Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 88/2021-T
Data da decisão: 2021-10-07  Selo  
Valor do pedido: € 700.157,70
Tema: Imposto do selo. Comissões de serviços de comercialização de unidades de participação de fundos de investimento. Redébito de comissões. Dupla tributação. Violação do Direito da União Europeia. – Decisão de Reenvio prejudicial
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

         Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Armando Oliveira e Dr. António de Barros Lima Guerreiro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-05-2021, acordam no seguinte:

 

        

         1. Relatório

 

A..., S.A., com o número único de matrícula e identificação fiscal..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-..., Lisboa (“A...” doravante), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral, juntamente com os seguintes fundos (doravante conjuntamente designados como “Fundos”):

- B..., com o número de identificação fiscal ...;

- C..., com o número de identificação fiscal ...;

- D..., com o número de identificação fiscal ...;

- E..., com o número de identificação fiscal ...;

- F..., com o número de identificação fiscal ...;

- G..., com o número de identificação fiscal...;

- H..., com o número de identificação fiscal ...;

- I..., com o número de identificação fiscal ...;

- J..., com o número de identificação fiscal ...;

- K..., com o número de identificação fiscal ...;

- L..., com o número de identificação fiscal ...;

- M..., com o número de identificação fiscal...;

- N..., com o número de identificação fiscal ...;

- O..., com o número de identificação fiscal ...;

- P..., com o número de identificação fiscal ...;

- Q..., com o número de identificação fiscal ...;

- R..., com o número de identificação fiscal ...;

- S..., com o número de identificação fiscal ...;

- T..., com o número de identificação fiscal ...;

- U..., com o número de identificação fiscal ...;

- V..., com o número de identificação fiscal...;

- W..., com o número de identificação fiscal ...;

- X..., com o número de identificação fiscal ...;

- Y..., com o número de identificação fiscal ...;

- Z..., com o número de identificação fiscal ...;

- AA..., com o número de identificação fiscal ...;

- BB..., com o número de identificação fiscal ...;

- CC..., com o número de identificação fiscal ...;

- DD..., com o número de identificação fiscal ...;

- EE..., com o número de identificação fiscal...;

- FF..., com o número de identificação fiscal ... .

 

A A... e os Fundos serão doravante designados conjuntamente como “Requerentes”.

Os Requerentes pedem a declaração de ilegalidade de actos de liquidação e autoliquidação de Imposto do Selo, previsto na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), com referência aos meses de Janeiro a Dezembro de 2019.

Os Requerentes pedem ainda o reembolso da quantia paga com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 12-02-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 04-05-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24-05-2021.

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 17-09-2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A A... é sociedade gestora e representante legal dos fundamentos de investimento mobiliário abertos, colectivamente designados “Fundos” ou “Requerentes” (documentos n.ºs 10 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. A A... é apenas uma entidade gestora de fundos, pelo que possui uma actividade própria de comercialização insuficiente, dado ser economicamente inviável dispor de uma estrutura disseminada pelo país para efeitos de comercializar junto do público sem necessidade de recorrer também à banca, a subscrição das unidades de participação dos fundos abertos cujo património é por si gerido;
  3. A A... socorre-se de instituições financeiras, maxime bancos com uma rede de balções disseminada pelo país e com forte experiência na intermediação financeira e na colocação de valores mobiliários junto do público, para dar a conhecer ao público os seus fundos de investimento (os seus produtos) e comercializar a subscrição de unidades de participação nos mesmos;
  4.  Nos meses de Janeiro a Dezembro de 2019 foram comercializadas subscrições de unidades de participação de diversos fundos geridos pela A..., pelas seguintes instituições financeiras:

– GG...S.A. (GG...);

– HH..., S.A. (HH…);

– II..., CRL (II...);

– JJ..., S.A. (JJ...);

  1. As referidas instituições financeiras com os créditos da actividade (de comercialização) responsável pela concretização destas reuniões de capitais, destas novas entradas de capitais para os fundos em causa, procederam à facturação desta comercialização de subscrições de unidades de participação nos fundos, não aos fundos em causa, mas à A..., a sua entidade gestora (documentos n.ºs 1 a 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. Nas facturas emitidas aquelas instituições financeiras liquidaram imposto do selo invocando para tanto a verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS doravante) (documentos n.ºs 1 a 5);
  3. No ano de 2019, a A... cobrou aos Fundos comissões de gestão em cujo valor incluiu uma parcela correspondente ao valor das «comissões de comercialização de subscrições de unidades de participação levadas a cabo pelos bancos (com exclusão do imposto do selo sobre elas liquidado pelos bancos) num total de € 8.752.232,43, redébito este sobre o qual a A... também liquidou e entregou ao Estado (conjuntamente com liquidação de imposto do selo sobre a comissão de gestão propriamente dita) imposto do selo à taxa de 4% prevista na verba 17.34 da TGIS, num montante de € 350.089,30» (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, e também documentos n.ºs 6 e 8, cujos teores se dão como reproduzidos);
  4. A A... e os Fundos apresentaram reclamação graciosa das liquidações referidas;
  5. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 10-11-2020, proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de Subdelegação de competências, com os fundamentos que constam do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

40. Porém, entende o Reclamante, que a liquidação de imposto do selo sobre as comissões de comercialização e de gestão, se encontra desconforme a legislação fiscal em vigor, devido a, no seu entendimento, se estar perante dupla tributação económica e, quanto à tributação que incide sobre as comissões geradas no contexto dos fluxos comissionistas, haver violação do Direito da União Europeia, invocando para o efeito a Diretiva nº 2008/7/CE, que versa sobre a livre circulação de capitais.

Desde já fazemos constar que não lhe assiste razão

41. Pois à semelhança do que ocorre no âmbito da atividade desenvolvida quanto à gestão dos fundos de capital de risco, em que a sociedade gestora cobra comissões de gestão, às quais foi aplicada a taxa de imposto do selo de 4%, conforme prevê a verba 17.3.4 da TGIS, é pacifico para a AT (Autoridade Tributária e Aduaneira), que as comissões cobradas, a título dos serviços de administração ou gestão, preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva contidos na verba 17.3.4 da TGIS, conforme Parecer n.º 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros, que se transcrevem os seguintes pontos: " (...)

9.Antes de verificar se as comissões pagas pelos FCR às sociedades gestoras correspondem em todos os seus elementos relevantes - objectivo e subjectivo ao tipo de operações descritas na Verba 17.3 (Operações Financeiras) da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), importa averiguar se as comissões pagas pelos FCR às sociedades gestoras são abrangidas pela isenção do IVA, porquanto esta é uma condição sine qua non para a incidência do imposto do selo (cfr. n.º 2 do artigo 1 º do CIS).

10. No atinente e isenção de IVA, embora não se tenha conhecimento de qualquer entendimento específico relativo às comissões cobradas a título de gestão ou administração dos FCR, existe doutrina firmada a respeito do enquadramento na alínea g) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA das remunerações cobradas pela gestão de fundos de pensões, quer a sua gestão seja efectuada pelas companhias de seguros do ramo «Vida» quer por sociedades constituídas exclusivamente com essa finalidade (Cfr. informação n º 1065, Proc º 1039D de 87.06. 26, do SIVA. despacho do Secretário de Estado para os Assuntos Fiscais de 87.07.23 e Ficha doutrinária relativa a informação vinculativa, Procº 1776, despacho do SDG dos Impostos substituo legal do Diretor Geral, 2011-04-08). O entendimento proferido assenta na interpretação de que a isenção da IVA consagrada na alínea g) do n.º 27 do art 9, º do CIVA, para as operações de "administração ou gestão de fundos de investimento", na linha da redação da alínea g) do nº 1 do artigo 135-º (A redação deste normativo e a seguinte: "A gestão de fundos de investimento, tal como definidos pelos Estados Membros") da Directiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum de IVA, é aplicável a qualquer 'fundo comum de Investimento', independentemente da sua natureza e finalidade.

11.E, na verdade, embora a principal finalidade do investimento em capital de risco consista, nos termos do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 375/2007, na "aquisição, por período de tempo limitado, de instrumentos de capital próprio e de instrumentos de capital alheio em sociedades com elevado potencial de desenvolvimento, como forma de beneficiar da respectiva valorização" (Não obstante, na actualidade, os regimes jurídicos dos fundos de investimento mobiliários e o dos FCR serem regulados de forma autónoma no passado, as similitudes eram expressamente assumidas tanto assim que o diploma que instituiu o regime jurídico dos FCR - o Decreto-Lei n.º 187/91, de 17 de Maio- determinou que a constituição e funcionamento dos FCR era regulado, em tudo o que não contrariasse o regime, pelo Decreto-Lei nº 229-C/88, de 4 de Julho, que unificou o regime jurídico dos fundos de investimento mobiliários e imobiliários abertos e fechados), a actividade de gestão dos FCR comporta, no essencial, a prática, pela entidade gestora, de actos e operações semelhantes aos praticados na gestão dos outros fundos de investimento, tanto assim que a gestão pode ser assegurada também por sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário fechados, não havendo, por conseguinte, qualquer justificação no plano material para que lhe fosse dado um enquadramento diferenciado, no âmbito do /VA.

12. Considerando, pois, como pacifico, que no campo do IVA, a isenção estabelecida na alínea g) do nº27 do artº 9 º, também se estende à remuneração cobrada pelas SCR aos FCR, resta-nos centrar a atenção na sujeição ao imposto do se/o das comissões relativas à administração ou gestão dos fundos de capital de risco, começando por uma breve incursão histórica.

13. Na verdade, ao contrário da regulamentação das SCR, cujo regime fiscal, incluindo os benefícios fiscais cm matéria de imposto do se/o, foram definidos pelo Decreto-Lei n.º 07/87, de 9 de Fevereiro, posteriormente alargados (O artigo 1.º, alínea c) aditou a isenção do imposto do selo a que se refere o n.º' 2 do artigo 120-A da Tabela Geral do imposto do Selo) pelo Decreto-Lei nº 124/87, de 17 de Março, para os FCR não foi publicado qualquer diploma específico a estabelecer os benefícios fiscais aplicáveis. Aliás, em matéria de impostos sobre o rendimento, até ser consagrado um regime fiscal próprio dos FCR, foi-lhes aplicável o regime fiscal previsto no EBF para os fundos de investimento mobiliário. No âmbito do imposto do se/o, não se conhece qualquer normativo que especificamente tenha estabelecido uma isenção para as operações realizadas no âmbito do funcionamento dos FCR, incluindo as comissões de gestão pagas às entidades gestoras.

14. Todavia, para os fundos de investimento mobiliário e fundos de investimento imobiliário, o artigo 4º do Decreto-Lei n.º 20/86, de 13 de Fevereiro e o artigo 8º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, respectivamente, foi prevista uma isenção de imposto do selo para as operações sobre certificados representativos de unidades de participações, a que se referem os artigos 120-A e 141 da respectiva Tabela Geral, emitidos por aqueles fundos.

15. Sobre o alcance da isenção do imposto do selo consagrada no artigo 4º do Decreto-Lei n º 20/86, nomeadamente no tocante a saber se nela se compreendiam as comissões de gestão, apurou-se que, no passado, foram emitidos alguns entendimentos administrativos, segundo os quais todas as comissões, sem excepção, pagas pelos fundos às respectivas sociedades gestoras e, bem assim, aos depositários, beneficiavam da isenção do imposto do selo, tendo tal doutrina sido comunicada à Associação Portuguesa de Bancos, por Ofício da DSISTP, n.º..., de 17.02. 1999.

16. Embora se desconheça qualquer pronunciamento sobre esta matéria posterior à revisão do Código do imposto do Selo e respectiva Tabela, pela Lei nº 150/99, de 3 de Setembro, uma conclusão desde já se impõe: tanto na vigência do Código do Imposto do Selo, na versão anterior à Lei n º 159/99, não se suscitavam dúvidas quanto à sujeição ao imposto do selo das comissões de gestão pagas pelos fundos de investimento às respectivas sociedades gestoras ao imposto do selo, antes, nos termos da alínea b) do corpo do artigo 120-A da TG/S sob a epígrafe "Operações Financeiras".

17. Sendo assim, cabe agora indagar se foi operada alguma alteração de fundo, na redacção da Verba 17.3 "Operações Financeiras" da TG/S, quer no elemento objectivo quer subjectivo do facto gerador, que tivesse implicado a exclusão das comissões de gestão dos fundos de investimento e dos FCR do respectivo âmbito de incidência.

41. Situações estas contempladas nas verbas 17 e 10 da Tabela Geral de Imposto do Selo, conforme decorre do n.º 1 do artigo 1.º do CIS, quando as entidades concedentes do crédito ou da garantia e as entidades utilizadores do crédito ou beneficiárias da garantia, umas e outras, sejam domiciliadas nos Estados Membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado. Não se vislumbrando assim, a alegada inconstitucionalidade por violação do disposto no nº 2 do artigo 104º da CRP e violação do Princípio da Legalidade, consagrado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) das supracitadas autoliquidações em sede de IS, referentes à verba 17.3.4 da TGIS.

42. As entidades gestoras de fundos de investimento exercem as funções que lhes são atribuídas por lei, podendo exercer de forma autónoma atividades necessárias ou complementares da gestão dos fundos de investimento.

43. Na qualidade de administradoras e gestoras de fundos e como sua legal representante, compete à entidade gestora a prática de todos os atos e operações necessários ou convenientes à boa administração e gestão dos fundos.

44. Assim sendo, a Reclamante A..., deve ser qualificada como intermediária, prestadora de serviços administrativos e de gestão entre diversas instituições financeiras (que realizam operações financeiras) e os fundos de Investimento, cobrando as respetivas comissões de gestão aos fundos por si geridos e pagando comissões de comercialização às entidades financeiras. Essas operações estão sujeitas a imposto de selo nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, uma vez que, não estão abrangidas por nenhuma isenção.

45. Nomeadamente a do artº 7º do CIS sob a epígrafe "Outras Isenções" consta no seu nº 1 al) e) "Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças: (Redação da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro).

46. É nosso entendimento que do ponto de vista objetivo, nos termos previstos no nº 2 do art 37º da Lei nº 30-C/2000, do artº 7º nº 1 al) e) do CIS consta, tão só, uma isenção que não é aplicável às comissões previstas na verba 17.3.4 da TGIS, mas sim, aplicável às operações que estejam diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida por instituições financeiras e as entidades referidas naquele normativo.

47. A Reclamante vem alegar que os fundos de investimento deverão ser equiparados a sociedades de capitais e, por esse facto ser-lhes-á aplicável o disposto no artº 2º da Diretiva 2008/7/CE (conforme prevê o artº 8º da CRP, sobre o primado do Direito Europeu no Direito interno dos Estados Membros), no sentido de proibir a tributação indireta sobre a atividade de colocação e negociação de participações sociais.

48. Ora como paradigma de tributação indireta temos a tributação em IVA. No que concerne às comissões de gestão e comercialização pagas pelos fundos e pela sociedade gestora, desde logo se conclui que as mesmas estão isentas de IVA.

49. Como já foi supra referido existe uma doutrina firmada a respeito do enquadramento do artº 9º nº 27 al) g) do CIVA quanto às comissões cobradas pela sociedade gestora dos fundos (Inf. N.º 1065, Pº 1039D, de 26-06-1987do DSIVA, com despacho do Secretário dos Assuntos Fiscais de 23-07-1987 e ficha doutrinária relativa à informação vinculativa no Pº 177S, com despacho do Subdiretor Geral dos Impostos, como substituto legal do Diretor Geral de 08-04-2011.

50. O entendimento proferido assenta na interpretação de que uma isenção de IVA prevista no artº 9º nº 27, al) g) do CIVA para as operações de gestão realizadas pela sociedade gestora, na linha da redação da al) g) do artº 135º da Diretiva 2006/112/CEE, relativa ao sistema comum de IVA, é aplicável a qualquer fundo de investimento independentemente da sua natureza e finalidade.

51. A isenção de IVA é condição "sine qua non" para a incidência de imposto do selo, conforme dispõe o nº 2 do artº 2º do CIS. Assim, o imposto do selo incide sobre atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos, previstos na Tabela Geral, ocorridos em Portugal, e não sujeitos ou isentos de IVA.

52. Carece pois, de fundamento essa alegação, dado que se trata efetivamente de tributar em sede de imposto do selo, verba 17.3.4 da TGIS, as prestações de serviços gestão e comercialização, pela intermediação das referidas operações entre os fundos de investimento e as entidades financeiras que comercializam as unidades de participação dos fundos de investimento mobiliário.

53. Sendo assim, está a Reclamante abrangida sem qualquer dúvida pela incidência da verba 17 3.4 da TGIS, preenchendo cumulativamente os requisitos de natureza objetiva e subjetiva.

54. Nos termos das alíneas u) e aa) do artigo 2.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo - Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro5 - são definidos, respetivamente, «fundo de investimento», os patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, pertencentes aos participantes no regime geral de comunhão regulado no presente Regime Geral e os «organismos de investimento coletivo» como sendo instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes.

55. Pelo que, os «organismos de investimento coletivo» são subdivididos em diferentes tipos de organismos, entre os quais se encontram:

"i) Organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM), que são organismos abertos:

1.º) Cujo objeto exclusivo é o investimento coletivo de capitais de investidores não exclusivamente profissionais em valores mobiliários ou outros ativos financeiros líquidos referidos na subsecção l da secção l do capítulo II do título III e que cumpram os limites previstos na subsecção II da mesma secção; e

2º) Cujas unidades de participação são, a pedido dos seus titulares, readquiridas ou resgatadas, direta ou indiretamente, a cargo destes organismos, equiparando-se a estas reaquisições ou resgates o facto de um organismo de investimento coletivo em valores mobiliários agir de modo a que o valor das suas unidades de participação em mercado regulamentado não se afaste significativamente do seu valor patrimonial líquido;

ii) «Organismos de investimento alternativo» (OIA), que são os demais, designadamente os previstos na alínea a) do nº 2 do artigo anterior e ainda:

1a) Os organismos abertos ou fechados, cujo objeto é o investimento coletivo em valores mobiliários ou outros ativos financeiros, designados «organismos de investimento alternativo em valores mobiliários (OIAVM)»;

2 º) Os organismos abertos ou fechados, cujo objeto é o investimento em ativos imobiliários, designados «organismos de investimento imobiliário» (OII);

3º) Outros organismos fechados cujo objeto inclua o investimento em ativos não financeiros que sejam bens duradouros e tenham valor determinável, designados organismos de investimento em ativos não financeiros (OIANF)".

Ou seja,

56. Os fundos de investimento são considerados uma espécie dentro do género dos organismos de investimento coletivo [o artigo 5.º da Lei n.º 16/2015 esclarece que os OIC assumem a forma contratual de fundo de investimento ou a forma societária (compreendem as sociedades de investimento mobiliário e as sociedades de investimento imobiliário)], sendo que, como dispõe o n.º 2 do artigo 6.º, ao fundo de investimento fica reservada a expressão «fundo de investimento», acrescida da expressão «imobiliário» no caso dos fundos de investimento imobiliário, que deve integrar a sua denominação.

57. No exercício das funções respeitantes à gestão de organismo de investimento coletivo, compete às entidades gestoras gerir o investimento, praticando os atos e operações necessários à boa concretização da política de investimento, em especial, à gestão do património, incluindo a seleção, aquisição e alienação dos ativos, cumprindo as formalidades necessárias para a sua válida e regular transmissão e o exercício dos direitos relacionados com os mesmos; a gestão do risco associado ao investimento, incluindo a sua identificação, avaliação e acompanhamento, emitir, resgatar ou reembolsar unidades de participação entre outros.

58. As entidades comercializadoras de unidades de participação podem ser, nos termos do art.º 129.º do RGOIC:

a) As entidades responsáveis pela gestão;

b) Os depositários;

c) Os intermediários financeiros registados junto da CMVM para o exercício das atividades de colocação com ou sem garantia ou de receção e transmissão de ordens por conta de outrem;

d) Outras entidades como tal previstas em regulamento da CMVM, mediante autorização desta,

2 - As entidades comercializadoras referidas na alínea d) do número anterior observam as regras impostas aos intermediários financeiros relativas ao exercício da sua atividade, designadamente as de prevenção e resolução de conflitos de interesses, ficando os serviços responsáveis pela comercialização sujeitos à supervisão da CMVM, nos mesmos termos do que aqueles intermediários financeiros.

3 - As relações entre a entidade responsável pela gestão e as entidades comercializadoras regem-se por contrato escrito.

4 - As entidades comercializadoras respondem perante os participantes pelos danos causados no exercício da sua atividade.

5 - Podem ainda comercializar unidades de participação de O/Ajunto dos trabalhadores as entidades empregadoras ou as entidades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a entidade empregadora, ou as entidades com quem aquelas se encontrem em relação de domínio ou de grupo, desde que a participação no O/A esteja reservada aos trabalhadores dessas entidades.

59. Sendo que constituem encargos do organismo de investimento coletivo a comissão de gestão e a comissão de depósito, destinadas a remunerar os serviços prestados pela entidade responsável pela gestão e pelo depositário do organismo de investimento coletivo, respetivamente.

60. Assim, os atos inerentes às entidades gestoras e às entidades depositárias dos referidos fundos, cabem na previsão na norma, pois envolvem uma atividade de intermediação financeira justificativa da sujeição a imposto do selo,

61. Sendo o entendimento vigente de que o conceito sobre certificados representativos de unidades de representação emitidos por fundos de investimento abrange tanto as comissões cobradas aos fundos de investimento pelas respetivas sociedades gestoras, como pelas entidades depositária, conforme Parecer n.º 183/95, elaborado, em 22 de dezembro de 1995, pelo Centro de Estudos Fiscais e Informação vinculativa n.º 10848, esta referida até pela Reclamante.

62. Todas as operações sobre certificados representativos de unidades de representação emitidos por fundos de investimento, tem incidência na verba 17,3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) sujeita a tributação «Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros (...)»

63. Deste modo, deve entender-se, em face do entendimento anteriormente referido sobre o conceito de operações sobre certificados representativos de unidades de participação, que estas situações integram atualmente o âmbito de previsão desta verba.

64. Contudo, o Reclamante vem alegar a incompatibilidade com o direito europeu, designadamente com a Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008.

65. Esta Diretiva, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, visa eliminar fatores suscetíveis de distorção de concorrência ou obstar à livre circulação de capitais No preâmbulo deste instrumento comunitário, esclarece-se que "[n]ão deverão ser aplicados impostos indiretos às reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. Em especial, não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência",

66. Na Diretiva ora em análise, a al. a) do n.º 1 do art.º 5.º estipula que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto as entradas de capital, especificando na al. a) do seu n º 2 a proibição do estabelecimento destes impostos sobre a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

67. Por sua vez, a al. a) do n.º 1 do art.º 6.º da Diretiva dispõe que, em derrogação ao estabelecido no artº 5.º, os Estados-Membros podem cobrar impostos sobre a transmissão de valores mobiliários, cobrados forfetariamente ou não.

68. Cumprindo clarificar que, não obstante o art.º 6.º da Diretiva permitir a tributação da transmissão de valores mobiliários, no caso de uma aquisição de UP's no contexto de um aumento de capital não está em causa a transmissão de valores mobiliários ou partes sociais, mas antes a entrada de capital por via da emissão de unidades de participação. E, a Diretiva não só não proíbe como permite, no artigo 6.º, que os Estados-Membros cobrem impostos sobre a transmissão de valores mobiliários (cf. alíneas a) do n.º 1 do art.º 6.º da Diretiva, pelo que tal argumentação não nos parece sustentável.

Sobre a alegada dupla tributação económica

69. Trata-se de uma situação que consiste na taxação dupla de um mesmo fluxo de rendimentos em sede de um mesmo domicílio fiscal.

70. A situação mais emblemática verifica-se ao nível da tributação em sede de IRC dos resultados líquidos das empresas e a subsequente tributação desses resultados, em sede de IRS, quando os mesmos são distribuídos sob a forma de dividendos.

71. A alegação de que no caso concreto ocorre dupla tributação económica não tem fundamento. A sociedade gestora liquida e paga imposto do selo sobre as comissões de gestão cobradas aos fundos de investimento, dos quais é responsável e representante. Do mesmo modo, paga imposto do selo que incide sobre as comissões de comercialização, por ser da sua responsabilidade as operações de comercialização das unidades de participações junto das diversas instituições financeiras, que lhe estão a divulgar e a propor a subscrição de unidades de participação, logo realiza serviços financeiros.

2. Em síntese

a) É inequívoco que as sociedades Gestoras de Fundos de Investimento preenchem o tipo de "(...) quaisquer outras instituições financeiras", conforme consta da verba 17.3 da TGIS;

b) As comissões de gestão e de comercialização inerentes à prestação de serviços pela Sociedade Gestora aos Fundos de Investimento preenchem os requisitos de natureza objetiva e subjetiva para sujeição de tais operações à tributação em sede de imposto do selo, com enquadramento na verba 17.3.4 da TGIS, a qual refere "(...) outras comissões e contraprestações por serviços financeiros".

c) É inaplicável a isenção de imposto do selo prevista no art 4º do Decreto Lei nº 20/86, de 13 de fevereiro, devido a ter sido revogado pelo artº 319º da Lei nº 71/2018, (Lei do orçamento para 2019), sendo que o IS subjudice, se refere precisamente ao ano de 2019;

d) De acordo com o Parecer n.º 183/95, elaborado, em 22 de dezembro de 1995 do CEF e o Parecer nº 25/2013, não se suscitavam dúvidas quanto a sujeição ao imposto do selo das comissões de gestão pagas pelos fundos de investimento às respetivas sociedades gestoras ao imposto do selo, antes, nos termos da alínea b) do corpo do artigo 120-A da TGIS sob a epígrafe "Operações Financeiras".

e) Nos termos do disposto no artº 1º nº 1 do CIS e da verba 17.3.4 da TGIS, as comissões de gestão e comercialização cobradas pelas entidades gestoras e comercializadoras, estão sujeitas a imposto do selo, não podendo beneficiar de nenhuma isenção.

 

  1. Em 10-02-2021, data em que foi apresentado o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia quanto à matéria de facto.

 

 

3. Matéria de direito

 

A A... é uma sociedade que gere vários fundos de investimento mobiliário abertos que comercializa através de instituições financeiras (bancos) que lhe facturam comissões de comercialização, em função das subscrições de unidades de participação dos fundos de que aquela é gestora.

Nas facturas emitidas relativamente a essas comissões de comercialização, as entidades financeiras liquidam Imposto do Selo, invocando a verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

Posteriormente, a A... repercutiu nos fundos estas comissões de comercialização, redebitando o valor destas facturações dos bancos, aos fundos a que diziam respeito as comercializações de subscrição de UP em causa, e liquidando, pela segunda vez, imposto do selo sobre as mesmas.

O artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo (CIS) estabelece o seguinte:

 

Artigo 1.º

Incidência objectiva

 

1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

(...)

 

A TGIS inclui a verba 17 sore operações financeiras, em que se estabelece o seguinte:

 

17. Operações financeiras:

(…)

17.3 Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:

(…)

17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4 %.

 

Os Requerentes não concordam quer com a liquidação primeira de imposto do selo pelos bancos, dirigida à entidade gestora A..., quer sobre a segunda liquidação e cobrança de imposto do selo por ocasião do redébito pela A... aos fundos.

Os Requerentes aceitam que se incluem no âmbito de incidência objectiva da verba 17.3.4. as comissões cobradas pelos bancos pela actividade de comercialização de subscrições de Unidades de Participação em fundos, como referem nos artigos 35.º e 50.º do pedido de pronúncia arbitral:

35.º

Ninguém discute, e certamente os requerentes também não, que visto do prisma desta verba 17.3.4, está sujeita a imposto do selo à taxa de 4% a contraprestação cobrada pelos bancos pela actividade de comercialização responsável subscrição de UP e reuniões de capitais adicionais por si consubstanciadas.

50º

 Ninguém nega, os requerentes não negam, que o texto legal constante da verba 17.3.4 da TGIS, apanha também as actividades ou serviços financeiros de comercialização de subscrições de UP em fundos

 

 

No entanto, os Requerentes defendem que, com a cobrança do Imposto do Selo pelos bancos nas facturas emitidas relativas as comissões de comercialização e, depois, sobre o redébito dessas comissões aos Fundos há uma «duplicação de tributação sobre a mesma realidade», que consideram ilegal, e entendem que a cobrança dessas comissões pelos bancos viola «a proibição de tributação constante do artigo 5.º, n.º 2, da Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais».

No presente processo, a A... e os Fundos desistiram de invocar a ilegalidade da incidência de Imposto do Selo sobre a totalidade das comissões de gestão que aquela cobra a estes, limitando a imputação de ilegalidades  «quer sobre a liquidação primeira de imposto do selo pelos bancos, dirigida à entidade gestora A..., quer sobre esta segunda liquidação e cobrança de imposto do selo sobre a mesma realidade, por ocasião do redébito pela A... aos fundos» (artigo 31.º do pedido de pronúncia arbitral).

No que concerne ao direito nacional, os Requerentes não defendem que as comissões de gestão cobradas pelas entidades gestoras aos fundos estejam abrangidas no âmbito de incidência objectiva da verba 17.3.4., como se confirma pelos artigos 81.ºa 83.º do pedido de pronúncia arbitral:

Artigo 81.º

Dito de outro modo, a tributação em imposto do selo da comissão de gestão propriamente dita não está aqui em causa, nem nunca esteve em causa nesta questão da dupla tributação. 

 

Artigo 82.º

Nesta questão da dupla tributação apenas está em causa, e sempre esteve apenas em causa, a parcela da comissão debitada pela A... aos fundos correspondente ao débito das comissões de comercialização (e respectivo imposto do selo), facturadas anteriormente pelos bancos e sujeita já pelos bancos ao devido imposto do selo.

 

Artigo 83.º

Parcela esta que representa imposto do selo no montante de € 350.078,85...

 

 

Nos processos arbitrais está em causa apreciar a legalidade dos actos tal como foram praticados (art. 2.º, n.º 1, do RJAT), limitando-se os poderes de cognição dos Tribunais, quanto a vícios geradores de anulabilidade, aos «vícios arguidos», como resulta do teor expresso do artigo 124. º, n.º 1, do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Por isso, não está em causa no presente processo a questão de saber se as comissões de gestão se incluem no âmbito de incidência da verba 17.3.4.

Pela mesma razão, não está em causa no presente processo saber se o A... deveria ou não, à face da lei, ter incluído nas comissões de gestão o redébito das comissões de comercialização que lhes foram cobradas pelos bancos. Neste caso, é um facto que a Requerente incluiu nas comissões de gestão que cobrou as comissões que lhe cobraram os bancos e sobre elas (comissões de gestão) incidiu imposto do selo quanto à totalidade do seu valor.

 

As Requerentes defendem, em primeira linha, que é ilegal, por constituir dupla tributação de uma única prestação de serviço, a incidência do imposto do selo sobre «a parcela da comissão debitada pela A... aos fundos correspondente ao débito das comissões de comercialização (e respectivo imposto do selo), facturadas anteriormente pelos bancos e sujeita já pelos bancos ao devido imposto do selo» (artigos 74.º e 82.º do pedido de pronúncia arbitral).

Em segundo lugar, os Requerentes defendem que «adicionalmente, deve ser declarada ilegal e anulada esta parcela de liquidação de imposto do selo, por desconformidade também com o direito comunitário ... fundamento de anulação este que se aplica igualmente ao próprio imposto do selo liquidado originariamente pelos bancos sobre a comissão de comercialização» (artigo 84.º e 85.º do pedido de pronúncia arbitral).

 

 

 

3.1. Questão da duplicação de tributação sobre a mesma realidade

 

Os Requerentes defendem o seguinte, em suma:

– a verba 17.3.4 é um catch all, uma previsão normativa que apanha indiscriminadamente na malha da tributação indirecta do imposto do selo, absolutamente toda e qualquer actividade financeira que não tenha já sido apanhada pelas verbas anteriores de tipificação densificada, inclusivamente também as actividades ou serviços financeiros de comercialização de subscrições de UP em fundos;

– mas nada nessa verba permite concluir que se quer fazer incidir múltiplas tributações de imposto do selo sobre uma mesma concreta ocorrência de comercialização de subscrições em UP;

– o concreto serviço financeiro está tributado, no caso por quem o prestou, os bancos, que autoliquidaram e cobraram o imposto do selo nos débitos desses seus serviços;

– nenhuma base legal há para fazer incidir novamente, uma segunda vez, imposto do selo sobre o valor desse concreto serviço ou operação financeira, e menos ainda fazer incidir também sobre o imposto do selo que anteriormente foi já liquidado sobre o mesmo, a pretexto do redébito do mesmo pela entidade gestora a todos e cada um dos fundos por si geridos a que diziam respeito as UP comercializadas pelos bancos;

– seria arbitrário e contrário à neutralidade que qualquer imposto almeja, tributar-se aqui a operação financeira uma vez, e tributar-se ali várias vezes a operação financeira única do mesmo tipo e qualidade, só porque houve vários redébitos da mesma até fazer chegar o seu encargo económico ao beneficiário/destinatário dessa mesma e única operação financeira;

– o serviço é e foi um só, não passando os redébitos de acertos financeiros entre entidades, de modo a que em termos finais fique com o encargo do serviço único e imposto do selo associado, apenas a entidade ou entidades a quem o serviço ou operação financeira única objectivamente se destinam;

– o imposto do selo aqui em causa é um imposto one-off, isto é, que se aplica uma única vez, e não apenas sobre o valor acrescentado, mas sobre a totalidade do valor da operação ou serviço;

– o critério que manda atender à substância económica dos factos tributários (artigo 11.º, n.º 3, da LGT), aponta numa única e mesma direcção;

– a propósito de situação semelhante a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma Informação Vinculativa afastando a dupla tributação da mesma realidade em sede de Imposto do Selo, por existir uma «única prestação de serviço»;

– não está, no âmbito desta questão da dupla tributação, a tributação em imposto do selo da comissão de gestão cobrada pela A... aos Fundos, mas apenas a parcela da comissão debitada pela A... aos fundos correspondente ao débito das comissões de comercialização (e respectivo imposto do selo), facturadas anteriormente pelos bancos e sujeita já pelos bancos ao devido imposto do selo, parcela esta que representa imposto do selo no montante de € 350.078,85.

 

          A Autoridade Tributária e Aduaneira, como já tinha feito na decisão da reclamação graciosa, defende que não há dupla tributação por a comissão de comercialização cobrada pelas bancos e a comissão de gestão cobrada pela A... aos Fundos serem actividades distintas.

         Porém, a questão que os Requerentes colocam, nesta sede de dupla tributação, não é a da incidência de Imposto do Selo sobre a totalidade da comissão de gestão cobrada pela A..., mas apenas a incidência sobre os montantes desta comissão que constitui o redébito das comissões cobradas pelos bancos, como se refere no documento n.º 7.

         Resulta inequivocamente das verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS que o valor sobre que deve incidir o Imposto do Selo no caso de comissões por serviços financeiros é «o valor cobrado» (parte final da verba 17.3), pelo não há suporte legal explícito para concluir que seja outro o valor a considerar para aplicação da taxa prevista na verba 17.3.4.

         É verdade que, como dizem os Requerentes, sendo incluídos nas comissões de gestão os valores das comissões de comercialização cobradas pelos bancos, os valores destas comissões de comercialização serão sujeitos a Imposto do Selo duas vezes, pois ao Imposto do Selo cobrado pelos bancos, suportado pela A..., acresce o Imposto do Selo liquidado pela A... sobre o valor dessas mesmas comissões de comercialização, ao efectuar o redébito aos Fundos para fazer repercutir neles o encargo das comissões, imposto este que é encargo dos Fundos.

         Mas, desde logo, há que notar que não é invocada pelos Requerentes, nem existe no nosso ordenamento jurídico, qualquer norma legal que afaste a possibilidade de dupla tributação do mesmo facto tributário, designadamente qualquer norma de hierarquia superior às do Código do Imposto do Selo (CIS), como sucede com as normas constitucionais (artigo 112.º, 5, da CRP), pelo que mesmo que se esteja perante uma situação de dupla tributação, não se pode concluir daí pela existência de ilegalidade.

         Mas, dessa dupla incidência de impostos do selo sobre as comissões cobradas pelos bancos e sobre o seu redébito não resulta uma situação de dupla tributação, desde logo por serem diferentes os sujeitos passivos e serem também distintos os titulares dos interesses económicos em cada tipo de situações.

         Na verdade, o Imposto do Selo incide «sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral» (artigo 1.º do CIS) e a incidência, no caso em apreço, tem por base «operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras» e as «comissões ... por serviços financeiros» (verba 17.3 e 17.3.4. a TGIS).

         Neste caso, em cada uma das situações referidas pelos Requerentes há duas operações por serviços financeiros distintas, uma realizada pelo banco, que presta um serviço à A..., e outra realizada por esta, que presta um serviço a cada um dos Fundos.

         Cada uma das operações cabe no âmbito de incidência da verba 17.3.4., tendo sujeitos passivos distintos: a A... quanto à comissão cobrada pelo banco; cada um dos Fundos quanto às comissões cobradas pela A... .

         São também diferentes os titulares dos interesses económicos, pois, como resulta da alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, nas operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o titular do interesse económico é cliente destas: isto é, a A... é considerada o titular do interesse económico quanto ao Imposto do Selo relativo às comissões cobradas pelos bancos, que lhe prestam um serviço, e os Fundos são considerados titulares do interesse económico quanto ao Imposto do Selo cobrado relativamente à comissão de gestão cobrada pela A..., pois são os clientes desta.

         E confirmando esta realidade de se estar, por força daquela alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, perante Imposto do Selo que é encargo de entidades distintas, a própria A... esclarece no documento n.º 7 que faz o redébito das «comissões de comercialização de subscrições de unidades de participação levadas a cabo pelos bancos (com exclusão do imposto do selo sobre elas liquidado pelos bancos)». Nem haveria suporte legal, à face daquela norma, para a A... repercutir nos Fundos o encargo do imposto cobrado pelos Bancos, pois é à A... que é legalmente atribuído o encargo do imposto.

         Assim, a questão que se coloca, não é a de saber se há dupla tributação por incidência duas vezes de Imposto do Selo sobre a mesma actividade de comercialização de fundos, mas a de saber se o redébito de uma comissão que foi sujeita a Imposto do Selo é afastada pelo CIS e pela TGIS.

         Ora, a resposta é negativa, pois o Imposto do Selo incide sobre as operações financeiras indicadas na verba 17.3.4. e, relativamente a cada situação de comercialização de fundos, há duas operações que se enquadram na sua hipótese normativa: a de prestação de serviços pelo banco ao A... e a de prestação de serviços por esta ao Fundo.

         Por outro lado, em cada uma das situações se detecta, em relação ao respectivo titular do interesse económico, que suporta o respectivo encargo do imposto, a capacidade contributiva que está subjacente à previsão daquela verba 17.3.4, pelo que não se justifica uma interpretação restritiva.

         Os Fundos não pagam duas vezes Imposto do Selo sobre o valor das comissões bancárias que lhes são redebitadas, mas apenas uma vez, quando lhes é feito o redébito com liquidação de Imposto do Selo sobre o valor total da comissão de gestão.

         No que concerne à substância económica dos factos tributários, invocada pelos Requerentes invocando o n.º 3 do artigo 11.º da LGT, aponta no mesmo sentido, pois, os Fundos são beneficiários das operações de comercialização das suas unidades de participação efectuadas pelos bancos e a utilização desses serviços bancários revela capacidade contributiva, até será presumivelmente maior nos Fundos, que emitem as unidades de participação e ficam na titularidade dos valores resultantes das sua comercialização, do que na entidade gestora que se limita, quanto aos serviços bancários, a ser intermediária entre os Fundos e os bancos.

         Por isso, seria uma solução incongruente e dificilmente compaginável com o princípio constitucional da tributação com base na capacidade contributiva, ínsito no princípio da igualdade, dispensar os Fundos de qualquer encargo fiscal relativamente a um serviço prestado pelos bancos também no seu interesse.

         Pelo exposto, as liquidações impugnadas não enfermam de vício derivado da alegada dupla tributação, nem erro de interpretação da verba 17.3.4..

 

 

         3.2. Questão da «proibição de tributação constante do artigo 5.º, n.º 2, da Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais»

 

         A Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, reporta-se aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais.

         Os Requerentes defendem que a tributação em Imposto do Selo, tando a aplicada à A... como a aplicada aos Fundos, viola a proibição de tributação constante do artigo 5.º, n.º 2, desta Directiva, estabelece o seguinte:

Artigo 5.o

Operações não sujeitas a impostos indirectos

(...)

 

1.   Os Estados-Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indirecto sobre:

a)

Entradas de capital;

b)

Empréstimos ou prestações de serviços, efectuadas no âmbito das entradas de capital;

c)

Registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade de capitais esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica;

d)

Alterações do acto constitutivo ou dos estatutos de uma sociedade de capitais, designadamente as seguintes:

i)

a transformação de uma sociedade de capitais numa sociedade de capitais de tipo diferente,

ii)

a transferência de um Estado-Membro para outro Estado-Membro da sede de direcção efectiva ou da sede estatutária de uma sociedade de capitais,

iii)

a alteração do objecto social de uma sociedade de capitais,

Iv

a extensão do período de duração de uma sociedade de capitais;

e)

As operações de reestruturação referidas no artigo 4.º

 

2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:

a)

 A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;

 

b)

 Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

 

Os Requerentes defendem o seguinte, em suma:

– o n.º 2 do artigo 5.º da Directiva 2008/7/CE é uma norma de proibições (de tributação) de largo espectro, de que resulta que não é admissível qualquer forma de imposto indirecto sobre a criação, a emissão, a colocação em circulação, a negociação, e todas as formalidades conexas, com respeito a partes sociais, a outros títulos da mesma natureza, a obrigações e a títulos negociáveis em geral;

– é uma norma catch all que proíbe qualquer forma de tributação indirecta da criação, emissão colocação em circulação ou negociação de valores mobiliários ou títulos em geral (sejam valores mobiliários representativos de dívida, como no caso das obrigações e títulos aparentados, ou participações num património colectivo como no caso das partes sociais e situações semelhantes);

– a actividade dos bancos ou outras entidades financeiras que tem por fim a subscrição de novas unidades de participação nos fundos por parte dos investidores potenciais, é não só uma actividade por natureza dirigida à criação e emissão destes títulos ou valores mobiliários (unidades de participação), mas também e por definição, uma actividade de colocação em circulação e de negociação, de emissões destes valores mobiliários;

– pelo que esta específica actividade dos bancos (ou outras entidades financeiras), a comercialização de novas subscrições de UP em fundos, não pode ser sujeita a qualquer forma de tributação indirecta, por imposição/proibição do citado artigo 5.º, n.º 2, da Directiva 2008/7/CE;

– donde que, considerado que seja todo o direito aplicável, que não se cinge nesta matéria apenas à verba 17.3.4 da TGIS, a conclusão inescapável é de que a norma nacional catch all constante da verba 17.3.4 da TGIS, entra em conflito, no que respeita à tributação da específica tipologia da situação que se reconduz à actividade bancária de comercialização de novas subscrições de Unidades de Participação  em fundos;

– o que torna ilegal, por violação de norma de valor superior, a tributação prevista na verba 17.3.4 da TGIS, no que respeita à identificada tipologia específica da situação que se reconduz à actividade financeira de “comercialização de novas subscrições de UP em fundos”.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

– não se está a tributar em Imposto do Selo «a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação…» das Unidades de Participação dos Fundos geridos pela A...;

– mas se está a tributar as Unidades de Participação  propriamente ditas, como, aliás, as Requerentes querem dar a entender, mas tão-só a remuneração cobrada pelos Bancos à A..., a título da genericamente denominada comissão de comercialização, em consequência das transmissões/vendas das UP efetuadas junto dos investidores;

– a tributação ocorrida resulta de uma opção voluntária da A..., que escolheu comercializar, isto é, vender, indiretamente as Unidades de Participação, recorrendo para o efeito ao serviço de diversas instituições de crédito que, como é obvio, e estavam no seu direito, se fizeram remunerar por via da cobrança de uma comissão pelo serviço financeiro prestado, repercutindo-lhe, como não podia deixar de ser, o imposto do selo legalmente devido;

– a comercialização das Unidades de Participação pertence às SGOIC, conforme se extrai, nomeadamente dos artigos n.ºs 66.º/4, 71.º-D e 129/1 a) e 3, todos do RGOIC;

– não pode, por isso, considerar-se que as comissões de comercialização (acrescidas do devido imposto do selo), cobradas pelas instituições de crédito à A..., decorrentes dos serviços financeiros por esta contratados para a venda das UP, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE;

– foi tributado foi remuneração de um serviço de intermediação financeira contratado pela A... que teve em vista a venda, isto é, a transmissão das UP dos Fundos por si geridos junto dos clientes das instituições de crédito contratadas para o efeito.

 

           

Os Requerentes defendem que, se existirem dúvidas sobre violação do direito comunitário, deverá então ser dado cumprimento ao dever de reenvio prejudicial para o TJUE previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

A Autoridade Tributária e Aduaneira nada disse sobre o reenvio prejudicial.

O artigo 8.º, n.º 4, da CRP estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Desta norma decorre a primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, quando não está em causa os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia ( [1] ).

Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Processo 283/81.

 Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º14).

Porém, no caso em apreço, está em causa a interpretação de normas do Direito da União Europeia sobre a qual existem dúvidas interpretativas e não se conhece jurisprudência do TJUE que decida de forma clara sobre as questões de direito da União Europeia que são colocadas no presente processo, designadamente da compatibilidade da tributação em Imposto do Selo das comissões bancárias cobradas por serviços de comercialização de unidades de participação de fundos de investimento mobiliário abertos, quer relativamente à cobrança à entidade gestora, quer relativamente ao redébito dessas comissões aos fundos, incluídas nas comissões de gestão cobradas pela entidade gestora.

Assim, tendo em consideração o que se referiu no ponto 3.1 sobre a interpretação da verba 17.3.4., de que decorre que a questão da sua compatibilidade com o Direito da União Europeia é essencial para a decisão da causa, e tendo em mente que «compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE Acórdão de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018 processo C-207/16), formulam-se as seguintes questões em

 

Reenvio prejudicial

 

  1. O artigo 5.º , n.º 2, da Directiva 2008/7/CE opõe-se a uma legislação nacional, como a verba 17.3.4 do Código do Imposto do Selo, que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões cobradas por bancos às entidades gestoras de fundos mobiliários abertos por prestação de serviços a estas relativos à actividade dos bancos dirigida à concretização de novas subscrições de UP, isto é, dirigida a novas entradas de capitais para os fundos de investimento, consubstanciadas na subscrição de novas unidades de participação emitidas pelos fundos?
  2. O artigo 5.º , n.º 2, da Directiva 2008/7/CE opõe-se a uma legislação nacional que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões de gestão cobradas pelas entidades gestoras aos fundos mobiliários abertos, na medida em que essas comissões de gestão incluam o redébito das comissões cobradas por bancos, às entidades gestoras, pela actividade referida?

 

Termos em que acordam em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à secretaria daquele Tribunal, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como cópia do processo administrativo e dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

Lisboa, 07-10-2021

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Armando Oliveira)

 

 

 

(António de Barros Lima Guerreiro)

(com voto de vencido)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de Voto nos termos dos nº s 1 e 5 do art. 22º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT, DL Nº 10/2011, de 20/11)

  1. Manifesto por esta via a minha divergência da fundamentação de decisão de reenvio prejudicial integrante da presente Decisão Arbitral, bem como do teor das pronúncias parciais em que esta se decompõe pelos seguintes motivos.
  2. Em minha opinião pessoal, tal reenvio prejudicial não é obrigatório e, sendo facultativo, é dispensável. Põe em causa, por isso, sem aparente contrapartida, a celeridade e eficácia do processo arbitral. Por outro lado, a Decisão Arbitral antecipa extemporaneamente juízos sobre o direito aplicável que deveriam adequadamente vir a integrar a decisão final do Processo Arbitral.

Com efeito, o reenvio prejudicial só é obrigatório na circunstância do Parágrafo 2º do art. 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), que diz que, sempre que uma questão prejudicial sobre a interpretação dos Tratados seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

A insusceptibilidade de recurso interno deve ser aferida em função do caso concreto, como sustentaria o Acórdão do TJUE de 24/5/78, C- 107/76.

As decisões dos tribunais arbitrais são impugnáveis nos termos do nº 1 do art. 28º do RJAT, com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia e    na violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo16.º.

Fora desses casos, os nºs 1 e 2 do art. 25º admitem respetivamente a impugnação em caso de recusa da aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou de aplicação da norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada no processo arbitral, bem como quando houver oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) ou do Tribunal Central Administrativo(TCA), bem como com outra decisão arbitral.

 

Inexiste, ao que eu saiba, qualquer Acórdão publicado do STA ou do TCA sobre as duas questões de direito, formalmente distintas mas entre si relacionadas, em que se desdobra o reenvio prejudicial. A única Decisão Arbitral conhecida é, por outro lado, em sentido oposto à pretensão da Requerente, pelo que é insuscetível de fundamentar qualquer recurso jurisdicional que este porventura entendesse deduzir.

 

Tais duas questões podem ser sintetizadas em uma só: se    a alínea b) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE se opõe ou não à sujeição a imposto do selo das comissões cobradas à respetiva sociedade gestora pelos bancos que procedem à comercialização das unidades de participação dos fundos de investimento mobiliário, bem como do posterior débito desse encargo pela mesma sociedade gestora aos fundos de investimento mobiliário que administram.

 

  1. É de referir, no entanto, para efeitos de aplicação desse Parágrafo 2º do art. 267º do TFUE que questão substancialmente idêntica seria controvertida e resolvida inequivocamente no Processo nº 856-2019/T, de 22/9/2020, do CAAD, já publicado mas não mencionado na Decisão Arbitral, no sentido da inaplicabilidade da proibição da alínea b) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE às comissões cobradas pelos bancos que procedem à comercialização para subscrição das unidades de participação em fundos de investimento mobiliário pela respetiva sociedade gestora. O Tribunal Coletivo entenderia implicitamente, ao não optar pelo reenvio prejudicial nesse Processo Arbitral, não ser necessário à uniformização do Direito Comunitário o recurso a essa via processual.

 

Nesse e no presente Processo Arbitral está em causa facto essencialmente idêntico: a tributação das comissões cobradas à sociedade gestora pelos intermediários financeiros que comercializam para subscrição e consequente emissão valores mobiliários.

 

São, na verdade, valores mobiliários as   unidades de participação em fundos de investimento mobiliário, assim classificadas pela alínea d) do art. 1º do Código dos Valores Mobiliários, a que o Presente Processo Arbitral respeita. O Processo nº 856-2019/T, por outro lado, respeita a outros valores mobiliários, obrigações e papel comercial, assim classificados pela alínea b) daquele art. 1º.

 

No caso e noutro, o imposto de selo, no entanto, não recai sobre a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desse título, mas sobre a contraprestação paga pela sociedade gestora a bancos   por um serviço de publicidade e comunicação, remunerado em função dos resultados obtidos pelo prestador.

 

Tal serviço é jurídica e materialmente distinto da constituição, entrada em circulação e transmissão da propriedade de valores mobiliários, bem como do cumprimento das formalidades relacionadas, como o registo desses bens e outras legalmente obrigatórias. A relação entre tal serviço e as operações relativas a valores mobiliários referidas é apenas indireta ou causal.

 

Assim, por inexistência do requisito de oposição entre decisões arbitrais, eventual Decisão Arbitral desfavorável à Requerente seria insuscetível de recurso jurisdicional, o que, no entanto, em minha opinião, não é suficiente para justificar a obrigatoriedade do reenvio.

 

  1. Com efeito, a obrigatoriedade do reenvio prejudicial não se mantém quando o ato a interpretar, incluindo norma de Direito Comunitário, seja claro, como resulta do nº 5 do Acórdão do TJUE de 6/10 /82, Processo C- 283/81, Caso Cilfit, que concluiu pela inexistência do dever de reenvio prejudicial quando a aplicação do Direito Comunitário se imponha com tal evidência que afaste qualquer dúvida razoável, com a ressalva de a existência dessa eventualidade dever ser aferida em função das características próprias do Direito Comunitário, das dificuldades particulares que suscita a sua interpretação e dos riscos de divergências jurisprudenciais no seio da União Europeia.

 

Tal Acórdão não coloca como condição da clareza do ato, para efeitos do afastamento da obrigação de reenvio prejudicial, a inexistência de anterior decisão do TJUE sobre a mesma questão de direito. Basta a clareza do ato, conceito que não pode obviamente ser objeto de ampliações ou restrições abusivas que esvaziem o sentido e alcance do mecanismo do reenvio prejudicial.

 

Diga-se, por fim, que, se bem que o reenvio prejudicial apenas possa abranger normas do Direito Comunitário e não normas do direito nacional, pode ser necessário tomar como ponto de referência o ato nacional, decisão ou norma, que esteja em causa no processo(ver Fausto Quadros , “Direito da União Europeia”, Coimbra, 2004, pg. 460, que cita para o efeito o caso Simmenthal).

 

De outro modo, o reenvio prejudicial, que não visa resolver questões meramente académicas, poderia saldar-se por uma pronúncia abstrata, insuscetível de utilidade para o tribunal.

 

  1. Passando à primeira das duas questões substanciais suscitadas no reenvio prejudicial, reitero que as comissões de subscrição, resgate, gestão e depósito remuneram apenas as atividades desenvolvidas pelas entidades gestoras, depositárias ou comercializadoras, não constituindo a contrapartida da emissão das unidades de participação ou de formalidades conexas , em que avulta o seu registo, a que se refere o 2) da Diretiva 2008/7/CE.

 

Em particular, a atividade habitual da Requerente é a gestão de fundos de investimento mobiliário, estando, por isso, sujeita às disposições do Capítulo I do Título II do chamado Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (TGOIC), aprovado pelo art. 2º da Lei nº 16/2015, de 24/2, à qual está anexo, Regime esse deveria ter constituído referência da decisão de reenvio prejudicial.

 

Nessa condição, nos termos do VII da alínea b) do nº 1 do do art. 66º daquele Regime, cabe á Requerente emitir, resgatar ou reembolsar as unidades de participação dos fundos de investimento mobiliário que gere, em representação dos titulares das unidades de participação que compõem o património coletivo.

 

Segundo a alínea c) daquele nº   1 do art. 66º   e a alínea a) do nº 1 do art. 129º do RGOIC , a sociedade gestora pode igualmente comercializar as unidades de participação dos fundos de investimento mobiliário que administra, podendo a esse título cobrar aos titulares dessas participações   comissões por esse serviço financeiro, que , a serem cobradas, estão agora sujeitas ao selo da verba 17.3.4. da Tabela Geral , como resulta inequivocamente da revogação do DL nº 1/87 de 3/9 ,pelo art 319º da Lei nº 71/2018, de 31/12 .

 

Essa comercialização pode igualmente ser efetuada, em vez de pela própria sociedade gestora, por intermediários registados na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), “maxime” por instituições de crédito, nos termos do Título III do Regulamento da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) nº 2/2015, emitido ao abrigo da alínea d) do nº 1 do art. 254º do RGOIC.

 

Por não estarem diretamente relacionadas com a concessão de crédito, as comissões cobradas esses intermediários à sociedade gestora passaram a estar igualmente sujeitas ao imposto de selo da verba 17.3.4., com o aditamento ao art. 6º do Código do Imposto de Selo de um novo nº 7, efetuado pelo art. 152º da Lei nº 7-A/2016, de 30/3.

 

A comercialização das unidades de participação é, segundo a alínea c) do art. 2º do RGOIC, a atividade dirigida a investidores, no sentido de divulgar para efeitos de subscrição ou propor a subscrição de unidades de participação ou de ações em organismo de investimento coletivo, utilizando qualquer meio publicitário ou de comunicação.

 

O papel do intermediário é, assim, divulgar os produtos financeiros comercializados e, caso se justifique, através da realização das operações materiais necessárias, colocar em contacto, para efeitos de subscrição das unidades de participação, o público e o fundo de investimento mobiliário, representado pela sociedade gestora.

 

A sua atividade substancialmente distinta da mediação imobiliária ou seguradora.

 

A subscrição é efetuada através do preenchimento de um boletim de subscrição dirigido à entidade gestora, disponível nos balcões das entidades colocadoras ou noutros locais legalmente previstos e devidamente autorizados.

 

O débito é posteriormente efetuado pelo banco na conta corrente do subscritor. Por cada operação de subscrição é efetuado um movimento, que identifica o valor unitário de cada unidade subscrita, o total das unidades adquiridas e a sua valorização à data. Todas as unidades são idênticas, conferindo ao participante o direito de propriedade sobre a parte do património do fundo correspondente às unidades de participação que detém.

 

Toda esta informação pode ser obtida através da consulta na Internet do sítio da Associação Portuguesa dos Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP).

 

Em ambas as situações, a do atual e a do anterior Processo Arbitral, as Requerentes optaram por não proceder diretamente à comercialização das unidades de participação, bem como das obrigações ou papel comercial - apesar de o Código das Sociedades Comerciais ou o RGOIC lho permitirem fazê-lo, - tendo contratado, para o efeito, por razões de eficiência, os serviços de apoio ao investimento, prestados por bancos.

 

O facto dessa opção não ser legalmente obrigatória e de a contraprestação suportada pelas Requerentes não ser arrecadada pelo Estado nem por entidades que, embora não integrando a estrutura do Estado, exerçam, por delegação, funções públicas, como não é o caso das instituições de crédito, prejudicaria definitivamente, ainda que outros argumentos não houvessem, a qualificação dessa comercialização como formalidade conexa com a reunião de capitais.

 

Tal comercialização não integraria sempre, dada a sua natureza, a emissão nem é uma operação conexa com a emissão das unidades de participação.

 

Nos termos do nº 3 do art. 8º do RGOIC, com efeito, as unidades de participação, que, nos termos do nº anterior, podem ser representadas por certificados de uma ou mais unidades de participação ou adotar a forma escritural só podem ser emitidas após o montante correspondente ao preço de subscrição ser efetivamente integrado no património do organismo de investimento coletivo, exceto se se tratar de desdobramento de unidades de participação já existentes ou de distribuição gratuita

 

Essa emissão efetiva-se, em geral, salvo nos casos de valores mobiliários titulados, através do registo em conta do intermediário financeiro.

 

Tem, assim, lugar no termo do processo de comercialização concretizado com a subscrição dos títulos e é, como se disse, da responsabilidade da sociedade gestora e não do intermediário financeiro, que nela não tem qualquer intervenção.

 

  1. Não é aplicável como cabalmente esclarece o referido Acórdão do CAAD, a doutrina do Acórdão do TJUE C-573/16.

 

Os factos são diferentes.

 

Segundo o nº 16 desse Acórdão, segundo o direito alemão, para poder ser cotada na bolsa de Francoforte, uma sociedade de aviação tinha de admitir à cotação todas as ações da mesma classe, incluindo as que não se destinavam à venda uma vez introduzidas em bolsa. Para cumprir este requisito, a companhia aérea estava obrigada a transmitir a titularidade das ações ordinárias existentes, que representavam a totalidade do seu capital social, a uma contraparte central, atuando na qualidade de mandatária do serviço de liquidação e compensação da bolsa alemã.

 

A legislação alemã impunha, para esse efeito, ao emitente um direito de 1,5 sobre a transferência para um serviço de liberação de ações recém emitidas ou ações destinadas a serem listadas em uma bolsa de valores de um Estado membro, para efeito de poderem ser legalmente negociadas.

 

A situação em causa configurava, assim, duas operações distintas: um aumento de capital e a posterior transmissão das novas ações emitidas para uma câmara de compensação, para efeitos de entrada em bolsa de valores, que tal Acórdão consideraria abrangida pela alínea b) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE.

 

Segundo o TJUE, nos nºs 40 e seguintes desse Acórdão, a cobrança de um imposto ou de uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão equivaleria, na realidade, a tributar a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faça parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. Com efeito, uma emissão de títulos não seria um fim em si, mas só tem sentido a partir do momento em que esses títulos são

adquiridos.

 

Concluíra o nº 50 do Acórdão que a alínea c) do nº 1 do art. 5º da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações.

 

A situação em causa no Processo Arbitral 88/2021-T é totalmente diferente: o imposto não incide sobre qualquer transferência de ações, mas sobre uma atividade de mediação entre o fundo e os eventuais clientes, que não constitui emissão nem é uma formalidade conexa com a emissão dos títulos, situando- se a montante.

 

Nesse sentido, é uma atividade análoga à mediação seguradora e imobiliária.

 

  1. Concordo com a Decisão Arbitral no sentido de que nenhum princípio constitucional ou legal do ordenamento tributário proíbe a dupla tributação jurídica ou económica do mesmo facto tributário, pelo que esse argumento não pode ser oposto à tributação do débito aos fundos das despesas, incluindo comissões de mediação, suportadas pela sociedade gestora.

 

Está em causa, no entanto, a natureza de contraprestação por serviço financeiro dessa repercussão.

 

Na Decisão Arbitral, é afirmado nos processos arbitrais caber aos tribunais arbitrais apenas apreciar a legalidade dos atos tal como foram praticados , nos termos do nº 1 do art. 2º do RJAT, limitando-se os poderes de cognição dos Tribunais, quanto a vícios geradores de anulabilidade, aos «vícios arguidos», como resultaria do teor expresso do nº 1 do art. 124º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto na alínea c) do nº 1 do art. 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

Por isso, não poderia estar em causa no presente processo 88/2021-T a questão de saber se as comissões de gestão se incluem no âmbito de incidência da verba 17.3.4.

 

Pela mesma razão, não estaria em causa no presente processo saber se a Requerente deveria ou não, à face da lei, ter incluído nas comissões de gestão o redébito das comissões de comercialização que lhes foram cobradas pelos bancos. Neste caso, foi um facto que a Requerente incluiu nas comissões de gestão que cobrou as comissões que lhe cobraram os bancos e sobre elas (comissões de gestão) incidiu imposto do selo quanto à totalidade do seu valor, comportamento que aparentemente não poderia ser revertido nos seus efeitos pela presente Decisão Arbitral.

 

Tal posição contradiz frontalmente a expressa   no Acórdão de 5/6/2013 do STA, n.º 433/13-30. cujas conclusões se reproduzem integralmente:

 

“I- Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efetuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito (art. 664.º do Código de Processo Civil, CPC).

 

II - Sendo certo que o tribunal de recurso, com exceção das questões de conhecimento oficioso, tem a sua atividade balizada pelas conclusões das alegações do recurso (nº 3 do art. 684.º do CPC), mantém total liberdade no julgamento da matéria de direito, designadamente ao conferir à norma escolhida o sentido e alcance que, de acordo com as regras da hermenêutica jurídica, entende ser o correto, ainda que divergentes dos conferidos pelas partes (art. 664.º do CPC).

 

III - O excesso de pronúncia é um vício formal das decisões judiciais resultante do conhecimento pelo tribunal de questão que, não sendo do conhecimento oficioso, não lhe tenha sido colocada pelas partes (cfr nº º 1 do art 125.º, do CPPT e nº 2 do art. 660º do CPC); esse vício não pode resultar do conhecimento de uma questão suscitada pelas partes, ainda que decidida com argumentos diversos dos invocados”.

 

Face a essa jurisprudência, com a qual manifestamos a nossa concordância. o Tribunal pode e deve conhecer do vício da violação da verba 17.3.4. da Tabela Geral, ainda que se entenda que não foi invocado pela Requerente na PI, questão que deveria, aliás, ter sido conhecida apenas na decisão final do processo arbitral.

 

  1. A possibilidade de o redébito ser a contraprestação de um serviço financeiro pode ser prejudicada pelo art. 139 do RGOIC, que se reproduz:

 

Artigo 139.º Encargos e receitas

 

1 - Constituem encargos do organismo de investimento coletivo:

 

a) A comissão de gestão e a comissão de depósito, destinadas a remunerar os serviços prestados pela entidade responsável pela gestão e pelo depositário do organismo de investimento  coletivo, respetivamente;

b) Os custos de transação ou de exploração onerosa dos ativos do organismo de     investimento coletivo, incluindo os custos de mediação;

c) Custos de conservação  e manutenção dos ativos;

d) Os custos relacionados com a celebração de contratos de seguros;

e) Os custos emergentes das auditorias e de avaliações externas exigidas por lei  ou regulamento da CMVM;

f) Outras despesas e encargos devidamente documentados e que decorram de obrigações legais;

g) A taxa de supervisão devida à CMVM.

 

2 - Os custos relativos à mediação e avaliação de imóveis apenas são imputáveis aos organismos de investimento coletivo relativamente a negócios que para este sejam concretizados.

 

3 - Constituem, nomeadamente, receitas dos organismos de investimento coletivo as resultantes do investimento ou transação dos ativos que os compõem, bem como os rendimentos desses ativos, as comissões de subscrição, resgate e transferência e os benefícios previstos no artigo 92.º

 

4 - Não obstante o disposto no número anterior, parte ou a totalidade das comissões de subscrição, resgate e transferência podem reverter para a entidade comercializadora, desde que tal esteja previsto nos documentos constitutivos do organismo de investimento coletivo.

 

Resulta da parte final da alínea b) do nº 1 dessa norma que os custos de mediação são encargos do organismo de investimento coletivo, ou seja, do fundo, integrando ou acrescendo, conforme se entenda, as comissões de gestão cobradas pela sociedade gestora.

 

Tal resulta diretamente de a sociedade gestora atuar em representação do fundo. Os efeitos da atividade da sociedade gestora projetam-se, assim, necessariamente na esfera do património coletivo do fundo representado pelas unidades de participação.

 

O débito desses encargos é inerente ao estatuto da sociedade gestora, não resultando de qualquer contrato de prestação de serviços autónomo, mas do próprio RGOIC e da natureza do mandato da sociedade gestora.

 

O débito ao fundo pela sociedade gestora é, assim, uma obrigação legal e não uma faculdade desta, que a sociedade gestora tem de cumprir, por força dos estatutos aplicáveis e dos próprios princípios aplicáveis à atividade dos OICs que nos dispensamos de reproduzir.

 

Por outro lado, o montante repercutido é custo dos fundos e o montante não repercutido não é custo da sociedade gestora.

 

A dupla tributação das despesas de comercialização e do respetivo débito significaria fazer tábua rasa dessa relação de representação inerente à atividade a sociedade gestora.

 

9- Tem sido entendimento da administração fiscal, com base na alínea b) do nº 6 do art. 16º do CIVA, que as quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens e dos destinatários dos serviços não integram o valor tributável quando contabilizadas em contas de terceiros apropriadas, não sendo, assim, consideradas custos ou proveitos do foram emitidas em nome da sociedade gestora e não dos fundos, o que porventura terá impossibilitado o cumprimento dessa norma.

 

(Se assim não acontecer, ou seja, se os montantes devidos não forem contabilizados em contas de terceiros adequadas mas em contas do próprio adquirente dos serviços, o débito das despesas está, segundo essa orientação administrativa, sujeito a IVA.

 

A qualificação do débito de despesas como prestação de serviços sujeita a IVA resulta, aliás, do conceito residual de prestação de serviços do nº 1 do art. 4º do Código do IVA, inaplicável ao imposto de selo. Abrange, na verdade, todas as operações que não sejam transmissões, aquisições intracomunitárias de bens ou importações.

 

A tributação em IVA do débito das despesas, a ocorrer efetua-se de acordo com as diversas componentes da despesa discriminadas na fatura.

 

Caso a fatura seja efetuada indiscriminadamente, o imposto é devido na totalidade.

 

 

Caso sejam discriminadas a operações isentas, em especial as referida na alínea g) do 27º do art. 9º do CIVA, que abrange a administração e gestão de organismos de investimento coletivo. como é o caso o débito beneficia igualmente da isenção.

 

Essa doutrina seriam aliás, afirmada n ofício -circulado n.º 30.084, de 2/12/2005, da Direção de Serviços do IVA e numerosas orientações administrativas posteriores que nos dispensamos de reproduzir.

 

Assim, a discriminação no débito das comissões de parte correspondente aos encargos com as comissões de mediação suportadas pela sociedade gestora não é à partida qualquer irregularidade que inviabilize o direito de impugnação contenciosa, mas uma condição para a não sujeição a IVA das operações em causa, que apenas problematicamente poderiam ser deduzidas pelo sujeito passivo.

 

Nessa medida, consideramos, no mínimo, prematura qualquer antecipação, ainda que implícita, do juízo de mérito da causa, ademais desnecessário por não projetar quaisquer efeitos vinculativos na decisão final do processo.

 

O ÁRBITRO

 

 

(António de Barros Lima Guerreiro)



[1] Neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

         Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Armando Oliveira e Dr. António de Barros Lima Guerreiro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-05-2021, acordam no seguinte:

 

        

         1. Relatório

 

A..., S.A., com o número único de matrícula e identificação fiscal ..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-..., Lisboa (“A...” doravante), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral, juntamente com os seguintes fundos (doravante conjuntamente designados como “Fundos”):

- B..., com o número de identificação fiscal ...;

- C..., com o número de identificação fiscal...;

- D..., com o número de identificação fiscal ...;

- E..., com o número de identificação fiscal...;

- F... , com o número de identificação fiscal ...;

- G..., com o número de identificação fiscal ...;

- H..., com o número de identificação fiscal ...;

- I..., com o número de identificação fiscal ...;

- J..., com o número de identificação fiscal ...;

- K..., com o número de identificação fiscal...;

- L..., com o número de identificação fiscal ...;

- M..., com o número de identificação fiscal ...;

- N..., com o número de identificação fiscal ...;

- O..., com o número de identificação fiscal...;

- P..., com o número de identificação fiscal ...;

- Q..., com o número de identificação fiscal...;

- R..., com o número de identificação fiscal ...;

- S... , com o número de identificação fiscal ...;

- T... , com o número de identificação fiscal ...;

- U..., com o número de identificação fiscal...;

- V..., com o número de identificação fiscal ...;

- W..., com o número de identificação fiscal ...;

- X..., com o número de identificação fiscal ...;

- Y..., com o número de identificação fiscal ...;

- Z..., com o número de identificação fiscal...;

- AA..., com o número de identificação fiscal ...;

- BB..., com o número de identificação fiscal ...;

- CC..., com o número de identificação fiscal ...;

- DD..., com o número de identificação fiscal ...;

- EE..., com o número de identificação fiscal ...;

- FF... , com o número de identificação fiscal ... .

 

A A... e os Fundos serão doravante designados conjuntamente como “Requerentes”.

Os Requerentes pedem a declaração de ilegalidade de actos de liquidação e autoliquidação de Imposto do Selo, previsto na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), com referência aos meses de Janeiro a Dezembro de 2019.

Os Requerentes pedem ainda o reembolso da quantia paga com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 12-02-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 04-05-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24-05-2021.

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 17-09-2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

Por acórdão de 07-10-2021, o Tribunal Arbitral decidiu suspender a instância até pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre as seguintes questões, que foram colocadas em reenvio prejudicial:

 

  1. O artigo 5.º , n.º 2, da Directiva 2008/7/CE opõe-se a uma legislação nacional, como a verba 17.3.4 do Código do Imposto do Selo, que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões cobradas por bancos às entidades gestoras de fundos mobiliários abertos por prestação de serviços a estas relativos à actividade dos bancos dirigida à concretização de novas subscrições de UP, isto é, dirigida a novas entradas de capitais para os fundos de investimento, consubstanciadas na subscrição de novas unidades de participação emitidas pelos fundos?
  2. O artigo 5., n.º 2, da Directiva 2008/7/CE opõe-se a uma legislação nacional que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões de gestão cobradas pelas entidades gestoras aos fundos mobiliários abertos, na medida em que essas comissões de gestão incluam o redébito das comissões cobradas por bancos, às entidades gestoras, pela actividade referida?

 

 

O Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se sobre as questões colocadas por acórdão de 22-12-2022, proferido no seu processo C-459/21, declarando que

 

O artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.

 

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A A... é sociedade gestora e representante legal dos fundamentos de investimento mobiliário abertos, colectivamente designados “Fundos” ou “Requerentes” (documentos n.ºs 10 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. A A... é apenas uma entidade gestora de fundos, pelo que possui uma actividade própria de comercialização insuficiente, dado ser economicamente inviável dispor de uma estrutura disseminada pelo país para efeitos de comercializar junto do público sem necessidade de recorrer também à banca, a subscrição das unidades de participação dos fundos abertos cujo património é por si gerido;
  3. A A... socorre-se de instituições financeiras, maxime bancos com uma rede de balções disseminada pelo país e com forte experiência na intermediação financeira e na colocação de valores mobiliários junto do público, para dar a conhecer ao público os seus fundos de investimento (os seus produtos) e comercializar a subscrição de unidades de participação nos mesmos;
  4.  Nos meses de Janeiro a Dezembro de 2019 foram comercializadas subscrições de unidades de participação de diversos fundos geridos pela A..., pelas seguintes instituições financeiras:

–GG... S.A. (GG...);

– HH..., S.A. (HH…);

– II..., CRL (II...);

– JJ..., S.A. (JJ...);

  1. As referidas instituições financeiras com os créditos da actividade (de comercialização) responsável pela concretização destas reuniões de capitais, destas novas entradas de capitais para os fundos em causa, procederam à facturação desta comercialização de subscrições de unidades de participação nos fundos, não aos fundos em causa, mas à A..., a sua entidade gestora (documentos n.ºs 1 a 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. Nas facturas emitidas aquelas instituições financeiras liquidaram imposto do selo invocando para tanto a verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS doravante) (documentos n.ºs 1 a 5);
  3. No ano de 2019, a A... cobrou aos Fundos comissões de gestão em cujo valor incluiu uma parcela correspondente ao valor das «comissões de comercialização de subscrições de unidades de participação levadas a cabo pelos bancos (com exclusão do imposto do selo sobre elas liquidado pelos bancos) num total de € 8.752.232,43, redébito este sobre o qual a A... também liquidou e entregou ao Estado (conjuntamente com liquidação de imposto do selo sobre a comissão de gestão propriamente dita) imposto do selo à taxa de 4% prevista na verba 17.34 da TGIS, num montante de € 350.089,30» (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, e também documentos n.ºs 6 e 8, cujos teores se dão como reproduzidos);
  4. A A... e os Fundos apresentaram reclamação graciosa das liquidações referidas;
  5. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 10-11-2020, proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de Subdelegação de competências, com os fundamentos que constam do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

40. Porém, entende o Reclamante, que a liquidação de imposto do selo sobre as comissões de comercialização e de gestão, se encontra desconforme a legislação fiscal em vigor, devido a, no seu entendimento, se estar perante dupla tributação económica e, quanto à tributação que incide sobre as comissões geradas no contexto dos fluxos comissionistas, haver violação do Direito da União Europeia, invocando para o efeito a Diretiva nº 2008/7/CE, que versa sobre a livre circulação de capitais.

Desde já fazemos constar que não lhe assiste razão

41. Pois à semelhança do que ocorre no âmbito da atividade desenvolvida quanto à gestão dos fundos de capital de risco, em que a sociedade gestora cobra comissões de gestão, às quais foi aplicada a taxa de imposto do selo de 4%, conforme prevê a verba 17.3.4 da TGIS, é pacifico para a AT (Autoridade Tributária e Aduaneira), que as comissões cobradas, a título dos serviços de administração ou gestão, preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva contidos na verba 17.3.4 da TGIS, conforme Parecer n.º 25/2013 do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros, que se transcrevem os seguintes pontos: " (...)

9.Antes de verificar se as comissões pagas pelos FCR às sociedades gestoras correspondem em todos os seus elementos relevantes - objectivo e subjectivo ao tipo de operações descritas na Verba 17.3 (Operações Financeiras) da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), importa averiguar se as comissões pagas pelos FCR às sociedades gestoras são abrangidas pela isenção do IVA, porquanto esta é uma condição sine qua non para a incidência do imposto do selo (cfr. n.º 2 do artigo 1 º do CIS).

10. No atinente e isenção de IVA, embora não se tenha conhecimento de qualquer entendimento específico relativo às comissões cobradas a título de gestão ou administração dos FCR, existe doutrina firmada a respeito do enquadramento na alínea g) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA das remunerações cobradas pela gestão de fundos de pensões, quer a sua gestão seja efectuada pelas companhias de seguros do ramo «Vida» quer por sociedades constituídas exclusivamente com essa finalidade (Cfr. informação n º 1065, Proc º 1039D de 87.06. 26, do SIVA. despacho do Secretário de Estado para os Assuntos Fiscais de 87.07.23 e Ficha doutrinária relativa a informação vinculativa, Procº 1776, despacho do SDG dos Impostos substituo legal do Diretor Geral, 2011-04-08). O entendimento proferido assenta na interpretação de que a isenção da IVA consagrada na alínea g) do n.º 27 do art 9, º do CIVA, para as operações de "administração ou gestão de fundos de investimento", na linha da redação da alínea g) do nº 1 do artigo 135-º (A redação deste normativo e a seguinte: "A gestão de fundos de investimento, tal como definidos pelos Estados Membros") da Directiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum de IVA, é aplicável a qualquer 'fundo comum de Investimento', independentemente da sua natureza e finalidade.

11.E, na verdade, embora a principal finalidade do investimento em capital de risco consista, nos termos do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 375/2007, na "aquisição, por período de tempo limitado, de instrumentos de capital próprio e de instrumentos de capital alheio em sociedades com elevado potencial de desenvolvimento, como forma de beneficiar da respectiva valorização" (Não obstante, na actualidade, os regimes jurídicos dos fundos de investimento mobiliários e o dos FCR serem regulados de forma autónoma no passado, as similitudes eram expressamente assumidas tanto assim que o diploma que instituiu o regime jurídico dos FCR - o Decreto-Lei n.º 187/91, de 17 de Maio- determinou que a constituição e funcionamento dos FCR era regulado, em tudo o que não contrariasse o regime, pelo Decreto-Lei nº 229-C/88, de 4 de Julho, que unificou o regime jurídico dos fundos de investimento mobiliários e imobiliários abertos e fechados), a actividade de gestão dos FCR comporta, no essencial, a prática, pela entidade gestora, de actos e operações semelhantes aos praticados na gestão dos outros fundos de investimento, tanto assim que a gestão pode ser assegurada também por sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário fechados, não havendo, por conseguinte, qualquer justificação no plano material para que lhe fosse dado um enquadramento diferenciado, no âmbito do /VA.

12. Considerando, pois, como pacifico, que no campo do IVA, a isenção estabelecida na alínea g) do nº27 do artº 9 º, também se estende à remuneração cobrada pelas SCR aos FCR, resta-nos centrar a atenção na sujeição ao imposto do se/o das comissões relativas à administração ou gestão dos fundos de capital de risco, começando por uma breve incursão histórica.

13. Na verdade, ao contrário da regulamentação das SCR, cujo regime fiscal, incluindo os benefícios fiscais cm matéria de imposto do se/o, foram definidos pelo Decreto-Lei n.º 07/87, de 9 de Fevereiro, posteriormente alargados (O artigo 1.º, alínea c) aditou a isenção do imposto do selo a que se refere o n.º' 2 do artigo 120-A da Tabela Geral do imposto do Selo) pelo Decreto-Lei nº 124/87, de 17 de Março, para os FCR não foi publicado qualquer diploma específico a estabelecer os benefícios fiscais aplicáveis. Aliás, em matéria de impostos sobre o rendimento, até ser consagrado um regime fiscal próprio dos FCR, foi-lhes aplicável o regime fiscal previsto no EBF para os fundos de investimento mobiliário. No âmbito do imposto do se/o, não se conhece qualquer normativo que especificamente tenha estabelecido uma isenção para as operações realizadas no âmbito do funcionamento dos FCR, incluindo as comissões de gestão pagas às entidades gestoras.

14. Todavia, para os fundos de investimento mobiliário e fundos de investimento imobiliário, o artigo 4º do Decreto-Lei n.º 20/86, de 13 de Fevereiro e o artigo 8º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de Janeiro, respectivamente, foi prevista uma isenção de imposto do selo para as operações sobre certificados representativos de unidades de participações, a que se referem os artigos 120-A e 141 da respectiva Tabela Geral, emitidos por aqueles fundos.

15. Sobre o alcance da isenção do imposto do selo consagrada no artigo 4º do Decreto-Lei n º 20/86, nomeadamente no tocante a saber se nela se compreendiam as comissões de gestão, apurou-se que, no passado, foram emitidos alguns entendimentos administrativos, segundo os quais todas as comissões, sem excepção, pagas pelos fundos às respectivas sociedades gestoras e, bem assim, aos depositários, beneficiavam da isenção do imposto do selo, tendo tal doutrina sido comunicada à Associação Portuguesa de Bancos, por Ofício da DSISTP, n.º403, de 17.02. 1999.

16. Embora se desconheça qualquer pronunciamento sobre esta matéria posterior à revisão do Código do imposto do Selo e respectiva Tabela, pela Lei nº 150/99, de 3 de Setembro, uma conclusão desde já se impõe: tanto na vigência do Código do Imposto do Selo, na versão anterior à Lei n º 159/99, não se suscitavam dúvidas quanto à sujeição ao imposto do selo das comissões de gestão pagas pelos fundos de investimento às respectivas sociedades gestoras ao imposto do selo, antes, nos termos da alínea b) do corpo do artigo 120-A da TGIS sob a epígrafe "Operações Financeiras".

17. Sendo assim, cabe agora indagar se foi operada alguma alteração de fundo, na redacção da Verba 17.3 "Operações Financeiras" da TGIS, quer no elemento objectivo quer subjectivo do facto gerador, que tivesse implicado a exclusão das comissões de gestão dos fundos de investimento e dos FCR do respectivo âmbito de incidência.

41. Situações estas contempladas nas verbas 17 e 10 da Tabela Geral de Imposto do Selo, conforme decorre do n.º 1 do artigo 1.º do CIS, quando as entidades concedentes do crédito ou da garantia e as entidades utilizadores do crédito ou beneficiárias da garantia, umas e outras, sejam domiciliadas nos Estados Membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado. Não se vislumbrando assim, a alegada inconstitucionalidade por violação do disposto no nº 2 do artigo 104º da CRP e violação do Princípio da Legalidade, consagrado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) das supracitadas autoliquidações em sede de IS, referentes à verba 17.3.4 da TGIS.

42. As entidades gestoras de fundos de investimento exercem as funções que lhes são atribuídas por lei, podendo exercer de forma autónoma atividades necessárias ou complementares da gestão dos fundos de investimento.

43. Na qualidade de administradoras e gestoras de fundos e como sua legal representante, compete à entidade gestora a prática de todos os atos e operações necessários ou convenientes à boa administração e gestão dos fundos.

44. Assim sendo, a Reclamante A..., deve ser qualificada como intermediária, prestadora de serviços administrativos e de gestão entre diversas instituições financeiras (que realizam operações financeiras) e os fundos de Investimento, cobrando as respetivas comissões de gestão aos fundos por si geridos e pagando comissões de comercialização às entidades financeiras. Essas operações estão sujeitas a imposto de selo nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, uma vez que, não estão abrangidas por nenhuma isenção.

45. Nomeadamente a do artº 7º do CIS sob a epígrafe "Outras Isenções" consta no seu nº 1 al) e) "Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças: (Redação da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro).

46. É nosso entendimento que do ponto de vista objetivo, nos termos previstos no nº 2 do art 37º da Lei nº 30-C/2000, do artº 7º nº 1 al) e) do CIS consta, tão só, uma isenção que não é aplicável às comissões previstas na verba 17.3.4 da TGIS, mas sim, aplicável às operações que estejam diretamente ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida por instituições financeiras e as entidades referidas naquele normativo.

47. A Reclamante vem alegar que os fundos de investimento deverão ser equiparados a sociedades de capitais e, por esse facto ser-lhes-á aplicável o disposto no artº 2º da Diretiva 2008/7/CE (conforme prevê o artº 8º da CRP, sobre o primado do Direito Europeu no Direito interno dos Estados Membros), no sentido de proibir a tributação indireta sobre a atividade de colocação e negociação de participações sociais.

48. Ora como paradigma de tributação indireta temos a tributação em IVA. No que concerne às comissões de gestão e comercialização pagas pelos fundos e pela sociedade gestora, desde logo se conclui que as mesmas estão isentas de IVA.

49. Como já foi supra referido existe uma doutrina firmada a respeito do enquadramento do artº 9º nº 27 al) g) do CIVA quanto às comissões cobradas pela sociedade gestora dos fundos (Inf. N.º 1065, Pº 1039D, de 26-06-1987do DSIVA, com despacho do Secretário dos Assuntos Fiscais de 23-07-1987 e ficha doutrinária relativa à informação vinculativa no Pº 177S, com despacho do Subdiretor Geral dos Impostos, como substituto legal do Diretor Geral de 08-04-2011.

50. O entendimento proferido assenta na interpretação de que uma isenção de IVA prevista no artº 9º nº 27, al) g) do CIVA para as operações de gestão realizadas pela sociedade gestora, na linha da redação da al) g) do artº 135º da Diretiva 2006/112/CEE, relativa ao sistema comum de IVA, é aplicável a qualquer fundo de investimento independentemente da sua natureza e finalidade.

51. A isenção de IVA é condição "sine qua non" para a incidência de imposto do selo, conforme dispõe o nº 2 do artº 2º do CIS. Assim, o imposto do selo incide sobre atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos, previstos na Tabela Geral, ocorridos em Portugal, e não sujeitos ou isentos de IVA.

52. Carece pois, de fundamento essa alegação, dado que se trata efetivamente de tributar em sede de imposto do selo, verba 17.3.4 da TGIS, as prestações de serviços gestão e comercialização, pela intermediação das referidas operações entre os fundos de investimento e as entidades financeiras que comercializam as unidades de participação dos fundos de investimento mobiliário.

53. Sendo assim, está a Reclamante abrangida sem qualquer dúvida pela incidência da verba 17 3.4 da TGIS, preenchendo cumulativamente os requisitos de natureza objetiva e subjetiva.

54. Nos termos das alíneas u) e aa) do artigo 2.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo - Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro - são definidos, respetivamente, «fundo de investimento», os patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, pertencentes aos participantes no regime geral de comunhão regulado no presente Regime Geral e os «organismos de investimento coletivo» como sendo instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes.

55. Pelo que, os «organismos de investimento coletivo» são subdivididos em diferentes tipos de organismos, entre os quais se encontram:

"i) Organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM), que são organismos abertos:

1.º) Cujo objeto exclusivo é o investimento coletivo de capitais de investidores não exclusivamente profissionais em valores mobiliários ou outros ativos financeiros líquidos referidos na subsecção l da secção l do capítulo II do título III e que cumpram os limites previstos na subsecção II da mesma secção; e

2º) Cujas unidades de participação são, a pedido dos seus titulares, readquiridas ou resgatadas, direta ou indiretamente, a cargo destes organismos, equiparando-se a estas reaquisições ou resgates o facto de um organismo de investimento coletivo em valores mobiliários agir de modo a que o valor das suas unidades de participação em mercado regulamentado não se afaste significativamente do seu valor patrimonial líquido;

ii) «Organismos de investimento alternativo» (OIA), que são os demais, designadamente os previstos na alínea a) do nº 2 do artigo anterior e ainda:

1a) Os organismos abertos ou fechados, cujo objeto é o investimento coletivo em valores mobiliários ou outros ativos financeiros, designados «organismos de investimento alternativo em valores mobiliários (OIAVM)»;

2 º) Os organismos abertos ou fechados, cujo objeto é o investimento em ativos imobiliários, designados «organismos de investimento imobiliário» (OII);

3º) Outros organismos fechados cujo objeto inclua o investimento em ativos não financeiros que sejam bens duradouros e tenham valor determinável, designados organismos de investimento em ativos não financeiros (OIANF)".

Ou seja,

56. Os fundos de investimento são considerados uma espécie dentro do género dos organismos de investimento coletivo [o artigo 5.º da Lei n.º 16/2015 esclarece que os OIC assumem a forma contratual de fundo de investimento ou a forma societária (compreendem as sociedades de investimento mobiliário e as sociedades de investimento imobiliário)], sendo que, como dispõe o n.º 2 do artigo 6.º, ao fundo de investimento fica reservada a expressão «fundo de investimento», acrescida da expressão «imobiliário» no caso dos fundos de investimento imobiliário, que deve integrar a sua denominação.

57. No exercício das funções respeitantes à gestão de organismo de investimento coletivo, compete às entidades gestoras gerir o investimento, praticando os atos e operações necessários à boa concretização da política de investimento, em especial, à gestão do património, incluindo a seleção, aquisição e alienação dos ativos, cumprindo as formalidades necessárias para a sua válida e regular transmissão e o exercício dos direitos relacionados com os mesmos; a gestão do risco associado ao investimento, incluindo a sua identificação, avaliação e acompanhamento, emitir, resgatar ou reembolsar unidades de participação entre outros.

58. As entidades comercializadoras de unidades de participação podem ser, nos termos do art.º 129.º do RGOIC:

a) As entidades responsáveis pela gestão;

b) Os depositários;

c) Os intermediários financeiros registados junto da CMVM para o exercício das atividades de colocação com ou sem garantia ou de receção e transmissão de ordens por conta de outrem;

d) Outras entidades como tal previstas em regulamento da CMVM, mediante autorização desta,

2 - As entidades comercializadoras referidas na alínea d) do número anterior observam as regras impostas aos intermediários financeiros relativas ao exercício da sua atividade, designadamente as de prevenção e resolução de conflitos de interesses, ficando os serviços responsáveis pela comercialização sujeitos à supervisão da CMVM, nos mesmos termos do que aqueles intermediários financeiros.

3 - As relações entre a entidade responsável pela gestão e as entidades comercializadoras regem-se por contrato escrito.

4 - As entidades comercializadoras respondem perante os participantes pelos danos causados no exercício da sua atividade.

5 - Podem ainda comercializar unidades de participação de O/Ajunto dos trabalhadores as entidades empregadoras ou as entidades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a entidade empregadora, ou as entidades com quem aquelas se encontrem em relação de domínio ou de grupo, desde que a participação no O/A esteja reservada aos trabalhadores dessas entidades.

59. Sendo que constituem encargos do organismo de investimento coletivo a comissão de gestão e a comissão de depósito, destinadas a remunerar os serviços prestados pela entidade responsável pela gestão e pelo depositário do organismo de investimento coletivo, respetivamente.

60. Assim, os atos inerentes às entidades gestoras e às entidades depositárias dos referidos fundos, cabem na previsão na norma, pois envolvem uma atividade de intermediação financeira justificativa da sujeição a imposto do selo,

61. Sendo o entendimento vigente de que o conceito sobre certificados representativos de unidades de representação emitidos por fundos de investimento abrange tanto as comissões cobradas aos fundos de investimento pelas respetivas sociedades gestoras, como pelas entidades depositária, conforme Parecer n.º 183/95, elaborado, em 22 de dezembro de 1995, pelo Centro de Estudos Fiscais e Informação vinculativa n.º 10848, esta referida até pela Reclamante.

62. Todas as operações sobre certificados representativos de unidades de representação emitidos por fundos de investimento, tem incidência na verba 17,3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) sujeita a tributação «Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros (...)»

63. Deste modo, deve entender-se, em face do entendimento anteriormente referido sobre o conceito de operações sobre certificados representativos de unidades de participação, que estas situações integram atualmente o âmbito de previsão desta verba.

64. Contudo, o Reclamante vem alegar a incompatibilidade com o direito europeu, designadamente com a Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008.

65. Esta Diretiva, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, visa eliminar fatores suscetíveis de distorção de concorrência ou obstar à livre circulação de capitais No preâmbulo deste instrumento comunitário, esclarece-se que "[n]ão deverão ser aplicados impostos indiretos às reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. Em especial, não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência",

66. Na Diretiva ora em análise, a al. a) do n.º 1 do art.º 5.º estipula que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto as entradas de capital, especificando na al. a) do seu n º 2 a proibição do estabelecimento destes impostos sobre a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

67. Por sua vez, a al. a) do n.º 1 do art.º 6.º da Diretiva dispõe que, em derrogação ao estabelecido no artº 5.º, os Estados-Membros podem cobrar impostos sobre a transmissão de valores mobiliários, cobrados forfetariamente ou não.

68. Cumprindo clarificar que, não obstante o art.º 6.º da Diretiva permitir a tributação da transmissão de valores mobiliários, no caso de uma aquisição de UP's no contexto de um aumento de capital não está em causa a transmissão de valores mobiliários ou partes sociais, mas antes a entrada de capital por via da emissão de unidades de participação. E, a Diretiva não só não proíbe como permite, no artigo 6.º, que os Estados-Membros cobrem impostos sobre a transmissão de valores mobiliários (cf. alíneas a) do n.º 1 do art.º 6.º da Diretiva, pelo que tal argumentação não nos parece sustentável.

Sobre a alegada dupla tributação económica

69. Trata-se de uma situação que consiste na taxação dupla de um mesmo fluxo de rendimentos em sede de um mesmo domicílio fiscal.

70. A situação mais emblemática verifica-se ao nível da tributação em sede de IRC dos resultados líquidos das empresas e a subsequente tributação desses resultados, em sede de IRS, quando os mesmos são distribuídos sob a forma de dividendos.

71. A alegação de que no caso concreto ocorre dupla tributação económica não tem fundamento. A sociedade gestora liquida e paga imposto do selo sobre as comissões de gestão cobradas aos fundos de investimento, dos quais é responsável e representante. Do mesmo modo, paga imposto do selo que incide sobre as comissões de comercialização, por ser da sua responsabilidade as operações de comercialização das unidades de participações junto das diversas instituições financeiras, que lhe estão a divulgar e a propor a subscrição de unidades de participação, logo realiza serviços financeiros.

2. Em síntese

a) É inequívoco que as sociedades Gestoras de Fundos de Investimento preenchem o tipo de "(...) quaisquer outras instituições financeiras", conforme consta da verba 17.3 da TGIS;

b) As comissões de gestão e de comercialização inerentes à prestação de serviços pela Sociedade Gestora aos Fundos de Investimento preenchem os requisitos de natureza objetiva e subjetiva para sujeição de tais operações à tributação em sede de imposto do selo, com enquadramento na verba 17.3.4 da TGIS, a qual refere "(...) outras comissões e contraprestações por serviços financeiros".

c) É inaplicável a isenção de imposto do selo prevista no art 4º do Decreto-Lei nº 20/86, de 13 de fevereiro, devido a ter sido revogado pelo artº 319º da Lei nº 71/2018, (Lei do orçamento para 2019), sendo que o IS subjudice, se refere precisamente ao ano de 2019;

d) De acordo com o Parecer n.º 183/95, elaborado, em 22 de dezembro de 1995 do CEF e o Parecer nº 25/2013, não se suscitavam dúvidas quanto a sujeição ao imposto do selo das comissões de gestão pagas pelos fundos de investimento às respetivas sociedades gestoras ao imposto do selo, antes, nos termos da alínea b) do corpo do artigo 120-A da TGIS sob a epígrafe "Operações Financeiras".

e) Nos termos do disposto no artº 1º nº 1 do CIS e da verba 17.3.4 da TGIS, as comissões de gestão e comercialização cobradas pelas entidades gestoras e comercializadoras, estão sujeitas a imposto do selo, não podendo beneficiar de nenhuma isenção.

 

  1. A A... Requerente pagou o valor total de € 1.004.667,95 relativo às liquidações de Imposto do Selo impugnadas, valor aquele em que inclui o de € 700.157,70 que é impugnado no presente processo arbitral (ponto 39 decisão da reclamação graciosa), repartido pelas seguintes guias:

 – liquidado pelo GG... SA (GG...) sobre comissões de comercialização de subscrições de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário abertos nos meses de Janeiro a Dezembro de 2019:

 

– liquidado pelo HH..., SA, sobre comissões de comercialização de subscrições de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário abertos nos meses de Janeiro a Dezembro de 2019:

 

– liquidado pela II..., CRL, HH..., SA, sobre comissões de comercialização de subscrições de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário abertos nos meses de Janeiro a Dezembro de 2019:

 

– liquidado pelo GG..., SA, sobre comissões de comercialização de subscrições de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário abertos nos meses de Janeiro a Dezembro de 2019:

 

– liquidado pela A..., SA, no redébito de comissões de comercialização de subscrições de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário abertos nos meses de Janeiro a Dezembro de 2019:

 

  1. Nomeadamente, a Requerente pagou os seguintes valores de Imposto do Selo liquidado nas seguintes guias de retenção na fonte juntas com o pedido de pronúncia arbitral:

– em 20-02-2019, pagou o montante de € 53.559,43, incluído na guia n.º..., referência ...;

 – em 10-03-2019, pagou o montante de € 48.933,92, incluído na guia n.º..., referência ...;

– em 18-04-2019, pagou o montante de 54.759,74, incluído na guia n.º..., referência...;

– em 21-05-2019, pagou o montante de € 52.932,99 incluído na guia n.º..., referência ...;

– em 19-06-2019, pagou o montante de 54.201,83, incluído na guia n.º..., referência ...;

– em 24-07-2019, pagou o montante de € 53.279,19, incluído na guia n.º..., referência ...;

– em 19-08-2019, pagou o montante de € 54.821,01, incluído na guia n.º ..., referência ...;

– em 18-09-2019, pagou o montante de € 54.399,33, incluído na guia n.º..., referência ...;

– em 16-10-2019, pagou o montante de € 54.701,70, incluído na guia n.º..., referência...;

– em 18-11-2019, pagou o montante de € 55.695,31, incluído na guia n.º..., referência ...;

– em 17-12-2019, pagou o montante de € 55.862,38, incluído na guia n.º..., referência...;

– em 17-01-2020, pagou o montante de € 61.336,19, incluído na guia n.º..., referência ...;

(Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Em 10-02-2021, data em que foi apresentado o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Quanto aos pagamentos do imposto do selo, a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou no ponto 39 da informação em que se baseou a decisão da reclamação graciosa que foi efectuado o pagamento de € 1.004.667,95, em que se incluem os valores que são impugnados no presente processo.

No entanto, apenas em relação aos pagamentos referidos na alínea N) da matéria de facto fixada se provou em que datas foram efectuados os pagamentos.

Não há controvérsia quanto à matéria de facto dada como provada.

 

 

3. Matéria de direito

 

A A... é uma sociedade que gere vários fundos de investimento mobiliário abertos que comercializa através de instituições financeiras (bancos) que lhe facturam comissões de comercialização, em função das subscrições de unidades de participação dos fundos de que aquela é gestora.

Nas facturas emitidas relativamente a essas comissões de comercialização, as entidades financeiras liquidam Imposto do Selo, invocando a verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

Posteriormente, a A... repercutiu nos fundos estas comissões de comercialização, redebitando o valor destas facturações dos bancos, aos fundos a que diziam respeito as comercializações de subscrição de UP em causa, e liquidando, pela segunda vez, imposto do selo sobre as mesmas.

O artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo (CIS) estabelece o seguinte:

 

Artigo 1.º

Incidência objectiva

 

1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

(...)

 

A TGIS inclui a verba 17 sore operações financeiras, em que se estabelece o seguinte:

 

17. Operações financeiras:

(…)

17.3 Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:

(…)

17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4 %.

 

Os Requerentes não concordam quer com a liquidação primeira de imposto do selo pelos bancos, dirigida à entidade gestora A..., quer sobre a segunda liquidação e cobrança de imposto do selo por ocasião do redébito pela A... aos fundos.

Os Requerentes aceitam que se incluem no âmbito de incidência objectiva da verba 17.3.4. as comissões cobradas pelos bancos pela actividade de comercialização de subscrições de Unidades de Participação em fundos, como referem nos artigos 35.º e 50.º do pedido de pronúncia arbitral:

35.º

Ninguém discute, e certamente os requerentes também não, que visto do prisma desta verba 17.3.4, está sujeita a imposto do selo à taxa de 4% a contraprestação cobrada pelos bancos pela actividade de comercialização responsável subscrição de UP e reuniões de capitais adicionais por si consubstanciadas.

50º

 Ninguém nega, os requerentes não negam, que o texto legal constante da verba 17.3.4 da TGIS, apanha também as actividades ou serviços financeiros de comercialização de subscrições de UP em fundos

 

 

No entanto, os Requerentes defendem que, com a cobrança do Imposto do Selo pelos bancos nas facturas emitidas relativas as comissões de comercialização e, depois, sobre o redébito dessas comissões aos Fundos há uma «duplicação de tributação sobre a mesma realidade», que consideram ilegal, e entendem que a cobrança dessas comissões pelos bancos viola «a proibição de tributação constante do artigo 5.º, n.º 2, da Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais».

No presente processo, a A... e os Fundos limitam a imputação de ilegalidades à «liquidação primeira de imposto do selo pelos bancos, dirigida à entidade gestora A...», e à «segunda liquidação e cobrança de imposto do selo sobre a mesma realidade, por ocasião do redébito pela A... aos fundos» (artigo 31.º do pedido de pronúncia arbitral).

No que concerne ao direito nacional, os Requerentes não defendem que as comissões de gestão cobradas pelas entidades gestoras aos fundos não estejam abrangidas no âmbito de incidência objectiva da verba 17.3.4., como se confirma pelos artigos 81.ºa 83.º do pedido de pronúncia arbitral:

Artigo 81.º

Dito de outro modo, a tributação em imposto do selo da comissão de gestão propriamente dita não está aqui em causa, nem nunca esteve em causa nesta questão da dupla tributação.

 

Artigo 82.º

Nesta questão da dupla tributação apenas está em causa, e sempre esteve apenas em causa, a parcela da comissão debitada pela A... aos fundos correspondente ao débito das comissões de comercialização (e respectivo imposto do selo), facturadas anteriormente pelos bancos e sujeita já pelos bancos ao devido imposto do selo.

 

Artigo 83.º

Parcela esta que representa imposto do selo no montante de € 350.078,85.

 

 

Nos processos arbitrais está em causa apreciar a legalidade dos actos tal como foram praticados (art. 2.º, n.º 1, do RJAT), limitando-se os poderes de cognição dos Tribunais, quanto a vícios geradores de anulabilidade, aos «vícios arguidos», como resulta do teor expresso do artigo 124. º, n.º 1, do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Por isso, não está em causa no presente processo a questão de saber se as comissões de gestão se incluem no âmbito de incidência da verba 17.3.4.

Pela mesma razão, não está em causa no presente processo saber se o A... deveria ou não, à face da lei, ter incluído nas comissões de gestão o redébito das comissões de comercialização que lhes foram cobradas pelos bancos. Neste caso, é um facto que a Requerente incluiu nas comissões de gestão que cobrou as comissões que lhe cobraram os bancos e sobre elas (comissões de gestão) incidiu imposto do selo quanto à totalidade do seu valor.

As Requerentes defendem, em primeira linha, que é ilegal, por constituir dupla tributação de uma única prestação de serviço, a incidência do imposto do selo sobre «a parcela da comissão debitada pela A... aos fundos correspondente ao débito das comissões de comercialização (e respectivo imposto do selo), facturadas anteriormente pelos bancos e sujeita já pelos bancos ao devido imposto do selo» (artigos 74.º e 82.º do pedido de pronúncia arbitral).

Em segundo lugar, os Requerentes defendem que «adicionalmente, deve ser declarada ilegal e anulada esta parcela de liquidação de imposto do selo, por desconformidade também com o direito comunitário ... fundamento de anulação este que se aplica igualmente ao próprio imposto do selo liquidado originariamente pelos bancos sobre a comissão de comercialização» (artigo 84.º e 85.º do pedido de pronúncia arbitral).

 

3.1. Questão da duplicação de tributação sobre a mesma realidade

 

Os Requerentes defendem o seguinte, em suma:

– a verba 17.3.4 é um catch all, uma previsão normativa que apanha indiscriminadamente na malha da tributação indirecta do imposto do selo, absolutamente toda e qualquer actividade financeira que não tenha já sido apanhada pelas verbas anteriores de tipificação densificada, inclusivamente também as actividades ou serviços financeiros de comercialização de subscrições de UP em fundos;

– mas nada nessa verba permite concluir que se quer fazer incidir múltiplas tributações de imposto do selo sobre uma mesma concreta ocorrência de comercialização de subscrições em UP;

– o concreto serviço financeiro está tributado, no caso por quem o prestou, os bancos, que autoliquidaram e cobraram o imposto do selo nos débitos desses seus serviços;

– nenhuma base legal há para fazer incidir novamente, uma segunda vez, imposto do selo sobre o valor desse concreto serviço ou operação financeira, e menos ainda fazer incidir também sobre o imposto do selo que anteriormente foi já liquidado sobre o mesmo, a pretexto do redébito do mesmo pela entidade gestora a todos e cada um dos fundos por si geridos a que diziam respeito as UP comercializadas pelos bancos;

– seria arbitrário e contrário à neutralidade que qualquer imposto almeja, tributar-se aqui a operação financeira uma vez, e tributar-se ali várias vezes a operação financeira única do mesmo tipo e qualidade, só porque houve vários redébitos da mesma até fazer chegar o seu encargo económico ao beneficiário/destinatário dessa mesma e única operação financeira;

– o serviço é e foi um só, não passando os redébitos de acertos financeiros entre entidades, de modo a que em termos finais fique com o encargo do serviço único e imposto do selo associado, apenas a entidade ou entidades a quem o serviço ou operação financeira única objectivamente se destinam;

– o imposto do selo aqui em causa é um imposto one-off, isto é, que se aplica uma única vez, e não apenas sobre o valor acrescentado, mas sobre a totalidade do valor da operação ou serviço;

– o critério que manda atender à substância económica dos factos tributários (artigo 11.º, n.º 3, da LGT), aponta numa única e mesma direcção;

– a propósito de situação semelhante a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma Informação Vinculativa afastando a dupla tributação da mesma realidade em sede de Imposto do Selo, por existir uma «única prestação de serviço»;

– não está, no âmbito desta questão da dupla tributação, a tributação em imposto do selo da comissão de gestão cobrada pela A... aos Fundos, mas apenas a parcela da comissão debitada pela A... aos fundos correspondente ao débito das comissões de comercialização (e respectivo imposto do selo), facturadas anteriormente pelos bancos e sujeita já pelos bancos ao devido imposto do selo, parcela esta que representa imposto do selo no montante de € 350.078,85.

 

          A Autoridade Tributária e Aduaneira, como já tinha feito na decisão da reclamação graciosa, defende que não há dupla tributação por a comissão de comercialização cobrada pelos bancos e a comissão de gestão cobrada pela A... aos Fundos serem actividades distintas.

         Porém, a questão que os Requerentes colocam, nesta sede de dupla tributação, não é a da incidência de Imposto do Selo sobre a totalidade da comissão de gestão cobrada pela A..., mas apenas a incidência sobre os montantes desta comissão que constitui o redébito das comissões cobradas pelos bancos, como se refere no documento n.º 7.

         Resulta inequivocamente das verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS que o valor sobre que deve incidir o Imposto do Selo no caso de comissões por serviços financeiros é «o valor cobrado» (parte final da verba 17.3), pelo não há suporte legal explícito para concluir que seja outro o valor a considerar para aplicação da taxa prevista na verba 17.3.4.

         É verdade que, como dizem os Requerentes, sendo incluídos nas comissões de gestão os valores das comissões de comercialização cobradas pelos bancos, os valores destas comissões de comercialização serão sujeitos a Imposto do Selo duas vezes, pois ao Imposto do Selo cobrado pelos bancos, suportado pela A..., acresce o Imposto do Selo liquidado pela A... sobre o valor dessas mesmas comissões de comercialização, ao efectuar o redébito aos Fundos para fazer repercutir neles o encargo das comissões, imposto este que é encargo dos Fundos.

         Mas, desde logo, há que notar que não é invocada pelos Requerentes, nem existe no nosso ordenamento jurídico, qualquer norma legal que afaste a possibilidade de dupla tributação do mesmo facto tributário, designadamente qualquer norma de hierarquia superior às do Código do Imposto do Selo (CIS), como sucede com as normas constitucionais (artigo 112.º, 5, da CRP), pelo que mesmo que se esteja perante uma situação de dupla tributação, não se pode concluir daí pela existência de ilegalidade.

         Mas, dessa dupla incidência de impostos do selo sobre as comissões cobradas pelos bancos e sobre o seu redébito não resulta uma situação de dupla tributação, desde logo por serem diferentes os sujeitos passivos e serem também distintos os titulares dos interesses económicos em cada tipo de situações.

         Na verdade, o Imposto do Selo incide «sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral» (artigo 1.º do CIS) e a incidência, no caso em apreço, tem por base «operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras» e as «comissões ... por serviços financeiros» (verba 17.3 e 17.3.4. a TGIS).

         Neste caso, em cada uma das situações referidas pelos Requerentes há duas operações por serviços financeiros distintas, uma realizada pelo banco, que presta um serviço à A..., e outra realizada por esta, que presta um serviço a cada um dos Fundos.

         Cada uma das operações cabe no âmbito de incidência da verba 17.3.4., tendo sujeitos passivos distintos: a A... quanto à comissão cobrada pelo banco; cada um dos Fundos quanto às comissões cobradas pela A... .

         São também diferentes os titulares dos interesses económicos, pois, como resulta da alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, nas operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o titular do interesse económico é cliente destas: isto é, a A... é considerada o titular do interesse económico quanto ao Imposto do Selo relativo às comissões cobradas pelos bancos, que lhe prestam um serviço, e os Fundos são considerados titulares do interesse económico quanto ao Imposto do Selo cobrado relativamente à comissão de gestão cobrada pela A..., pois são os clientes desta.

         E confirmando esta realidade de se estar, por força daquela alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS, perante Imposto do Selo que é encargo de entidades distintas, a própria A... esclarece no documento n.º 7 que faz o redébito das «comissões de comercialização de subscrições de unidades de participação levadas a cabo pelos bancos (com exclusão do imposto do selo sobre elas liquidado pelos bancos)». Nem haveria suporte legal, à face daquela norma, para a A... repercutir nos Fundos o encargo do imposto cobrado pelos Bancos, pois é à A... que é legalmente atribuído o encargo do imposto.

         Assim, a questão que se coloca não é a de saber se há dupla tributação por incidência duas vezes de Imposto do Selo sobre a mesma actividade de comercialização de fundos, mas a de saber se o redébito de uma comissão que foi sujeita a Imposto do Selo é afastada pelo CIS e pela TGIS.

         Ora, a resposta é negativa, pois o Imposto do Selo incide sobre as operações financeiras indicadas na verba 17.3.4. e, relativamente a cada situação de comercialização de fundos, há duas operações que se enquadram na sua hipótese normativa: a de prestação de serviços pelo banco ao A... e a de prestação de serviços por esta ao Fundo.

         Por outro lado, em cada uma das situações se detecta, em relação ao respectivo titular do interesse económico, que suporta o respectivo encargo do imposto, a capacidade contributiva que está subjacente à previsão daquela verba 17.3.4, pelo que não se justifica uma interpretação restritiva.

         Os Fundos não pagam duas vezes Imposto do Selo sobre o valor das comissões bancárias que lhes são redebitadas, mas apenas uma vez, quando lhes é feito o redébito com liquidação de Imposto do Selo sobre o valor total da comissão de gestão.

         No que concerne à substância económica dos factos tributários, invocada pelos Requerentes invocando o n.º 3 do artigo 11.º da LGT, aponta no mesmo sentido, pois, os Fundos são beneficiários das operações de comercialização das suas unidades de participação efectuadas pelos bancos e a utilização desses serviços bancários revela capacidade contributiva, até será presumivelmente maior nos Fundos, que emitem as unidades de participação e ficam na titularidade dos valores resultantes das sua comercialização, do que na entidade gestora que se limita, quanto aos serviços bancários, a ser intermediária entre os Fundos e os bancos.

         Por isso, seria uma solução incongruente e dificilmente compaginável com o princípio constitucional da tributação com base na capacidade contributiva, ínsito no princípio da igualdade, dispensar os Fundos de qualquer encargo fiscal relativamente a um serviço prestado pelos bancos também no seu interesse.

         Pelo exposto, as liquidações impugnadas não enfermam de vício derivado da alegada dupla tributação, nem erro de interpretação da verba 17.3.4..

 

 

         3.2. Questão da «proibição de tributação constante do artigo 5.º, n.º 2, da Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais»

 

         A Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, reporta-se aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais.

         Como se refere no n.º 26 do acórdão do TJUE citado, «fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, devem ser equiparados a sociedades de capitais e, por conseguinte, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7».

         Os Requerentes defendem que a tributação em Imposto do Selo viola a proibição de tributação constante do artigo 5.º, n.º 2, desta Directiva, estabelece o seguinte:

Artigo 5.o

Operações não sujeitas a impostos indirectos

(...)

 

1. Os Estados-Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indirecto sobre:

a)

Entradas de capital;

b)

Empréstimos ou prestações de serviços, efectuadas no âmbito das entradas de capital;

c)

Registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade de capitais esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica;

d)

Alterações do acto constitutivo ou dos estatutos de uma sociedade de capitais, designadamente as seguintes:

i)

a transformação de uma sociedade de capitais numa sociedade de capitais de tipo diferente,

ii)

a transferência de um Estado-Membro para outro Estado-Membro da sede de direcção efectiva ou da sede estatutária de uma sociedade de capitais,

iii)

a alteração do objecto social de uma sociedade de capitais,

Iv

a extensão do período de duração de uma sociedade de capitais;

e)

As operações de reestruturação referidas no artigo 4.º

 

2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:

a)

 A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;

 

b)

 Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

 

Os Requerentes defendem o seguinte, em suma:

– o n.º 2 do artigo 5.º da Directiva 2008/7/CE é uma norma de proibições (de tributação) de largo espectro, de que resulta que não é admissível qualquer forma de imposto indirecto sobre a criação, a emissão, a colocação em circulação, a negociação, e todas as formalidades conexas, com respeito a partes sociais, a outros títulos da mesma natureza, a obrigações e a títulos negociáveis em geral;

– é uma norma catch all que proíbe qualquer forma de tributação indirecta da criação, emissão colocação em circulação ou negociação de valores mobiliários ou títulos em geral (sejam valores mobiliários representativos de dívida, como no caso das obrigações e títulos aparentados, ou participações num património colectivo como no caso das partes sociais e situações semelhantes);

– a actividade dos bancos ou outras entidades financeiras que tem por fim a subscrição de novas unidades de participação nos fundos por parte dos investidores potenciais, é não só uma actividade por natureza dirigida à criação e emissão destes títulos ou valores mobiliários (unidades de participação), mas também e por definição, uma actividade de colocação em circulação e de negociação, de emissões destes valores mobiliários;

– pelo que esta específica actividade dos bancos (ou outras entidades financeiras), a comercialização de novas subscrições de UP em fundos, não pode ser sujeita a qualquer forma de tributação indirecta, por imposição/proibição do citado artigo 5.º, n.º 2, da Directiva 2008/7/CE;

– donde que, considerado que seja todo o direito aplicável, que não se cinge nesta matéria apenas à verba 17.3.4 da TGIS, a conclusão inescapável é de que a norma nacional catch all constante da verba 17.3.4 da TGIS, entra em conflito, no que respeita à tributação da específica tipologia da situação que se reconduz à actividade bancária de comercialização de novas subscrições de Unidades de Participação em fundos;

– o que torna ilegal, por violação de norma de valor superior, a tributação prevista na verba 17.3.4 da TGIS, no que respeita à identificada tipologia específica da situação que se reconduz à actividade financeira de “comercialização de novas subscrições de UP em fundos”.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

– não se está a tributar em Imposto do Selo «a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação…» das Unidades de Participação dos Fundos geridos pela A...;

– mas se está a tributar as Unidades de Participação propriamente ditas, como, aliás, as Requerentes querem dar a entender, mas tão-só a remuneração cobrada pelos Bancos à A..., a título da genericamente denominada comissão de comercialização, em consequência das transmissões/vendas das UP efetuadas junto dos investidores;

– a tributação ocorrida resulta de uma opção voluntária da A..., que escolheu comercializar, isto é, vender, indiretamente as Unidades de Participação, recorrendo para o efeito ao serviço de diversas instituições de crédito que, como é obvio, e estavam no seu direito, se fizeram remunerar por via da cobrança de uma comissão pelo serviço financeiro prestado, repercutindo-lhe, como não podia deixar de ser, o imposto do selo legalmente devido;

– a comercialização das Unidades de Participação pertence às SGOIC, conforme se extrai, nomeadamente dos artigos n.ºs 66.º/4, 71.º-D e 129/1 a) e 3, todos do RGOIC;

– não pode, por isso, considerar-se que as comissões de comercialização (acrescidas do devido imposto do selo), cobradas pelas instituições de crédito à A..., decorrentes dos serviços financeiros por esta contratados para a venda das UP, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE;

– foi tributado foi remuneração de um serviço de intermediação financeira contratado pela A... que teve em vista a venda, isto é, a transmissão das UP dos Fundos por si geridos junto dos clientes das instituições de crédito contratadas para o efeito.

 

           

As liquidações impugnadas têm subjacente a aplicação da verba 17.3.4. da TGIS, interpretada como prevendo, por um lado, a incidência de Imposto do Selo sobre as comissões cobradas por bancos às entidades gestoras de fundos mobiliários abertos por prestação de serviços a estas de serviços de comercialização de novas subscrições de participações de fundos comuns de investimento e, por outro lado, sobre as mesmas remunerações quando estas são redebitadas pela referida sociedade de gestão aos fundos em causa.

Como se refere no acórdão do TJUE citado, «fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, devem ser equiparados a sociedades de capitais e, por conseguinte, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7» (n.º 26).

O artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, proíbe aos Estados-Membros sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto «a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu».

Interpretando esta proibição, o TJUE entendeu, em suma, que:

– «o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 proíbe os Estados-Membros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu» (n.º 27);

– «tendo em conta o objetivo prosseguido por esta diretiva, o artigo 5.º da mesma deve ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê sejam privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica-se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais» (n.º 28);

– «uma vez que serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais»;

– «uma vez que a aplicação do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de comercialização com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros cm vez de as efetuar diretamente» (n.º 34);

– «serviços de comercialização como os que estão em causa no processo principal fazem parte integrante de uma operação de reunião de capitais, pelo que o facto de os onerar com um imposto do selo está abrangido pela proibição prevista no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7» (n.º 36);

– «o efeito útil desta disposição ficaria comprometido se, apesar de impedir a incidência de um imposto do selo sobre as remunerações auferidas pelos bancos a título de serviços de comercialização de novas participações de fundos comuns de investimento junto da sociedade de gestão destes, fosse permitido que esse imposto do selo incidisse sobre as mesmas remunerações quando estas são redebitadas pela referida sociedade de gestão aos fundos em causa».

 

Conclui-se, assim, que «a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização» é incompatível com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008.

O artigo 8.º, n.º 4, da CRP estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Desta norma decorre a primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, quando não está em causa os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia ( [1] ).

Assim, aplicando a jurisprudência do TJUE, conclui-se que as liquidações impugnadas são ilegais, por a verba 17.3.4. da TGIS ser ilegal, por incompatibilidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, interpretada como prevendo a incidência de Imposto do Selo sobre as comissões cobradas pelos bancos à A... e sobre e o redébito dessas comissões aos fundos de investimento referidos nos autos, de que é entidade gestora.

Pelo exposto, as liquidações subjacentes às retenções na fonte impugnadas enfermam de vícios de violação de lei, por erros sobre os pressupostos de direito, que justificam a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

A decisão da reclamação graciosa que manteve as retenções na fonte enferma dos mesmos vícios, pelo que também se justifica a sua anulação.

 

 

 

4. Reembolso de quantas pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede reembolso do imposto pago indevidamente, no montante de € 700.157,70, acrescido de juros indemnizatórios contados desde 10-11-2020.

Na sequência da anulação das liquidações a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias pagas relativamente às liquidações impugnadas, no valor total de € 700.157,70, (a Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão da reclamação graciosa considerou ter sido pago montante superior, mas é aquele que é objecto da impugnação parcial das liquidações efectuada no presente processo.

No que concerne a direito a juros indemnizatórios, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

 

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

 

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

 

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).      

 

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que não há erro dos serviços, pois se limitou a aplicar a lei nacional.

No entanto, como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um acto ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas do direito da União Europeia:

– «em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação» ([2] );

   

    – «Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art. 43.º da L.G.T., havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.

          Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado» ( [3] );

 

– «há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Directiva comunitária» ([4] );

 

– «os juros indemnizatórios previstos no art. 43ºda LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação» ( [5] ).

 

        

         Por outro lado, tendo havido reclamação graciosa em que a Autoridade Tributária e Aduaneira manteve as liquidações, os erros que as afectam são-lhe imputáveis pelo menos desde a data da decisão de indeferimento, 10-11-2020, e com contagem a partir desta data que a Requerente pede juros indemnizatórios.

         Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [6] )

         Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

– de 28-10-2009, proferido no processo n.º 601/09;

 – de 18-11-2020, proferido no processo n.º 2342/12.3BELRS;

 – de 28-04-2021, proferido no processo n.º 16/10.9BELRS 0884/17;

 – de 09-12-2021, proferido no processo n.º 1098/16.5BELRS;

 – do Pleno de 29-06-2022, proferido no processo n.º 93/21.7BALSB;

 – de 13-07-2022, proferido no processo n.º 1693/09.9BELRS.

        

         Por isso, pedindo a Requerente apenas juros indemnizatórios contados da data da decisão da reclamação graciosa, é de reconhecer que tem direito a eles contados desde 10-11-2020, até integral reembolso ao respectivo Requerente da quantia indevidamente paga, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

           

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular parcialmente, quanto aos valores indicados nos quadros que seguem as liquidações subjacentes às retenções de Imposto do Selo a que se referem as guias:

 

 

 

 

 

 

  1. Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia de € 700.157,70 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar essa quantia à Requerente;
  2. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão, e condenar a Administração Tributária a pagá-los à Requerente.

 

 

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 700.157,70, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.404,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

7. Comunicação ao Ministério Público 

 

Comunique-se ao Ministério Público, nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT.

 

Lisboa, 09-01-2023

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

(Armando Oliveira)

 

 

 

(António de Barros Lima Guerreiro)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

 

Mantenho a posição tomada na Declaração de Voto de 7/10/2021 ,expressa no presente processo arbitral nº 88/2021-T, em  Decisão Arbitral dessa data , que determinaria o reenvio prejudicial para o TJUE desse processo, nos termos do art. 267º do TFUE. Por outro lado, a presente Decisão Arbitral compreende pronúncias que, a meu entender, carecem do suficiente rigor.

Pronunciei-me , então, pela  ausência de incompatibilidade com a alínea a) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE, de 12/2/2008, de acordo com a qual os Estados-Membros, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais,  não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto a  criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu, da verba 17.3.4. da Tabela Geral , interpretada  no sentido de que abrange  as comissões de comercialização cobradas pelos intermediários financeiros  às sociedades gestoras dos fundos de investimento mobiliário abertos. Tal posição não é isolada dentro do CAAD, como mostraram as Decisões Arbitrais nº 741/2021- T, 742/2021-T e 107/2022-T, entre  outras.

Contrariamente a essa posição, o Acórdão no proc. C-656/21 , que vincula o   Tribunal Arbitral no caso concreto,  sustentaria a alínea a) do nº 2 do art. 5º dessa  Diretiva 2008/7/CE ,dever ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.

Essas conclusões são uma criação   pretoriana do TJUE, à margem da letra do direito derivado  e dos critérios gerais de interpretação da leis , baseada apenas em discutível argumento finalístico , inscrito nesta passagem: ”Todavia, tendo em conta o objetivo prosseguido por esta diretiva, o artigo 5.o da mesma deve ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê sejam privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica-se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global”.

Como é sabido, a emissão das unidades de participação em fundos de investimento  mobiliário aberto é um processo complexo iniciado com a constituição do fundo, dependente de autorização administrativa( 1º fase), prosseguido  com a colocação das unidades de participação junto do público , entendida como o conjunto de condutas ativas visando a subscrição dos valores mobiliários(2ª fase) e com a subscrição em sentido estrito, feita nos estabelecimentos das entidades comercializadoras, abrangendo operações como   a emissão do boletim de subscrição, a aceitação do regulamento de gestão,  a concessão à sociedade gestora dos poderes necessários para administrar os fundos e o pagamento do preço das unidades de participação(3ª fase), e terminando com  a emissão em sentido estrito(4ª fase).

 A jurisprudência dos  Acórdãos  nos procs. C-415/02 e  C- 573/16, limita-se a considerar incompatível com a Diretiva 2008/7/CE respetivamente um imposto de selo sobre a entrega material ao portador de títulos de participação emitidos   e sobre a transmissão, a um serviço de compensação de transações (“clearance service”), de novas ações emitidas ou de ações destinadas a ser admitidas à cotação na bolsa de valores de um Estado‑Membro, operações que integram a emissão “stricto sensu” dos títulos e os serviços  a montante e a jusante a precedem , como o processamento dos boletins de subscrição e os pagamentos, mas que fazem parte integrante da reunião de capitais .

Declara o presente Acórdão, no entanto,vinvocando um conceito “sui generis” de acessoriedade, sem  paralelo no Direito Comunitário designadamente no sistema comum IVA, que a Diretiva cujo teor se controverte compreende igualmente  a  divulgação junto do público e a proposta de subscrição aos clientes, a chamada comercialização, contratadas a um intermediário financeiro  .

Está em causa, com efeito, não  qualquer contrapartida da entrega ou transmissão de unidades de participação e os serviços acessórios, mas toda a atividade dirigida a investidores, no sentido de divulgar para efeitos de subscrição ou propor a subscrição de unidades de participação ou de ações em organismo de investimento coletivo, utilizando qualquer meio publicitário ou de comunicação a que se refere a alínea c) do nº 1 do art. 2º do RGOIC, efetuada por um terceiro.

É, pelo menos,  discutível , aliás, que essa comercialização se insira na administração e gestão dos fundos de investimento, ao contrário da emissão  “stricto sensu” e dos  serviços que a compõem, para efeitos da isenção da alínea a)  do 27º do art. 9º do CIVA. Caso, assim, se entendesse, aliás, as operações em causa   estariam sujeitas a IVA e não a imposto de selo, nos termos do nº 2 do art. 1º do Código do Imposto de Selo, mas não é essa questão que se discute no presente processo arbitral, já que não está em causa qualquer liquidação adicional de IVA.

Nos termos dos arts. 26º e 52º do  Regulamento da CMVM 2/2015, o intermediário financeiro pode cobrar aos subscritores , representados pela sociedade gestora, comissões de subscrição  desde que a cobrança dessas comissões estiver prevista no contrato de comercialização. 

Tais comissões são custo do fundo, não elemento do ativo deste, entrando no cálculo do rendimento líquido distribuídos aos participantes.

Não constituem, salvo quando a sociedade gestora prove o contrário, qualquer parcela das comissões de gestão, o que é particularmente evidente nos casos em que estas sejam fixas ou não sejam determinadas em função da “performance” do fundo. No presente caso, aliás, as comissões invocadas pela Requerente foram faturadas como de venda e não de subscrição dos títulos, sendo que, como resulta do art. 3º da Diretiva 2008/7/CE, apenas a subscrição, ainda que no sentido amplo de compreender a subcontratação das operações de divulgação pública, está abrangida pelas proibições dessa Diretiva.

Finalmente, o direito a juros indemnizatórios a que a Requerente possa ter eventualmente direito  não resulta do nº 1 do art. 43º da LGT,  já que a aplicação de uma norma de direito nacional que viole, ainda que parcialmente,  o direito comunitário, no caso o direito derivado, não constitui erro imputável aos serviços Essa é  a jurisprudência consolidada do Pleno do STA(Acórdão do Pleno de 29/9/2022, proc. 064/2.6 BALSB, entre muitos outros).

Os juros indemnizatórios são,  sim,  devidos nos termos da  alínea d) do nº 3(e não  do nº 1) do art. 43º da LGT , mas  apenas desde o indeferimento da presente reclamação graciosa até ao trânsito em julgado da presente Decisão Arbitral.

No meu entendimento pessoal é inaplicável o nº 3 do art. 17º do RJAT, relativa ao recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional que apenas abrange a ilegalidade das normas com fundamento em violação de convenção internacional( que seria no caso o TFUE) e não do direito derivado, como é o caso da Diretiva em questão..

 

O Árbitro

 

(António Barros Lima Guerreiro)

 



[1] Neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

[2] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 31-10-2001, processo n.º 26167, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2466, e de 24-04-2002, processo n.º 117/02, publicado em Apêndice ao Diário da República 08-03-2004, página 1197.

[3] e 07-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2593.

[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-11-2001, processo n.º 26415, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2765.

[5] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2001, processo n.º 26223, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2824, e de 16-01-2002, processo n.º 26508, publicado em Apêndice ao Diário da República 16-2-2004, página 77.

( [6] )        ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:

«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omis­são é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».