DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Armando Oliveira e Dr. António Pragal Colaço (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-02-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., com sede em ..., ..., ...-... Lisboa, titular do Número único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ..., doravante abreviadamente designada por "Requerente", veio, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária doravante designado como "RJAT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a anulação da autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), respeitante ao último período de 2018, com o n.º..., submetida a 11-02-2019, e da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2021... .
A Requerente pede ainda, na medida da procedência dos pedidos, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios e das custas do processo.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-12-2021.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 09-02-2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 02-03-2022.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência dos pedidos.
Em 16-05-2022, realizou-se uma reunião, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.
As Partes apresentaram alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não são suscitados obstáculos à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
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A Requerente é uma instituição financeira que exerce normal e habitualmente a atividade comercial prevista no artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro;
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No âmbito da sua atividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção constante do artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA (“CIVA”) – como as operações de financiamento e concessão de crédito e, bem assim, as operações associadas a pagamentos –, as quais não conferem o direito à dedução do IVA suportado;
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Simultaneamente, a Requerente realiza operações que conferem o direito à dedução deste imposto nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, como sejam, entre outras, as operações de locação financeira mobiliária, a locação de cofres e a custódia de títulos;
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Relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta, ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 1, do CIVA;
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Tal sucedeu, desde logo, quanto à aquisição dos bens – como viaturas – objeto dos contratos de locação financeira, relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA suportado, dado estarem diretamente ligados a operações tributadas realizadas a jusante pela Requerente – a locação financeira –, as quais conferem direito à dedução do imposto;
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Nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, a Requerente não deduziu qualquer montante de IVA (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Nas situações em que a Requerente identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas e, simultaneamente, logrou determinar critérios objetivos do nível de utilização efetiva, aplicou o método da afetação real, estabelecido no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, o que sucedeu, nomeadamente, quanto aos encargos especificamente associados à aquisição de terminais de pagamento automático;
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Por fim, para determinar o quantum de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afetos indistintamente às diversas operações por si realizadas (isto é, aos recursos de “utilização mista” – como os consumos de eletricidade, água, papel, material informático (hardware e software), telecomunicações, etc.), a Requerente aplicou o método de dedução indicada no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30.108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA;
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Relativamente a estes recursos de utilização mista, não foi possível à Requerente aplicar o método da afetação real, por não ser possível concluir com precisão e fidedignidade sobre o grau de utilização dos recursos em cada uma das actividades por si desenvolvidas;
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As caraterísticas específicas da atividade bancária tornam inviável a aplicação de uma contabilidade analítica que permita à Requerente quantificar com detalhe, rigor e fidedignidade os recursos de utilização mista afetos à atividade de locação financeira e, concomitantemente, às suas diversas operações (depoimento da testemunha B...);
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Os contratos de locação financeira celebrados pela Requerente (enquanto locadora) duram em média 5 anos (depoimento da testemunha B...);
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Em regime de exclusividade, a Requerente tem afeto à atividade de locação financeira um colaborador, o qual, sendo responsável pela gestão de uma caixa de correio interna referente a esta atividade, direciona para a área competente as questões e problemas que surgem na vigência de um contrato de locação financeira (depoimento da testemunha B...);
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Em regime de não exclusividade, a Requerente afecta ainda cerca de 10 a 15 colaboradores à actividade de locação financeira (depoimento da testemunha B...);
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O cliente de locação financeira começa por apresentar uma proposta de aquisição do bem a locar, a qual, subsequentemente, é remetida para avaliação da área de Risco de Crédito da Requerente (depoimento da testemunha B...);
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A Requerente acorda com o cliente as condições de financiamento da aquisição do bem e, sendo obtida a aprovação da concessão do crédito, é tal informação transmitida à área de Compras para que efetue a compra do bem junto do fornecedor aprovado (depoimento da testemunha B...);
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Na sequência, a área de Compras estabelece contacto com o fornecedor aprovado, no sentido de concretizar o processo de aquisição do bem e, subsequentemente, o disponibilizar ao cliente (depoimento da testemunha B...);
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Todos os gestores de cliente tratam de questões referentes aos contratos de locação financeira, pois são os pontos de contacto preferenciais dos clientes com a Requerente (depoimento da testemunha B...);
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A atividade de locação financeira prosseguida pela Requerente divide-se em dois grupos de operações: (i) as operações de disponibilização e utilização dos bens locados; (ii) a operação de financiamento propriamente dita;
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A Requerente dispõe de 10/15 balcões, podendo os clientes dirigir-se a qualquer balcão do seu segmento (consoante sejam particulares ou empresas) com vista a dar início ao processo de celebração do contrato de locação financeira (depoimento da testemunha B...);
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As operações relativas a contratos de locação financeira implicam a intervenção de diversas áreas internas da Requerente (depoimento da testemunha B...);
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A actividade de locação financeira da Requerente rege-se por um manual de procedimentos, aplicado por todos os funcionários da Requerente (depoimento da testemunha B...);
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A partir do ano de 2018 (inclusive), a Requerente deixou de celebrar contratos de locação financeira, rendo os novos contratos passado a ser celebrados por uma outra entidade do Grupo C..., a D... (depoimento da testemunha B...);
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No ano de 2018, a Requerente era responsável pelos contratos de locação financeira celebrados até então (“contratos antigos”) (depoimento da testemunha B...);
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No ano de 2018, a carteira de clientes de locação financeira da Requerente ascendia a 450 contratos de locação financeira: 230 referentes a automóveis; 220 referentes a equipamento (depoimento da testemunha B...);
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Em termos pecuniários, os 230 contratos de locação financeira (relativos a automóveis) ascendiam a cerca de € 6.000.000 EUR (depoimento da testemunha B...);
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Em termos pecuniários, os 220 contratos de locação financeira (relativos a equipamento) ascendiam a cerca de € 16.000.000 (depoimento da testemunha B...);
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No ano de 2018, as operações realizadas pela Requerente associadas à utilização dos bens locados consumiram mais recursos de utilização mista do que as operações, igualmente realizadas pela Requerente, associadas ao financiamento propriamente dito (depoimento da testemunha B...);
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Tal deve-se ao caráter automatizado (informatizado) das operações associadas ao financiamento propriamente dito, ao facto de as situações de incumprimento (atraso ou falta de pagamento de rendas) serem residuais e à circunstância de as tarefas integrantes das operações associadas ao financiamento propriamente dito não diferirem das tarefas realizadas no âmbito da atividade core da Requerente que é a atividade de concessão de crédito (depoimento da testemunha B...);
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As operações associadas à utilização dos bens locados pressupõem uma maior intervenção humana e assumem um caráter mais personalizado e, por conseguinte, requerem um maior dispêndio de recursos (depoimento da testemunha B...);
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Quando os bens locados são equipamentos/maquinaria com caraterísticas técnicas específicas, exigem maior know-how e, por conseguinte, recursos (incluindo humanos) em conformidade e, bem assim, uma análise de risco (quer de crédito quer ao nível da cobertura de seguro) mais complexa (depoimento da testemunha B...);
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No âmbito das operações de utilização dos bens locados, a Requerente efetua, entre outras, as seguintes tarefas:
– controlo da existência e validade de seguros ao longo de todo o contrato;
– no que respeita a infrações associadas a veículos, a Requerente monitoriza as coimas aplicadas no âmbito do Código da Estrada por infrações relacionadas com os veículos, efectua controlo das portagens não pagas e respetivas coimas e adopta medidas destinadas à resolução destas situações de incumprimento;
– no que respeita a obrigações tributárias, a Requerente monitoriza o cumprimento e controlo das obrigações tributárias relacionadas com os bens locados, como, por exemplo, no caso de veículos, pagamento do Imposto Único de Circulação;
– no que respeita a avarias, a Requerente efectua a selecção e controlo das entidades responsáveis pela reparação dos veículos e equipamentos;
– no que respeita a salvados a Requerente efectua a seleção de sucateiros e venda daqueles a estes;
– no que respeita à ocorrência de acidentes com os veículos a Requerente efectua contactos com as empresas seguradoras;
– nos casos de não exercício pelo locatário da opção de compra no final do contrato, a Requerente realiza todas as diligências necessárias à venda do bem locado (depoimento da testemunha B...);
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As comissões cobradas pela Requerente não visam compensar o consumo de recursos indiferenciados, correspondendo a um montante mínimo, determinado em linha com os demais concorrentes no mercado (depoimento da testemunha B...);
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Nem todas as comissões existentes em preçário são efetivamente cobradas pela Requerente, seja por questões comerciais, seja por algumas terem sido criadas após a celebração dos contratos de locação financeira (depoimento da testemunha B...);
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Não existe uma ligação directa entre os recursos indiferenciados e as rendas cobradas pela Requerente aos seus clientes, pelo que aqueles recursos não são directamente repercutidos pela Requerente no preço destas rendas (depoimento da testemunha B...);
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A parte das rendas referente aos juros incorpora o custo do financiamento propriamente dito (i.e., o spread), o risco de solvabilidade do cliente e a margem de lucro da Requerente (depoimento da testemunha B...);
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Em 30-01-2009, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício-Circulado n.º 30.108, publicado em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instruções_administrativas/Documents/OficCirc_30108.pdf, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23º do CIVA.
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No ano de 2018, aplicando o entendimento vertido no referido Ofício-circulado, a Requerente deduziu provisoriamente, a título de IVA, o montante de € 384.739,11;
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Esta dedução foi apurada considerando apenas os juros e outros encargos relativos à actividade de locação financeira prosseguida pela Requerente (ou seja, desconsiderando o capital incluído nas rendas auferidas pela Requerente no âmbito desta actividade);
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No ano de 2018, a Requerente sofreu uma reorganização interna – fusão por incorporação na entidade espanhola E..., S. A. –, tendo passado, em setembro de 2018, a ser sucursal em Portugal daquela entidade espanhola;
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Esta reorganização implicou o apuramento de duas percentagens de dedução distintas: uma referente às operações realizadas pela filial entre Janeiro e Setembro de 2018; outra relativa às operações realizadas pela sucursal entre Outubro e Dezembro de 2018;
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Neste contexto, na declaração periódica de IVA de Dezembro de 2018, a Requerente efetuou uma regularização de imposto a favor do Estado no montante de € 88.603,89, decorrente do apuramento das seguintes percentagens de dedução definitivas: (i) 9% para o período de janeiro a setembro de 2018; e (ii) 5% para o período de outubro a dezembro de 2018;
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As percentagens de dedução definitivas do ano foram apuradas com base no entendimento administrativo plasmado no Ofício-circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, tendo das mesmas resultado uma dedução definitiva no montante global de € 473.343,00;
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A Requerente, apresentou a 4 de Maio de 2021 uma reclamação graciosa da autoliquidação de IVA n.º ..., solicitando a respetiva correcção, de modo a ser dedutível IVA no montante global de € 925.233,69 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Nessa reclamação graciosa, a Requerente manifestou discordância com a posição expressa no referido Ofício-circulado, entendendo, ao invés, ser de incluir no numerador e denominador da respetiva fração de cálculo, não apenas os juros e encargos similares, mas, também, a componente do capital associado à atividade de locação financeira (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A 21 de Julho de 2021, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A 22 de Setembro de 2021, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, tendo a Autoridade Tributária convertido em definitivo o entendimento anteriormente projetado (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Na decisão da reclamação graciosa refere-se além do mais o seguinte:
V.I.3. -- Apreciação
34. A pretensão controvertida na Reclamação Graciosa em apreço, consubstancia-se na anulação parcial da autoliquidação de IVA, subjacente à declaração periódica n.º ..., referente ao período de dezembro de 2018 (1812), decorrente da alegada entrega em excesso da importância global de € 451.890,69, considerando, a Reclamante, tratar-se de um erro na autoliquidação assente na ilegalidade do critério utilizado no apuramento da percentagem de dedução do imposto referente a recursos de utilização mista.
35. Analisado o requerimento apresentado pela Reclamante, bem como os fundamentos invocados, verifica-se que a questão aqui em análise prende-se com a consideração do valor referente ao capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira, para determinação do pro rata do respetivo período de tributação.
36. No caso concreto, estamos perante operações de locação financeira mobiliária, e pretende aferir-se a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos faturados.
37. Antes de procedermos à apreciação do mérito da presente Reclamação Graciosa, importa aludir ao facto da Reclamante se enquadrar, em sede de IVA, no regime normal, com periodicidade mensal, assumindo a natureza de sujeito passivo 'misto".
38. Isto porque, realiza operações financeiras que não conferem o direito à dedução de IVA, por se encontrarem isentas ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.° do CIVA e operações com liquidação de IVA, como acontece, por exemplo, com as rendas de leasing e ALD, que conferem direito à dedução do IVA suportado.
39. A Reclamante realiza ainda outras operações financeiras ou acessórias que conferem, igualmente, o direito à dedução de IVA, em conformidade com o disposto no artigo 20.do CIVA.
40. No conjunto das operações que conferem direito à dedução de IVA, integram-se os contratos de locação, nos quais a Reclamante assume a posição de locadora e, nessa qualidade, adquire os bens que são objeto desses contratos, acrescidos de IVA, sendo os mesmos entregues aos respectivos locatários para seu uso e fruição.
41. Em contrapartida, o sujeito passivo fatura rendas aos locatários, às quais acresce o IVA.
42. No que se refere às aquisições de bens e serviços de utilização mista, em razão de terem sido indistintamente afetas às diversas operações desenvolvidas pela Reclamante, para efeitos do exercício do direito à dedução, entende dever aplicar-se o método geral e supletivo da percentagem de dedução -também designado por pro rata - nos termos estatuídos na alínea b) do n.º 1 e do n.º 4, ambos do artigo 23, do CIVA.
43. Nos exercícios em análise, seguindo o entendimento da AT constante do mencionado oficio-circulado, a Reclamante, não considerou quer no numerador, quer no denominador da fórmula de cálculo do pro rata o valor do capital das rendas de locação financeira, apurando uma percentagem de dedução definitiva que correspondeu uma dedução de € 473.343,00, quando se tivesse incluído as duas
mencionadas componentes conduziria ao apuramento de uma percentagem de dedução de superior, o que significa que teria direito a deduzir o montante de € 925.233,69.
44. Face à questão em análise nos presentes autos, importa ressalvar que não se considera existir qualquer erro no preenchimento das declarações periódicas de IVA, consubstanciado num erro no apuramento do pro rata de dedução.
45. Com efeito, o apuramento da percentagem de dedução efetuado pelo sujeito passivo está em perfeita concordância com as normas de direito comunitário e interno, pelo que, não se afigura assistir razão à Reclamante quanto à pretensão formulada no seu requerimento inicial.
46. A instrução administrativa aqui em análise veio contemplar a doutrina defendida pela então DGCI (atual AT) que visou "(...)divulgara correta interpretação a dar ao artigo 23% do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD(...)".
47. Da leitura do Ofício n.º..., conclui-se que o apuramento da percentagem de dedução definitiva antes referida foi efetuado, pela Reclamante, em perfeita concordância com os termos aí previstos, que se transcrevem:
(...)
62. Sendo que, no momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo {locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto do contrato de locação, por via do método da imputação direta.
63. Razão pela qual, não pode deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução, sendo-lhe aplicável o método de afetação real com recurso a um critério de imputação objetivo, a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.
64. Logo, à luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema deste imposto, fácil se torna perceber que a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo.
65. Por outro lado, a inclusão no rácio entre operações com e sem direito à dedução da componente relativa à restituição do capital (amortização financeira), enquanto parte integrante da renda, provoca um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva, atendendo a que será significativa e positivamente influenciada, por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacente foi já objeto de liquidação e dedução de IVA no momento da aquisição.
66. Este facto gerará deduções acrescidas para o sujeito passivo, relativamente à generalidade dos inputs de utilização mista, por via da utilização de um coeficiente, que nessa medida, se apresenta como exagerado, face à realidade das operações tributáveis.
67. A atividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens, mas tão só na concessão de créditos a terceiros para aquisição desses bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade. E dessa atividade obtém, fundamentalmente, juros.
68. Deste modo, torna-se compreensível que no cálculo do mencionado coeficiente de imputação específico, aplicável ao caso objeto de análise, e em harmonia com o entendimento da AT, deve considerar-se, apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta o IVA da parte relativa ao capital é integralmente deduzido.
69. E é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução.
70. Se assim não fosse, permitir-se-ia um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços de utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo.
71. Do entendimento propugnado pela AT, não decorre, assim, qualquer restrição do direito legítimo à dedução. Antes pelo contrário, pugna pela inadmissibilidade do exercício do direito à dedução ilegítimo, na medida em que, a eventual execução do procedimento defendido pela Reclamante colocaria em causa a neutralidade fiscal inerente à mecânica do IVA.
72. Acresce, ainda, que o método do pro rata que a Reclamante pretende ver aplicado, não tem mérito para medir o grau de utilização que as duas categorias de operações, com e sem direito à dedução, fazem dos bens e serviços que lhe são indistintamente alocados (utilização mista) e, consequentemente, não pode ser utilizado para determinar aparcela dedutível, cuja liquidação foi efetuada a montante por outros operadores económicos que se situam na fase imediatamente anterior do circuito económico.
73. São dois os métodos de dedução previstos no CIVA (artigo 23%).
74. Por um lado, o denominado método da afetação real, que "...) consiste na aplicação de critérios objetivos, reais, sobre o grau ou intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito. É de acordo com esse grau ou intensidade de utilização dos bens, medidos por critérios objetivos, que o sujeito determinará a parte de imposto suportado que poderá ser deduzida. Os critérios estão sujeitos (...) ao escrutínio da Direção-Geral dos Impostos que pode vir a impor condições especiais ou mesmo a fazer cessar o procedimento de afetação real, no caso de se verificar que assim se provocam ou podem provocar distorções significativas da tributação. (...)".
75. E por outro, o método da percentagem de dedução ou pro rata, definido na alínea b) do n.°1e n.°2, do artigo 23.º, o desenvolvido nos n.ºs 4 a 8 do mesmo preceito legal. No fundo, trata-se de uma dedução parcial, que se traduz no facto do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados num e noutro tipo de operações, apenas ser dedutível na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução.
76. Neste caso, a percentagem de dedução a aplicar é calculada provisoriamente com base no montante de operações realizadas no ano anterior (pro rata provisório), sendo corrigida na declaração do último período do ano a que respeita, de acordo com os valores definitivos de volume de negócios referente ao ano a que reportam, determinando a correspondente regularização por aplicação do pro rata definitivo.
77. Ora, com a alteração introduzida ao artigo 23.° pela Lei n.° 67-A/2007, de 31 de dezembro, tais procedimentos foram "estendidos" ao método da afetação real, nomeadamente, aos casos em que o mesmo é imposto pela AT, quer para as situações em que o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas, quer para os casos em que se apure que a utilização dos demais métodos poderá originar distorções significativas na tributação, conforme dispõe o n.2 3 do artigo em análise.
78. O que se mostra perfeitamente justificável, e em nada contraria o sistema comum de IVA. De facto, de um ano para outro pode mudar o grau de utilização dos bens no regime da afetação real e os critérios objetivos de apuramento do mesmo.
79. É precisamente no âmbito dos poderes conferidos à AT pela alínea b) do n.3 do artigo 23.° CIVA, que tem por base a faculdade que vinha conferida na alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, que se enquadra o oficio -circulado n.º 30.108, aqui em discussão, prevendo urna solução que permite afastar a possibilidade de ocorrência de distorções significativas, quando estamos perante sujeitos passivos que realizem operações de locação financeira e ALD.
(...)
111. Pelo que, deve entender-se que a AT pode obrigar um banco que exerce, nomeadamente, a atividade de locação financeira, a incluir, no numerador e denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes nos contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, e não pela disponibilização dos veiculas.
112. 0u seja, o objetivo do legislador foi acautelar situações, como a presente, procurando aplicar um método de apuramento do IVA dedutível que se afigure o mais próximo possível da realidade e que permita evitar a ocorrência de distorções de tributação, assim salvaguardado o princípio basilar do funcionamento do IVA-princípio da neutralidade.
113. Daqui decorre que é indubitável que o legislador conferiu à AT, nos termos do artigo 23.° do CIVA, poderes para impor aos sujeitos passivos uma adaptação do método de apuramento do montante dedutível de IVA nos inputs mistos, verificadas que estejam alguma das situações constantes das alíneas do seu n.3, o que sucede no presente caso, onde é entendimento dos nosso tribunais superiores, em decorrência do que vem sendo defendido pela jurisprudência do TJUE, que dado o tipo de atividades em causa, existe uma forte probabilidade da ocorrência de distorções de tributação, decorrentes da aplicação do pro rata geral, o que nos remete para a terceira questão apresentada pela Reclamante e que à frente se analisará.
(...)
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No ano de 2018, no processamento da actividade de locação financeira, a Requerente adoptava os procedimentos que se referem no documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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No dia 21-12-2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
2.2.1. Não se provou a exacta medida da utilização de recursos de utilização mista pela Requerente relacionada com as operações de locação financeira. Para além de veículos, a Requerente também celebra contratos de leasing de equipamentos (máquinas) não se apurando quais as percentagens de recursos de utilização mista que são utilizados nestas actividades.
Na verdade, da prova produzida resultam os tipos de actividades desenvolvidas pela Requerente, mas não a quantificação da utilização de recursos de utilização mista afectos a qualquer delas.
Apurou-se que, no caso de leasing de veículos, que a actividade posterior à fase inicial de aquisição e formalização do contrato e registo da aquisição, inclui mais tarefas do que a fase inicial e estão previstas no preçário da Requerente comissões específicas para a remuneração directa de cada um dos tipos de actividades, mas as comissões não são suficientes para compensar todos os custos suportados pela Requerente, sendo o seu valor apenas o dos custos mínimos que a Requerente está segura de ter de suportar.
Por outro lado, não se apurou a dimensão de recursos de utilização mista não quantificáveis exactamente (como, por exemplo, água, electricidade, limpeza, uso de programas informáticos e despesas gerais com os edifícios onde funcionam os 10 a 15 balcões em que a Requerente tem colaboradores com intervenção na actividade de leasing), que são utilizados em cada uma das actividades desenvolvidas em conexão com os contratos de leasing.
2.2.2. Não se provou que as operações de locação financeira exijam uma utilização de recursos técnicos e administrativos de utilização mista menos relevante que aqueles que se encontram afectos às restantes actividades.
Pelo contrário, da prova testemunhal resulta que, comparando as operações de crédito automóvel (isentas) e as de leasing, é muito maior a utilização de recursos gerais nesta última, como se refere na alínea AA. da matéria de facto fixada.
2.2.3. Não se provou que, no caso em apreço, a utilização do método de determinação do pro rata de baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar «distorções significativas da tributação», designadamente que possa «provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas provocar vantagens ou prejuízos injustificados».
Na verdade, estes juízos conclusivos são utilizados no ponto 8 do Ofício-Circulado n.º 30108, mas não foi apresentada qualquer prova das afirmações neles contidas, nem sequer são esclarecidas quais as «vantagens ou prejuízos injustificados» a que se alude.
2.2.4. Não se considerou provado que a Requerente tenha efectuado pagamento da quantia autoliquidada relativamente ao último período de 2018.
A Requerente não diz ter feito o pagamento nem apresentou qualquer documento comprovativo.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos que foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e na prova testemunhal e, nos pontos em que não foram indicados os meios de prova, com base nas afirmações da Requerente não questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
A testemunha B... aparentou depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que foram dados como provados com base no seu depoimento.
Sendo crível que a Requerente tenha de levar a cabo as tarefas que se indicam na «Norma de procedimentos» que juntou aos autos como documento n.º 3, o facto de se tratar de documento de natureza interna não se afigura suficiente para levar o Tribunal Arbitral a duvidar da sua correspondência à realidade, já que se está perante documentos dirigidos aos próprios colaboradores da Requerente e que, pela sua natureza, serão de natureza interna.
Assim, não tendo sido produzida qualquer prova que abale a credibilidade dos documentos referidos, que é corroborada pela testemunha, optou-se por considerar provado que a Requerente adopta os procedimentos que deles constam.
Quanto à correspondência à realidade dos valores de cálculo do pro rata e as percentagens que resultam da aplicação dos dois métodos de cálculo, consideram-se provados, pois são reconhecidos como correctos no ponto 43 da fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa:
« 43. Nos exercícios em análise, seguindo o entendimento da AT constante do mencionado oficio-circulado, a Reclamante, não considerou quer no numerador, quer no denominador da fórmula de cálculo do pro rata o valor do capital das rendas de locação financeira, apurando uma percentagem de dedução definitiva que correspondeu uma dedução de € 473.343,00, quando se tivesse incluído as duas mencionadas componentes conduziria ao apuramento de uma percentagem de dedução de superior, o que significa que teria direito a deduzir o montante de € 925.233,69».
3. Matéria de direito
3.1. Enquadramento da questão e posições das Partes
3.1.1. Legislação aplicável sobre o direito a dedução de IVA
Os artigos 168.º, 173.º e 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelecem o seguinte:
Artigo 168.º
Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:
a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;
b) O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18.º e o artigo 27.º;
c) O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade com o artigo 2.o, n.º 1, alínea b), subalínea i);
d) O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21.º e 22.º;
e) O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado–Membro.
Artigo 173.º
1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.
O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.
2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:
a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;
b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;
c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;
e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante. Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
Artigo 174.º
1. O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:
a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;
b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.
Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.
2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:
a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;
b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;
c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.
3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.
Os artigos 16.º, 19.º, 20.º e 23.º do CIVA estabelecem o seguinte, no que está em causa no presente processo:
Artigo 16.º
Valor tributável nas operações internas
1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 10, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.
2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é:
(...)
h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário.
Artigo 19.º
Direito à dedução
1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;
Artigo 20.º
Operações que conferem o direito à dedução
1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
Artigo 23.º
Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista
1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.
3.1.2. O direito a dedução de IVA suportado com aquisições de bens e serviços utilizados para os fins das operações tributadas
Por isso, por força do disposto nos artigos 168.º, alínea a), da Directiva n.º 2006/112/CE e 20.º, n. 1, alínea a), do CIVA, a Requerente tem, em princípio, direito a deduzir o IVA suportado a montante nas aquisições de bens e serviços utilizados nas suas operações tributadas.
Em Portugal, a actividade de locação financeira mobiliária é totalmente tributada e não isenta, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, pelo que uma entidade que desenvolva apenas este tipo de actividade pode deduzir todo o IVA suportado para a realizar, nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA.
Porém, a Requerente é um sujeito passivo misto, pois é uma instituição de crédito que, além de desenvolver actividade tributada e não isenta de locação financeira (e ALD), realiza também operações isentas, nomeadamente operações de financiamento/concessão de crédito, que beneficiam da isenção prevista no n.º 27 do artigo 9.º do CIVA.
Relativamente aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações económicas com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações [artigos 173.º, n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n 1, alínea b] do CIVA).
Essa proporção ou pro rata de dedução é determinada por uma fracção que inclui «no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução» e «no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução» [ artigo 174.º, n. 1, alíneas a] e b), da Directiva n.º 2006/112/CE.
Aplicando estas regras, sendo a actividade de locação financeira tributada e não isenta, quanto à totalidade do valor das rendas [artigo 16.º, n.º 2, alínea h], do CIVA], o montante destas deverá ser incluído totalmente no numerador, em que se inclui o «montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução».
3.1.3. A limitação do direito à dedução relativamente a IVA suportado com aquisições de bens e serviços utilizados para os fins das operações tributadas
Estas regras da determinação do pro rata de dedução relativamente a actividades económicas podem ser afastadas nas situações previstas no n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, em que se inclui «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».
Eventualmente, terá sido ao abrigo desta disposição, que tem alguma correspondência como os n.ºs 2 e 3, alínea b) do artigo 23.º do CIVA, que o Ofício-Circulado n.º 30108 estabeleceu, para este tipo de instituições que desenvolvem concomitantemente actividade de locação financeira, integralmente tributada, e outras actividade isentas, um regime especial relativo ao exercício do direito à dedução, por entender que «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”» (ponto 8).
Por um lado, esse regime consiste, em primeira linha, em impor a este tipo especial de sujeitos passivos, relativamente aos bens de utilização mista, a dedução segundo a afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades».
Em segunda linha, no ponto 9 daquele Ofício-Circulado n.º 30108, ainda «na aplicação do método da afectação real», estabelece-se que «sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD».
Em suma, o regime especial previsto no Ofício-Circulado consiste em impor a este tipo de sujeitos passivos a dedução segundo a «afectação real», que deverá ser efectuada de duas formas:
– preferencialmente, «com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades»;
– sempre que tal não seja possível, a «afectação real» será efectuada utilizando um «coeficiente de imputação específico», que é determinado calculando a percentagem de dedução apenas com base no montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, e não, como resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º, com base em «todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica».
A Requerente na autoliquidação relativa ao mês de Dezembro de 2018 aplicou a regra que consta do ponto 9 do referido Ofício Circulado, tendo no cálculo do pro rata de dedução definitivo, previsto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, relativo a bens de utilização mista, excluído do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras dos bens locados, pois não considerou «viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real», como se indica no ponto 8 do Ofício Circulado.
Posteriormente, a Requerente constatou que, se tivesse incluído a totalidade das rendas do leasing no cálculo do critério de dedução, seria encontrada a percentagem de dedução de 9%, em vez de 5%.
A Requerente apresentou uma reclamação graciosa da autoliquidação relativa ao último período de 2018, defendendo, em suma, que a desconsideração, no cálculo do pro rata, dos montantes relativos às amortizações financeiras no âmbito da actividade de leasing e ALD se apresenta em desconformidade com a legislação nacional e comunitária do IVA.
A reclamação graciosa foi indeferida.
3.1.4. Posições essenciais das Partes
No pedido de pronúncia arbitral e alegações, a Requerente defende, em suma, o seguinte:
– a Requerente desconsiderou, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2018, os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira por si celebrados;
– tal procedimento resultou dos ditames da AT constantes no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA e originou a dedução de menos IVA do que aquele a que tinha direito, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária (IVA) em excesso;
– o direito à dedução do IVA, manifestação do princípio da neutralidade, visando libertar integralmente os operadores económicos do encargo do imposto suportado no âmbito da sua atividade, não pode, em princípio, ser limitado, designadamente através da estipulação administrativa de um método de dedução que se materialize na desconsideração, no cálculo do montante a deduzir, de certo montante que, de outro modo, contribuiria para a formação do crédito de imposto;
– tendo presente que o IVA incide sobre a totalidade das rendas obtidas pela Requerente decorrentes dos contratos de locação financeira, o critério preconizado pela Autoridade Tributária, na medida em que impede a dedução do imposto na proporção das receitas geradas com aquelas rendas, sem que se demonstre a inadequação da utilização do método do pro rata geral, não se coaduna com o princípio da neutralidade, que concretiza a igualdade das empresas perante a tributação do consumo;
– não obstante a existência de um ofício-circulado quanto à interpretação a conferir ao artigo 23.º do CIVA, a Autoridade Tributária não pode criar um método de apuramento do IVA dedutível mediante o qual introduza limitações ao exercício do direito à dedução, nem pode impô-lo a determinados sujeitos passivos com base, única e exclusivamente, em orientação genérica, pois tal criação é incompatível com o princípio da legalidade tributária, estabelecido no artigo 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);
– a faculdade a que alude o artigo 23.º, n.º 3, do CIVA não pode ser exercida através de uma orientação administrativa que se pretenda aplicável à generalidade dos sujeitos passivos, pois, como resulta do artigo 173.º, n.º 2, da Diretiva IVA e, bem assim, do artigo 23.º, n.º 3, do CIVA, a imposição do método da afetação real pela Autoridade Tributária deve ter lugar casuisticamente, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade;
– o legislador português nunca consagrou na legislação portuguesa esse hipotético terceiro método, nos termos do artigo 173.º da Diretiva IVA, como, por hipótese, o método assente no “coeficiente de imputação específico” concebido e desenvolvido pela Autoridade Tributária no Ofício-circulado em referência;
– sendo o IVA liquidado sobre a renda integralmente considerada, não se descortinam quaisquer motivos que justifiquem que se ficcione a separação da mesma em capital e juros para efeitos do direito à dedução;
– a Autoridade Tributária não demonstrou a ocorrência de quaisquer distorções significativas na tributação suscetíveis de afastar a aplicação do método pro rata, que são pressuposto da aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado;
– a jusante do ónus da prova que incide sobre o contribuinte quanto aos factos que constituem o fundamento do seu direito à dedução, e a montante do ónus da prova que igualmente assiste àquele de demonstrar que o método da afectação real com “condições especiais” imposto pela AT, não é adequado a evitar, ou agrava, as “distorções na concorrência”, situa-se o ónus da prova daquela de que, no caso, “a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação;
– resulta da prova produzida ter havido no ano de 2018 (na pendência dos contratos de locação financeira celebrados em anos anteriores) uma afectação efetiva e significativa dos recursos indiferenciados às operações associadas à utilização dos bens locados, considerando-se como afetas a estas operações a generalidade das tarefas que apenas têm lugar na prestação de serviços de locação financeira, designadamente:
– no que respeita a seguros: controlo da sua validade;
– no que respeita a infrações associadas a veículos: monitorização das multas/coimas por infrações ao Código da Estrada; controlo das portagens não pagas e respetivas coimas;
– adoção de medidas destinadas à resolução destas situações de incumprimento;
– No que respeita a obrigações tributárias: cumprimento e controlo das obrigações tributárias, como, no caso de veículos, pagamento do Imposto Único de Circulação;
– no que respeita a avarias: seleção e controlo das entidades responsáveis pela reparação dos veículos e equipamentos;
– no que respeita a salvados: seleção de sucateiros;
– no que respeita à ocorrência de acidentes: contacto com as empresas seguradoras;
– no que respeita ao não exercício pelo locatário da opção de compra no final do contrato, realização de todas as diligências necessárias à venda do bem locado;
– as tarefas supra ocorrem tão-somente nos contratos de locação financeira, na medida em que bem locado (veículo/equipamento) é propriedade da Requerente e é disponibilizado ao cliente durante o período de vigência do contrato, pelo que são tarefas intrinsecamente ligadas à disponibilização (e utilização) do bem e não ao financiamento ou gestão do contrato.
– correspondem a tarefas que não têm lugar quando não há disponibilização do bem, mas apenas financiamento, como sucede nos contratos de concessão de crédito para aquisição de um bem, em que o cliente adquire a sua propriedade;
– as operações associadas ao financiamento propriamente dito deixaram de se registar em 2018, como resultado de os novos contratos terem passado a ser celebrados por uma outra entidade do Grupo C..., a D...;
– as comissões cobradas pela Requerente não incluem os recursos indiferenciados por si suportados;
– Requerente logrou demonstrar no âmbito dos presentes autos ser significativa a atividade posterior à entrega dos bens locados provocada pela sua disponibilização, Atividade que não tem lugar nos contratos de mero financiamento, nos quais não ocorre a disponibilização do bem ao cliente;
– Autoridade Tributária, refletido no Ofício-circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, não tem em conta a afetação efetiva e significativa de uma parte dos recursos indiferenciados à disponibilização (e utilização) dos bens, pelo que não se pode considerar que reflita, de modo objetivo, a parte real dos custos suportada com a aquisição de recursos indiferenciados que pode ser imputada a tais operações;
– em consequência, no caso em apreço, o referido método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que a que resultaria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios;
– deste modo, na esteira do acórdão do TJUE proferido no âmbito do processo n.º C-183/13 é de concluir que, no que respeita à atividade de locação financeira da Requerente, a utilização de recursos indiferenciados foi sobretudo determinada pela atividade de disponibilização (e utilização) dos bens e «não pelo financiamento e gestão d[os] contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes»;
– o TJUE julga admissível a exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira do pro rata de dedução desde que se verifique a falta de ligação dos bens e serviços de utilização mista à atividade de disponibilização dos veículos;
– a atividade de concessão e gestão dos créditos encontra-se altamente padronizada pelas minutas dos contratos de leasing internamente disponibilizadas;
– verifica-se, portanto, uma nítida ligação funcional/causal entre os recursos mistos e a atividade de disponibilização dos bens locados;
– o método preconizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira viola o artigo 173.º, n.ºs 1 e 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, tal como interpretado pela jurisprudência do TJUE, designadamente os acórdãos proferidos no processo n.º C-183/13 e C‑153/17.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta e alegações, acompanha, no essencial, a posição assumida na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, dizendo o seguinte, em suma, sobre esta matéria:
– a locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade - o locador financeiro - concede a outra - o locatário financeiro – o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário;
– o objecto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem, isto é, a locadora obriga-se a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, recebendo em contrapartida, uma prestação, sem prejuízo, de nele se poder prever a opção de compra, no final do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes;
– um dos objectivos do legislador nesta matéria, foi assegurar o cumprimento do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade que, no caso concreto, se consubstancia no facto de ser assegurado um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire directamente;
– nem todo o valor pago a título de renda no âmbito de um contrato de locação financeira é correspondente à amortização financeira ou do capital;
– o valor de aquisição do bem objecto de contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário;
– no momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo (locador) exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objecto do contrato de locação, por via do método da imputação directa;
– deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem;
– a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo;
– é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados, indistintamente, em operações com e sem direito à dedução;
– se assim não fosse, permitir-se-ia um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido na aquisição da generalidade dos bens ou serviços com utilização mista;
– o procedimento adoptado pela Administração Tributária, está conforme com as normas internas e comunitárias, em especial, o artigo 16.º e 23.º CIVA, e com os artigos 174.º e 175.º da Diretiva IVA;
– o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira foi aceite pelo TJUE no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), e também pelo Supremo Tribunal Administrativo;
– o método a que alude o ponto 9 do ofício-circulado supra aludido não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna;
– a jurisdição arbitral está vinculada à interpretação efectuada pelo Tribunal relativamente ao artigo 17º, nº5 da Sexta Directiva IVA (actual artigo 173º, nº2 da Directiva nº 2006/112 CE), em causa nos presentes autos, já que o artigo 23º do Código do IVA procedeu à sua transposição para o direito interno nacional;
– o STA entendeu que é necessário descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos;
– o período de disponibilização dos veículos apenas se reduz a uma janela temporal de 15 dias/1 mês, sendo que todos os actos de financiamento e gestão se perpetuam durante o período de vida útil do contrato;
– a Requerente não provou que os custos são sobretudo incorridos na fase de disponibilização dos veículos, que são os referentes à pré-venda, à concepção e à entrega do veículo ao cliente;
– todos os custos incorridos durante a vida útil do contrato se encaixam naquilo que se designa de gestão do contrato – e não custos de disponibilização;
– com vista à disponibilização dos veículos, a aquisição do veículo, que será um substancial input incorrido pela Requerente na actividade de locação financeira, é neutralizado pelo exercício do direito à dedução que aí assiste;
– não há outros inputs relativos à disponibilização dos veículos;
– as restantes despesas, que ganham peso durante a vigência do contrato, situam-se ao nível do financiamento e da gestão, decorrentes das vicissitudes do contrato, como seja despesas com advogados, fornecedores externos, solicitadores, tratamento de multas, de coimas, infracções, tratamento do imposto único de circulação, ou decorrentes da gestão corrente da actividade – água, luz, condomínio, software, sistema de alarmes;
– o locador fica liberto daquilo que são as obrigações regra do proprietário no regime geral da locação;
– parte desses custos mistos estarem reflectidos nas próprias comissões, que consubstanciam o preço a pagar pelos utentes do crédito de leasing para pagamento de prestação de serviços pelo A... e esses custos estão igualmente estimados nos custos gerais e encargos que compõem o valor da renda, a que acresce o capital, o risco e os juros pelo empréstimo,
3.2. Apreciação da questão
A Requerente desenvolve actividade económica, tal como definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que é tributada (nomeadamente, de locação financeira, enquadrável no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA), bem como actividade económica isenta (designadamente, concessão de crédito, nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA).
Em regra, o IVA que for suportado pelo sujeito passivo na aquisição dos meios utilizados exclusivamente na sua actividade económica tributada é totalmente dedutível e o IVA suportado na aquisição de meios utilizados apenas na actividade isenta ou não prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, não pode ser deduzido [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e artigo 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006].
No caso em apreço, está em causa a dedução de IVA relativamente a meios utilizados indiferentemente tanto na actividade tributada (como é a locação financeira), como na actividade económica isenta da Requerente (como sucede com a concessão de crédito).
Relativamente aos meios de utilização mista, utilizados indiferentemente «para efectuar tanto operações com direito à dedução (...) como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações» (artigo 173.º n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006).
Tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução», nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.
Esta percentagem de imposto dedutível, ou «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fracção que inclui no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º, n.º 4, do CIVA).
O pro rata de dedução é determinado anualmente, sendo fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior, e é aplicável provisoriamente, a determinado ano, calculado com base nas operações do ano anterior ou estimado provisoriamente, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões, sob controlo da administração (artigo 175.º, n.ºs 1 e 2, da Directiva n.º 2006/112/CE e n.ºs 6, 7 e 8, do artigo 23.º do CIVA).
Mas, o sujeito passivo pode optar por «efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação» (n.º 2 do artigo 23.º do CIVA). ( [1] )
A utilização deste método de afectação real, em princípio opcional, passará a ser obrigatória se a Administração Fiscal o determinar, o que poderá fazer, nomeadamente, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação» [alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º]. A Administração fiscal poderá também impor «condições especiais».
Através do referido Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, a Administração Fiscal, entendeu que relativamente às «instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD», «o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”», pelo que fez utilização da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, determinando que estes sujeitos passivos utilizem a «afectação real» (ponto 8).
Segundo os pontos 8 e 9, a «afectação real» deverá fazer-se de suas formas:
– se for possível, faz-se «a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades» (ponto 8 daquele Ofício Circulado);
– se não for «possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALDs» (ponto 9 daquele Ofício Circulado); neste caso, fica afastada a aplicação da percentagem que resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º.
No caso em apreço, está-se perante uma situação em que não há controvérsia entre as Partes quanto à inviabilidade de utilização do método da afectação real, com base em critérios objectivos, tendo a Requerente utilizado nas liquidações impugnadas este «coeficiente de imputação específico» determinado da forma prevista no ponto 9, considerando no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing, excluindo do numerador e do denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira.
No entanto, a Requerente defende que este método é ilegal, pelo que deve ser determinado o pro rata de dedução nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, isto é, deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, inclusivamente por ser a utilização dos recursos adquiridos pela Requerente ser, sobretudo, determinada pela disponibilização dos bens locados e não pela gestão dos contratos de locação financeira.
Para além disso, a Requerente coloca as questões:
– da inconstitucionalidade interpretação que é feita no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 sobre o regime do artigo 23.º, n.º s 2, 3 e 4, do CIVA, por ofensa dos princípios da legalidade tributária e da igualdade, este subjacente ao princípio da neutralidade;
– da inexistência das distorções de tributação invocadas no ponto 8 do Ofício-Circulado n.º 30108;
– a violação do artigo 173.º, n.ºs 1 e 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, na interpretação do TJUE, designadamente os acórdãos proferidos no processo n.º C-183/13 e C‑153/17.
3.2.1. A jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo
O TJUE pronunciou-se sobre uma situação deste tipo, atinente a instituição bancária que desenvolve actividades de locação financeira que conferem direito à dedução e outras actividades financeiras, que não conferem tal direito.
As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º) ( [2] ).
Na referida alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Directiva, correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece-se que «os Estados-membros podem» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».
No acórdão proferido em 10-07-2014, no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), no âmbito de reenvio prejudicial, o TJUE entendeu que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 «não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».
Na linha do decidido pelo TJUE, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu já, no acórdão de 29-10-2014, proferido no processo n.º 01075/13, que «os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros».
Posteriormente, no acórdão de 18-10-2018, proferido no processo C-153/17 (Volkswagen Financial Services (UK) Ltd), o TJUE, corrigindo a interpretação que entendeu que se podia fazer do decidido no acórdão Banco Mais, esclareceu que «não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C-183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.°, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega».
Como se refere neste acórdão, pode impor-se
– «um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios» (n.º 51);
– «qualquer Estado-Membro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução» (n.º 52);
– «os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios».
O método de cálculo do pro rata indicado pela Administração Tributária no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 não tem em conta o valor do veículo, pelo que contraria manifestamente o decidido pelo TJUE, neste acórdão do processo C-153/17, sendo consequentemente ilegal, por violação do Direito da União.
Por outro lado, como se refere no mesmo acórdão, este entendimento é aplicável «mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis (...) não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação» (n.º 59), como sucede no caso em apreço.
Assim, neste acórdão do processo C-153/17, apesar de ficar demonstrado que os custos gerais eram imputados à parte das rendas referentes aos juros e a parte das rendas correspondente ao capital não era tributada (por ser isenta à face da lei inglesa), entendeu-se que esta última não podia ser completamente excluída do cálculo do pro rata, pelo que esta jurisprudência não pode deixar de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a actividade de leasing é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do artigo 20.º, n.º 1, e para efeitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIVA.
Na verdade, se o TJUE entendeu que, mesmo nos casos de a parte das rendas correspondente às amortizações não ser tributada (como sucede na lei inglesa) esse montante não podia ser excluído completamente do numerador da fracção, por maioria de razão valerá este entendimento quanto este montante também é tributado em IVA (como sucede na lei portuguesa) e, por isso, se está perante operação que confere operações que conferem direito a dedução, relativamente à qual resulta explicitamente da lei a sua inclusão no numerador da fracção (artigo 23.º, n.º 4, do CIVA).
De qualquer forma, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), não se admitiu generalizadamente que um Estado-Membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».
Como resulta desta parte final, na perspectiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, pelo que a imposição dessa percentagem especial pelo Ofício-Circulado n.º 30108 e na decisão da reclamação graciosa, sem qualquer indagação da utilização real dos recursos de utilização mista, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.
No entanto, o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que só se pode concluir pela ilegalidade com um apuramento casuístico da utilização real dos bens e serviços de uso misto, isto é, quando «sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» ( [3] ).
É, essencialmente, esta jurisprudência que o Supremo Tribunal Administrativo terá tendencialmente estabilizado com o acórdão uniformizador n.º 3/21, de 24-03-2021, proferido no processo n.º 87/20.0BALSB, publicado Diário da República, I Série, de 18-11-2021.
Formulando um juízo de facto, no caso em apreço, resulta claramente da prova produzida que há uma afectação real e significativa dos custos gerais à disponibilização dos veículos, considerando como afectas à disponibilização dos veículos a generalidade das tarefas que apenas ocorrem na prestação de serviços de locação financeira, designadamente:
– no que respeita a seguros: controlo da sua validade;
– no que respeita a infrações associadas a veículos: monitorização das multas/coimas por infrações ao Código da Estrada; controlo das portagens não pagas e respetivas coimas;
– adoção de medidas destinadas à resolução destas situações de incumprimento;
– No que respeita a obrigações tributárias: cumprimento e controlo das obrigações tributárias, como, no caso de veículos, pagamento do Imposto Único de Circulação;
– no que respeita a avarias: seleção e controlo das entidades responsáveis pela reparação dos veículos e equipamentos;
– no que respeita a salvados: seleção de sucateiros;
– no que respeita à ocorrência de acidentes: contacto com as empresas seguradoras;
– no que respeita ao não exercício pelo locatário da opção de compra no final do contrato, realização de todas as diligências necessárias à venda do bem locado;
Todas estas actividades ocorrem apenas nos contratos de locação financeira de veículos, porque o veículo é propriedade da Requerente e é disponibilizado ao cliente durante o período de duração do contrato, pelo que são actividades geradas pela disponibilização dos veículos e não pelo financiamento ou gestão dos contratos.
Trata-se de actividades que não ocorrem quando não há disponibilização dos veículos, mas apenas financiamento, como sucede nos contratos de mera concessão de crédito para a aquisição de veículos, em que os clientes adquirem os veículos para si próprios.
Assim, actividades relacionadas com a gestão dos contratos de locação financeira serão (como sucede com os contratos de concessão de crédito) apenas as que se reportam aos próprios contratos, como são a maior parte daquelas para que estão previstas comissões comuns para os contratos de leasing e crédito automóvel, designadamente o reembolso antecipado parcial ou total, o processamento mensal das rendas ou prestações, a recuperação de valores em dívida e alterações contratuais, além de algumas exclusivas dos contratos de locação financeira, como são a transmissão da posição jurídica do locatário e alteração de registos.
Como resultou da prova produzida, as comissões apenas incluem os custos directamente quantificáveis, mas não as despesas gerais conexionadas com as actividades para que estas estão previstas (como são as despesas de electricidade, água, limpeza, despesas com informática, gastos de conservação dos edifícios, mobiliário e maquinaria neles existentes, etc.).
Não se apurou a dimensão exacta de recursos de utilização mista não considerados no valor das comissões que são utilizados em cada uma das actividades referidas, nem há qualquer fundamento para concluir que sejam proporcionais ao número de pessoas que intervêm em cada uma das fases, designadamente porque, além dos colaboradores afectos em permanência e parcialmente à actividade de leasing.
De qualquer modo, apurou-se que, além da actividade anterior à entrega dos veículos, destinada à sua disponibilização aos clientes, é significativa a actividade posterior à entrega dos veículos que é provocada pela sua disponibilização, actividade que não ocorre nos contratos de mero financiamento (crédito automóvel) em não é feita disponibilização dos veículos pela Requerente aos seus clientes.
Assim, na linha do ponto 57 do acórdão do TJUE proferido no processo C-153/17, é de concluir que o método imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que não tem em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos, não se pode considerar que reflicta objectivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações.
Por conseguinte, este método não é suscetível, neste caso concreto em apreço, de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
Para além disso, é convicção do Tribunal Arbitral, embora sem a certeza absoluta que só poderia resultar de uma quantificação exacta ( [4] ), que as actividades anteriores à entrega dos veículos e as consideráveis actividades posteriores derivadas da manutenção dos veículos na posse dos clientes, que só existem nos contratos de locação financeira, foram de maior dimensão e consumiram mais recursos de utilização mista do que as derivadas do financiamento e gestão dos contratos.
Isto é, utilizando a terminologia do ponto 33 do acórdão do TJUE C-183/13 Banco Mais, é convicção do Tribunal Arbitral que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira, foi sobretudo determinada pela actividade de disponibilização dos veículos e «não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes».
De qualquer forma, mesmo que exista dúvida, estar-se-á, pelo que se disse, perante uma situação de «fundada dúvida», que deve ser processualmente valorada a favor da Requerente e não contra ela, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que é uma regra especial para situações em que esse tipo de dúvida subsiste, em processos jurisdicionais.
Por isso, a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa, que têm como pressuposto de facto que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira, ser sobretudo determinada pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes e não pelas actividades conexas com a disponibilização dos veículos, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto.
Essas autoliquidação e decisão da reclamação graciosa enfermam ainda por erro sobre os pressupostos de direito, ao terem subjacente o entendimento de que a imposição do método que consta do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, pode ser efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, como foi, de forma genérica, sem apreciação casuística da questão de saber se a concreta utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente relacionados com os contratos de locação financeira foi ou não sobretudo determinada pela actividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.
3.2.2. Inconstitucionalidade da previsão de um método de dedução não previsto em diploma de natureza legislativa
Embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.
Na verdade, entre os métodos para efectuar a dedução prevista no CIVA, não se inclui o método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, mas sim, quanto a métodos que utilizam uma percentagem de dedução, apenas o indicado no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA e que o que foi permitido ao Estado Português pela Directiva, por via legislativa, não era permitido à Direcção-Geral dos Impostos, através de Ofício-Circular.
Esta questão de saber se, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP (atinentes ao princípio da legalidade tributária), é permitida a criação normas inovatórias sobre métodos de efectuar a dedução (que se reconduzem a normas de determinação da matéria tributável), por via de Ofício-Circulado emitido pela Direcção-Geral de Impostos, como se prevê no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é uma questão distinta da de saber se o Estado Português, por via legislativa, podia criar tais métodos, à face do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva n.º 2006/112/CE.
Esta questão da compatibilidade com a CRP do referido artigo 23.º, n.º 2, do CIVA e do Ofício-Circular referido, não é uma questão de interpretação do Direito da União, mas sim uma questão de Direito Nacional, uma questão de inconstitucionalidade de normas e não da correcção ou incorrecção da sua aplicação.
Esta questão de inconstitucionalidade não é, assim, a de saber se, à face do Direito da União Europeia, do CIVA e do Ofício-Circulado n.º 30108, a Administração Tributária podia impor ao Sujeito Passivo o método previsto no ponto 9 deste Ofício-Circular, mas sim a de saber se aquele artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional se interpretado como permitindo à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
As regras sobre o direito à dedução de IVA, de que resulta o montante do imposto suportado pelo sujeito passivo, são regras de incidência objectiva.
Na verdade, são normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação» ( [5] ).
Neste sentido, tanto são normas de incidência as que determinam o sujeito activo e passivos da obrigação tributária, como as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais. ( [6] )
Assim, por violação dos artigos 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP, recusa-se a aplicação do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.
Consequentemente, o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP
3.2.3. Ilegalidade da imposição através de norma administrativa de um método de execução do direito à dedução não previsto legislativamente
Não tendo o método de exercício do direito à dedução sido previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 sido previsto em diploma de natureza legislativa, não pode a Administração Tributária determinar a sua aplicação, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.
Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».
À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». ( [7] )
Por isso, não tendo suporte legislativo a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.
Mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativa nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP].
Na verdade, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira de natureza geral e abstracta, publicitadas, circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os Tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP). ( [8] )
É com este alcance que o n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT estabelece que «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».
Consequentemente, a autoliquidação efectuada pela Requerente aplicando as regras dos n.ºs 8 e 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, impostas pela Administração Tributária, enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, decorrente da ilegalidade da imposição dessas regras, vício esse que justifica a anulação da autoliquidação, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a confirmou.
3.2.4. Falta de prova de «distorções significativas da tributação» e ónus da prova
De qualquer forma, a aceitar-se a possibilidade de a Administração Tributária impor o método previsto no ponto 9. do Ofício-Circulado 30108, ele só é aplicável, como se refere na alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação».
Foi isso que reafirmou o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador n.º 3/2021, de 24-03-2021, proferido no processo n.º 87/20.0BALSB, em que decidiu que «nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação».
A Administração Tributária defende que a aplicação do coeficiente de imputação específico é o único que se mostra adequado ao apuramento da percentagem de dedução, afastando as distorções na tributação, estando de acordo com o direito comunitário e as normas de direito interno (nomeadamente, artigo 173.º e 174.º da Diretiva IVA, e o artigo 23.º do CIVA), salvaguardando o princípio da neutralidade.
A Requerente defende que não se vislumbram distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, nem a AT as apontou no supra referido Ofício-Circulado n.º 30108, limitando-se a alegar genericamente a falta de coerência das variáveis utilizadas no pro rata, sem fundamentar, concretizar e demonstrar, como lhe cabia, a existência de qualquer distorção.
Na verdade, não se referem no Ofício-Circulado n.º 30108 em que consistem as «distorções significativas na tributação» que resultam da aplicação do método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, formulando-se nesse sentido um juízo conclusivo, cujos fundamentos não se demonstram. A afirmação feita no ponto 8. do Ofício-Circulado de que «aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas» é também conclusiva e obscura, pois não se esclarece quais as aludidas vantagens ou prejuízos, nem para quem, nem em que consiste a falta de coerência que se invoca.
Por outro lado, também na decisão da reclamação graciosa a Autoridade Tributária e Aduaneira, que manteve na ordem jurídica a liquidação com a fundamentação com que justificou o indeferimento, não demonstra que a aplicação do pro rata geral previsto no artigo23.º, n.º 4, do CIVA conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.
Aliás, no caso concreto em apreço, tendo-se concluído que as actividades anteriores à entrega dos veículos e as consideráveis actividades posteriores derivadas da manutenção dos veículos na posse dos clientes, que só existem nos contratos de locação financeira, foram de maior dimensão e consumiram mais recursos de utilização mista do que as derivadas do financiamento e gestão dos contratos, está-se, processualmente, perante uma situação em que a utilização desses bens e serviços de utilização mista não foi «sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», mas sim pela disponibilização dos veículos, e em que, por isso, à face do decidido no acórdão do TJUE proferido no processo C-183/13 Banco Mais, a Requerente não pode ser obrigada «a incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros».
Além disso, o procedimento que a Administração Tributária impôs no referido Ofício-Circulado tem a potencialidade de provocar distorções significativas na tributação, como bem demonstram JOSÉ XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS ( [9] ), relativamente à locação financeira com rendas mensais constantes:
«Ora não se consegue demonstrar que o expurgo da amortização financeira contribui para uma sintonia mais fina na determinação da parcela de imposto dedutível. Bem ao invés, demonstra-se que o procedimento que a AT quer obrigar o sujeito passivo a adoptar provoca distorções significativas de tributação e não consegue de modo algum o objectivo que a lei, no artigo 23.º, n.º 3, atribui ao método da afectação real – o objectivo de efectuar a dedução de “com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços [de uso “promíscuo”] em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito.
Em financiamentos cujo reembolso é efectuado em prestações periódicas, sabe-se que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, esta dada pela diferença entre renda total e juro pago. Nas sucessivas prestações, quer em termos de rendas constantes quer de rendas variáveis, como a seguir melhor se verá numericamente, a parte imputável a juros vai flutuando ao longo do tempo de duração do contrato».
Sendo assim, que consequência tem o apuramento do IVA dedutível segundo o método imposto pela AT de expurgar a amortização do cálculo da parcela dedutível? Tem a consequência de fazer flutuar a percentagem de IVA dedutível ao longo do tempo de duração do contrato.
Esta flutuação, porém, só teria razão de ser se houvesse fundamentos para crer que ao longo desse tempo a intensidade do uso dos inputs promíscuos flutuava também na mesma onda. Ora, é bem claro que não há qualquer razão para crer que seja assim. A intensidade do uso desses bens e serviços será eventualmente a mesma, ou se não for, não é através de uma percentagem de dedução calculada com quer a AT que poderá ser apurada essa eventual diferença de intensidade.
A solução imposta pela AT provoca, ela sim, distorções na tributação. Pode entender-se que o método do pro rata a que chamaríamos normal não apura com suficiente rigor a parcela de imposto dedutível, mas ele é, sem dúvida, melhor do que trabalhar com uma percentagem de dedução que faz flutuar a parcela de imposto dedutível ao longo do tempo sem qualquer relação com diferenças na intensidade do uso dos inputs promíscuos pelo sector de actividade cujas operações conferem direito à dedução.
A pretensão da AT em aperfeiçoar o apuramento do imposto dedutível só poderia eventualmente ser conseguida impondo um verdadeiro método de afectação real, não um pro rata manipulado, sem significado e adequação ao objectivo pretendido de evitar distorções significativas na tributação».
Assim, não se pode considerar demonstrado que, na situação em apreço, a determinação do pro rata baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar «distorções significativas da tributação», havendo, antes, a certeza de que essas distorções resultam do método imposto pela Administração Tributária.
O ónus da prova da existência das distorções de tributação a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira recai sobre esta, como decorre do n.º 1 do artigo 74.º da LGT que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» e a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstrou que, no caso concreto, se verifiquem as invocadas «distorções significativas da tributação», quer no Ofício-Circulado n.º 30.108, quer no procedimento de reclamação graciosa que manteve a autoliquidação, quer no presente processo arbitral.
Pelo exposto, ao pressuporem que a aplicação do método previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA gera distorções significativas de tributação e que elas são evitadas pelo método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de facto.
Por outro lado, à face do decidido pelo TJUE no acórdão do processo C-183/13 Banco Mais, as «distorções significativas da tributação» que permitem a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108 só poderão ocorrer nos casos em que se demonstre que a utilização dos bens e serviços de utilização mista foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira (e não pela disponibilização dos bens locados), o que tem como corolário que, na falta de prova de uma situação especial deste tipo, a Administração Tributária não pode ser obrigado o sujeito passivo a utilizar aquele método especial.
A esta luz, a interpretação do artigo 74.º, n.º 1, da LGT no sentido de que cabe ao contribuinte o ónus da prova das de que o método previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA conduz a «distorções significativas de tributação», que tem como corolário a possibilidade de aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado em situações de non liquet quanto à utilização de bens ou serviços de utilização mista ser sobretudo determinada pela actividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, contraria o acórdão do TJUE C-183/13 Banco Mais, em que se fez depender a possibilidade de aplicação deste método apenas quando se demonstre, positivamente, que «a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos».
Assim, impondo a Constituição a primazia do Direito da União tal como definido pelo TJUE, recusa-se, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, a aplicação do artigo 74.º, n.º 1, da LGT na interpretação de que recai sobre o Sujeito Passivo o ónus da prova de que a utilização dos bens e serviços de utilização mista foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, que é pressuposto da admissibilidade da aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108, à face do decidido no acórdão do TJUE do processo 183/13 Banco Mais.
3.2.5. Princípio da igualdade, ínsito no princípio da neutralidade do IVA e primazia do Direito da União Europeia
As distorções da tributação que resultam da aplicação do método previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 são amplificadas em termos incompatíveis com o princípio constitucional da igualdade, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, adoptada pelo Pleno no acórdão de 30-09-2020, processo n.º 26/20.8BALSB, em que entendeu que a jurisprudência do Acórdão Banco Mais, apenas é aplicável quando o sujeito passivo é um banco, e já não quando é uma sociedade financeira de crédito que utilize para as suas operações tributadas recursos de utilização mista não quantificáveis.
Na verdade, nas situações em que não seja possível a afectação real, não se aplicando o «coeficiente de imputação específico» quando o sujeito passivo é uma sociedade financeira, será aplicável ao cálculo do pro rata o regime do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, incluindo-se no numerador da fracção o valor total das rendas [que é na totalidade tributado, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA], enquanto se o sujeito passivo for um banco apenas será incluída no numerador a parte das rendas que corresponde aos juros.
Além das distorções de tributação que resultam da não inclusão do valor total das rendas na fracção quando o sujeito passivo é um banco, a aplicação do método referido apenas aos bancos é incompaginável com o princípio da igualdade, pois duas situações idênticas de sujeitos passivos mistos que realizem concomitantemente operações de locação financeira e operações isentas teriam uma tributação em IVA (derivada da restrição do direito à dedução) consideravelmente distinta.
A distorção da tributação provocada pelo método previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 detecta-se também quando se compara a limitação do direito à dedução quanto a recursos afectos à locação financeira quando é efectuada por um banco com a de um sujeito passivo que apenas se dedique à actividade de locação financeira.
Na verdade, o sujeito passivo que apenas se dedique à locação financeira poderá, sem qualquer limitação, deduzir a totalidade do IVA suportado nos bens e serviços que adquira para exercer essa actividade, pois ela é totalmente tributada, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea h) do CIVA, e o artigo 20.º, n.º 1, deste Código (em sintonia com o artigo 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE) assegura o direito à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos para realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas. Em última análise, à luz da referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108, bastará apenas a realização de uma única operação de concessão de crédito, a par de milhares de operações de locação financeira, para o direito de dedução do IVA suportado com os custos gerais passar de total a insignificante.
Assim, o princípio da igualdade (na vertente de proporcionalidade) exigirá que ao locador financeiro que, além dessa actividade tributada, desenvolve também actividade isenta, possa deduzir o IVA na parte proporcional ao volume de negócios daquela actividade.
Por isso, são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade (proporcionalidade) (artigo 13.º da CRP), as normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b) do CIVA, se interpretadas como permitindo a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108.
Por outro lado, sendo obrigatória para os Tribunais Nacionais a jurisprudência do TJUE, pois as normas do Direito da União «são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União» (artigo 8.º, n.º 4, da CRP), as interpretações que contrariem essa jurisprudência violam esta norma constitucional.
Assim, decorrendo do acórdão do TJUE de 18-10-2018, proferido no processo C-153/17, que à face dos artigos 168.° e 173.°, n.° 2, alínea c), da Directiva n.º 2006/112/CE e do princípio da neutralidade, «os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios» e sendo este o caso do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108, os n.ºs 2, 3, alínea b), e 4 do artigo 23.º do CIVA são materialmente inconstitucionais, por violação daquele artigo 8.º, n.º 4, da CRP, se interpretados nos termos referidos naquele Ofício-Circulado.
Por isso, recusa-se, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação dos artigos 8.º, n.º 4, e 13.º da CRP, a aplicação dos n.ºs 2, 3, alínea b) e 4 do artigo 23.º do CIVA na interpretação que deles se faz no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108.
3.2.6. Conclusão
Pelo exposto, conclui-se que,
– sendo a actividade de leasing integralmente tributada e não isenta de IVA [artigo 16.º, n.º 2, alínea h], do CIVA], a Requerente pode, em princípio, deduzir todo o IVA suportado com aquisição de bens e serviços utilizados nessa actividade;
– em face da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo, a possibilidade de impor o método de cálculo do pro rata de dedução quanto a recursos de utilização mista previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, no que concerne aos contratos de locação financeira efectuados por bancos, não é admitida generalizadamente, antes «tal situação será excepcional», dependendo de se verificar, casuisticamente, que a utilização dos «bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (processo C-183/13, Banco Mais, e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, e de 04-03-2015, processos n.ºs 081/13 e 01017/12, e de 04-03-2020, processos n.ºs 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, entre muitos outros);
– não se tendo apurado que, no ano de 2019, a utilização dos bens e serviços de utilização mista tivesse sido sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de leasing, não se verifica uma situação em que possa ser imposto o referido método de dedução;
– é convicção do Tribunal Arbitral que as actividades anteriores à entrega dos veículos e as consideráveis actividades posteriores derivadas da manutenção dos veículos na posse dos clientes, que só existem nos contratos de locação financeira, foram de maior dimensão e consumiram mais recursos de utilização mista do que as derivadas do financiamento e gestão dos contratos;
– é convicção do Tribunal Arbitral que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente, quanto a contratos de locação financeira, foi sobretudo determinada pela actividade de disponibilização dos veículos e «não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes»;
– em qualquer caso, o método previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado 30108, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, em situação que se comprova uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos, não tem potencialidade para garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspectiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, como entendeu o TJUE no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd;
– independentemente da compatibilidade daquele método como o Direito da União Europeia, a sua imposição no âmbito do Direito Nacional, apenas poderia ser feita por via de diploma legislativo e não de circular administrativa, pelo que aquela imposição viola os princípios constitucionais da legalidade e da hierarquia das normas e o princípio administrativo da legalidade [artigos 103.º, n.º2, e 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP e 55.º da LGT];
– o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP;
– não se demonstrou que o método do pro rata previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA provoque «distorções significativas da tributação», pelo que não se verifica o pressuposto em que o Ofício-Circulado n.º 30108 assenta a imposição da aplicação do coeficiente de imputação específico previsto no seu n.º 9, e, consequentemente, a imposição na situação dos actos enferma de erro sobre os pressupostos de facto;
– é materialmente inconstitucional, por força do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o artigo 74.º, n.º 1, da LGT na interpretação de que recai sobre o Sujeito Passivo o ónus da prova de que a utilização dos bens e serviços de utilização mista foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, que é pressuposto da admissibilidade da aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108, à face do decidido no acórdão do TJUE do processo 183/13 Banco Mais;
– são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), as normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b), e 4 do CIVA, se interpretadas como permitindo a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108;
– são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da primazia do Direito da União Europeia (artigo 8.º, n.º 4, da CRP), as normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b), e 4 do CIVA, na interpretação que é feita no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108.
Pelo exposto, a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado por ofensa do princípio da legalidade e errada interpretação dos n.ºs 2, 3, alínea b), e 4 do artigo 23.º do CIVA, e da alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.
Consequentemente, a autoliquidação relativa ao último período de 2018, em que foi dada execução a essa imposição, enferma de vício de violação de lei, na parte correspondente à errada aplicação do método de cálculo do pro rata de dedução, o que justifica a sua anulação bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a manteve, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Restituição de quantia paga em excesso e juros indemnizatórios
Como se refere na decisão da matéria de facto, não se considerou provado que a Requerente tenha feito o pagamento da quantia autoliquidada (o que não é sequer alegado).
O reembolso e os juros indemnizatórios dependem do pagamento indevido e da data em que ele é efectuado, pelo que não há fundamento factual para se decidir neste processo se a Requerente tem ou não direito a reembolso e a juros indemnizatórios.
A ter ocorrido pagamento, a Requerente, como consequência da anulação da autoliquidação, terá direito a reembolso da quantia paga em excesso e também direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, da LGT, já que a anulação da autoliquidação se baseia em erro imputável aos serviços, pois a Requerente seguiu, no seu preenchimento, «as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas».
Assim, não tendo sido feita prova do pagamento, aqueles pedidos têm de ser julgados improcedentes, sem prejuízo dos eventuais direitos a reembolso e juros indemnizatórios poderem ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir, quando não há elementos para esse efeito no processo declarativo (artigo 609.º, n.º 2, do CPC e 61.º, n.º 2, do CPPT).
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Recusar com fundamento em inconstitucionalidade, por ser incompaginável com os 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP, a aplicação do artigo 23.º, n.ºs 2, 3, alínea b), e 4 do CIVA, na interpretação que consta do ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009;
-
Recusar, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, a aplicação o artigo 74.º, n.º 1, da LGT na interpretação de que recai sobre o Sujeito Passivo o ónus da prova de que a utilização dos bens e serviços de utilização mista foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, que é pressuposto da admissibilidade da aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108, à face do decidido no acórdão do TJUE do processo 183/13 Banco Mais;
-
Recusar com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), a aplicação das normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b), e 4 do CIVA, na interpretação de que permitem a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108;
-
Recusar com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do princípio da primazia do Direito da União (artigo 8.º, n.º 4, da CRP), a aplicação das normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b), e 4 do CIVA, na interpretação de que permitem a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108;
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial da autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2018, consubstanciada na declaração periódica n.º ...;
-
Anular a referida autoliquidação, na parte em que foi deduzido IVA em montante inferior ao que resulta do cálculo do pro rata nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, com inclusão do valor total das rendas de locação financeira, por enfermar de erros sobre os pressupostos de facto e de direito;
-
Anular a decisão da reclamação graciosa que manteve a autoliquidação;
-
Julgar improcedentes os pedidos de restituição da quantia paga em excesso e de juros indemnizatórios sem prejuízo de os respectivos direitos deverem ser apreciados em execução do presente acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 468.172,07.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.344,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 21-06-2022
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Armando Oliveira)
(António Pragal Colaço)
[1] A utilização deste método é obrigatória de se tratar de bem não utilizados na actividade económica definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.
[2] Neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 25-10-2000, processo n.º 25128, Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, em que se entendeu que, na sequência decisão do TUJE proferida no processo C-183/13, tinha sido necessário ampliar a matéria de facto «no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afectos a actividades que conferem direito a dedução de IVA e a actividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos». (negrito nosso)
Na mesma linha, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 04-03-2015, processos n.ºs 081/13 e 01017/12, refere-se a necessidade de ser reapreciada a matéria de facto «para que se possa decidir se a fórmula de cálculo do pro rata utilizada pela Administração Tributária, em concreto, pode fundamentar as correcções efectuadas e que conduziram aos actos de liquidação impugnados». (negrito nosso)
[4] J.P. REMÉDIO MARQUES, Acção declarativa à luz do Código revisto, 3.ªed., página 559:
«Dado que a demonstração da realidade dos factos nunca pode aspirar à certeza absoluta – a verdade acerca dos acontecimentos do mundo externo e do mundo psíquico é sempre contingente e é "filtrada" pela consciência do próprio sujeito –, a prova visa apenas formar no espírito do juiz um estado de convicção de que determinada facto respeitante a uma ocorrência alegada pela parte terá provável e razoavelmente acontecido.
A prova visa assim criar no espírito do julgador a convicção psicológica (certeza subjectiva) da realidade de um facto assente na certeza relativa do mesmo».
[5] SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 126.
Em sentido idêntico, pode ver-se e NUNO SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, página 56.
[6] Obra e local citados.
[7] FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, página 40.
Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II: «A lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que, hoje em dia, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça». (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 42-43.
Em sentido idêntico, pode ver-se MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, 1999, volume I, página 84, que refere: «Com o Estado pós-liberal, em qualquer das suas três modalidades, a legalidade passa de externa a interna. A Constituição e a lei deixam de ser apenas limites à actividade administrativa, para passarem a ser fundamento dessa actividade.
Deixa de valer a lógica da liberdade ou da autonomia, da qual gozam os privados, que podem fazer tudo o que a Constituição e a lei não proíbem, para se afirmar a primazia da competência, a Administração Pública só pode fazer o que lhe é permitido pela Constituição e a lei, e nos exactos termos em que elas o permitem.».
Nesta linha tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, por exemplo, pelo acórdão de 13-11-2002, processo n.º 047932.
[8] Neste sentido, pode ver-se MANUAL DE DIREITO FISCAL, Pedro Soares Martinez, Edições Almedina, Coimbra, 1.ª Reimpressão -1984, página 109.
[9] Em “A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs “promíscuos” dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)”, publicado em Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 10, n.º 1, página 27 e seguintes, 46-47.