Decisão arbitral
Processo n.º 451/2014-T
I. Relatório[1]
1. A, LDA, pessoa colectiva n.º ..., com sede na … (a seguir designada por Requerente), apresentou em 27.06.2014, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (a seguir Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade das liquidações referentes a Imposto do Selo (IS) respeitante a 2013 com os n.ºs 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., com valor a pagar relativo à primeira prestação no total de €4.317,60 e valor total de colecta de €12.952,70, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT).
a) Constituição do Tribunal Arbitral
2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o signatário, que aceitou o encargo.
3. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 01.09.2014.
b) História processual
4. No pedido de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), a Requerente pede a declaração de ilegalidade das nove liquidações referentes a Imposto do Selo do ano de 2013 com os n.ºs 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., das quais resultou um valor global de colecta de €12.952,70, sendo o montante total relativo à primeira prestação de €4.317,60, solicitando, em consequência, que se anule “na totalidade, as referidas liquidações, e que lhe sejam pagos os respectivos juros indemnizatórios a que tiver direito, tendo em vista os montantes indevidamente pagos nos respectivos processos executivos, única e exclusivamente por culpa imputável à Administração Tributária”.
5. A AT apresentou resposta em que peticiona a improcedência das pretensões deduzidas pela Requerente, sustentando a conformidade legal dos atos objecto do pedido de pronúncia arbitral.
6. Por despacho de 6.10.2014, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na al. c) do art. 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, por não estarem presentes as circunstâncias previstas nas diversas alíneas do n.º 1 deste dispositivo. Mais decidiu, em conformidade com o n.º 2 do art. 18.º do RJAT, dispensar a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente expostas as posições das partes nos respectivos articulados.
Foi, por último, fixada como data para prolação da decisão arbitral o dia 6 de janeiro de 2015.
c) Questão a decidir
7. A questão a resolver sobre o mérito do litígio atinente à pretensão de declaração de ilegalidade das liquidações impugnadas prende-se com determinar se, para efeitos da incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), nos casos de um prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, se deve atender ao valor total do prédio resultante da soma dos valores patrimoniais tributários dos diversos andares ou divisões com afectação habitacional, como subjaz às liquidações em causa, ou se se deve antes dar relevância ao valor patrimonial tributário de cada andar ou divisão com afectação habitacional, como invoca a Requerente na sua PI, com consequente violação de lei, por erro nos pressupostos, das liquidações controvertidas.
II. Saneamento
8. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar a matéria acima indicada (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e encontram-se devidamente representadas.
9. A cumulação de pedidos relativa às liquidações impugnadas é admissível em face do art. 3.º, n.º 1 do RJAT, dada a procedência dos pedidos depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, máxime do disposto na verba 28.1 da TGIS.
10. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para ser proferida decisão final.
III. Decisão da matéria de facto e sua motivação
11. Examinada a prova documental produzida, o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
I. A Requerente é proprietária do prédio urbano, não submetido ao regime da propriedade horizontal, sito na Rua …, em …, inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo ... (cfr. a caderneta predial urbana junta como PA e como doc. n.º 11 - lcralmenteeo valor patrimnonial de cada uma das ditas divisnetes aos andafes ou disià PI).
II. O referido prédio urbano constitui um “prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente”, com o “valor patrimonial total” de €1.374.720,00, sendo composto por 6 pisos e 11 divisões com utilização independente, a saber: … com afectação a comércio, com o valor patrimonial tributário de €22.800,00; … com afectação a comércio, com o valor patrimonial tributário de €56.650,00; …, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de €165.180,00; …, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de €142.420,00; …, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de €165.180,00; …, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de €142.420,00; …, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de €165.180,00; …, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de €142.420,00; …, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de €165.180,00; … andar, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de €142.420,00; … andar, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de €64.870,00, tudo conforme consta da mencionada caderneta predial.
III. Com referência ao ano de 2013 foram efetuadas, em 17.03.2014, as liquidações de Imposto do Selo com os n.ºs 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ... e 2014 ... relativamente às nove divisões suscetíveis de utilização independente destinadas a habitação acima identificadas em II, tendo por base o total do valor patrimonial dos nove andares com afectação habitacional, que é correspondente a €1.295.270,00, mediante a aplicação da taxa de 1% estabelecida pela verba 28.1 da TGIS ao valor patrimonial tributário de cada um dos andares, tudo conforme notas de cobrança juntas como docs. n.ºs 2 a 10 à PI que aqui se dão por reproduzidas.
IV. Em todas as notas de cobrança acima indicadas consta a menção: “Valor Patrimonial do prédio - total sujeito a imposto: 1.295.270,00”.
V. A Requerente procedeu em 23.5.2014 ao pagamento da 1.º prestação do imposto resultante das liquidações objecto das indicadas notas de cobrança, no montante total de €4.317,60, conforme comprovativos constantes das notas de cobrança juntas como docs. n.ºs 2 a 10 à PI.
12. Não existe qualquer outra factualidade relevante para a decisão de mérito em atenção às possíveis soluções de Direito que caiba considerar como não provada.
13. A convicção do Tribunal sobre a factualidade dada como provada resultou do exame dos documentos não impugnados, que constam dos autos, conforme se especifica em cada um dos pontos do probatório acima enunciados, não sendo, aliás, a matéria de facto objecto de qualquer dissídio entre as partes.
IV. Do Direito
a) Quadro jurídico
14. O quadro jurídico imediatamente relevante para a decisão respeita à verba n.º 28 da TGIS, que foi introduzida pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, na redação aplicável ratione temporis (anterior à alteração promovida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31.12), cujo teor é o seguinte:
“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1%”.
15. Para além desta proposição normativa diretamente aplicável, é ainda relevante, em termos hermenêuticos, considerar o disposto nos seguintes preceitos:
- no n.º 5 do art. 46.º do CIS, nos termos do qual: “Havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere verba n.º 28 da Tabela Geral, o documento de cobrança é emitido nos prazos, termos e condições definidos no artigo 119.º do CIMI, com as devidas adaptações”;
- no n.º 2 do art. 67.º do CIS, segundo o qual: “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.
16. Atentas, desde logo, as remissões constantes dos preceitos citados no ponto anterior, importa ainda convocar aqui as seguintes disposições do CIMI:
- o n.º 4 do artigo 2.º do CIMI: “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”;
- a al. b) do n.º 2 do art. 7.º do CIMI: “O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior determina-se: b) Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes”.
- o n.º 3 do artigo 12.º do CIMI: “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respectivo valor patrimonial tributário”;
- o art. 92.º do CIMI, cujos n.ºs 1, 2 e 3 estabelecem, respectivamente, o seguinte: “A cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição na matriz”; “Na descrição genérica do edifício deve mencionar-se o facto de ele se encontrar em regime de propriedade horizontal”; “Cada uma das fracções autónomas é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra maiúscula que lhe competir segundo a ordem alfabética”;
- o n.º 1 do art. 119.º do CIMI que estabelece que: “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios”.
b) Argumentos das partes
17. Para sustentar o seu pedido de declaração de ilegalidade das liquidações controvertidas, a Requerente, na sua PI, alega, no fundamental, o seguinte:
i) “a AT interpreta erradamente a citada norma (verba 28 da TGIS), na medida em que, quer o prédio esteja inscrito na matriz predial em propriedade horizontal, quer em propriedade vertical, a base tributável sujeita a IMI é sempre o valor patrimonial de cada uma das divisões susceptíveis de arrendamento em separado, tal como aconteceu já em sede de Contribuição Predial e da Contribuição Autárquica”(n.º 8; cfr. ainda n.ºs 9, 25 e 26), pois “o legislador nunca teria tido outro pensamento que não fosse o da tributação dos “Fogos de luxo” e de “elevado valor patrimonial” (n.º 17.º) e “se o legislador nada disse em relação à forma de tributação de tais prédios em sede do imposto de selo à taxa de 1% e se não fez qualquer distinção entre prédios em propriedade vertical e prédios em propriedade horizontal, afectos a habitação e com valores patrimoniais tributários inferiores aos tais € 1.000.000,00, por andar ou divisão susceptível de arrendamento em separado, como no caso concreto aconteceu e acontece, é consabido que lhes pretendeu dar o mesmo tratamento a nível de tributação em imposto de selo, à semelhança do que se passou e passa ao nível da tributação em IMI e antes, na CA e na Contribuição Predial” (n.º 21.º);
ii) “a Autoridade Tributária, desconsiderando o valor patrimonial tributário relativo a cada uma das habitações autónomas do prédio na liquidação do selo da verba nº 28 da Tabela Geral, desrespeitou claramente a “ratio juris” do preceito, o qual só pode prever a incidência do imposto relativamente aos “Fogos” de luxo com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000” (n.º 37.º);
iii) “não é crível que conhecendo o legislador a realidade das inscrições matriciais, a Lei apareça de supetão e se vá aplicar aos contribuintes em tais circunstâncias (como no caso do impugnante), ferindo de forma clara, entre outros, os princípios da segurança jurídica e da boa fé que deve existir na atuação entre a Administração e particulares, consagrados, principalmente, nos artigos 59º da LGT e 7º do Código do Procedimento Administrativo, disposições estas que tiveram a sua origem nos artigos 22º, 266º e 267º da Constituição da República” (n.º 31.º);
iv) “a AT, com tal atuação acabou por dar, com ou sem intenção, relevância à forma, descorando a substância” (n.º 10.º) pois “sujeitar tais habitações a Imposto de Selo, somente pela inexistência do instrumento jurídico que formalizasse e formalize a propriedade horizontal, é negar totalmente o princípio que vigora em Direito Fiscal da “Prevalência da Substância sobre a Forma””(n.º 40.º).
18. Pelo seu lado, na sua resposta, sustenta a AT, no essencial, o seguinte:
i) “da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios - n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI”; ora, a Requerente é proprietária de um prédio em regime de propriedade total ou vertical (arts. 19.º a 22.º);
ii) “o que a (...) requerente pretende é que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto, [que] exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal”, mas “pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal é que é abusivo e ilegal” pois “o intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes regimes, em consonância com a regra segundo a qual os conceitos dos outros ramos de direito tem o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito”, pelo que não se pode aceitar “que se considere que, para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao CIS, que as partes susceptíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal” (arts. 22.º a 29.º);
iii) “Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º e consequentemente, nos termos do art. 12º, nº 3, do C.I.M.I., cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte” (art. 30.º);
iv) “A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente”, continuando tal prédio a ser apenas um, “não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal” (arts. 36.º e 37.º);
v) “O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da verba 28º, nº 1, da Tabela Geral”, o que resulta de o “facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas” (arts. 40.º e 41.º);
vi) “Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP)”, porquanto “Um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1. da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afectação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei”, pelo que é “inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou andar ou divisão a divisão” (arts. 43.º a 45.º).
c) Apreciação do Tribunal
19. Para resolver a questão fulcral para a solução do litígio (vd. supra n.º 7) da definição do “valor patrimonial tributário constante da matriz” “igual ou superior a €1.000.000” que se deve ter por aplicável nos casos dos prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente impõe-se, evidentemente, proceder à devida interpretação da norma de incidência objectiva (cfr. art. 1.º, n.º 1 do CIS) constante da verba 28.1 da TGIS, de modo a determinar, na base das diretrizes hermenêuticas resultantes do art. 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do art. 9.º do Código Civil, os exatos sentido e alcance da referida proposição normativa.
Consabidamente, nos termos daquelas diretrizes hermenêuticas, cabe convocar, como factores relevantes na operação de concretização do Direito, os clássicos elementos gramatical, histórico, sistemático e teleológico.
20. Dado o cariz recente e até conjuntural da normatividade em causa, parece útil começar por indagar das opções que lhe estão subjacentes mediante a averiguação de uma eventual voluntas do legislador histórico no que tange à questão jurídica aqui em julgamento. Principie-se, assim, por atender ao elemento histórico da interpretação, procurando nos trabalhos preparatórios eventuais subsídios sobre as escolhas legislativas.
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro teve na sua base a Proposta de Lei n.º 96/XII/2ª[2], cuja Exposição de Motivos, depois de se reportar a que: “A prossecução do interesse público, em face da situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental” e de acrescentar que: “Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento” e que: o “Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho” pelo que se “alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”, limita-se a referir, no que concerne à tributação aqui em consideração, que: “é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros”.
Na discussão na generalidade (vd. DAR, I Série, nº 9/XII/2, de 11/10/2012, p. 32[3]) apenas é possível respigar, com interesse para a matéria aqui em causa, as seguintes declarações do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Paulo Núncio), em representação do Governo proponente, sobre a “criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor”: “Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.
Pois bem, não se pode deixar de assinalar nestas declarações o uso simultâneo, com valor sinonímico, das formulações “prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor”, “propriedades de elevado valor destinadas à habitação” e “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”. Ora, um dos significados socialmente típicos de “casa” é precisamente o de local ou unidade de habitação, pelo que se poderia imediatamente entender que o legislador teve em mente, e daí o recurso a todas aquelas formulações, uma consideração autónoma e específica de habitações, sejam elas prédios, fracções autónomas ou andares ou divisões independentes. Nesta decorrência, a incidência para efeitos da verba 28.1 da TGIS e a aferição do “valor patrimonial tributário constante da matriz” “igual ou superior a €1.000.000” pautar-se-ia pela consideração particular de cada “habitação” em ordem a tributar as “casas de luxo” (prédios, moradias, apartamentos) que o legislador parece ter tido em vista no seu propalado objectivo de “efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento”.
Julga-se, no entanto, que o intérprete-aplicador não pode deixar de reconhecer que esta leitura surge como semanticamente excessiva, por associar particulares soluções normativas ao simples uso de vocábulos linguísticos imprecisos pelo legislador histórico, sendo ainda de ter presente o que se escreveu no acórdão deste CAAD de 2.10.2013, proferido no proc. n.º 53/2013-T: “A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado (sic), por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional”.
Deste modo, não parece que, neste âmbito, seja possível recolher dos trabalhos preparatórios elementos susceptíveis de, na matéria sub judice, facultar alicerce sólido para a interpretação da disposição em apreço.
21. Dirija-se, então, toda a atenção para a letra da lei, elemento primacial e decisivo para a fixação do “pensamento legislativo”, ainda que a interpretação não deva cingir-se simplesmente ao texto legal (art. 9.º, n.º 1 do Cód. Civil e 11.º, n.º 1 da LGT).
Em razão do elemento literal, o ponto fulcral que se deve começar por destacar é que as referências na verba 28 da TGIS a “prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000” e a “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI” implicam que esta norma possui um cariz fulcralmente remissivo, pelo que o conteúdo regulativo relevante depende da normatividade ad quam constante do CIMI.
Na verdade, seja quanto à incidência objectiva, com a remissão para o “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, seja quanto à fixação da matéria colectável, com a remissão para o “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o teor regulativo desta verba 28 da TGIS resulta da devolução – nos termos de uma remissão geral – para o conjunto regulativo que se encontra no CIMI.
Trata-se aqui, aliás, de técnica legislativa que caracteriza incisivamente o funcionamento desta verba 28 da TGIS, como resulta de o legislador ter mesmo determinado, de modo genérico, que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI” (n.º 2 do art. 67.º do CIS), bem como de, em vários preceitos do CIS respeitantes a esta verba, se verificarem remissões particulares para disposições do CIMI (cfr. os arts. 2.º, n.º 4, 5.º, n.º 1, al. u), 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5, 46.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3 do CIMI).
22. Pois bem, quando se considera a realidade predial dos prédios urbanos em propriedade total com andares ou partes susceptíveis de utilização independente é indispensável ter em conta, em atenção àquelas remissões constantes da verba 28.1 da TGIS, o disposto no citado art. 12.º, n.º 3 do CIMI, nos termos do qual: “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respectivo valor patrimonial tributário”.
Resulta, então, desta disposição que os andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente possuem um valor patrimonial tributário específico e próprio, que é objecto de inscrição autónoma na matriz predial (cfr., aliás, o exemplo constituído pelo prédio dos autos conforme resulta da caderneta predial reportada no ponto n.º II do probatório). Verifica-se, assim, uma clara autonomização para efeitos de IMI dos andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, que, embora integrados no mesmo artigo matricial, são objecto de avaliação específica (art. 7.º, n.º 2, al. b) do CIMI), de inscrição matricial separada e autónoma e de valor patrimonial tributário distinto e autónomo (referido n.º 3 do art. 12.º do CIMI). A importância desta autonomização dos valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente é de tal modo assumida pelo legislador do CIMI que se prevê especificamente como fundamento de reclamação de incorreção das inscrições matriciais a “não discriminação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos por andares ou divisões de utilização autónoma” (al. h) do n.º 3 do art. 130.º do CIMI).
Ora, tendo em conta que a verba 28.1 da TGIS estabelece, nos termos das remissões que incorpora, que, na tributação dos prédios urbanos com afectação habitacional, se atende, para efeitos de incidência, “ao valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, e, para efeitos de matéria colectável, ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, então, nos prédios urbanos em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, não se pode deixar de ter em consideração o valor patrimonial tributário próprio de cada andar, em conformidade com o previsto no n.º 3 do art. 12.º do CIMI, pois é esse quer o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI quer o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.
Nesta decorrência, e com isto convoca-se o elemento sistemático da interpretação, resulta do art. 119.º, n.º 1 do CIMI, aplicável por força do n.º 5 do art. 46.º do CIS, que os documentos de cobrança do imposto discriminam os andares ou partes de prédio com utilização independente, reportando-se em termos individualizados às partes susceptíveis de utilização autónoma e não ao prédio como um todo único.
Deste modo, dado que as partes de um prédio em propriedade total de utilização independente com afectação habitacional são objecto de avaliação autónoma, têm uma inscrição separada na matriz predial, possuem valor patrimonial tributário próprio constante da matriz e são objecto de liquidação e de emissão de documento de cobrança de modo individualizado, tudo conforme determinam os termos do CIMI (respectivos arts. 7.º, n.º 2, al. b), 13.º, n.º 2 e 119.º, n.º 1), o mesmo tem que valer para o IS da verba 28 da TGIS, dada a expressa remissão, efectuada nesta verba (sem incorporar sequer o tradicional caveat “com as devidas adaptações”), para o disposto no CIMI em relação ao valor patrimonial tributário constante da matriz e ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.
Entende-se, pois, que a interpretação da verba 28.1 da TGIS implica que o valor relevante para efeitos da incidência do IS corresponde ao valor patrimonial tributário que consta da matriz em relação a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente, como dispõe o n.º 3 do art. 12.º da TGIS.
Assim, nos termos da verba 28 da TGIS, a incidência em imposto do selo, nos casos dos prédios urbanos em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, respeita a cada andar ou divisão com utilização independente para afectação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000.
23. Esta interpretação afigura-se ficar particularmente confirmada num caso como o presente em que o prédio em causa possui partes susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional e partes susceptíveis de utilização independente com afectação comercial (cfr. a factualidade objecto do n.º II do probatório).
É que, em tal circunstancialismo, não consta da matriz nem é utilizado para efeitos de IMI um “valor patrimonial tributário” que corresponda ao somatório dos valores patrimoniais tributários dos andares de utilização independente com afectação habitacional (vd. no facto provado sub n.º IV do probatório a menção nos documentos de cobrança a “Valor Patrimonial do prédio - total sujeito a imposto: 1.295.270,00”). Com efeito, o que estabelece o CIMI, segundo o citado art. 7.º, n.º 2, al. b), e consta da matriz (vd. no facto reportado no n.º II do probatório a referência ao “valor patrimonial total” de €1.374.720,00) é que o “valor do prédio” é “a soma dos valores das suas partes”, portanto, de todas as suas partes, seja qual for a respectiva afectação.
Em consequência, o “valor patrimonial do prédio - total sujeito a imposto” (cfr. ponto n.º IV do probatório) em que assentam as liquidações impugnadas não possui correspondência com a categoria legal consagrada na verba 28 da TGIS do “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”.
Insista-se, com efeito, que o CIMI apenas se reporta, conforme resulta do art. 7.º, n.º 2, al. b) acima citado, ao “valor do prédio” como soma de todas as suas partes objecto de avaliação autónoma, não legitimando, pois, configurar valores do prédio parcelares por atenderem apenas a certas partes economicamente independentes do prédio (aquelas que possuem afectação habitacional), desconsiderando as partes com outras afectações (para comércio, indústria ou para serviços). Em tal contexto, não se consubstancia o valor do prédio como previsto no art. 7.º, n.º 2, al. b) do CIMI, mas sim o valor do conjunto de certas partes do prédio, valor este que não é objecto de qualquer previsão nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis nem é valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.
Adiante-se, por isso, que se considera que nas liquidações controvertidas se verifica a adopção, para efeitos da fixação da incidência da verba 28.1 da TGIS, de um valor patrimonial que não encontra acolhimento na lei.
24. Acresce que se julga que a interpretação assim efectuada da verba 28.1 da TGIS, segundo a qual, nos casos dos prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, se deve atender ao valor patrimonial tributário próprio de cada andar ou divisão com afectação habitacional constante da competente matriz, é a que melhor se coaduna com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva (cfr. art. 13.º e art. 104.º, n.º 3 da CRP), e que, por isso, mais perfeitamente se adequa à ratio legis que parece presidir à criação desta verba em IS de “repartição dos sacrifícios” mediante a tributação em IS de “propriedades de elevado valor destinadas à habitação” (vd. supra n.º 20).
É que, para efeitos da lógica regulativa própria do CIMI e, logo, desta verba 28.1 da TGIS, atenta a remissão legal para aquele diploma (vd. supra n.º 21), é inquestionável uma equiparação normativa dos prédios em propriedade total ou vertical, com andares susceptíveis de utilização independente, com os prédios em propriedade horizontal, com fracções autónomas, como se demonstra pelo seguinte: i) as regras de inscrição da Declaração Modelo 1 aprovada pela Portaria n.º 1282/2003, de 13. 11 – quadro V linhas 49 e 50 e Anexo II – envolvem um preenchimento em termos idênticos dos prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e dos prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal; ii) são atribuídos valores patrimoniais tributários próprios a cada parte susceptível de utilização independente de prédio em propriedade total nos mesmos moldes em que isso ocorre para cada fracção autónoma de prédio em regime de propriedade horizontal (arts. 7.º, n.º 2, al. b), 12.º, n.º 3 e 93.º do CIMI); iii) são objecto de discriminação individualizada nos competentes documentos de cobrança as partes de prédios susceptíveis de utilização independente nos mesmos termos em que isso ocorre com as fracções autónomas (arts. 119.º, n.º 1 e 4.º, n.º 2 do CIMI).
Nestes termos, posto que é o próprio CIMI, para que em termos gerais remete a regulação relativa à verba 28 da TGIS (vd. supra n.º 21), que equipara a situação das partes de prédios susceptíveis de utilização independente com as fracções autónomas, o sentido normativo acima atribuído à verba 28.1 da TGIS é o que devidamente respeita o princípio da igualdade, pois, importa reconhecê-lo, numa perspectiva de capacidade contributiva para efeitos da tributação patrimonial em apreço, não existe diferença relevante entre a propriedade de um prédio com unidades independentes com certos valores patrimoniais tributários próprios e um prédio em propriedade horizontal com fracções autónomas com os mesmos valores patrimoniais tributários próprios.
25. Conclui-se, em face do exposto, que, no que concerne a prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, se deve atender exclusivamente ao valor patrimonial tributário próprio de cada andar ou divisão com afectação habitacional constante da matriz para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.
Observe-se que o sentido assim apurado da disposição constante da verba 28.1 da TGIS, ao contrário do que alega a Requerida (vd. supra n.º 18, v)), não viola o princípio da legalidade tributária estabelecido pelo n.º 2 do art. 103.º da CRP, desde logo por que encontra adequada correspondência verbal no texto legal (art. 9.º, n.º 2 do Cód. Civil) em conformidade com as diretrizes hermenêuticas aplicáveis, mas sobretudo por que o princípio constitucional da legalidade tributária se reporta ao plano da criação das normas fiscais relativamente aos “elementos essenciais” do imposto, não ao plano da sua interpretação e aplicação.
d) Aplicação ao caso sub judice
26. Cabe, agora, proceder à aplicação ao caso sub judice da solução de Direito a que se chegou sobre a interpretação da verba 28.1 da TGIS.
A este propósito, em face da factualidade dada como provada no n.º II do probatório, tem que se reconhecer que nenhum dos andares de utilização independente com afectação habitacional do prédio identificado no n.º I do mesmo probatório, possui um valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00.
Consequentemente, como o valor patrimonial tributário de cada um dos indicados andares de utilização independente com afectação habitacional é inferior ao valor que se prevê na verba 28.1 da TGIS, segue-se que tais andares não se subsumem na norma de incidência tributária constante desta verba 28.1, pelo que as liquidações controvertidas padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito quanto ao disposto na verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação nos termos do art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo, o que se decide.
A declaração de ilegalidade das liquidações objecto do presente processo pelo vício de violação de lei nos termos expostos prejudica, por ser desnecessário, o conhecimento dos demais fundamentos invocados pela Requerente.
e) Dos juros indemnizatórios
27. Peticiona, ainda, a Requerente a condenação da AT ao reembolso do imposto pago indevidamente no montante, respeitante à primeira prestação, de €4.317,60 (vd. facto dado como provado no n.º V do probatório), bem como dos respectivos juros indemnizatórios.
Prescreve a alínea b) do art. 24.º do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito, o que se deve entender, em conformidade com o art. 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, como abrangendo o pagamento de juros indemnizatórios, em consonância, aliás, com o disposto no n.º 5 deste mesmo art. 24.º do RGAT.
Determina o art. 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estabelecendo o n.º 4 do art. 61.º do CPPT, que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
28. Dado que, no caso em apreciação, se verifica a ilegalidade das liquidações impugnadas, por erro nos pressupostos de Direito, que é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, nas liquidações praticadas, procedeu à incorreta interpretação e aplicação ao caso da disposição constante da verba 28.1 da TGIS, tem a Requerente direito, em conformidade com os arts. 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso das prestações tributárias pagas em excesso no montante total de €4.317,60, e aos juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a indicada quantia de €4.317,60 desde 23.5.2014 (cfr. facto provado sub n.º V), à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até integral reembolso do montante total pago.
V. Decisão
Termos em que se decide:
i) julgar totalmente procedente o pedido formulado no presente processo arbitral tributário e, em consequência, declarar ilegais e anular as liquidações de Imposto de Selo n.ºs 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ...;
ii) julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o valor do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que o pagamento foi efetuado até à data do seu integral reembolso;
iii) condenar a AT nas custas do processo.
VI. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de €12.952,70, que constitui o montante total do imposto resultante das liquidações impugnadas cuja anulação se peticionou.
Explicita-se, em atenção ao requerimento da Requerente de 09.12.2014, de que é este montante de €12.952,70 o relevante em conformidade com o indicado art. 97.º-A do CPPT, aplicável por força do art. 3.º, n.º 2 do RCPAT. Na verdade, não obstante os identificados documentos de cobrança se reportarem ao valor total de €4.317,60, este valor respeita apenas ao montante da 1.º prestação, em conformidade com o disposto nos arts. 44.º, n.º 5 do CIS e 120.º do CIMI quanto aos prazos e termos do pagamento do imposto. Ora, o objecto do presente processo, conforme resulta do pedido constante da PI, é a impugnação das nove liquidações identificadas cuja colecta total é a mencionada importância de €12.952,70, pelo que é esta a importância cuja anulação foi pretendida (art. 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT).
VII. Custas
De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência do pedido de anulação dos atos tributários objecto dos autos.
Notifique-se.
Lisboa, 6 de janeiro de 2015.
O Árbitro
(João Menezes Leitão)
[1] Adopta-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, tendo sido atualizada, em conformidade, a grafia constante das citações efectuadas.
[3] Consultável igualmente em:
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=37245.