginásio denominado "Contrato Individual de Adesão", relativamente às quais não foi liquidado IVA, por a Requerente entender que estão abrangidas pela isenção do artigo 9.º, alínea 1) do CIVA.

6.            Entenderam os SIT haver lugar à liquidação de IVA sobre a "Prestação de Serviços Dietéticos" (SDIET) à taxa aplicável ao serviço de ginásio, ou seja, à taxa de 23%, nos termos do artigo 18.º do CIVA.

7.            Conforme plasmado no ponto IlI do RIT, foi determinado o valor a corrigir, em sede de IVA, resultante da não consideração da " prestação de serviços dietéticos" como atividade isenta nos termos da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA para o ano 2016.

 

8.       Retira-se do RIT o seguinte:

“(...)

 

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     page6image3341311456page7image3415666592

 

9.         Da correção efetuada ao "IVA não liquidado", decorrente da tributação de operações que o sujeito passivo considerou estarem isentas, resultou uma alteração dos valores sobre os quais incidiu o método da afetação real, para determinação do direito à dedução do IVA para o exercício de 2016.

10.            Estão em causa as seguintes liquidações relativas ao ano de 2016:

i) Liquidação n.º 2020 ..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01;

ii)Liquidação n.º 2020 ..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/02;

iii) Liquidação n.º 2020 ..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03;

iv) Liquidação n.º 2020 ..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04;

v) Liquidação n.º 2020 ..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05;

vi) Liquidação n.º 2020 ..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06;

vii) Liquidação n.º 2020 ..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07;

viii) Liquidação n.º 2020 ..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/08;

ix) Liquidação n.º 2020 ..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/09;

x) Liquidação n.º 2020 ..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10;

xi) Liquidação n.º 2020 ..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11;

xii)Liquidação n.º 2020 ..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/12.

11.      Todas essas liquidações são datadas de outubro de 2020, com imposto no montante total de 1.187.933,98 Euros e respetivas demonstrações de liquidação de juros de IVA no montante total de 163.608,46 Euros.

12. A liquidação adicional de IRC (2020... - Doc 1, com o PPA), resulta diretamente das correções em sede de IVA, na medida em que os inputs relacionados com as atividades em causa (serviços de nutrição) passaram a ser dedutíveis em sede de IVA, deixando de poder ser considerados como gasto em sede IRC para efeito do apuramento do resultado líquido do exercício de 2016, resultando assim na liquidação adicional de IRC objeto também de impugnação

13.          O Grupo B..., no qual a Requerente se insere, existe atualmente em oito países e reúne mais de 275.000 sócios e iniciou a sua atividade na Península Ibérica há 20 anos e no exercício de 2012 passou a integrar um grupo empresarial hoje denominado C...,  constituído por 16 empresas.

14.          Uma dessas empresas é a Requerente, que tem como atividade a criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem-estar, serviço de nutrição e outras atividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia.

15.          A Requerente desenvolvia a sua atividade em 2016, em 9 clubes em Portugal, nas seguintes localizações (sendo que o Clube 5 de outubro se encontra atualmente fechado):

  • ...(lisboa)
  • ... (lisboa)
  • ...  (Lisboa)
  • ...  (Lisboa)
  • ... (Porto)
  • Cascais
  • ...  (Sintra)
  • ... (Oeiras)
  • ... (Oeiras)

 16.          A Requerente proporciona aos seus sócios não só a prática de ginásio similar aos seus concorrentes de mercado, como também outros serviços, como o acompanhamento nutricional.

17.          O clube conta com Ginásio, zona de treino funcional, diversos estúdios, piscinas, saunas e banho turco, SPA, zona de restauração, gabinetes dedicados à Fisioterapia e Nutrição e oferece um variado leque de aulas de grupo, treino personalizado, serviços de estética, massagem, fisioterapia e nutrição.

18.          Serviços estes que se inserem na mais ampla política do Grupo B... bem espelhada na máxima Life well  assente em três pilares “move well, eat well e feel well” (Exercício, Nutrição, Repouso).

19.          Dando corpo à implementação em território nacional da nova política comercial internacional, a B... levou a cabo uma remodelação nos seus serviços, imagem, instalações e contratação de pessoal, de modo a relevar a vertente da nutrição, publicitando-a como novo target da marca B... .

20.          Foi com base nesta máxima que, desde 2013 e até hoje, a Requerente passou a proporcionar aos seus sócios serviços de nutrição, mediante a subscrição de um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”

21.          As expressões e licenciaturas de dietética e nutrição são equivalentes desde a constituição da Ordem dos Nutricionistas em 1 de janeiro de 2011.

22.          Aos sócios que aceitaram este novo serviço foi oferecido um desconto na mensalidade do ginásio correspondente ao valor do novo serviço de nutrição, como forma de incentivo à adesão aos novos serviços da Requerente e por estratégia de marketing.

23.          Os serviços de nutrição/ dietéticos são prestados em gabinetes individualizados, em resultado dos investimentos e alterações introduzidas nos vários edifícios B... .

24.          A Requerente tem duas salas/gabinetes onde só se prestam serviços de nutrição e que foram adaptados para essa finalidade, dispondo de máquinas e de medidores de gordura corporal – tanitas, com software próprio.

25.          A Requerente mantém, desde 2013, nutricionistas no seu quadro de pessoal, sendo que atualmente o Grupo B... já conta com 49 nutricionistas, que desenvolvem a sua atividade nos agora já 21 ginásios geridos pelo Grupo B... em Portugal.

26.          O Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos/Nutrição incluía duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais nos quais se fazia apenas um follow up  das consultas.

27.          No entanto, sempre que os sócios pretendessem mais do que duas consultas de nutrição por ano, podiam adquirir consultas, vendidas, quer isoladamente, quer em packs, sendo estas prestadas pelos mesmos profissionais das consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e assumiam semelhante configuração.

28.          Os clientes podiam usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição ou o inverso.

29.          A Requerente proporcionou mais de 22.180 consultas de nutrição nos anos 2016, sendo que o número de sócios neste ano foi o que se apresenta no quadro seguinte:

30.          As consultas são efetuadas nas instalações da Requerente, pelos nutricionistas que pertencem aos quadros da Requerente, conforme supra referido e em instalações próprias para aquele fim, com software (SANUT) específico para serviços de nutrição.

31.          Todas as consultas (quer as iniciais quer as premium) são prestadas pelos mesmos profissionais e nas mesmas condições, não divergindo quer na duração quer na qualidade.

32.          A Requerente, bem como todo o Grupo B... em Portugal, têm programas de estágios remunerados com base num Protocolo com a Ordem dos Nutricionistas, onde são recebidos estagiários nos clubes da B... que aí completam a sua formação, tendo a Requerente recebido em 2013,  7 estagiários.

 

B.            Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

C.            Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo com base nas peças processuais, requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos por estas ao presente Processo e não impugnados.

 

Assinale-se que relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi  alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

À luz do princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim e reafirmando, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

III - Fundamentação (cont.)

 

B.2. O Direito

B.2.A. A questão de fundo

 

  1. Na sequência das correções efetuadas pela AT decorrentes do Relatório de Inspeção, a Requerente pretende a declaração da ilegalidade dos atos de liquidação de IVA mencionados e documentados, com reflexos na liquidação de IRC e, em consequência, que sejam os mesmos anulados, bem como os respetivos juros compensatórios, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, com todas as consequências legais.
  2. O pedido de pronúncia tem assim por objeto a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário de liquidação de IRC e consequente reposição dos prejuízos fiscais, como consequência dos atos tributários de liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios, emitidos na sequência de uma inspeção tributária ao exercício de 2016
  3. Vejamos:
  4. O artigo 9.º n.º 1 do CIVA, que constitui a transposição do artigo 132º, nº 1, alínea c) da Diretiva IVA (2006/112 CE, de 28 de Novembro de 2006) determinava antes da alteração produzida pela Lei nº 2/2020, de 31 de Março (LOE 2020) o seguinte:

“Artigo 9º- Isenções nas operações internas

Estão isentas do imposto:

(...)As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.

  1. Por ser turno dispõe-se na alínea c) do nº 1 do artigo 132º da Diretiva IVA que se encontram isentas as “prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pela Estado-Membro em causa”.
  2. As razões objetivas da isenção do exercício de atividades no âmbito da saúde são absolutamente claras e consensuais, podendo sintetizar-se que “o objetivo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes da tributação e promover os cuidados de saúde” 
  3. O exercício das atividades profissionais na área da saúde designadas por atividades paramédicas, encontra-se regulamentado pelo Decreto-Lei nº 261/93, de 24 de julho, que estabelece as respetivas condições e naquelas inclui a “Dietética”, definida como a “[a]plicação de conhecimentos de nutrição e dietética da saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares”- artigo 1º, nº 3 do referido diploma e nº 5 da Lista anexa.
  4. De acordo com o artigo 1º, nº 1 do citado Decreto-Lei nº 261/93, as atividades paramédicas “compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, visando assim, quer a fase de tratamento de um problema, quer a sua prevenção, sendo este último aspeto particularmente importante e sensível no domínio da doenças crónicas como a hipertensão e diabetes, verdadeiros flagelos de saúde pública das sociedades modernas, cuja relação com a obesidade e a manutenção de hábitos sedentários é por todos conhecida.
  5. Adicionalmente, o Decreto-lei nº 320/99, de 11 de agosto, em concretização da Base I da Lei nº 48/90, de 24 de agosto (“Lei de Bases da Saúde”), veio definir os princípios gerais “em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica” e proceder à sua regulamentação, incluindo de forma expressa no seu âmbito a profissão de Dietista.
  6. O exercício da profissão denominada de “nutricionista” ou “dietista” está dependente de título profissional, atualmente atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, criada pela Lei nº51/2010, de 14 de dezembro, e sujeita às correspondentes regras técnicas e deontológicas.
  7. A Ordem dos Nutricionistas abrange os profissionais licenciados na área das Ciências da Nutrição e ou Dietética, podendo a profissão de nutricionista ou dietista “ser exercida de forma liberal, quer a título individual quer em sociedade, ou por conta de outrem” - cf, artigos 2º e 3º, nº 1.
  8. Conforme dispõe o Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionistas, nº 308/2016, de 15 de março, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 58 de 23 de março, podem inscrever-se como “nutricionistas” os licenciados em ciências da nutrição, dietética ou em dietética e nutrição.
  9. De acordo com a definição constante da página eletrónica da Ordem dos Nutricionistas, o “ nutricionista é um profissional de saúde que dirige a sua ação para a  salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão de comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de um prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento. Incorpora ainda as atividades técnico-científicas de ensino, formação, educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença através da alimentação”
  10. Os serviços de nutrição inserem-se, desta forma, na prestação de cuidados de saúde, sendo a sua área de atuação a alimentação humana, com objetivo de prevenir e tratar as doenças, associadas a uma incorreta alimentação, em linha com as políticas de saúde promovidas pelo Governo e por organizações com competência na área, como a Organização Mundial de Saúde.
  11. Pois bem, as  questões que emergem dos presentes autos enquadram-se no exposto e  têm sido objeto de várias decisões proferidas pelos tribunais tributários arbitrais, constituídos sob a égide do CAAD, de entre os quais, e a título meramente exemplificativo, se destacam  os processos números 454/2017 -T, de 2018.04.92; 373/2018-T, de 2019-04-24; 570/2018-T,de 2019-09-30;159/2019-T de 2019-11-05; 161/2019-T, de 2019-10-30; 164/2019-T, 169/2019-T de 2019-11-06; 174/2019-T de 2020-01-21; 181/2019-T de 2019-11-27; 544/2019-T, de 2020-04-23, 264/2019-T, de 2020-05-29[1], 760/2019-T de 2020-08-31, 668/2020-T de 2021-07-02 e 319/2021-T de 2021-11-25, todos publicados no site do CAAD (www.caad.org.pt).
  12. Algumas destas e  outras decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD espelham ou defendem  o caracter autónomo das sessões de aconselhamento de nutrição/ dietética em relação a atividades físicas praticada nos ginásios, concluindo-se deste modo que tais serviços (desde que praticados por profissionais para tanto devida e legalmente habilitados) podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA; todavia, outras decisões defendem entendimento divergente, ou seja, que não é admissível, para os efeitos tributários mencionados, segregar o tipo de serviços prestados pelos “Health Clubs” ou ginásios em termos de aplicação de diversas taxas de IVA em função de cada um desses serviços.
  13. Como se refere no acórdão do TJUE de 04-03-2021, proferido no processo n.º C-581/19, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, quando uma operação económica é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão para determinar se dela resulta uma ou mais prestações (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C-349/96, EU:C:1999:93, n.º 28 e jurisprudência referida), especificando-se que, regra geral, cada prestação deve ser considerada uma prestação distinta e independente, como decorre do artigo 1.º, n.º 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C-231/19, EU:C:2020:513, n.º 23 e jurisprudência referida]; todavia, a título de exceção a esta regra geral, em primeiro lugar, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA (sublinhado nosso). É por isso que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria caráter artificial [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C-231/19, EU:C:2020:513, n.º 23 e jurisprudência referida].
  14. Ora terá sido esta a linha  que muito recentemente seguiu, por unanimidade,  o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em recurso interposto pelo sujeito passivo,  da sentença proferida, em 29-5-2020, no processo do CAAD nº 264/2019-T (publicada em www.caad.org.pt), deliberando uniformizar a Jurisprudência nos seguintes termos: “Os serviços de acompanhamento nutricional prestados através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios e como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva, não têm finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9º, alínea 1, do Código do IVA”  - Cfr Acórdão proferido no Processo nº 77/20.2BALSB - Pleno da 2ª Secção, publicado no Diário da República, 1ª Série, de 20 de janeiro de 2022.
  15. Sendo manifesto, no caso em análise, que a atividade principal da Requerente é a prestação de serviços, tributados em IVA à taxa de 23%,  relacionados com a utilização e/ou disponibilização de instalações e equipamentos desportivos, vulgo atividades de “ginásio” e/ou “fitness”, o complemento de tais atividades procuradas pelos seus clientes, traduzido em consultas de nutrição ou de prestação ou disponibilização de serviços dietéticos não podem deixar de ser considerados complementares ou acessórios da prestação principal.
  16. E se assim é, à luz do sobredito acórdão uniformizador de jurisprudência proferido pelo STA e o dever, muito especial no caso de aresto de uniformização jurisprudencial, de cumprimento do disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil, impõe-se seguir a uniformização jurisprudencial decretada pelo STA e, consequentemente, julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e manter os atos de liquidação sob impugnação.

 

IV. DECISÃO

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Coletivo:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado;
  2. Manter na ordem jurídica os atos de liquidação de IRC e de IVA objeto do pedido e
  3. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 1.187.933,98, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 16.218,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

  • Registe-se e notifique-se.

 

 

Lisboa, 16 de março de 2022

O Árbitro - Presidente,

 

(José Poças Falcão)

 

 

O Árbitro-Vogal,

 

 

(Henrique Fernando Rodrigues)

 

O Árbitro-Vogal,

 

 

 

(Nuno Maldonado Sousa)

 

 



[1] Nesta sentença decidiu-se no sentido da improcedência do pedido, decisão que veio a ser sufragada pelo acórdão de uniformizador de jurisprudência mencionado.