SUMÁRIO
O regime fiscal do artigo 71.º, n.º 5, do Estatuto dos Benefícios Fiscais é incompatível com os artigos 63.° e 65.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia , ao prever a aplicação exclusiva a residentes em Portugal da taxa de tributação reduzida de 5% para mais-valias provenientes da alienação de imóveis objeto de reabilitação urbana.
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Nuno Cunha Rodrigues (árbitro presidente), Clotilde Celorico Palma e Jorge Belchior de Campos Laires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., com o número de identificação fiscal ..., residente em..., ......, Suíça (doravante “Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), contra a demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), relativa ao exercício de 2020, com o n.º 2021..., no valor total de €133.101,73.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 29 de novembro de 2021, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.
Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 1 de fevereiro de 2022.
Em 9 de março de 2022, a Requerida apresentou a Resposta com defesa por impugnação, concluindo que o PPA deve ser julgado improcedente quanto ao pedido principal e procedente quanto ao pedido subsidiário, indicando que a mandatária do Recorrente foi notificada da revogação parcial do ato tributário objeto de impugnação.
Por despacho de 10 de março de 2022, o Tribunal considerou dispensável a reunião prevista no 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações.
Em 25 de março de 2022, o Requerente apresentou requerimento no sentido de se proceder à redução do valor da causa, bem como à retificação da taxa de arbitragem a liquidar pelo Requerente, em virtude da inutilidade superveniente da lide parcial provocada pela revogação do ato relativo à parte do pedido subsidiário, tendo, por Despacho de 26 de abril de 2022, o Tribunal informado as partes que a decisão sobre o requerimento apresentado pela Requerente seria proferida juntamente com a decisão final.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer da liquidação de IRS, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. MATÉRIA DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A. No dia 9 de Fevereiro de 2017, o Requerente e B..., este último com número de identificação fiscal ..., compraram em compropriedade, em partes iguais, pelo preço de €780.000,00, portanto com uma quota de €390.000 pertencente ao Requerente, o prédio urbano situado na Rua ..., n.ºs ... a ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número..., da mesma freguesia e inscrito na matriz predial da freguesia da ... sob o artigo ... . (cfr. documento n.º 2 junto com o PPA).
B. O Requerente é natural da Suíça e é nesse país que tem residência (conforme alegado pelo Requerente e confirmado pela Requerida na sua resposta).
C. O Requerente e o outro comprador procederam a obras no referido prédio, as quais qualificaram como obras de reabilitação urbana, nos termos e para efeitos do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro (na redação em vigor), conforme documentos emitidos a este propósito pela Câmara Municipal de Lisboa (cfr. documento n.º 3 junto com o PPA).
D. Durante o ano de 2020, o Requerente (e o outro comprador) procederam à venda das diversas frações do referido prédio, entretanto constituído em propriedade horizontal, conforme resumo abaixo com as respetivas datas e preços de venda (cfr. documento n.º 4 junto com o PPA):
E. Na declaração de IRS modelo 3 relativa a 2020, o Requerente declarou no Anexo G os seguintes elementos para efeitos da determinação da mais-valia (conforme declaração junta com o Processo Administrativo):
F. O Requerente não indicou de que se tratava de imóvel objeto de reabilitação urbana, não tendo assinalado o Campo A do Quadro 4 do anexo G (conforme declaração modelo 3 junta com o Processo Administrativo).
G. O Requerente foi notificado da liquidação de IRS com o n.º 2021 ..., com o valor total a pagar de €133.101,73 (cfr. documento n.º 1 junto com o PP).
H. A liquidação foi emitida em junho de 2021.
I. Ao valor do rendimento resultante do cálculo da mais-valia da venda das referidas frações, foi aplicada uma taxa de IRS de 28% (facto que se alcança da nota de liquidação).
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados com relevância para a decisão.
Na sua resposta, a Requerida alega que a mandatária do Requerente foi notificada da revogação parcial do ato tributário objeto de impugnação, não tendo, porém, juntado qualquer documento que comprove essa revogação. Todavia, o Tribunal considera que essa prova respeita a um facto que não releva para o sentido da decisão.
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção dos árbitros fundou-se unicamente na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
1. SÍNTESE DA POSIÇÃO DAS PARTES
Posição do Requerente
O Requerente considera, no que concerne as mais-valias imobiliárias realizadas quanto aos prédios sujeitos a uma intervenção de reabilitação urbana, que os residentes são tributados à taxa de 5%, por força do n.º 5 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), sendo que esta taxa, pela letra da lei, não é aplicável aos não residentes, ainda que esteja em causa a venda de um prédio sujeito a uma intervenção de reabilitação urbana.
Desta forma, qualquer discriminação existente na legislação portuguesa que permita uma tributação menor para os residentes, quando comparada com a tributação dos não residentes, deverá ter-se por contrária às normas de Direito Europeu.
Assim, uma vez que o Direito da União Europeia obriga a que os Estados Membros não discriminem os não residentes face aos residentes, o referido n.º 5 do artigo 71.º do EBF deverá ter-se por manifestamente ilegal, quando e se aplicável apenas aos residentes em território Português, na medida em que colide com o princípio de proibição de restrições ao movimento de capitais previsto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).
A título subsidiário, não concedendo quanto ao pedido principal, o Requerente entende que, caso se concluísse pela não aplicação da taxa de 5%, então a mais-valia sujeita a tributação deveria ser considerada em apenas 50% desse valor, face à jurisprudência produzida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) de que é incompatível com o princípio da liberdade de circulação de capitais um regime que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado-Membro ou em país terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel. O Requerente cita igualmente jurisprudência nacional no mesmo sentido.
O facto de atualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, por opção, não justifica a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes, citando diversa jurisprudência em favor desta tese.
Conclui pedindo que sejam restituídas as quantias indevidamente pagas, bem como pagos juros indemnizatórios, nos termos legalmente previstos.
Posição da Requerida
A Requerida entende que a norma controvertida do EBF explicita de modo claro que o benefício deve apenas poder ser aplicado a mais valias usufruídas por residentes. Tendo presente que deve atender-se ao fim que o beneficio vise promover e à interpretação normativa imposta pelo disposto no artigo 11.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e do artigo 9.º do Código Civil, e, ainda, o facto de que o beneficio configurado visou promover e incentivar a reabilitação urbana e não mera especulação imobiliária, razão pela qual o mesmo incide sobre os rendimentos decorrentes da primeira alienação após a intenção e reabilitação urbana, mostra-se mais ou menos compreensível o pressuposto explicitado de objetividade territorial, pelo que entende que a posição do Requerente carece de sustentação legal.
No que se refere ao pedido subsidiário, entende que assiste razão ao Requerente, ou seja, no apuramento IRS do ano de 2020 apenas 50% do rendimento tributável da categoria G auferido deve ser ponderado para efeitos da aplicação da taxa de tributação prevista no art.º 72.º CIRS, alegando que a mandatária do Recorrente foi notificada da revogação parcial do ato tributário objeto de impugnação nos presentes autos.
2. ANÁLISE DAS QUESTÕES
2.1 Pedido principal - Aplicação da taxa de 5% prevista no artigo 71.º, n.º 5, do EBF
O artigo 71.º do EBF regula um conjunto de incentivos à reabilitação urbana, dispondo o seu n.º 5 que “as mais-valias auferidas por sujeitos passivos de IRS residentes em território português decorrentes da primeira alienação, subsequente à intervenção, de imóvel localizado em área de reabilitação urbana, são tributadas à taxa autónoma de 5 %, sem prejuízo da opção pelo englobamento”.
Resulta, assim, da letra da lei que este incentivo tem uma aplicação limitada aos sujeitos passivos de IRS que sejam residentes em Portugal. Desta forma, aos não residentes estaria vedada a aplicação da taxa beneficiada de 5%, sendo antes aplicável, tal como sucedeu no caso em apreço, a taxa de 28%.
Assim, quanto a esta matéria não restam dúvidas de que se verifica uma tributação diferenciada entre residentes e não residentes, inequivocamente mais benéfica para os primeiros, colocando-se nos presentes autos a questão de saber se este tratamento diferenciado é incompatível com o Direito da União Europeia, conforme alega o Requerente.
Em concreto, o artigo 63.º do TFUE dispõe que:
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
O TJUE já se pronunciou, não a respeito desta situação em concreto, mas relativamente a normas da legislação fiscal portuguesa que estabelecem regime diferenciados de tributação de mais-valias imobiliárias, em sede de IRS, em virtude da residência do sujeito passivo.
Importa convocar tais decisões, de modo a apurar se a matéria aí em discussão tem aplicação a este caso concreto, principalmente o Acórdão do TJUE de 11 de outubro de 2007, proferido no processo C 443/06 (caso Hollman), estando em causa saber se “o disposto no n.° 2 do artigo 43.° do CIRS, […], que limita a incidência de imposto a 50% das mais valias realizadas por residentes em Portugal, viola o disposto nos artigos 12.°, 18.°, 39.°, 43.° e 56.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia ao excluir dessa limitação as mais valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado Membro da União Europeia?”.
Sustenta o TJUE que “uma operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais”, e que “por conseguinte, este tipo de operação é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.° CE e é, por isso, com base neste artigo que importa examinar a questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio” (cfr. pontos 31 e 32, correspondendo o artigo citado ao atual artigo 63.º do TFUE).
Sobre a tributação diferenciada entre residentes e não residentes, que, no caso, correspondia à impossibilidade de estes últimos poderem beneficiar da redução da base tributável para 50%, é dito no ponto 39 do Acórdão em análise que “uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal tem por efeito tornar a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes, dissuadindo-os de efetuar investimentos imobiliários em Portugal e, consequentemente, operações relacionadas com estes investimentos, tal como a venda de um bem imóvel”.
Para concluir, no seu ponto 40, que “o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.° CE”.
Sobre a mesma matéria de direito, mas desta feita estando em causa residentes em países terceiros, como aliás é o caso que se está a analisar (o Requerente é residente na Suíça), o Acórdão do TJUE de 6 de setembro de 2018, proferido no processo n.º C 184/18, secunda a mesma conclusão de que tal diferença de tratamento fiscal é incompatível com o artigo 63.º do TFUE, uma vez que a proibição de restrições ao movimento de capitais engloba países terceiros.
Quanto a esta matéria, há ainda que considerar as exceções ao princípio enunciado no artigo 63.º, conforme o artigo 65.º, n.º 1, do mesmo TFUE, que se reproduz abaixo:
1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
De onde se retira que aquele princípio de liberdade de movimentação de capitais pode ser afastado, caso se verifique uma das situações referidas.
Conforme se explicita no Acórdão do TJUE proferido no caso Hollman, o Estado português alegava naquela sede que “as duas categorias de sujeitos passivos se encontram em situações diferentes, o que justifica perfeitamente esta diferença de tratamento, na medida em que a limitação da tributação a 50% só pode respeitar a residentes, uma vez que estes se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas sobre o seu rendimento global. Ao invés, aos não residentes são apenas tributados os rendimentos auferidos no território português. Por outras palavras, o mecanismo previsto por uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal visa não penalizar os residentes que se encontram sujeitos a um imposto progressivo, contrariamente aos não residentes” (cfr. ponto 47).
Alegava ainda o Estado português que para os residentes “o rendimento coletável é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias, incluindo, portanto, as mais valias auferidas em cada ano, sujeito a uma tabela de taxas progressivas, enquanto que, para os não residentes, o CIRS prevê a aplicação de uma taxa especial proporcional”. (cfr. ponto 49)
Finalmente, de modo a preservar a coerência do sistema fiscal, o Estado português sustentou que “é necessário levar em consideração a finalidade e a lógica do regime fiscal aquando da realização das mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel. A este respeito, o regime fiscal em causa tem por objetivo evitar penalizar os residentes, no quadro da tributação de mais valias, pelo facto de lhes aplicar uma taxa progressiva. No essencial, existe uma relação direta, para os residentes, entre a vantagem fiscal na tributação das mais valias, resultante da tributação reduzida a metade, e a taxa de tributação progressiva aplicável à totalidade dos seus rendimentos (cf. ponto 57).
Tais argumentos não foram considerados pelo TJUE como enquadráveis nas aludidas exceções (quer no caso Hollman, quer no Acórdão do processo n.º C 184/18), não se vendo efetivamente em que medida tais exceções poderiam ter enquadramento no citado artigo 65.º e, por consequência, também não se vê como poderiam ser aplicáveis ao caso em análise.
Todavia, importa ainda assim notar que aquelas circunstâncias invocadas pelo Estado português, como eventualmente justificativas de um tratamento diferenciado, nem se verificam no caso concreto. Na situação em análise, nem sequer se pode falar de lógicas diferentes de tributação (englobamento ou não englobamento, taxas fixas ou progressivas), porquanto se afigura claro que os residentes são tributados à taxa de 5%, ao passo que os não residentes o seriam a uma taxa de 28%, que, caso se aplicasse a redução do valor para 50% da mais-valia, ainda assim representaria uma taxa efetiva de 14%, quase o triplo da taxa aplicada a residentes.
A Requerida alega, eventualmente como circunstância capaz de justificar, em face do citado artigo 65.º do TFUE, a aplicação da taxa de 5% apenas a mais-valias realizadas por residentes, o facto de o benefício fiscal visar promover e incentivar a reabilitação urbana e não a mera especulação imobiliária. Contudo, não se percebe em que medida tal desiderato se tem como alcançável no caso de reabilitação feita apenas por residentes, não colhendo por isso tal argumento.
Em face da similaridade dos casos tratados nos referidos Acórdãos do TJUE com a situação dos presentes autos, é de considerar que não se suscitam dúvidas quanto à incompatibilidade com o Direito da União Europeia, não se justificando por isso, nem as partes o solicitaram, o reenvio prejudicial para o TJUE, nos termos do artigo 267.º do TFUE.
Face ao exposto, julga-se procedente a alegação do Requerente de que o regime fiscal previsto no artigo 71.º, n.º 5, do EBF, deve ser aplicável igualmente a sujeitos passivos não residentes, incluindo um sujeito passivo residente na Suíça, como é o caso do Requerente, sendo por isso de liquidar o IRS aplicando a taxa de 5% à base tributável resultante da venda das frações em questão.
2.2 Pedido subsidiário – consideração da mais-valia em apenas 50%
Quanto a este pedido, de notar que o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou no sentido de que “quando, por falta de opção pelo englobamento, a tributação seja efetuada ao abrigo do disposto no art 71.º, n.º 5, do EBF, a taxa de 5% deve ser aplicada sobre a totalidade da mais-valia, inexistindo fundamento legal para que se considere apenas metade do seu valor” (Proc. 01366/18.1BEPRT, Acórdão de 10/27/2021).
O Requerente expressa este pedido como subsidiário, uma vez que, sendo procedente o pedido principal, a tributação deve incidir sobre a totalidade da mais-valia. Fica assim prejudicada a apreciação pelo Tribunal do pedido subsidiário.
2.3 Juros indemnizatórios
O Requerente pede que, juntamente com o reembolso das quantias indevidamente pagas, sejam pagos os juros indemnizatórios.
Dispõe o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
E refere ainda o nº 3, alínea d), da norma citada que “são também devidos juros indemnizatórios (...) em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.
Ora, na medida em que se julga incompatível com o artigo 63º do TFUE um regime fiscal em que a taxa reduzida de 5% é aplicável exclusivamente às mais-valias realizadas por residentes, importa saber se a liquidação resulta de um erro imputável aos Serviços ou, não sendo o caso, saber se a liquidação se fundou em norma considerada ilegal, o que, a suceder, conferiria o direito de o Requerente receber juros indemnizatórios.
Sucede, como ficou provado pela análise da declaração de IRS modelo 3 entregue pelo Requerente, que este não indicou no campo respetivo que o imóvel fora objeto de reabilitação urbana, o que lhe conferia a possibilidade de aplicação do regime fiscal do artigo 71.º, n.º 5, do EBF (aliás, o campo referido faz expressa menção a este regime).
Nesta medida, e tendo por base o desconhecimento deste dado por parte da AT, por um lado a liquidação não resulta de um erro que lhe é imputável, e, por outro lado, também não se pode dizer que a “liquidação se tenha fundado” naquela norma julgada ilegal, pelo simples facto de que a aplicação desta norma por parte da AT, no ato de liquidação que ora se avalia, pressuporia um conhecimento de que se tratava de um imóvel objeto de reabilitação urbana.
De resto, conforme estatui o artigo 59.º do CPPT, “o procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente”, pelo que, havendo local próprio para indicar o regime da reabilitação urbana, e não o tendo sido feito pelo Requerente, não cumpria à AT a busca desses elementos, em termos de se poder dizer que a liquidação se fundou no artigo 71.º, n.º 5, do EBF.
Nesta medida, não se verifica qualquer das situações previstas no referido artigo 43.º da LGT que possam atribuir ao Requerente direito a juros indemnizatórios, improcedendo assim o pedido de juros indemnizatórios.
2.4 Redução do valor da causa
O Requerente peticiona que, na sequência da ocorrência da inutilidade superveniente da lide parcial provocada pela revogação do ato relativo a parte do pedido, o Tribunal proceda à redução do valor da causa, bem como à retificação da taxa de arbitragem a liquidar pelo Requerente.
Entende porém este Tribunal, em linha com jurisprudência do CAAD (veja-se as decisões nos Processos n.ºs 656/2014-T e 147/2019-T), que nesta matéria rege o disposto no artigo 299.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT e no artigo 6.º, alínea a), do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, de que “na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal”.
Nessa medida, improcede o pedido formulado pelo Requerente.
V. DECISÃO
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade parcial e anulação da liquidação relativa ao exercício de 2020, com o n.º 2021..., com todas as consequências legais, incluindo o reembolso do imposto pago indevidamente pelo Requerente;
b) Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios;
c) Julgar improcedente o pedido do Requerente de redução do valor da causa e retificação da taxa de arbitragem.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 133.101,73, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. CUSTAS
Custas no montante de € 3.060, a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 6 de junho de 2022
Os Árbitros
Nuno Cunha Rodrigues
(Árbitro presidente),
Clotilde Celorico Palma
Jorge Belchior de Campos Laires
(Relator)