Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 281/2021-T
Data da decisão: 2021-12-31  Selo  
Valor do pedido: € 402.178,55
Tema: IS - Setembro de 2014 a Setembro de 2016. Isenção do artigo 7º nº 1 alínea e) e nº 7, ambos do Código do Imposto do Selo (CIS). Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS) não financeiras.
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Sumário:


I - As sociedades gestora de participações sociais exercem actividades financeiras, quer sejam SGPS de participações sociais financeiras, quer sejam SGPS de participações sociais não financeiras, nos termos do CAE-REV3;

II - Uma sociedade gestora de participações sociais, financeiras ou não financeiras, que tenha o CAE REV-3 64 201 e 64 202, respectivamente, tendo em conta o seu objecto/actividade principal, desde que domiciliada em Portugal, constitui uma “instituição financeira” para os efeitos da isenção prevista no artigo 7º nº 1 alínea e) e nº 7, ambos do Código do Imposto do Selo (CIS);

III – A isenção fiscal mista (objectiva e subjectiva) prevista no artigo 7º nº 1 alínea e) e nº 7, ambos do Código do Imposto do Selo, é um benefício fiscal automático, uma vez que resulta directa e imediatamente da lei, e é irrenunciável conforme resulta do nº 1 do artigo 5º e do nº 8 do artigo 14º, ambos do EBF.

IV – A norma isentiva contida no artigo 7º nº 1 alínea e) e nº 7, ambos do Código do Imposto do Selo (CIS) é susceptível de interpretação extensiva, conforme artigo 10º do EBF.

 

Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

                1. Relatório

 

A...– SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A., NIPC..., com sede no ..., ..., ...–..., ...-... ..., doravante referida como «Requerente», veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral (PPA) tendo em vista a declaração de ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa cuja decisão lhe foi notificada em 11.01.2021, e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), os actos de liquidação de Imposto do Selo repercutido na Requerente, relativos a operações de crédito com o B... e referentes aos períodos de Setembro de 2014 a Setembro de 2016, no montante total de € 402.178,55.

Termina pedindo a anulação da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa e dos atos de liquidação de imposto do selo nos seguintes termos: “... DEVE SER DECLARADA A ILEGALIDADE DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA ..., BEM ASSIM, A ILEGALIDADE DAS AUTOLIQUIDAÇÕES DE IMPOSTO DO SELO REPERCUTIDO NA REQUERENTE, SUPRA IDENTIFICADAS, RELATIVAS A OPERAÇÕES DE CRÉDITO COM O B..., E REFERENTES AOS PERÍODOS DE SETEMBRO DE 2014 A SETEMBRO DE 2016, IMPOSTO DO SELO ESTE NO MONTANTE TOTAL DE € 402.178,55, COM A SUA CONSEQUENTE ANULAÇÃO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE O REEMBOLSO À REQUERENTE DESTA QUANTIA, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS À TAXA LEGAL CONTADOS DESDE 15 DE OUTUBRO DE 2019 ATÉ AO SEU INTEGRAL REEMBOLSO”.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 04-05-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo (TAC) os signatários desta decisão, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 13-07-2021.

A AT apresentou resposta em 30.09.2021 e juntou na mesma data o PA, tendo suscitado três excepções, a saber:

             Excepção dilatória de incompetência material do TAC relativamente ao PPA, na parte em que ocorreu rejeição liminar, por intempestividade, do pedido de revisão oficiosa, com base na decisão CAAD Processo nº112/2015-T;

             Excepção dilatória de incompetência material do TAC para apreciar a impugnação direta dos atos de autoliquidação indicados no PPA;

             Excepção dilatória de incompetência material do TAC para apreciar os actos de autoliquidação referidos em 1. praticados após 31 de Março de 2016, dada a sua inimpugnabilidade por não existir erro imputável aos serviços.

Por despacho de 12.10.2021 do Sr. Presidente do TAC foi convidada a Requerente a pronunciar-se sobre as excepções aduzidas pela AT.

Em 25.10.2021 respondeu a Requerente quanto às excepções aduzidas, defendendo a sua improcedência.

Por despacho de 08.11.2021 do Sr. Presidente do TAC, foi dispensada a realização da reunião de partes do artigo 18º do RJAT e conferido prazo simultâneo de 20 dias para as partes apresentarem alegações escritas.

As partes apresentaram alegações escritas, em 15.11.2021 a Requerida e em 22.11.2021 a Requerente, mantendo o que já haviam referido em sede de PPA e de Resposta.

 

A dissonância entre a Requerente e a Requerida é essencialmente quanto classificação como “instituição financeira” das Sociedades de Gestão de Participações Sociais não Financeiras (SGPS).

 

A Requerente defende que “uma sociedade gestora de participações sociais constitui uma instituição financeira para efeito da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo” com base em 6 decisões arbitrais CAAD proferidas os Processos nºs 911/2019-T, 819/2019-T, 3/2020-T, 110/2020-T, 502/2020-T e 81/2021-T que se pronunciaram sobre situações idênticas.

Ou seja, considera que preenche todos os requisitos legais para beneficiar da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), e nº 7, ambos do Código do Imposto do Selo, a saber:

1.            o Imposto do Selo em causa resultou de operações de financiamento ou utilização de crédito e respectivos juros, eventuais comissões e garantias associadas;

2.            os créditos foram concedidos por instituição de crédito, mais especificamente pelo B..., domiciliado em Estado Membro da União Europeia, mais especificamente Portugal;

3.            e os créditos foram concedidos a uma sociedade também ela domiciliada num Estado Membro da União Europeia, mais especificamente Portugal, que se reconduz a um dos tipos de instituição financeira de entre os previstos na legislação comunitária, mais especificamente ao tipo “sociedade gestora de participações sociais”.

Conclui a Requerente que “o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS na redacção em vigor à data dos factos (2014, 2015 e 2016) é inconstitucional quando interpretado (conforme pretendido pela AT) no sentido de excluir da lista de mutuárias susceptíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de instituições financeiras, as sociedades gestoras de participações sociais, num contexto em que é interpretada como incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento, os fundos de capital de risco, etc.,  por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias (artigos 2.º - “Estado de direito democrático” e artigo 13.º - “Princípio da igualdade”, ambos da Constituição da República Portuguesa”.

 

 A Requerida não põe em causa os supra aludidos requisitos da isenção se verificam quanto à Requerente, à excepção do requisito da sua qualificação como instituição financeira, à luz dos tipos previstos na legislação comunitária, com base no que se encontra expresso nas decisões de indeferimento da reclamação graciosa e com base em 3 decisões arbitrais CAAD proferidas os Processos nºs 37/2020-T e 559/2020-T (e acrescente-se a decisão adoptada no Processo nº 170/2021-T).

Considera a AT que (1) a Requerente é uma SGPS, mas não é uma instituição de crédito ou sociedade financeira na acepção dos artigos 4º-A e 6º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) (2) mas não cabe na definição de “instituição financeira”, porquanto:

1.            “... a definição de “Instituição financeira” constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) e artigo 4.º, ponto 26) da Diretiva serve os objetivos de um quadro regulatório dedicado às atividades de natureza financeira e às instituições de crédito e empresas de investimento;

2.            Consequentemente, nela não cabe uma SGPS cujo único objeto é a detenção e gestão de participações em sociedades, não sendo qualquer delas uma instituição de crédito, ou empresa de investimento.

3.            Entendimento que está em sintonia com a especificidade das SGPS que dimana do art.º 1, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 495/88, pois, se as SGPS “têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”, o exercício indireto da atividade própria das instituições de crédito ou de empresas de investimento ou de instituições financeiras só pode ser exercido quando são detidas participações de controle ou qualificadas em sociedades que assumem aquela natureza .

4.            Aliás, a exclusão das SGPS em geral do âmbito da Diretiva e do Regulamento é confirmada pelo facto de a sua transposição para o direito nacional, como já tinha sucedido com a Diretiva 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006 (revogada pela Diretiva 2013/36/UE), não ter implicado qualquer alteração ao regime jurídico das SGPS, nomeadamente, às regras de constituição e de exercício da atividade ou da sua sujeição ao cumprimento de regras de supervisão”.

5.            Ao nível interno “o legislador nacional interpretou a definição da legislação europeia, em linha com o entendimento que acima foi exposto, ao considerar que a generalidade das SGPS não encontra correspondência nos específicos tipos das empresas compreendidas na definição de “Instituição financeira” constante do artigo 4.º, ponto 26), do Regulamento.

6.            Deste modo, o legislador integrou nessa qualificação apenas as SGPS que, em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro e no artigo 117.º do RGICSF, estão sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”;

7.            Quanto ao argumento de uma alegada discriminação entre as SGPS e outros tipos de entidades – os FCR, SCR, FII – que a AT terá qualificado como “instituição financeira” para efeitos da Verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo, refere que “... não faz sentido empreender um exercício de comparação, tanto mais que o enquadramento legal, tanto no plano nacional como europeu, são distintos” e

8.            “mal se compreende também que a Requerente apele para o recurso à analogia, proibida pelo artigo 10.º do EBF, aplicável às isenções de imposto do selo, pelo disposto no artigo 1.º do mesmo Estatuto para se estenda às SGPS o entendimento firmado relativamente aos FFI, FCR e SCR.”

9.            De igual modo, a ideia de que o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), tal como interpretado pela AT seja considerada inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da proibição do arbítrio (artigos 2.º e 13.º da CRP) é desprovida de fundamento porque do enunciado deste princípio decorre que situações iguais devem ter tratamento idêntico e situações desiguais devem ter tratamento diferente”.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

2. Matéria de facto

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:

A)           A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) prevista e regida pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (e alterações subsequentes) com o CAE principal 64 202 – REV-3 e está domiciliada em Portugal – conforme artigo 14º do PPA, Documentos 3 e 4 juntos com o PPA e ponto III-1 e 2-2 da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa junta como Documento nº 2 em anexo ao PPA;

B)           A Requerente “tem por objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas, bem como quaisquer outras actividades permitidas por lei às actividades gestoras de participações sociais” – conforme artigo 14º do PPA, Documentos 3 e 4 juntos com o PPA e ponto III-1 da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa junta como Documento nº 2 em anexo ao PPA;

C)           Consta dos Relatórios & Contas da Requerente relativos aos exercícios económicos de para 2014, 2015 e 2016, que não exerce actividade económica directa, o que está reservado às suas participadas, mantendo-se como intermediária no circuito financeiro e económico, incluindo a intermediação do financiamento dos actores económicos que são as suas participadas – conforme artigo 15º do PPA e Documentos nºs 5, 6 e 7 juntos com o PPA;

D)           No âmbito da actividade mediata e no período de Setembro de 2014 a Setembro de 2016, a Requerente recorreu a financiamento junto do Banco B... (B...), nomeadamente celebrando os seguintes contratos:

             Contrato de mútuo celebrado 15 de Junho de 2009,

             Contrato de crédito celebrado em 23 de Junho de 2015,

             Contrato de crédito celebrado em 23 de Junho de 2015,

             Outras operações de crédito diversas.

- conforme artigo 16º do PPA e documentos nºs 8 a 10 juntos com o PPA;

E)            O Banco B... (B...), entidade que concedeu à Requerente os créditos, realizou desconto livranças e recebeu juros de operações financeiras, é domiciliado em Portugal e exerce a actividade com o CAE Principal: 64190-REV3 – conforme artigo 17º do PPA e Documentos nºs 11 e 12 em anexo ao PPA;

F)            O B..., enquanto sujeito passivo de direito nas operações financeiras realizadas com a Requerente, liquidou e entregou ao Estado o Imposto do Selo devido nos termos da TGIS, com referência às diversas operações financeiras atrás referidas, totalizando o imposto do selo, no Setembro de 2014 e Setembro de 2016, € 402.178,55 – conforme artigo 3º e 18º do PPA e Documentos nºs 1 e 13 juntos com o PPA; 

G)           O B... repercutiu o encargo do referido Imposto do Selo na esfera patrimonial da Requerente, enquanto sujeito passivo de facto, que assim suportou integralmente o imposto – conforme artigo 19º do PPA e Documentos n.ºs 1 e 13 juntos com o PPA;

H)           Face ao acima descrito, a Requerente pagou à Requerida, entre os meses de Setembro de 2014 e Setembro de 2016 (ambos inclusive) Imposto do Selo conforme a seguir se discrimina:

 

 

 

- conforme artigo 22º do PPA e Documentos nºs 1 e 13 em anexo ao PPA;

I)             Em 15-10-2018 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, cujos termos correram sob o nº de procedimento ...2018..., junto da DSIMT, tendo sido notificada em 11 de Janeiro de 2021 do seu indeferimento, por despacho proferido em 21.12.2020 pela Senhora Subdirectora-geral da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, cujo teor é o seguinte: “atendendo aos fundamentos apresentados, rejeito liminarmente, por intempestividade, o pedido de revisão oficiosa na parte conexa com as operações praticadas  após 31 de Março de 2016 inclusive. Indefiro o pedido de revisão oficiosa na parte conexa com as operações praticadas até 30.03.2016 inclusive” – conforme artigo 3º da Resposta da AT, artigo 4º do PPA e Documento nº 2 em anexo ao PPA;

J)            Consta como fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa o seguinte:

“1 - Não há qualquer dúvida de que os atos tributários em apreço são atos de autoliquidação de imposto do selo e que os mesmos foram praticados em datas que antecederam a revogação do nº 2 do artigo 78.º da L GT e depois desta.

Tratando-se de erro imputável ao sujeito passivo, a administração fiscal só tem o poder-dever de promover a sua revisão se o sujeito passivo tomar a iniciativa nesse sentido no prazo da reclamação administrativa; quando ultrapassado esse prazo, a AT está desobrigada de promover a revisão oficiosa da liquidação a favor do contribuinte.

2 - Como já foi referido ..., no que concerne às liquidações por factos tributários ocorridos após 30 de março de 2016, dever-se-á rejeitar liminarmente o pedido nessa parte por  intempestividade do mesmo, não se lhe aproveitando o prazo fixado no nº 1 do artº 78º da LCT, por não ser o erro imputável aos serviços - não se verificando que em momento algum a AT tivesse promovido a emissão e divulgação de qualquer orientação genérica que contribuísse para a interpretação e atuação dos sujeitos nos termos em que o foi feito. Com efeito, com a revogação do nº 2 do mesmo artigo, deixaram as autoliquidações de estar abrangidos pela "ficção legal" de "imputabilidade do erro aos serviços", tendo de existir erro, de facto ou de direito, e este tem de ser objetivamente imputável aos serviços para que a administração possa promover essa revisão, ainda que tenha decorrido o prazo de reclamação.

3 - Relativamente às autoliquidações efetuadas no período compreendido entre 30 de setembro de 2014 e 30 de março de 2016 deve aplicar-se a "lei antiga", funcionando neste caso a "ficção legal" de "imputabilidade do erro aos serviços" contida no nº 2 do artigo 78. 0 da LCT.

Assim, importa, agora, determinar se as liquidações contestadas padecem de algum vicio de ilegalidade e dessa forma determinar se existe ou não um erro imputável aos serviços.

 

a)            Parecer nº 340/2005 da Direção de Serviços Jurídicos e do Contencioso

 

No ponto 13 do Parecer supra indicado afirma-se que "não são instituições financeiras as sociedades gestoras de participações sociais, que são "holdings" de mera administração de bens e não empresas de investimento.

Devem, na verdade, distinguir-se as sociedades dedicadas à gestão de carteiras de títulos, com o objetivo de rentabilizar diretamente os capitais investidos na sua aquisição, das sociedades que se dedicam à aquisição e gestão de títulos de participações sociais com o propósito de proceder ao controlo e orientação da gestão das sociedades a que tais participações sociais dizem respeito.

Apenas o primeiro tipo de sociedades cabe no conceito de sociedades financeiras, nos termos dos artigos 199. 0-A e seguintes do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras".

Mantém-se válido este entendimento, não há qualquer dúvida de que a atividade desenvolvida pelas sociedades dominadas e dominante em apreço não refletem em momento algum a gestão de carteiras de títulos com a intenção de rentabilizar diretamente os capitais investidos na sua aquisição, direta ou indiretamente; seria possível qualificar indiretamente uma SGPS como instituição financeira se as sociedades por si controladas tivessem essa qualidade (cf. artigo 117º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras). E existindo dúvidas na qualificação de uma qualquer sociedade gestora de participações sociais como sendo uma instituição financeira haveria sempre um elemento, aquele que é exigido no ponto i) da alínea z) do artigo 2º - A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, a sujeição à supervisão do Banco de Portugal, que ajudaria na tomada dessa decisão, elemento que não está presente.

 

b) Também resulta do teor das Diretivas e Regulamentos (UE) outro resultado que não aquele pretendido pela requerente.

 

Da análise da Diretiva nº 2013/36 e do Regulamento (UE) nº 575/2013 não se pode retirar a conclusão de que uma empresa por exercer uma atividade que consista na aquisição de participações sociais seja uma instituição financeira.

Com efeito, não é pelo facto de o legislador comunitário ter delimitado negativamente a definição de "instituição financeira", dela excluindo expressamente as empresas que não sejam instituições de crédito ou empresas de investimento e as "sociedades gestoras de  participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros  mistas, na aceção do artigo 212º , nº 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE", que se pode concluir que, numa leitura a contrario da definição, conjugada com o Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (Decreto-Lei 495/88), as SGPS cabem no conceito de "instituição financeira" previsto no Regulamento (UE) n.0 575/2013.

Acresce que a Diretiva visou harmonizar no espaço europeu o acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, constituindo, em conjunto com o Regulamento (UE) nº 575/2013, o enquadramento legal que rege as atividades bancárias, o quadro de supervisão, as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento e a uniformização dos requisitos prudenciais gerais aplicáveis às "instituições" sujeitas à Diretiva que estão estritamente relacionados com o mercado bancário e mercado de serviços financeiros.

Ora, a requerente não é uma entidade financeira "lato sensu", não exerce nenhuma atividade bancária, nem tão pouco atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita, para exercício da sua atividade, como já se referiu supra, à autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu.

A AT já teve a oportunidade de, nas orientações administrativas relativas à isenção consagrada na alínea e), nº 1, do artigo 7º do CIS, expressar o seu entendimento, no entanto, cumpre relembrar que as decisões proferidas foram feitas a propósito de situações concretas e específicas e que nada têm a ver como caso "sub judice".

Ademais, se entendêssemos que, como refere a requerente, uma SGPS, por via do seu objeto social, configura, por si só, uma "instituição financeira", nos termos e para os efeitos de aplicabilidade da isenção consagrada na referida alínea, mais do que se estar a fazer uma interpretação extensiva de normas que consagram benefícios fiscais, estaríamos a fazer uma interpretação analógica das mesmas, violando de forma grosseira os mais elementares preceitos legais e constitucionais que estabelecem a sua proibição.

 

c) Processo n. 0 856/2019-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD)

 

Importa invocar a recente decisão do CAAD, proferida em 22 de setembro de 2020, que conclui assim:

“Em síntese, pode concluir-se que não é possível extrair do regime jurídico das SGPS's, do RGICSF ou da Diretiva nº 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento nº 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) dos nºs 1 e 7 do artigo 7º do CIS".

 

d) Por último, e, ainda que fosse outro o entendimento atrás exposto, importava que a ora requerente demonstrasse os pressupostos objetivos para que a norma de isenção lhe aproveitasse, o que não faz, ficando por conhecer se os factos tributários em apreço são, ou não, diretamente destinados "à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea" (cfr. n. 0 7 do artigo 7. 0 do CIS).

 

Resulta do exposto que as liquidações postas em causa não padecem de qualquer vício, inexistindo qualquer erro que possa ser imputado aos serviços.

CONCLUSÃO / PROPOSTA DE DECISÃO

Por tudo o que vem exposto, observado que as operações praticadas até 30 de março de 2016 não beneficiam da isenção prevista no artigo 7º, nº 1, alínea e), do CIS deve ser indeferido o presente pedido.

O pedido na parte conexa com as operações praticadas após 30 de março de 2016, deve ser liminarmente rejeitado por intempestividade.”

- conforme documento nº 2 em anexo ao PPA;

K)           Em 03.05.2021 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral – conforme registo no SGP do CAAD.

 

2.1.  Fundamentação da decisão da matéria de facto. Factos não provados.

 

                Os factos provados basearam-se nos documentos juntos pelas Partes e nos factos articulados que estão em conformidade, de forma expressa ou implícita, com os alegados por ambas. Por cada alínea dos factos provados, são indicados os documentos ou artigos das peças processuais que não mereceram dissentimento especificado entre as partes e que foram considerados relevantes.

                Não há outros factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

3.  Matéria de direito

 

3.1          Quanto às excepções invocadas pela AT

 

A AT invocou nos artigos 11º a 50º da Resposta as seguintes excepções;

1.            Excepção dilatória de incompetência material do TAC relativamente ao PPA, na parte em que ocorreu rejeição liminar, por intempestividade do pedido de revisão oficiosa, com base na decisão CAAD Processo nº112/2015-T;

2.            Excepção dilatória de incompetência material do TAC para apreciar a impugnação direta dos atos de autoliquidação indicados no PPA;

3.            Excepção dilatória de incompetência material do TAC para apreciar os actos de autoliquidação referidos em 1. praticados após 31 de Março de 2016, dada a sua inimpugnabilidade por não existir erro imputável aos serviços.

 

A AT refere na fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que “não há qualquer dúvida de que os atos tributários em apreço são atos de autoliquidação de imposto do selo e que os mesmos foram praticados em datas que antecederam a revogação do nº 2 do artigo 78.º da L GT e depois desta”.

Ora, não oferecendo dúvidas que se tratou de “actos de autoliquidação” o que cumpre apurar é se foi ou não a Requerente que os praticou, face ao concreto regime que existe no Imposto do Selo de que aqui se trata, em que existe um sujeito passivo de direito (alínea b) do nº1 do artigo 2º do CIS) a quem comete a liquidação, cobrança e entrega do Imposto ao Estado e existe depois o repercutido (vulgo sujeito passivo de facto) que se limita a suportar o encargo (alíneas f) e g) do nº 3 do artigo 3º do CIS).

No caso, foi o B..., na sua condição de entidade concedente de créditos, credora de juros ou outras contraprestações financeiras, que liquidou, cobrou e entregou ao Estado, o imposto do selo, como resulta das alíneas f) e g) da matéria de facto provada, sem qualquer intervenção da Requerente.

Assim, fundamentando a AT a invocação das excepções na existência do mecanismo de autoliquidação de imposto do selo (IS) imputável à Requerente o que contraria a matéria de facto que foi provada, as mesmas só podem improceder.

Mas mesmo que assim não fosse, tal como a Requerente referiu em sede de resposta às excepções aduzidas e tendo em conta o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT,  o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apreciou a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo em causa (anteriores e posteriores a 31 de Março de 2016), ou seja, está-se perante um acto de indeferimento de pedido de revisão oficiosa que comporta a apreciação da legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo em causa, a que como tal corresponde, no processo judicial tributário, o meio de reacção “impugnação judicial” e, consequentemente, de igual modo, o meio de reacção “pedido de pronúncia arbitral”.

Este TAC vai seguir o que constitui a jurisprudência maioritária do CAAD, mormente a que é citada pela Requerente na resposta às excepções (Decisão CAAD P. 387/2019-T), a saber:

“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a)            A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamento por conta;

b)           A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;

Para além da apreciação direta da legalidade de atos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas) e à “decisão do recurso hierárquico”.

No art. 2.º do RJAT, em que se define a “Competência dos tribunais arbitrais”, não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos tributários, pois, na redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para “a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e “a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de atos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objeto um ato de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT.

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua “um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária (n.º 2).

Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o “sistema fiscal”, inclusivamente as “garantias dos contribuintes” [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP], e sobre a “organização e competência dos tribunais” [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido artigo 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (artigo 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de atos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

No caso presente, as Partes estão de acordo quanto a não ser o processo de impugnação judicial o meio adequado para, nos tribunais tributários, impugnar a decisão de indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa.

Na verdade, o ato de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação constitui um ato administrativo, à face da definição fornecida pelo artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no artigo 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que, no exercício de poderes públicos visou produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um ato em matéria tributária, pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.

Assim, aquele ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um “ato administrativo em matéria tributária”. 

Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de atos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou ação administrativa (a que se reportam as referências recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses atos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de atos administrativos de liquidação.

Eventualmente, como exceção a esta regra poderão considerar-se os casos de impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. Outras exceções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de atos.

Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa.

À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa, os atos proferidos em procedimento de revisão oficiosa de atos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes atos de autoliquidação. Se o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a ação administrativa para o impugnar. Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, mas o certo é que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adotado pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por outro lado, esta constatação de que há sempre um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação, conduz, desde logo, à conclusão de que não se está perante uma situação em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual, uma vez que essas ações “apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido” (artigo 145.º, n.º 3, do CPPT).

Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa é a de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação que comportem a apreciação da legalidade destes atos.

A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de atos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da diretriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objetos possíveis do processo arbitral tributário “os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação”, pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objetos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos atos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação”.

No caso em apreço, o motivo invocado para o indeferimento da revisão oficiosa foi a rejeição liminar parcial por intempestividade, o que, obviamente, não implica apreciação da legalidade ou não de qualquer ato de liquidação ou de autoliquidação.

Porém, à face do critério de repartição dos campos do processo de impugnação judicial e da ação administrativa especial delineado pelas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, não é necessário que a apreciação da legalidade de um ato de liquidação seja o fundamento da decisão procedimental ou que no pedido formulado se peça a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, bastando que esse ato a comporte, o que, neste contexto, significa que no ato impugnado se inclua um juízo sobre a legalidade de um ato de liquidação, mesmo que não seja a sua legalidade ou ilegalidade o fundamento da decisão”.      

 

No caso concreto, face ainda ao acórdão do STA de 12.04.2019 Processo 0959/12.5BEAVR, citado pela Requerente, não subsistem dúvidas quanto ao facto de que a decisão de indeferimento proferida pela Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) comporta um juízo sobre a legalidade de todos os actos de liquidação de Imposto do Selo em causa, pelo que improcedem todas as excepções aduzidas.

 

3.2. Identificação da questão de fundo a solucionar.

 

A Requerente defende que, enquant0 entidade mutuária de operações de financiamento, deverá ser tida como instituição financeira para efeito do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), e nº 7, ambos do CIS e nessa conformidade encontra-se abrangida pela isenção de imposto aí prevista.

 

                Em contraposição, a Autoridade Tributária defende que a Requerente não beneficia da isenção do imposto do selo estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), e nº 7, ambos do CIS, na medida em que enquanto sociedade gestora de participações sociais, não pode ser qualificada como instituição financeira, de crédito ou sociedade financeira para efeitos desta disposição.

 

É esta a questão a dilucidar.

 

3.3          A jurisprudência do CAAD quanto à questão de fundo aqui em debate.

 

A questão em análise foi já apreciada em várias decisões CAAD, nomeadamente nas seguintes:

Em favor do ponto de vista defendido pela Requerente

i.             Decisão colectiva P. 819/2019-T

ii.            Decisão colectiva P. 836/2019-T

iii.           Decisão colectiva P. 911/2019-T

iv.           Decisão singular P. 3/2020-T

v.            Decisão colectiva P.110/2020-T

vi.           Decisão colectiva P. 502/2020-T

vii.          Decisão colectiva P.81/2021-T

Em favor do ponto de vista defendido pela Requerida

i.             Decisão colectiva P. 856/2019-T

ii.            Decisão colectiva P. 37/2020-T

iii.           Decisão colectiva P. 559/2020-T

iv.           Decisão colectiva P. 170/2021-T

 

Subscreveram o ponto de vista defendido pela Requerente 14 Árbitros e subscreveram o ponto de vista defendido pela Requerida 9 Árbitros.

Ou seja, pode concluir-se que a posição maioritária ao nível dos Tribunais que funcionam no CAAD é no sentido de acolher o ponto de vista que a Requerente defende.

 

***

 

Este TAC vai acolher, aderindo, ao ponto de vista acolhido na maioria dos processos decididos no CAAD e ao entendimento que mereceu acolhimento pela maioria dos árbitros que as subscreveram, conforme atrás de referiu.

***

No entanto, relativamente aos fundamentos adoptados nas 4 doutas decisões arbitrais que acolheram o ponto de vista doutamente defendido pela AT, verifica-se que se parte de uma classificação da norma isentiva da alínea e) do nº 1 e nº 7, ambos do artigo 7º do CIS  nos seguintes termos: “esta isenção, à semelhança de todas as outras, enquadra-se no conceito de benefício fiscal fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento”, o que não se subscreve, conforme se irá justificar.

 

Nas doutas decisões arbitrais acima referidas, quer as que acolhem a tese da Requerente, quer as que acolhem a tese da Requerida, considerou-se que ao nível da legislação interna, mormente fiscal, não existe a figura da “instituição financeira”, olvidando-se o instituto da dispensa de retenção na fonte de IRC de que beneficiam as “instituições financeiras” - a alínea a) do nº 1 do artigo 97º do CIRC – pelo que esta designação está já delimitada na lei fiscal (Código do IRC) por força do artigo 142º do CIRC e do  Decreto -Lei n.º 381/2007 de 14 de Novembro que aprovou a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, Revisão 3, designada por CAE — Rev. 3, e que constitui o quadro comum de classificação de actividades económicas a adoptar a nível nacional e visa assegurar a comparabilidade com a Classificação Internacional Tipo de Actividades, Revisão 4 (CITA — Rev. 4) das Nações Unidas.

Aliás este normativo resulta do Regulamento (CE) n.º 1893/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro, aprovou a Nomenclatura das Actividades Económicas da Comunidade Europeia, Revisão 2, designada por NACE — Rev. 2.

Demonstrar-se-á que, pelo menos ao nível do Código do IRC, o conceito de instituição financeira se encontra delimitado legalmente e que nada impede que seja essa delimitação a relevante para efeitos de solucionar a questão de fundo aqui em debate, sendo de aplicar, aqui sim a “coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento” a que faz apelo a conclusão II das doutas decisões CAAD P. 37/2020-T, P. 559/2020-T e P. 170/2021-T, pois que, não faria sentido que a mesma expressão literal tivesse uma amplitude  para efeitos de IRC e outra para efeitos de Imposto do Selo, até por força do nº 2 do artigo 11º do EBF.

 

3.4 Como classificar a norma isentiva contida na alínea e) do nº 1 e nº 7, ambos do artigo 7º do CIS, face ao ordenamento fiscal português?

 

Uma isenção fiscal (enquanto facto interruptivo da tributação) é um benefício fiscal nos termos do nº 2 do artigo 2º do EBF.

Como ponto de partida haverá que ter presente a forma como o ordenamento jurídico português confere hierarquia (gradação) aos diversos benefícios ficais.

A este propósito, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, escreveu-se o seguinte: “na revisão do regime que agora se concretiza com a aprovação do Estatuto dos Benefícios Fiscais, respeitante sobretudo aos impostos sobre o rendimento, entendeu o Governo acolher princípios que passam pela atribuição aos benefícios fiscais de um carácter obrigatoriamente excepcional, só devendo ser concedidos em casos de reconhecido interesse público; pela estabilidade, de modo a garantir aos contribuintes uma situação clara e segura; pela moderação, dado que as receitas são postas em causa com a concessão de benefício, quando o País tem de reduzir o peso do défice público e, simultaneamente, realizar investimentos em infraestruturas e serviços públicos.

Nessa linha, introduzidos que foram nos Códigos do IRS, do IRC e da CA os desagravamentos caracterizados por uma máxima permanência e estabilidade, são incluídos no Estatuto dos Benefícios Fiscais aqueles que se caracterizam por um carácter menos estrutural, mas que revestem, ainda assim, relativa estabilidade. Os benefícios com finalidades marcadamente conjunturais ou requerendo uma regulação relativamente frequente serão, por sua vez, incluídos nos futuros Orçamentos do Estado.

O Estatuto dos Benefícios Fiscais contém os princípios gerais a que deve obedecer a criação das situações de benefício, as regras da sua atribuição e reconhecimento administrativo e o elenco desses mesmos benefícios, com o duplo objectivo de, por um lado, garantir maior estabilidade aos diplomas reguladores das novas espécies tributárias e, por outro, conferir um carácter mais sistemático ao conjunto dos benefícios fiscais.”

É possível extrair que o legislador fiscal hierarquiza os benefícios fiscais da seguinte forma:

i.             Nos códigos fiscais estão os que integram o topo da hierarquia de valores subjacentes que justificam o benefício;

ii.            No EBF estão os integram o segundo lugar do ranking de valores subjacentes que justificam o benefício;

iii.           Na lei avulsa, por força da Lei do OE, estão os integram o terceiro e último lugar do ranking de valores subjacentes que justificam o benefício.

 

Segundo o artigo 5º do EBF:

 

“1 - Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.

2 - O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.

3 - O procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais regula-se pelo disposto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

O artigo 65º do CPPT contempla o procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais não automáticos que operem através de requerimento/pedido do interessado.

Nos termos do nº 8 do artigo 14º do EBF “é proibida a renúncia aos benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento oficioso, sendo, porém, permitida aos benefícios fiscais dependentes de requerimento do interessado, bem como aos constantes de acordo, desde que aceite pela administração tributária”. 

Segundo o artigo 10º do EBF “as normas que estabeleçam benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva”.

A disposição legal que aqui está em debate, está contida num Código Fiscal (o CIS) e tem o seguinte elemento literal:

“1 - São também isentos do imposto:

...

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;                ...

7 - O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.” (Redação da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março) (A redação dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, tem natureza interpretativa) Ou seja, não restam dúvidas de que, face ao ordenamento jurídico-fiscal português este benefício fiscal é:

             Automático – porque resulta directa e imediatamente da lei;

             Irrenunciável – pelo que a requerente nem pode renunciar ao mesmo;

             Misto (1) de natureza objectiva porque apenas abrange “os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido”, (2) de natureza duplamente subjetiva porquanto só opera quando os juros, as garantias e o crédito concedido resultar de uma relação contratual entre “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras” por um lado e “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária” por outro. E desde que os juros e garantias resultem de operações de concessão de crédito e ambos os intervenientes sejam entidades domiciliadas em Estados da União Europeia.

             Suspectível de interpretação extensiva.

                              

Configura-se que este benefício fiscal, não pretende proteger apenas os bancos ou outras instituições bancários (e muito menos a actividade bancária em sentido estrito = intermediação monetária) ou apenas aquelas entidades sujeitas à supervisão de BdP, mas pretende salvaguardar todas e quaisquer entidades que caibam na designação de “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária” em operações de financiamento, tornando a fiscalidade neutra nestas operações financeiras e com este tipo de mutuários, que não apenas quanto às operações entre instituições de crédito (Caixas Económicas e Caixas de Crédito Agrícola Mútuo do sector social e cooperativo, não lucrativo, da economia, e Bancos Comerciais do sector privado, lucrativo, da economia).             

O legislador quando redigiu a norma aqui em causa, sem especificar o tipo de instituições financeiras com domicílio no espaço da UE que cabem na sua previsão, quis consagrar a solução (a estatuição) mais acertada e exprimiu o seu pensamento em termos adequados, bem sabendo da existência das demais normas que integram o ordenamento jurídico-fiscal, não podendo o intérprete presumir que isso não ocorreu.

Não podemos, face ao descrito, subscrever um dos fundamentos que esteve na génese das doutas decisões CAAD P. 37/2020-T, P. 559/2020-T e P. 170/2021-T, quando expressam a distinção entre benefícios fiscais acessórios e benefícios fiscais exclusivos do imposto do selo, que se nos afigura não contribuir para a solução mais assertiva (perante a lei positiva) do dissídio a dirimir.

E também não se acompanham essas decisões, quando parecem negar a possibilidade de aplicação extensiva da norma isentiva a todas as entidades que possam ser consideradas “instituição financeira” por força de quaisquer normas de origem europeia ou nacional, por desconformidade com o artigo 10º do EBF.

Aliás, todos os benefícios fiscais podem ser vistos como “derrogando a igualdade” formal, mas o conceito relevante de igualdade que resulta da CRP, não é o da igualdade formal, mas sim o da igualdade material, ou seja, o da isonomia.

 

3.5 – A propósito da jurisprudência citada pela AT quanto aos benefícios fiscais onde se propunha por “uma interpretação estrita ou declarativa” – artigo 70ºda Resposta

 

Refere a AT que “...em conformidade com jurisprudência constante do STA (cf. entre outros, acórdão de 08/11/2017, processo n.º 0174/17; de 04/10/2017, processo n.º 01450/16, de 13/09/2017, processo n.º 01246/16, de 22/02/2017, processo n.º 01245/16): “As normas que regulam a isenção de imposto, na medida em que contrariam os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de interpretação estrita ou declarativa.””

 

No entanto, vistas as decisões judiciais indicadas verifica-se que versam sobre situações em que se discutia a isenção do artigo 7º do CIMT (aquisição de prédios para revenda), benefícios estes que são de reconhecimento automático, mediante declaração do interessado (ou seja, mediante pedido/requerimento do interessado).

 

Trata-se de benefício fiscal que integra o terceiro e último lugar do ranking de valores subjacentes que justificam o benefício, não sendo automático, pois depende sempre de uma declaração do interessado, como se retira da alínea a) do nº 8 do artigo 10º do CIMT.

 

O benefício fiscal que nos ocupa integra o mais elevando lugar no ranking dos benefícios fiscais, é automático porque resulta directa e imediatamente da lei e é irrenunciável, ou seja, está em causa o mais elevado interesse público extrafiscal subjacente que presidiu à sua concessão.

 

Ou seja, não vemos como a jurisprudência citada possa obstar ao que se expressa nesta decisão e à orientação que se acolhe.

 

3.6 – Qual o conceito de “instituição financeira” para efeitos da alínea a) do nº 1 do artigo 97º do CIRC?

 

De acordo com o artigo 142.º do CIRC (classificação das actividades) “as actividades exercidas pelos sujeitos passivos de IRC são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas — CAE, do Instituto Nacional de Estatística”

 

O artigo 97º nº 1 alínea a) do CIRC, a propósito da dispensa de retenção na fonte de IRC, quanto a rendimentos auferidos por residentes, refere que “não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, quando este tenha a natureza de imposto por conta, quanto a juros e quaisquer outros rendimentos de capitais, com excepção de lucros distribuídos, de que sejam titulares instituições financeiras sujeitas, em relação aos mesmos, a IRC, embora dele isentas”.

 

O CAE REV-3 tem uma “Secção K - Actividades financeiras e de seguros” definidas como “as actividades financeiras que incluem as unidades de intermediação monetária (banca em sentido geral), as unidades de intermediação financeira (actividades financeiras realizadas por entidades diferentes das instituições monetárias), seguros, fundos de pensões e actividades auxiliares de intermediação financeira, de seguros e de fundos de pensões”

 

Ora, resulta claro que todas as instituições que estejam registadas nas Finanças e no registo de actividade no RNPC, com um CAE com a Divisão 64 da Secção K da tabela de actividades  do CAE serão “instituições financeiras” (unidades de intermediação financeira na expressão do CAE) porque as suas actividades, por força do artigo 142º do CIRC e do Decreto -Lei n.º 381/2007 de 14 de Novembro que aprovou a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, Revisão 3, designada por CAE — Rev. 3, são “ex lege” actividades financeiras, porque, percute-se, a Secção K do CAE assim o refere textualmente.

 

E se exerçem actividades financeiras, assim classificadas por lei, são instituições financeiras. O fim mediato determina a sua natureza.

 

Com efeito, o CAE-REV-3, na DIVISÃO 64, tem um GRUPO, CLASSE e SUBCLASSE específicos para as SGPS, a saber:

642 - ACTIVIDADES DAS SOCIEDADES GESTORAS DE PARTICIPAÇÕES     SOCIAIS

6420

64201 - ACTIVIDADES DAS SOCIEDADES GESTORAS DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS FINANCEIRAS

Compreende as actividades das sociedades gestoras de participações sociais, que através de participações controlam uma ou mais instituições financeiras. Estas sociedades não administram, não supervisionam e nem gerem outras unidades da empresa ou empresas das quais detêm o controlo.

Não inclui: Actividades de gestão, planeamento estratégico e de decisão em nome de empresas (70100);

64202 - ACTIVIDADES DAS SOCIEDADES GESTORAS DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS NÃO FINANCEIRAS

Compreende as actividades das sociedades gestoras de participações sociais, que através de participações controlam uma ou mais sociedades não financeiras. Estas sociedades não administram, não supervisionam e nem gerem outras unidades da empresa ou empresas das quais detêm o controlo.

Não inclui: Actividades de gestão, planeamento estratégico e de decisão em nome de empresas (70100).

 

E assim sendo, tem coerência a alegação da Requerente quando invoca que as SGPS não podem ser discriminadas face aos Fundos de Capital de Risco (FCR), Sociedades de Capital de Risco (SCR) e Fundos de Investimento Imobiliário (FII) uma vez que a AT as considerou “instituições financeiras” para efeitos de aplicação da verba 17.3 da TGIS. Estas instituições integram o CAE REV-3 na DIVISÃO 64, no GRUPO 643, CLASSE 6430 e SUBCLASSE 64300, ou seja, a mesma divisão onde estão inseridas as SGPS, ainda que em grupo, classe e subclasse diferentes.

 

Não se configura que a AT tenha razão quando refere que a comparação não é aceitável pela razão de que se trata de entidades com enquadramento legal diferente (artigo 109º da resposta), pela razão de que, o que se configura relevar, será a classificação legal das actividades das instituições, para permitir chegar à conclusão  que se trata de instituições financeiras, cujo objecto é, em ambos os casos, a intermediação financeira não monetária, face ao CAE REV-3.

 

Ficou provado em A) dos factos assentes que a Requerente está registada no RNPC e no Cadastro Fiscal da AT com o CAE 64 202, ou seja, trata-se de uma SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS NÃO FINANCEIRAS que exerce actividade de intermediação financeira não monetária e que o CAE refere serem “unidades de intermediação financeira”.

 

Face ao exposto, existindo na lei fiscal portuguesa, a figura da “instituição financeira” para os efeitos do regime da dispensa de retenção na fonte de IRC, e sendo o conceito obtido e delimitado por recurso ao CAE-REV-3 que é um Decreto-Lei do Governo que transpõe o Regulamento (CE) n.º 1893/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro, que aprovou a Nomenclatura das Actividades Económicas da Comunidade Europeia, Revisão 2, designada por NACE — Rev. 2. e que está em sintonia com a Classificação Internacional Tipo de Actividades, Revisão 4 (CITA — Rev. 4) das Nações Unidas, não vemos como esse conceito, com a amplitude que tem ao nível do CIRC, não possa ser transposto para o Imposto do Selo, em respeito pela uniformidade e coerência do sistema fiscal.

 

Mesmo que assim não fosse, sempre tal poderá ocorrer de duas formas:

 

             Por força da aplicação do nº 2 do artigo 11º do EBF;

             Por via da interpretação extensiva da norma isentiva aqui em debate, através do raciocínio por paridade de razão, face à constatação que a AT considera os FII, SCR (estas com cabimento literal na norma isentiva) e FCR, como “instituições financeiras” para efeitos de aplicação de normas do Código do Imposto do Selo.

 

 

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Procede, pois o PPA, uma vez que a Requerente, sendo uma SGS, é uma “instituição financeira” porque tem uma actividade principal com o CAE 64 202, como tal aceite pela AT e pelo RNPC.

 

***

 

E mesmo que assim não fosse sempre a isenção em causa seria de aplicar extensivamente às SGPS porque a AT, face ao referido na resposta ao PPA, a aplica aos FII, SCR e FCR, (que tal como as SGPS são “unidades de intermediação financeira” não monetária), como acima se explanou.

 

3.7 – Quanto à questão de fundo em face da jurisprudência, nesta data maioritária do CAAD

 

 

Já atrás referimos que este TAC vai aderir ao ponto de vista acolhido na maioria dos processos decididos no CAAD e ao entendimento que mereceu acolhimento pela maioria dos árbitros que as subscreveram, acrescendo o que já referimos e pela razão de que se afigura que comportam a solução mais assertiva, de entre as várias possíveis.

 

Vejamos, a título de exemplo, o que se decidiu no Processo CAAD P. 502/2020-T, a propósito de uma situação idêntica:

 

“A referida disposição da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, que aqui está especialmente em foco, estatui nos seguintes termos:

 

Outras isenções

1 - São também isentos do imposto:

(…)

e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças.

 

 A isenção prevista nesta disposição, cuja redação foi introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, contempla dois requisitos. Um de natureza objetiva, incidindo sobre  juros e comissões cobrados pela concessão do crédito, garantias prestadas na concessão do crédito e utilização de crédito concedido, e um outro, de natureza subjetiva na origem, respeitante às entidades financeiras (instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras) que cobram os juros e comissões, recebem as garantias e concedem crédito, e de natureza subjetiva no destino, respeitante às entidades beneficiárias da concessão do crédito, que incluem as sociedades de capital de risco, bem como as sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária. Em qualquer dos casos, as entidades intervenientes devem ser domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, definidos por Portaria do Ministro das Finanças (Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro e respetivas alterações).

 

 A isenção abrange, por conseguinte, segundo a própria terminologia legal, a concessão de crédito a “instituições financeiras previstas na legislação comunitária”.

 

 Esta remissão para a legislação comunitária, agora dito Direito da União Europeia, haverá de entender-se como uma remissão dinâmica, pretendendo referir-se ao conceito de “instituição financeira” que se encontre previsto no direito europeu à data em que se pretenda exercer o direito de isenção.

 

 À data da entrada em vigor da nova redação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo, o dispositivo aplicável era o do artigo 1.º, n.º 5, da Directiva 2000/12/CE, que caracterizava como uma instituição financeira “uma empresa que não seja uma instituição de crédito, cuja atividade principal consista em tomar participações ou exercer uma ou mais atividades referidas nos pontos 2 a 12 da lista do anexo”.

 

 Essa Directiva foi entretanto substituída pela Directiva 2006/48/CE, por sua vez revogada pela Directiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que, juntamente com o Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, constitui o atual enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade das instituições de crédito e que estabelece o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento.

 

A Directiva 2013/36/UE, no seu artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), declara como sendo uma instituição financeira, para efeitos da Directiva, “uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013”.

 

Por sua vez, o Regulamento (UE) n.º 575/2013 - para que é efetuada a remissão -, no seu artigo 4.º, sob a epígrafe “Definições”, e na parte que mais interessa considerar, prescreve o seguinte:

 

Artigo 4.º

Definições

 

1.            Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições:

(...)

1) “Instituição de crédito”: uma empresa cuja atividade consiste em aceitar do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria;

3) "Instituição": uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento;

(...)

26) "Instituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Directiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Directiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Directiva 2009/138/CE”.

 

 A Directiva 2013/2013/UE foi transposta para o direito interno pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro, que, para esse efeito, procede à alteração do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

 

Uma das disposições aditadas por esse diploma é do artigo 2.º-A, que sob a epígrafe “Definições”, na parte relevante, é do seguinte teor:

 

 Para efeitos do disposto presente Regime Geral, entende-se por:

(…)

z) «Instituições financeiras», com exceção das instituições de crédito e das empresas de investimento:

 

i) As sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, incluindo as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas;

ii) As sociedades cuja atividade principal consista no exercício de uma ou mais das atividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 da lista constante do anexo I à Directiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013;

 iii) As instituições de pagamento;

(…).

 

 Este preceito correlaciona-se com o artigo 117.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, sob a epígrafe “Sociedades Gestoras de Participações Sociais”, dispõe o seguinte:

 

1 - Ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras.

2 - O Banco de Portugal pode ainda sujeitar à sua supervisão as sociedades gestoras de participações sociais que, não estando incluídas na previsão do número anterior, detenham participação qualificada em instituição de crédito ou em sociedade financeira.

3 - Excetuam-se da aplicação do número anterior as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal.

4 – O disposto nos artigos 30.º a 32.º, com as necessárias adaptações, 42.º-A, 43.º-A e nos n.ºs 1 e 3 do artigo 115.º é aplicável às sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.

 

 8.  Efectuando o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo uma remissão para as “sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”, quando se refere a entidades beneficiárias da concessão do crédito,  parece claro que o preceito pretende remeter para as disposições de direito europeu aplicáveis, e,  na atualidade, no que se refere às instituições financeiras, essas disposições são  - como se viu - a do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), da Directiva 2013/36/EU e, por via de remissão,  a do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013.

 

No preceito para que se efetua a remissão, o Regulamento define como "instituição financeira" uma empresa que não seja uma instituição [de crédito], cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Directiva 2013/36/UE, com exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Directiva 2009/138/CE”.

 

 Torna-se assim evidente que a remissão da norma que estabelece a isenção de imposto de selo é feita para o direito europeu e, especificamente, para sobreditas disposições da Directiva 2013/36/UE e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, havendo de reconhecer-se, neste contexto normativo, que uma instituição financeira, para o aludido efeito, é, além de outras que exerçam certas atividades enumeradas no anexo, uma empresa que, não sendo uma instituição de crédito, tem como principal atividade a aquisição de participações, desde que se não trate de sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.

 

Certo é que na transposição da Directiva 2013/36/UE para o direito interno, o legislador nacional adotou um conceito mais restritivo de “instituição financeira”, caracterizando como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”.

 

No entanto, para efeitos da aplicação da isenção do imposto de selo, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), não remete para o direito interno, mas para o direito da União Europeia, o que significa que a definição constante do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aditado pelo diploma que procedeu à transposição da Directiva, releva para os demais efeitos da regulação das sociedades gestoras de participações sociais, e não para o específico aspeto da isenção de imposto de selo.

 

9. Segundo o disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que define o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), estas sociedades, conforme o seu artigo 1.º, “têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas” (n.º 1), sendo que a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (n.º 2).

 

 Os contratos pelos quais se constituem as SGPS devem mencionar expressamente como objecto único da sociedade a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas (artigo 2.º, n.º 2), sendo permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação (artigo 4.º, n.º 1).

 

 Tratando-se de sociedades que têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, não oferece dúvidas que as sociedades gestoras de participações sociais se enquadram no conceito de “instituição financeira”, tal como se encontra definido no direito europeu, e, assim sendo, beneficiam da isenção de imposto estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

 

 Como é tido como assente (alínea A) da matéria de facto) - e não é sequer controvertido pelas partes -, a Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e está domiciliada em Portugal. E nessa qualidade não pode deixar de se encontrar abrangida pelo conceito relevante de instituição financeira para efeito da aplicação da isenção do imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo.

 

 10. Como é de concluir, as operações financeiras em causa preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos da isenção de imposto de selo, na medida que respeitam à concessão de crédito por instituição de crédito a uma sociedade gestora de participações sociais, que se qualifica, à luz da legislação de direito europeu, como instituição financeira, e em que intervieram instituições mutuantes e mutuária que se encontram domiciliadas em Estados-Membros da União Europeia, e não em nenhum dos territórios com regime privilegiado previsto no Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro”.

 

***

 

Face ao exposto, o pedido arbitral mostra-se ser procedente com este outro fundamento.

A decisão adoptada com base na apreciação no invocado vício de violação da lei (desconformidade com a norma isentiva aqui em discussão), conduz uma mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos (artigo 124º do CPPT) pelo que fica prejudicada a apreciação de qualquer outro fundamento de ilegalidade invocado pela Requerente.

 

***

 

 

3.8 – Ainda a propósito das doutas decisões CAAD que não acolhem o entendimento que aqui subscrevemos

 

A título de exemplo na conclusão III da douta decisão CAAD P. 170/2021-T é referido o seguinte:

“III.        Uma SGPS não é uma entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do BCE no âmbito da sua atividade;”

 

Ora, como se nota, parece adoptar-se uma leitura restritiva do conceito de “instituição financeira”, porquanto se pretende limitar essa designação às entidades de intermediação monetária e similares, sujeitas a supervisão do BdP, como se extrai da seguinte afirmação “não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do BCE no âmbito da sua atividade”.

 

Mas o critério estabelecido no CAE-REV-3, que é uma norma nacional com a dignidade de Decreto-Lei do Governo (e resulta da transposição de uma norma de direito comunitária e de uma norma com génese nas Nações Unidas) não é esse.

 

Será de referir que no Processo CAAD nº 856/2019-T parece ter-se propugnado que inclusive as Sociedades Gestoras de Fundos de Pensões (SGFP) e os Fundos de Pensões (FP) são “instituições financeiras” para efeitos de imposto do selo.

 

 Mas as SGFP e os FP nem tão-pouco integram a Divisão 64 do CAE-REV3 – Actividades de serviços financeiros, excepto seguros e fundos de pensões, mas sim a Divisão 65 – Seguros, Resseguros e Fundos de Pensões, excepto Segurança Social Obrigatória. Nem são entidades sujeitas à supervisão do BdP.

 

Aliás, como se referiu supra, as SGPS de participações sociais financeiras, com o CAE-REV-3 64 201, estão sujeitas a supervisão do BdP, pelo que nunca poderá ser este o critério relevante para dirimir quem é ou não uma “instituição financeira”.

 

                4. Restituição do indevidamente não reembolsado. Direito a juros indemnizatórios.

 

Na sequência da ilegalidade do ato de liquidação controvertido, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força do disposto nos artigos 24º nº 1, alínea b), do RJAT e 100º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

Com efeito, foi provado em G) e H) da matéria de facto assente que o B... repercutiu o encargo do referido Imposto do Selo na esfera patrimonial da Requerente, enquanto sujeito passivo de facto, que assim suportou integralmente o imposto, no valor de 402 178,55 euros.

Procede, pois, o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago.

 

***

 

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro)

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

 

Revertendo o que se referiu para o caso concreto deste processo, verifica-se que é de aplicar a alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT, pelo que a Requerente apenas tem direito a juros indemnizatórios a contar de 16.10.2019, porquanto entregou em 15.10.2018 o pedido de revisão oficiosa.

 

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data acima referida, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 3, alínea c), e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva.

 

                5. Decisão

 

Nestes termos decide este Tribunal Arbitral:

 

A.           Julgar procedente o pedido arbitral e anular os actos de liquidação de Imposto do Selo referidos na alínea H) dos factos provados, ocorridos nos meses de Setembro de 2014 a Setembro de 2016, de que resultou um valor pago de 402 178,55 euros, e bem assim a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa referida em I) dos factos provados;

B.            Condenar a AT no reembolso do imposto pago, acrescido dos a juros indemnizatórios devidos desde a data acima indicada, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 3, alínea c), e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 402 178,55.           

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6 732,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, por ter decaído na totalidade (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 122.º, n.º 2, do CPPT).

 

Lisboa, 31 de Dezembro de 2021

 

Tribunal Arbitral Colectivo

Árbitro Presidente,

(José Poças Falcão)

 

Árbitro Vogal - Relator

(Augusto Vieira)

 

Árbitro Vogal

Carla Almeida Rocha da Cruz