Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 661/2021-T
Data da decisão: 2022-06-02  IVA  
Valor do pedido: € 15.168,01
Tema: IVA – Dedução de IVA em operações simuladas, fornecimento e montagem de bens móveis
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SUMÁRIO:

  1. A recusa do direito à dedução de IVA ao abrigo do n.º 3 do art.º 19 do CIVA implica que a AT demonstre a existência de indícios sérios e objetivos, suscetíveis de permitir a conclusão de as operações terem sido simuladas.
  2. O fornecimento e montagem de bens móveis em obra está abrangido pela regra de inversão do sujeito passivo, exceto se tais bens não forem ligados materialmente ao bem imóvel com caráter de permanência.

 

DECISÃO ARBITRAL

A Árbitra do Tribunal Singular, Dra. Raquel Montes Fernandes, designada pelo Conselho Deontológico do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 27.12.2021, decide o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

A A... LDA., doravante designada por “Requerente”, com o número de identificação fiscal ... e sede na Rua ..., n.º ... –..., ..., tendo sido notificada das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios referentes ao ano de 2018, com os n.ºs 2021... (18/03T), 2021 ... (18/06T), 2021 ... (18/09T) e 2021 ... (18/12T), apresentou, em 17.10.2021, pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art.º 2, n.º 1, alínea e) e art.º 10, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, conjugado com o art.º 99, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).

 

A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais acima identificadas e a consequente anulação integral das mesmas [com exceção dos montantes de IVA de € 1.587,00 (respeitante à fatura 39) e € 91,77 (respeitante à fatura 50), dos períodos 18/06-T e 18/09-T, respetivamente, que a Requerente aceita], no total de € 15.168,01 [€ 13.644,97 (IVA) + € 1.523,04 (juros compensatórios)]. A petição em causa fundamenta-se em erro nos pressupostos de direito e de facto que determinaram as correções, por errónea qualificação e quantificação dos factos tributários (al. a) do artigo 99º do CPPT) e bem assim por ausência de vício de fundamentação legal exigida (al. c) do artigo 99º do CPPT), determinando-se nessa esteira o estorno ao Impugnante dos valores indevidamente pagos e ainda o pagamento pela Requerida ao Impugnante de juros indemnizatórios, desde a data desse mesmo pagamento indevido, por existência de erro imputável aos serviços da Requerida AT.   

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, de acordo com os art.ºs 5, n.º 2, alíneas a) e b) e 6, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitra singular deste Tribunal Arbitral a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 07.12.2021 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11 do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, em 27.12.2021, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

Notificada para o efeito, a Requerida apresentou Resposta em 02.02.2022, defendendo por impugnação que o pedido de pronúncia arbitral sub judice devia ser julgado improcedente. Na mesma data foi junto o respetivo processo administrativo.

 

Em 07.02.2022 foi proferido despacho arbitral a solicitar à Requerente a indicação dos factos sobre os quais pretendia apresentar prova testemunhal, o que veio a suceder em 17.02.2022. Nessa sequência, em 05.03.2022, foi designado o dia 19.04.2022, pelas 10h15, para a inquirição de testemunhas. Por impossibilidade de agenda do CAAD, a sessão de inquirição de testemunhas foi adiada para as 14h15 do mesmo dia. Nesta audiência houve lugar à prestação de declarações de parte do legal representante da Requerente (B...) e à inquirição de 4 testemunhas, tendo a Requerente prescindido da testemunha C... .

 

Tendo sido concedido prazo de 10 dias para alegações sucessivas, foram as mesmas apresentadas pelas Partes em 02.05.2022 (Requerente) e 17.05.2022 (Requerida), pronunciando-se ambas sobre a prova produzida e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.

 

Em 18.05.2022 foi proferido despacho arbitral no sentido de o Tribunal estar pronto para deliberar, inexistindo questões processuais a tratar e tendo as Partes apresentado os seus argumentos e elementos de prova.

 

  1. SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos previstos no artigo 102.º n.º 1, alínea b) do CPPT.

 

As Partes estão devidamente representadas, têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.

 

Face ao exposto, importa delimitar as questões a decidir, as quais versam sobre o direito à dedução, pela Requerente, do IVA incorrido na aquisição de serviços, em 2018, à sociedade D..., Lda. (“D...”), uma vez que a Requerida entendeu, em sede de inspeção, que (i) não foi provada a realização de tais operações e que as faturas emitidas pela D... à Requerente (ii) não respeitaram o exigido no n.º 5 do art.º 36 do Código do IVA (“CIVA”) e, nalguns casos, (iii) também não respeitaram a regra de inversão do sujeito passivo de IVA constante da al. j) do n.º 1 do art.º 2 do CIVA.  

 

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, sendo o seu capital social detido pelo sócio único B..., portador do número de identificação fiscal ..., o qual exerce igualmente as funções de gerente.
  2. A Requerente foi constituída em 01.10.2015, tendo por objeto social trabalhos de marcenaria, carpintaria, decorações de interiores e de centros comerciais, eletricidade, pintura, serralharia, mecânica, estofador, construção civil, vendedor, contabilidade, informática e designer e estando registada para o exercício das seguintes atividades:
    1. CAE principal (096093) – Outras atividades de serviços pessoais diversas
    2. CAE secundário 1 (043320) – Montagem de trabalhos de carpintaria e de caixilharia
    3. CAE secundário 2 (016101) – Serração de madeira
    4. CAE secundário 3 (042990) – Construção de outras obras de engenharia civil.
  3. A Requerente é sujeito passivo de IRC e de IVA, praticando exclusivamente operações sujeitas a tributação à taxa normal de IVA e enquadrada, para este imposto, no regime normal de periodicidade trimestral.
  4. A Requerente tem cumprido assiduamente as suas obrigações declarativas fiscais.
  5. A Requerente dispõe de uma oficina de carpintaria, na sua sede social, sita em ..., ..., tendo capacidade e recursos próprios limitados, assentes na pessoa do seu sócio-gerente, não dispondo de trabalhadores nos seus quadros (pontos 21 e seguintes do pedido de pronúncia arbitral e prova testemunhal).
  6. Para executar alguns trabalhos contratados nas áreas da carpintaria, da montagem ou instalação de decorações exteriores em grandes superfícies comerciais, e da montagem de stands em feiras e outros eventos, a Requerente necessita de recorrer a entidades terceiras, sob a forma de subcontratação (pontos 23 a 25 do pedido de pronúncia arbitral e prova testemunhal).
  7. A Requerente subcontratou, em diversos períodos temporais, e para diversos trabalhos, a sociedade D..., incluindo para trabalhos realizados em 2018 nas áreas de montagem e desmontagem de decorações de Natal e de stands publicitários, bem como serviços de carpintaria e serralharia (pontos 28 e seguintes do pedido de pronúncia arbitral e prova testemunhal).
  8. Em 2018, a Requerente liquidou IVA no montante de € 22.077,64 e deduziu imposto no montante de € 20.701,84 (conforme relatório de inspeção tributária, pág. 7).
  9. Em fevereiro de 2021 teve início um procedimento inspetivo à Requerente, decorrente da Ordem de Serviço n.º OI2021... emitida pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, sobre a qual recaiu o despacho da Chefe de Divisão de 18.02.2021 (conforme relatório de inspeção tributária).
  10. O procedimento inspetivo interno foi proposto em virtude de, em 2018, a Requerente ter contabilizado aquisições de serviços de construção civil à D..., no valor de € 81.948,75 (IVA incluído), sociedade que a AT considerou não dispor de estrutura operacional para a realização de tais serviços e, como tal, ser necessário validar a natureza das operações faturadas (conforme relatório de inspeção tributária).
  11. O procedimento inspetivo incidiu sobre IVA e IRC de 2018, tendo sido solicitados pela AT à Requerente diversos elementos contabilístico-fiscais respeitantes a esse exercício, tais como cópia de faturas emitidas pelo fornecedor, extrato de conta corrente do fornecedor, cópia dos meios de pagamento, contactos das pessoas a quem foram encomendados os serviços/trabalhos, discriminação dos trabalhos realizados, cópia de autos de medição, identificação dos trabalhadores do fornecedor (conforme relatório de inspeção tributária).
  12. Para além dos elementos contabilístico-fiscais disponibilizados, o sócio-gerente da Requerente prestou informações adicionais à equipa de inspeção, afirmando desconhecer a identidade dos trabalhadores da D... em 2018 (que iam variando), uma vez que apenas supervisionava os trabalhos, os quais eram executados pelos colaboradores contratados pelo sócio da D... (e, nalguns casos, esses trabalhos já eram apresentados à Requerente em modo concluído) (conforme relatório de inspeção tributária).
  13. A Requerente autorizou o levantamento bancário relativamente à conta em causa, habilitando, deste modo, a AT a solicitar, junto da respetiva instituição bancária, cópia da frente e verso dos cheques utilizados para pagamento à D... (conforme relatório de inspeção tributária e pedido de pronúncia arbitral).
  14. Comprovou-se a existência de cheques emitidos pela Requerente à D... para cada uma das faturas por esta emitida àquela pelos serviços em discussão nos presentes autos, os quais totalizam o valor (total) faturado (conforme prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral). 
  15. A equipa inspetiva da Direção de Finanças de Lisboa propôs, em sede de IRC, a correção do resultado fiscal declarado do ano de 2018 para mais, no montante de € 66.625; quanto ao IVA, foi proposta uma correção de € 15.323,75, por dedução indevida de imposto, em virtude de ter como documentos justificativos faturas emitidas em nome do referido fornecedor D... e tal não ser possível conforme determinam os números 2 e 3 do artigo 19 do CIVA (conforme relatório de inspeção tributária).
  16. O direito de audição foi exercido oralmente, em 28.04.2021, pelo sócio-gerente da Requerente, tendo, no entanto, a Requerida entendido que não foram apresentados elementos novos nesta sede, pelo que manteve as correções propostas (conforme relatório de inspeção tributária).
  17. Na sequência da conclusão da inspeção, foram emitidas em 31.05.2021 as respetivas liquidações adicionais de IVA, nos seguintes valores:

     

  1. Em 17.10.2021 a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem a este processo, o qual tem por objeto as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios acima referidas, com exceção dos montantes de IVA de € 1.587,00 (fatura 39 da D...) e € 91,77 (fatura 50 da D...).

 

  1. Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

  1. Fundamentação da decisão da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, ao invés, o dever de (i) selecionar os factos que importam para a decisão e (ii) discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito [cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

Os factos foram dados como provados ou não provados com base (i) nos documentos juntos aos autos, (ii) no processo administrativo apresentado e (iii) na prova testemunhal em audição realizada em 19.04.2022, pelas 14h15, nas instalações do CAAD. Neste âmbito, foram ouvidas as seguintes testemunhas (para além da declaração de parte do sócio-gerente da Requerente, o sr. B...):

  1. E... (engenheiro civil da Carpintaria F...)
  2. G... (jardineiro)
  3. H... (eletricista, sócio da D...)
  4. I... (irmão do sócio-gerente da Requerente)

As testemunhas aparentaram depor com isenção e conhecimento dos factos que relataram.

Todas as provas deste processo foram criticamente analisadas por este Tribunal.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Questão decidenda

A Requerente imputa às liquidações adicionais impugnadas os seguintes vícios:

  1. Erro nos pressupostos de facto e de direito, por errónea qualificação e quantificação dos factos tributários (incluindo a não verificação do ónus probatório em operações simuladas);
  2. Falta de fundamentação das liquidações controvertidas, no que respeita à não verificação dos requisitos do n.º 5 do art.º 36 do CIVA.

 

Face ao exposto, é solicitado a este Tribunal que ateste se à Requerente assiste direito à dedução do IVA suportado com a aquisição de serviços vários à D... em 2018. No entender da Requerente, o direito à dedução deste IVA fundamenta-se no facto de os serviços corresponderem a operações tributáveis, prestadas pela D... .

 

Por sua vez, a Requerida defende que o IVA em causa não é dedutível ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 19 do CIVA, por não ter sido possível comprovar que a D... realizou, de facto, as operações em causa e, ainda, por as faturas por esta emitidas não respeitarem o exigido no n.º 5 do art.º 36 do CIVA e/ou não ter sido aplicada a regra de inversão do sujeito passivo do IVA constante da alínea j) do n.º 1 do art.º 2 do CIVA.

 

No que respeita às correções efetuadas em sede de IVA, o RIT dispõe o seguinte (páginas 15 e 16):

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

 

E, após apreciação do direito de audição exercido pelo sócio-gerente da Requerente em sede inspetiva, concluiu a Requerida o seguinte (páginas 18 e 19 do RIT):

Uma imagem com texto, pessoa

Descrição gerada automaticamente

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

 

  1. Vícios imputados pela Requerente às liquidações controvertidas

 

  1. Da realização dos serviços faturados pela D...

 

Posição da AT

 

A Requerida iniciou um procedimento inspetivo à Requerente por existirem dúvidas quanto à natureza das aquisições efetuadas por esta ao fornecedor D..., as quais totalizaram €81.948,75 (IVA incluído) em 2018, tendo a Requerente, por conta dessas aquisições, deduzido IVA no total de €15.323,75 (ponto III.2.1, pág. 15 do RIT). Os factos apurados pela AT em sede inspetiva que suportaram as correções promovidas em sede de IVA quanto à natureza dos serviços adquiridos pela Requerente foram, resumidamente, os seguintes (conforme o RIT):

  1. À data dos factos, a D... não dispunha de quadro de pessoal nem de estrutura operacional, designadamente equipamentos e veículos, nem há conhecimento que a montante tenha sido prestado aquele tipo de serviço à D... por outros fornecedores;
  2. Embora a Requerente tenha enviado alguns esclarecimentos e documentos, estes não foram suficientes para comprovar a efetividade das operações, nomeadamente porque não completam a descrição pormenorizada e quantificação dos serviços, não identificam os trabalhadores que teriam sido necessários à sua execução e existe um desfasamento temporal significativo entre as aquisições à D... e as correspondentes vendas da Requerente, na medida em que esta antecipa a faturação aos seus clientes em cerca de 2 meses face à faturação da D..., para os mesmos serviços;
  3. Não foi comprovado que os pagamentos à D... tivessem sido efetuados de acordo com os requisitos do art.º 63-C da LGT[1] e, em todo o caso, cerca de 20% desses pagamentos foi efetuado em numerário.

 

Posição da Requerente

 

A Requerente alega que “as correções que vieram a ser efetuadas já se encontravam na forja, muito antes da mesma ação inspetiva se iniciar” (ponto 8, pág. 4 do pedido de pronúncia arbitral), tendo a equipa inspetiva “centrado o essencial da sua argumentação em factos que a AT já conhecia previamente ao início da ação inspetiva e os quais eram e são absolutamente exógenos ao Impugnante e inaptos a sustentar essas mesmas correções” (ponto 11, pág. 4 do pedido de pronúncia arbitral), ou seja, no “facto de a sociedade fornecedora de serviços –D...– presumivelmente não apresentar descontos sobre recursos humanos, o que obviamente o Impugnante desconhece” (ponto 12, pág. 4 do pedido de pronúncia arbitral).

 

A Requerente imputa à Requerida uma “total desconsideração não só pela informação e documentação junta, como também pela colaboração prestada pelo Impugnante, a qual foi muito além daquela que era legalmente exigida a este” (ponto 15, pág. 5 do pedido de pronúncia arbitral).

 

No que respeita aos trabalhos em causa, a Requerente alega ter capacidade e recursos próprios limitados (não dispõe de quadro de pessoal para além do próprio sócio-gerente), pelo que necessita de recorrer a entidades terceiras, por via da subcontratação, para a realização de determinados trabalhos para clientes angariados na área da carpintaria e, também, para a montagem e desmontagem de decorações exteriores em superfícies comerciais e de stands em feiras e outros eventos. Para o efeito, o Requerente tem vindo a subcontratar a D... para diversos serviços destas áreas. Os trabalhos contratados à D... em 2018 consistiram em:

  • Fornecimento e montagem de móveis vários (carpintaria)
  • Montagem e desmontagem de decorações de Natal (nos centros comerciais ..., ... e...)
  • Montagem e desmontagem de stands em feiras

 

A Requerente alega, ainda, que:

  • Procedeu à totalidade do pagamento das faturas à D... por cheques bancários, nunca tendo efetuado pagamentos em numerário nem tendo violado o art.º 63-C da LGT (desconhecendo por completo o encaminhamento dado a esses meios de pagamento);
  • Não lhe compete conhecer a identidade dos colaboradores da D... ou saber em que regime laboral esses recursos humanos se encontravam;
  • Também a Requerente não dispõe de capacidade instalada (quadro de pessoal) mas a AT não retira desse facto a (mesma) conclusão de que os serviços por si faturados aos seus clientes não têm substância;
  • O facto de a D... ter faturado a posteriori os seus serviços à Requerente (face à faturação desta aos seus clientes) não permite concluir pela inexistência de substância das operações (nalguns casos, resulta apenas de gestão de tesouraria);
  • A AT não cumpriu com o ónus probatório que lhe competia para desconsiderar faturas que reputa de falsas, porquanto não logrou coligir elementos que permitissem concluir de forma séria e com elevada probabilidade que as operações não se realizaram, muito menos que a Requerente sabia, ou tinha o dever se saber, que o fornecedor dos serviços não podia fornecer aqueles mesmos serviços.

 

Posição do Tribunal

 

Para a análise da questão decidenda, importa tecer algumas considerações prévias sobre o funcionamento do sistema comum do IVA e a natureza do direito à dedução deste imposto.

 

  1. Natureza do direito à dedução de imposto

Conforme se referiu no processo arbitral n.º 381/2021-T, do qual a signatária foi relatora, “[o] direito à dedução do IVA suportado a montante, pelos sujeitos passivos, no âmbito das suas atividades constitui um pilar essencial do sistema comum do IVA, enquanto imposto indireto de matriz comunitária. O direito à dedução tem por objetivo principal garantir a neutralidade do imposto nas operações realizadas pelos sujeitos passivos.

 

O sistema do IVA assenta, assim, no denominado método de dedução do imposto (também apelidado por alguns autores de método de crédito de imposto ou método subtrativo indireto), de acordo com o qual, conforme resulta do disposto no art.º 19 do Código do IVA, ao imposto liquidado nas operações tributadas se deduz o IVA suportado a montante para a realização das mesmas. O direito à dedução garante que o imposto suportado pelos sujeitos passivos não configura um custo operacional, assegurando, desta forma, a neutralidade do IVA em cada operação.

 

Sendo o direito à dedução do IVA um elemento fundamental do funcionamento do sistema deste imposto, não surpreende que a jurisprudência (europeia e nacional) seja, frequentemente, chamada a apreciar situações concretas de exclusão (ou, pelo menos, limitação) do seu exercício pelas autoridades tributárias nacionais. Todas essas decisões jurisprudenciais têm em comum o facto de afirmarem um direito (quase) absoluto à dedução do IVA, admitindo a sua exclusão apenas em situações excecionais, e com base numa interpretação restrita das normas limitadoras.

 

Veja-se, meramente a título exemplificativo, o acordão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferido, em 01.10.2020, no caso C-405/19 (caso Vos Aannemingen BVBA), onde se refere, que   “[s]egundo jurisprudência constante, o direito à dedução previsto nesta disposição constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União, pelo que o referido direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado” (ponto 23); “[c]om efeito, o regime de deduções instituído pela Sexta Diretiva visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA” (ponto 24). No mesmo sentido, o acórdão proferido em 11.02.2021, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no processo 273/10.0BELRS: “[a] este respeito, sublinhe-se, que a jurisprudência do Tribunal Justiça já por diversas vezes declarou que as derrogações ao direito à dedução do IVA por constituir um regime que constitui uma derrogação ao princípio do direito a dedução do IVA, é de interpretação estrita” (disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/58b87d8182fdfcd38025867d003f179f?OpenDocument).

 

Não obstante, o exercício do direito à dedução de IVA não é livre ou incondicionado, dependendo da verificação de determinados requisitos subjetivos e objetivos. Em primeiro lugar, determina a al. a) do n.º 2 do art.º 19 do Código do IVA (regra geral) que somente confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal (i.e., que contenham os elementos previstos nos artigos 36 ou 40 daquele diploma, consoante aplicável), emitidas em nome do sujeito passivo e que se encontrem na sua posse. Por sua vez, o direito à dedução do IVA apenas pode ocorrer na esfera de sujeitos passivos deste imposto atuando enquanto tal (os particulares, na aceção do conceito usado para efeitos de IVA, não podem deduzir imposto por si suportado a montante), e somente quanto a IVA suportado no exercício da sua atividade. Por último, o art.º 20 do Código do IVA enquadra o direito à dedução de IVA por referência a determinadas operações que conferem esse mesmo direito, quer por serem sujeitas a IVA e dele não isentas, quer por se tratar de operações isentas às quais, por motivos vários, o legislador entendeu reconhecer direito à dedução do IVA suportado a montante.”

 

In casu, a AT recusou o direito à dedução da Requerente quanto ao IVA respeitante aos serviços faturados em 2018 pela D... com base nos n.ºs 2 e 3 do art.º 19 do CIVA, referindo, no que respeita à realização desses serviços, que [n]ão foi comprovado que a D... tenha de facto realizado aquelas operações” (pág. 15 do RIT).

 

Dispõe o art.º 19 n.º 3 do CIVA que não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura. Esta limitação ao exercício do direito à dedução de IVA afigura-se conforme à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), que estabelece que, não obstante o direito à dedução do IVA previsto nos art.ºs 167 e seguintes da Diretiva IVA fazer parte integrante do IVA e, como tal, não poder, em princípio, ser limitado, a luta contra a fraude, a evasão fiscal e eventuais abusos é um objetivo reconhecido e incentivado pela Diretiva IVA, não podendo os sujeitos passivos invocar de forma fraudulenta ou abusiva as normas do direito da União. Cabe, então, às autoridades nacionais recusar o benefício do direito à dedução se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente, quer quando o próprio sujeito passivo comete uma fraude, quer quando o sujeito passivo sabia ou deveria saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA. E uma vez que a recusa do direito à dedução é uma exceção ao princípio fundamental que constitui este direito, incumbe às autoridades fiscais fazer prova bastante de que os elementos objetivos coligidos permitem concluir que o sujeito passivo sabia ou deveria saber que a operação invocada para fundamentar o direito a dedução fazia parte de tal fraude[2].

 

O art.º 19 n.º 3 do CIVA visa, como vimos supra, limitar o exercício do direito à dedução quando esteja em causa (i) operação simulada ou (i) operação em que seja simulado o preço constante da fatura. Na ausência de definição, no CIVA, do conceito de operação simulada, deverá este ser interpretado com o sentido que lhe é atribuído pelo direito civil (cfr. art.º 11, n.º 2, da LGT), i.e., simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos sujeitos do negócio jurídico, por acordo entre o declarante e o declaratório, e com o intuito de enganar terceiros, sendo, por isso, um negócio juridicamente nulo (art.º 240 do Código Civil). 

 

  1. Ónus probatório de negócios simulados

Dispõe o art.º 74 n.º 1 da LGT que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Não obstante, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei (cfr. art.º 75 n.º 1 da LGT). 

 

Como tal, “quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a administração tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução invocando a simulação de sujeitos, não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu (o que na generalidade dos casos seria muito difícil demonstrar), mas tem que reunir indicadores objetivos de que tal acordo deveria ter existido (vide acórdãos do Pleno da secção do CT do STA de 16/11/2016, proc. N.º 0600/15 e de 19/10/2016, proc. N.º 511/15, disponíveis em www.dgsi.pt/).

 

Com efeito, configura entendimento jurisprudencial reiterado e sólido, em situações como a dos autos, de não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, que compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua atuação, ou seja, assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as facturas em causa não correspondem à realidade, pelo que terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas.

 

Cumprido este encargo pela Administração Tributária, passa a impender sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que tais facturas consubstanciam operações realmente efectuadas pela entidade emitente desses documentos e pelos valores constantes dos mesmos, comprovando o direito à dedução do IVA liquidado nas facturas, não lhe aproveitando a mera criação de dúvida, ainda que fundada, uma vez que o artigo 100.º do CPPT não é aplicável neste caso, por «in dúbio contra Fisco» apenas existe quando seja a Administração Tributária a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é à contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos factos tributários em que se funda a dedução do imposto (…).

 

De acordo com a jurisprudência do TJUE, não basta a existência objectiva da fraude nas operações para poder ser recusada a dedução do IVA pelo adquirente, sendo que o direito à dedução só pode ser recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objectivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito a dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir estes bens ou estes serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador a montante ou a jusante na cadeia destes fornecimentos ou destas prestações (…)”[3].

 

  1. Apreciação da prova coligida pela Requerida

Face ao supra exposto, cumpre averiguar, em primeiro lugar, se a Requerida fez a prova, que lhe competia legalmente, da existência de indícios sérios e objetivos, suscetíveis de permitir a conclusão de que as faturas contabilizadas pela Requerente não correspondem a reais operações realizadas pela D... em 2018. Caso se conclua pela existência dessa prova, cumprirá, em segundo lugar, confirmar se a Requerente demonstrou a efetiva realização dessas operações, pelos valores declarados, i.e., se demonstrou que a Requerida laborou em erro.

 

Como vimos, a AT alega que, não obstante a Requerente ter disponibilizado “alguns esclarecimentos e documentos, os mesmos, não foram suficientes para comprovar a efetividade das operações, nomeadamente porque não completam a descrição pormenorizada e quantificação dos serviços, não identificam os trabalhadores que teriam sido necessários à sua execução e existe um desfasamento temporal significativo entre as aquisições à D... e as correspondentes vendas da A..., ou seja, esta antecipa a faturação aos seus clientes em cerca de 2 meses face à faturação da D..., para os mesmos serviços. (…) Por outro lado, tendo em conta a ausência de estrutura operacional da D... e considerando os esclarecimentos e documentos enviados pela A..., não se mostrou comprovada a efetividade dos serviços, correspondentes à referida quantia, nem comprovado que os pagamentos à D... tivessem sido efetuados de acordo com os requisitos que o art.º 63º-C da LGT exige” (pág. 14 do RIT).  

 

Resulta da factualidade apurada em sede de inspeção que (i) a Requerente tem cumprido atempadamente as suas obrigações fiscais em sede de IRC e IVA e (ii) não tem processos de execução fiscal instaurados. Resulta, ainda, do RIT que a Requerente colaborou de forma extensiva com a inspeção, facultando inúmeros documentos e esclarecimentos, e autorizando o levantamento do sigilo bancário solicitado pela AT no âmbito da respetiva inspeção. Entre outros, foram disponibilizados pela Requerente os seguintes documentos:

  • A totalidade das faturas emitidas pela D... em 2018 (e, em sede arbitral, alguns mapas de execução dos serviços)
  • Extrato de conta corrente do fornecedor D... em 2018
  • Nome e contacto do sócio da D... que servia de contacto na contratação dos serviços
  • Registos contabilísticos das faturas emitidas pela D... à Requerente em 2018
  • As faturas que a Requerente emitiu aos seus clientes por conta desses serviços
  • Cópia dos cheques emitidos à D... para pagamento dos serviços adquiridos em 2018.

 

Os factos apurados em sede de inspeção que são, na apreciação da Requerida, indiciadores de negócio simulado, ou de preço simulado, consistem, em resumo, no seguinte:

  1. No que respeita às faturas emitidas por ambas as entidades, verifica-se um desfasamento temporal entre as faturas emitidas pela D... à Requerente, e entre esta e os respetivos clientes finais (a faturação pela Requerente antecede sempre a faturação dos serviços que esta adquire);
  2. O pagamento de parte das faturas emitidas pela D... à Requerente foi efetuado por cheque e cerca de 20% em numerário;
  3. Os cheques emitidos pela Requerente não foram depositados em conta titulada pela D... mas, sim, liquidados em caixa;
  4. A Requerente afirmou desconhecer a identidade dos trabalhadores da D..., esclarecendo ser o gerente da D... (H...) a supervisionar os trabalhos; não obstante a D... não dispunha, à data dos factos, de quadro de pessoal nem de estrutura operacional (ou seja, nem colaboradores, nem equipamentos ou veículos) nem a montante apresenta operações declaradas pelos fornecedores enquadrados nos serviços que dizem ter sido prestados.

 

Analisada a prova documental produzida, concluímos, em primeiro lugar, existir um significativo registo – contabilístico, fiscal, documental – das operações em causa, tendo sido disponibilizado à AT, em sede de inspeção, pela Requerente, um conjunto muito significativo de elementos sobre as operações controvertidas. Não estamos, portanto, perante um cenário de falta de cooperação do sujeito passivo com a AT, nem de falta de suporte contabilístico-fiscal das operações em apreço.

 

Em segundo lugar, analisadas as faturas de ambas as entidades – a saber, por um lado, as faturas emitidas pela Requerente aos seus clientes finais, e, por outro lado, as faturas emitidas pela D... à Requerente, pelos serviços que esta alega terem sido adquiridos àquela –  afigura-se existir uma relação evidente, correlativa, entre tais faturas. De facto, para cada serviço prestado / faturado pela Requerente aos seus clientes, serviços esses que esta alega terem sido adquiridos à D..., verifica-se a existência de faturas emitidas por esta à Requerente com os mesmos (ou muito similares) descritivos e com valores aproximados. Os serviços em causa respeitam, conforme também explicitado pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, (i) ao fornecimento de porta e baias, (ii) ao fornecimento de móveis para caravana, (iii) à montagem e desmontagem da decoração de Natal dos centros comerciais ..., ... e..., (iv) à montagem e desmontagem de stands na ... e ... e, ainda, ao (v) fornecimento e montagem de móveis em locais vários, incluindo em obras em Oeiras, Sete Rios e São Pedro de Alcântara. Em todos estes serviços verifica-se uma correspondência direta entre os serviços faturados por uma, e outra, entidade.

 

Para além da prova documental, a prestação destes serviços foi igualmente comprovada por via testemunhal – tanto o sócio-gerente da Requerente como as testemunhas por esta arroladas confirmaram e, nalguns casos, descreveram com algum pormenor, os serviços aqui referidos e objeto de faturação por ambas as entidades.

 

De resto, a Requerida não contesta a existência de tais faturas, nem a sua correlação, limitando-se a alegar o – também evidente – desfasamento temporal entre as datas de emissão de tais faturas. Ora, é certo que esse desfasamento existe e que as faturas da D... à Requerente foram, em muitos casos, emitidas após a faturação desses serviços pela Requerente aos seus clientes. Tal, no entanto, não permite a este Tribunal concluir pela inexistência ou não realização desses serviços, sendo, aliás, mais provável estar em causa um mero incumprimento, por parte da D..., dos prazos legais de faturação ou, até, nalguns casos, a finalização dos respetivos serviços por parte da D... à Requerente ter exigido, conforme depoimentos do sócio-gerente da Requerente e da testemunha H... (sócio da D...), procedimentos adicionais de verificação e, até, reparação do equipamento e materiais, que apenas ocorreram em momento posterior.

 

Em todo o caso, de um eventual incumprimento do prazo legal de faturação e do desfasamento temporal entre faturas cuja correlação dos serviços é manifesta e evidente, não se pode concluir, sem mais, pela não realização desses serviços pela D... à Requerente, como pretende a Requerida. Como tal, este argumento, por si só, não permite sustentar uma alegada violação do art.º 19 n.º 3 do CIVA.

 

A AT alega ainda, como vimos, que o pagamento de cerca de 20% do montante faturado pela D... à Requerente foi efetuado em numerário, o que constituiria uma violação do art.º 63-C da LGT. Não obstante, atenta a prova documental aportada aos autos, foi possível constatar que tal não corresponde à verdade, porquanto foram disponibilizadas cópias de cheques que cobrem a totalidade do montante faturado pela D... ora em discussão, e que foram, em regra, emitidos nas datas das faturas em causa (ou nos dias imediatamente seguintes). Face ao exposto, também não assiste razão à AT neste ponto.

 

É, igualmente, alegado pela Requerida que os cheques emitidos pela Requerente para pagamento dos serviços prestados pela D... não foram depositados em conta titulada por esta, mas, sim, liquidados em caixa. Ainda que tal seja verdade, não se vê de que forma esse procedimento – que ocorreu entre o sócio da D... e o balcão de uma instituição bancária – possa ser relevante nos presentes autos, porquanto se assume que a Requerente não tinha, nem tinha de ter, conhecimento de tal facto, nem estava em posição de o impedir. É certo que, num contexto mais lato, este tipo de procedimento pode ser indício de uma situação fraudulenta e, até, de um eventual conluio entre as partes do negócio; não obstante, in casu, a factualidade que a AT aportou aos autos não permite concluir nesse sentido.

 

Analisemos, por último, o desconhecimento pela Requerente da identidade dos trabalhadores da D..., bem como do tipo de vínculo contratual que aqueles poderiam ter com esta. Em primeiro lugar, não se afigura que competisse à Requerente o esclarecimento destas dúvidas. Acresce que, atendendo ao tipo e dimensão das empresas em causa (em particular, no que respeita à Requerente), não será de estranhar que a realização de determinados serviços seja assegurada por via da subcontratação a outras entidades do ramo ou a outros profissionais disponíveis para o efeito. Veja-se, a este propósito, o caso dos serviços de montagem e desmontagem de stands em feiras e exposições e de decorações de natal em superfícies comerciais que, pela sazonalidade que os caracteriza, não justifica, como afirmado pela Requerente (e resultou, igualmente, dos depoimentos das testemunhas) e não contestado pela Requerida, a contratação (sem termo) de profissionais para o efeito. É, portanto, normal, neste tipo de ramos de negócio, que as empresas recorram, em determinadas alturas, a agentes externos (i.e., outras empresas ou profissionais individuais), não necessitando, no resto do ano, dos mesmos recursos humanos.

 

De resto, ainda que seja verdade que a D... não tem quadro de pessoal (para além do seu sócio) – aliás, à semelhança do que sucede com a Requerente, que apenas conta, a título permanente, com o seu sócio-gerente (e cujas operações ativas não foram contestadas pela AT)  – nada impediria a D... de subcontratar serviços a outras entidades, ou de contratar pontualmente profissionais, para os serviços que presta. Como, aliás, se comprovou em sede de prova testemunhal.

 

Tanto o sócio-gerente da Requerente como a testemunha E..., da Carpintaria F..., confirmaram que as respetivas empresas têm relações comerciais há vários anos, atuando simultaneamente como cliente e fornecedor um do outro, em função do tipo de trabalho em causa e das necessidades do mesmo. Ademais, a referida testemunha confirmou que, não obstante nunca ter trabalhado diretamente com a D..., conhece o seu sócio e tem conhecimento de este trabalhar com a Requerente em vários projetos.

 

Também a testemunha H..., sócio da D..., afirmou ter prestado vários serviços à Requerente em 2018, em particular montagem e desmontagem de decorações de Natal em superfícies comerciais (cujos procedimentos descreveu com algum pormenor) e trabalhos de carpintaria e serralharia – os quais correspondem às descrições das faturas emitidas à Requerente nesse ano e juntas aos autos. No que respeita ao seu quadro de pessoal, afirmou ter tido, em 2018, 4 trabalhadores (que de momento já não mantém) mas, mesmo nessa altura, era comum contratar pessoal numa base diária para determinados serviços sazonais, como as decorações de natal. A Requerente arrolou igualmente como testemunha o senhor G..., que confirmou trabalhar com regularidade com a D..., incluindo em serviços contratados pela Requerente – tendo identificado, em particular, a montagem e desmontagem, em 2018, de decorações de natal nos centros comerciais ..., ... e ... (que correspondem aos descritivos das faturas juntas aos autos, bem como aos restantes depoimentos) – e que confirmou, igualmente, servir de angariador de pessoal ocasional para a D... em função do tipo de trabalho em causa (por exemplo, no caso das decorações de natal, eram necessárias várias pessoas em cada noite).  

 

Ainda a propósito deste tema, refere a Requerida, nos pontos 18.9 e seguintes da Resposta, que a existência de faturas da J... à Requerente por conta das decorações de natal – que, no entender da Requerida, correspondem à venda de plataformas elétricas para montagem e desmontagem das decorações de natal no ..., na ... e no ...– permitem concluir que “houve serviços e bens relativos a estas operações que foram fornecidos por outro fornecedor e portanto a CC não prestou a globalidade dos serviços destas operações como as suas faturas pretendem demonstrar” (ponto 18.13, pág. 7). Analisando as faturas em causa, bem como os depoimentos prestados na inquirição de testemunhas, não resulta que (i) as faturas em causa tutelem vendas de plataformas elétricas à Requerente, nem que estas (ii) permitam concluir como pretende a Requerida.

 

De facto, foi comprovado em sede de prova testemunhal, por vários depoimentos, que a montagem e desmontagem de decorações de natal em superfícies comerciais exigia o aluguer e manuseamento de gruas, as quais eram, para esse efeito, alugadas pela Requerente e a esta faturadas pela J..., e manuseadas essencialmente pelo sócio-gerente da Requerente e/ou pelo seu irmão (que igualmente ajudava neste tipo de trabalhos). De resto, atendendo aos valores em causa faturados pela J... (grosso modo, entre € 680 e € 1000 por fatura), teria sido fácil concluir que não poderia estar em causa a venda de gruas mas, apenas, o seu aluguer temporário; sem prejuízo, a Requerida concluiu que a “fatura n.º 1/202 (que totaliza € 787,20) da J... diz que vendeu à A... 12 plataformas elétricas” (ponto 18.11 da Resposta, pág. 7), e que a fatura 1/8154 da J..., que totaliza € 687,57, está “relacionada com a venda de 3 plataformas elétricas” (ponto 18.12 da Resposta, pág. 7), o que, naturalmente, não é credível.

 

Em suma, não resulta provado que as faturas em causa tutelem a venda de gruas / plataformas elétricas à Requerente e/ou que permitam comprovar que a D... não prestou os serviços alegados.

 

Refira-se, ainda, que os depoimentos prestados nos autos permitem comprovar, nos vários níveis do circuito económico, a realização dos serviços faturados pela Requerente e, por arrasto, também a sua aquisição de serviços à D...: a Carpintaria F... (testemunha E...) atua simultaneamente como cliente e fornecedor da Requerente, a D... (testemunha H...) atua essencialmente como prestador de serviços da Requerente e a testemunha G... atestou a realização, em 2018, desses serviços, por si e por outros trabalhadores angariados para o efeito, atestando, todas as testemunhas, os contornos típicos da informalidade que caracteriza estes ramos de negócio e os contratos deste tipo celebrados. Não parece, no entanto, ser de confundir essa informalidade com a existência, in casu, de um negócio simulado.

 

Atente-se, por último, no facto de a Requerida não fundamentar que tipo de simulação estaria em causa nestes autos – se um negócio totalmente simulado, se um preço simulado para as operações existentes – não obstante serem cenários diferentes e lhe ser exigível essa clarificação.

 

Em suma, entende o Tribunal que a Requerida não fez a prova, que lhe competia para invocação do n.º 3 do art.º 19 do CIVA, da existência de indícios sérios e objetivos, suscetíveis de permitir a conclusão de que as faturas contabilizadas pela Requerente não correspondem a reais operações realizadas pela D... em 2018. Como tal, não assiste razão à Requerida neste ponto, não sendo de acolher o argumento de que a Requerente não pode deduzir o IVA liquidado em 2018 pela D... nas faturas acima identificadas por violação do disposto no n.º 3 do art.º 19 do CIVA.

 

Pelo exposto, as liquidações impugnadas enfermam de erro nos pressupostos de facto e de direito, que constitui vício de violação de lei, o que justifica a sua anulação nos termos do n.º 1 do art.º 163 do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do art.º 2, alínea c), da LGT.

 

  1. Do incumprimento das regras de faturação

 

No que respeita ao vício de lei consubstanciado no incumprimento das regras de faturação, alega a Requerida que as faturas emitidas pela D... à Requerente “não respeitam o exigido pelo nº 5 do artigo 36º do CIVA” (pág. 15 do relatório de inspeção); e em sede de Resposta, afirma-se que “[a]s faturas, em regra, por não conterem uma descrição precisa dos serviços prestados nem das respetivas quantidades, não preenchiam os requisitos que permitem a sua dedutibilidade fiscal conforme determina o n.º 5 do artigo 36º do CIVA (esta factualidade decorre diretamente das faturas que fazem parte do RIT)” (ponto 11.4.1. da Resposta, pág. 3).

 

Por sua vez, a Requerente contesta estas afirmações, referindo, no essencial, que “fica sem se perceber qual o fundamento para que a AT tenha considerado violado o disposto no n.º 5 do artigo 36º do CIVA” (ponto 119 do pedido de pronúncia arbitral), não se alcançando qual o âmbito ou a extensão da alegada violação desta norma, na medida em que “em momento algum o RIT refere as razões pelas quais entende que as faturas X, Y, e Z não estarão conformes com tal preceito legal, muito menos referindo qual ou quais os requisitos formais que em cada caso se devem considerar como não verificados” (pontos 123 e 124 do pedido de pronúncia arbitral). E conclui no sentido de a AT ter omitido tanto a fundamentação de facto, como a de direito (ao não concretizar quais as alíneas da referida norma que teriam sido violadas), e de os termos do RIT nesta parte serem “vagos e absolutamente imprecisos e insuscetíveis de permitirem ao destinatário e interessado – Impugnante – apreciar a concreta extensão do universo de faturas sobre as quais se faz recair tal labelo” (ponto 131 do pedido de pronúncia arbitral).

 

Como resulta dos n.ºs 1 e 2 do art.º 77 da LGT, as decisões da AT devem ser fundamentadas por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, fundamentação essa que pode ser efetuada de forma sumária, mas que terá de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

 

Ora, tal não sucede in casu, em que a fundamentação da Requerida é parca, deficiente e confusa – no capítulo III 2. IVA do RIT, respeitante às correções efetuadas em sede de IVA, apenas se refere:

  • Que as faturas não respeitam o exigido no n.º 5 do art.º 16 do CIVA – sem especificar quais faturas, e que requisitos da referida norma não foram cumpridos (pág. 15);
  • Que se verifica “alguma imprecisão no descritivo das faturas pelo menos no caso das faturas nº 39, 46, 47, 48, 49. 50 e 51” (pág. 16) – ainda que tal argumento esteja, aparentemente, a ser usado nesse parágrafo para fundamentar uma violação da regra de inversão do sujeito passivo nas operações de construção civil (de que nos ocuparemos infra) e não para justificar uma violação do n.º5 do art.º 36 do CIVA.

 

Mesmo em sede de Resposta – em que, como vimos, a Requerida tenta justificar, em maior detalhe, o tipo de infração alegada no RIT, mencionando que as faturas, em regra, não contêm uma descrição precisa dos serviços prestados nem das respetivas quantidades, o que se presume (mas não se refere expressamente) ser uma violação da al. b) do n.º 5 do art.º 36 do CIVA – não se concretiza que faturas não estão conformes, e em que termos, i.e., quais os motivos pelos quais assim se entendeu. Refira-se, a título de exemplo, que a exigência da AT de serem descritas nas faturas as quantidades dos serviços prestados não tem cabimento, porquanto tal elemento apenas é exigível no caso de transmissões de bens.

 

A isso acresce o facto de, mesmo no que respeita às faturas individualizadas no RIT – individualização essa que, como vimos, parece ocorrer para efeitos de desconformidade com a regra de inversão do sujeito passivo e não para efeitos de violação das regras de faturação – não ser claro o percurso cognoscitivo da AT, porquanto as faturas apresentam descritivos que permitem, em geral, identificar o tipo de serviço em causa: por exemplo, a fatura 39 emitida pela D... apresenta o seguinte descritivo dos serviços prestados: Fornecimento e montagem de dez portas lacadas e revestimento em painéis na vossa obra de oeiras, o qual explicita o tipo de serviço realizado – fornecimento e montagem de 10 portas lacadas e revestimento em painéis – e, ainda, confirma que o serviço foi prestado no contexto de uma obra em Oeiras (descritivo esse que, por sua vez, tem uma relação direta com o descritivo da fatura 14, emitida pela Requerente ao seu cliente). Por sua vez, a fatura 51 refere-se ao Fornecimento de e montagem de divisórias e reparação de estantes de armazém, o que também permite identificar o tipo de serviço prestado.

 

Em suma, a inspeção não deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, questão que se situa no âmbito da validade formal do ato. Como tal, é entendimento deste Tribunal que a fundamentação, pela Requerida, da não dedução de IVA por violação do n.º 5 do art.º 36 do CIVA não respeita os critérios legalmente exigíveis – fundamentação expressa, clara, suficiente e congruente – devendo as liquidações controvertidas ser anuladas em conformidade, por vício de violação de lei ao nível da fundamentação legalmente exigida.    

 

 

  1. Da regra de inversão do sujeito passivo nos serviços de construção civil

 

A alínea j) do n.º 1 do art.º 2 do CIVA resulta de uma alteração legislativa promovida pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, o qual, por sua vez, adotou uma faculdade conferida pela Diretiva n.º 2006/69/CE, do Conselho, de 24 de julho, de designar como devedor do imposto o sujeito passivo destinatário de “prestações de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis”[4].

 

Nesse sentido, dispõe a referida alínea j) do n.º 1 do art.º 2 do CIVA que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea a) deste artigo que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada. Como tal, nestes casos, verifica-se a inversão do sujeito passivo do IVA, cabendo ao adquirente a liquidação e entrega do imposto que se mostre devido, sem prejuízo do direito à dedução que lhe assista nos termos gerais. Para que haja inversão do sujeito passivo é, portanto, necessário que, cumulativamente, (i) se esteja na presença de um ato aquisitivo de serviços de construção civil e (ii) o adquirente seja sujeito passivo do IVA em Portugal e aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA.

 

No que respeita ao primeiro critério, i.e., a aquisição de serviços de construção civil, e como se refere na decisão arbitral proferida no processo n.º 745/2020-T, [n]em a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006, nem o CIVA definem o que deve entender-se por «prestação de serviços de construção» ou «serviços de construção civil», esclarecendo, no entanto, que neles se incluem a «reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes e bens imóveis» (Directiva 2006/112/CE) e a «a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis» (CIVA).

Através do ofício-circulado n.º 30101, de 24-05-2007, a Administração Tributária publicitou o seu entendimento sobre o conceito de «serviços de construção civil» baseando-se no Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, considerando «serviços de construção civil todos os que tenham por objecto a realização de uma obra, englobando todo o conjunto de actos que sejam necessários à sua concretização» e definindo como «obra todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo, seja de natureza pública ou privada»”

 

No que respeita à entrega de bens móveis, determina o mencionado ofício-circulado n.º 30101 que:

  • A mera transmissão de bens (sem instalação ou montagem por parte ou por conta de quem os forneceu) não releva para efeitos da regra de inversão;
  • A entrega de bens, com montagem ou instalação na obra, considera-se abrangida pela regra de inversão, desde que se trate de entregas no âmbito de trabalhos contemplados pela Portaria 19/2004, de 10 de janeiro, independentemente de o fornecedor ser, ou não, obrigado a possuir alvará ou título de registo;
  • Excluem-se da regra de inversão os bens que, inequivocamente, tenham a qualidade de bens móveis, isto é, bens que não estejam ligados materialmente ao bem imóvel com caráter de permanência.

 

Conforme referido supra, estão em causa as faturas n.ºs 39, e 46 a 51, emitidas pela D... à Requerente. Tendo esta aceite, neste processo, as correções respeitantes às faturas n.ºs 39 e 50, importa, então, analisar as faturas n.ºs 46 a 49, e 51, o que faremos de seguida.

 

  1. Fatura n.º 46

A fatura-recibo FR 2018/46 foi emitida pela D... à Requerente em 21.09.2018 e apresenta o seguinte descritivo: “Fornecimento e montagem de móveis na vossa obra Sete Rios”.

 

  1. Fatura n.º 47

A fatura-recibo FR 2018/47 foi emitida pela D... à Requerente em 21.09.2018 e apresenta o seguinte descritivo: “Fornecimento e montagem de móveis na vossa obra convento São Pedro de Alcântara”.

 

  1. Fatura n.º 48

A fatura-recibo FR 2018/48 foi emitida pela D... à Requerente em 24.09.2018 e apresenta o seguinte descritivo: “Fornecimento e montagem de Estante em ferro”.

 

  1. Fatura n.º 49

A fatura-recibo FR 2018/49 foi emitida pela D... à Requerente em 24.09.2018 e apresenta o seguinte descritivo: “Fornecimento e montagem de duas estantes em MDF hidrofogo lacadas a branco”.

 

  1. Fatura n.º 51

A fatura-recibo FR 2018/51 foi emitida pela D... à Requerente em 24.09.2018 e apresenta o seguinte descritivo: “Fornecimento de e montagem de divisórias e reparação de estantes de armazém”.

 

Em todos os cenários acima descritos está em causa o fornecimento e montagem de bens móveis em obras, pelo que, de acordo com o ofício-circulado n.º 30101, a regra de inversão do sujeito passivo será aplicável se se tratar de móveis ligados materialmente ao bem imóvel, com caráter de permanência.

 

Alega a Requerente que os fornecimentos em causa dizem respeito a móveis e estantes”, os quais, “não obstante terem sido montados no respetivo local (por uma questão de facilidade de transporte), não foram, nem se encontram materialmente ligados ao bem imóvel onde foram instalados”, não tendo, portanto, perdido a sua natureza de bens móveis (pontos 163 a 165 do pedido de pronúncia arbitral).

 

Ora, não só não resulta da análise diretamente dos descritivos das mencionadas faturas que estejam em causa bens móveis integrados em obra, como a prova testemunha produzida foi no sentido de se confirmar estarem em causa serviços de fornecimento e montagem de bens móveis (por regra, estantes e armários), os quais não foram acoplados às paredes dos imóveis em obra, tendo, portanto, mantido a sua natureza de bens móveis.

 

Refere, ainda, a Requerente que “não tendo a AT coligido qualquer prova ou sequer indício dessa ligação material permanente dos móveis e estantes a qualquer imóvel, estava vedada a possibilidade de efetuar a respetiva correção. É que no RIT nem sequer se invoca a circunstância de tal montagem ter sido efetuada de molde a que os móveis e estantes em questão tivessem ficado com ligação material (física) permanente a qualquer imóvel, muito menos prova alguma tendo sido efetuada nesse sentido” (pontos 167 e 168 do pedido de pronúncia arbitral).

 

E, de facto, não foi apresentada qualquer prova por parte da AT que corroborasse o seu entendimento de que os bens móveis objeto destes serviços de fornecimento e montagem tenham sido instalados nas respetivas obras de forma a ficarem materialmente ligados ao bem imóvel em causa; nem tal possibilidade foi, sequer, mencionada no relatório de inspeção. Refere-se no RIT (pág. 16) que [a]pesar de alguma imprecisão no descritivo das faturas pelo menos no caso das faturas nº 39, 46, 47, 48, 49, 50 e 51, a considerar válidos os serviços nela mencionados, estar-se-ia em presença de operações a que se aplica a chamada regra de inversão do IVA, conforme ofício-circulado nº 30101 de 24/05/2007, da DSIVA, e alínea j) do nº1 do art.º 2º do CIVA”. E, em sede de Resposta, que “como a identificação móveis não descrimina claramente o tipo de móveis, nem a obra, torna-se impossível saber se esses móveis são ou não incorporados a título definitivo e, portanto, amovíveis” (ponto 11.6 da Resposta, pág. 4).

 

Em suma, apesar de o descritivo das faturas não ser totalmente explícito sobre se os bens móveis em causa foram, ou não, ligados materialmente ao imóvel com caráter de permanência, a prova testemunhal foi, no essencial, no sentido de estarmos perante bens móveis que não perderam a sua natureza de móveis – o que, aliás, é típico de estantes e outras divisórias do género. Acresce que a contestação apresentada pela Requerida neste ponto é vaga e imprecisa (conforme se refere acima, é afirmado ser impossível saber se foram, ou não, incorporados a título definitivo) e deficientemente fundamentada, devendo a respetiva dúvida ser valorada a favor da Requerente. 

 

Como tal, também não assiste razão à Requerida neste ponto, não sendo de acolher o entendimento de que à Requerente não assiste direito à dedução do IVA liquidado pela D... nas faturas acima identificadas por violação do disposto no n.º 8 do art.º 19 do CIVA. O que determina a anulação das liquidações controvertidas, por vício de violação de lei (erro nos pressupostos de facto e de direito).

 

 

  1. Liquidações de juros compensatórios

As liquidações de juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, tendo como pressuposto as respetivas liquidações de IVA (conforme dispõe o n.º 8 do art.º 35.º da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afetam estas, justificando-se também a sua anulação nos mesmos termos, e na mesma proporção, que as liquidações de imposto.

 

 

 

  1. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

O art.º 43 n.º 1 da LGT determina que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade das liquidações adicionais controvertidas, por erro nos pressupostos de facto e consequente errónea aplicação do direito, é imputável à AT, por ter promovido uma incorreta aplicação do direito à dedução da Requerente, mormente ao abrigo do art.º 19 do Código do IVA. Como tal, encontram-se verificados os requisitos legais para a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, calculados à taxa legalmente prevista no n.º 4 do referido art.º 43, até à data da respetiva nota de crédito em que são incluídos.

  

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar totalmente procedente, por erro nos pressupostos de facto e de direito, o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA controvertidas, no montante de € 13.644,97 (€ 15.323,74 - € 1.587,00 - € 91,77);
  2. Julgar totalmente procedente, por erro nos pressupostos de facto e de direito, o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de juros compensatórios controvertidas, no montante de € 1.523,04 deduzido do valor respeitante às faturas 39 e 50 da D..., que não foram objeto de contestação pela Requerente;
  3. Anular parcialmente as liquidações de IVA e de juros compensatórios controvertidas, em conformidade com o disposto em i. e ii. supra;
  4. Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

 

  1. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no art.º 97-A, n.º 1, do CPPT e no art.º 3, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 15.168,01.

 

  1. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

 

Notifique-se.

Lisboa, 2 de junho de 2022

 

 

 

 

 

(Raquel Montes Fernandes)

 

 

 

 

 



[1] Conforme se refere no ponto 11.8 da Resposta, a AT concluiu, de acordo com a informação prestada pela entidade bancária em causa, que os cheques foram liquidados por caixa ao seu beneficiário e, sendo assim, não foram depositados na conta da D... (conforme determina o art.º 63-C da LGT), pelo que [e]mbora esta irregularidade não seja imputável à A..., não deixa de ser relevante para o caso porquanto é mais um facto a adicionar às dúvidas da verdadeira atividade exercida pela CC e, naturalmente quando se analisam operações de compras e vendas, como é o caso, em que intervêm duas entidades, a veracidade das mesmas tem que verificar-se em ambos os lados”.

[2] Vide, por todos, o acórdão de 16.10.2019, caso C‑189/18 (Glencore Agriculture Hungary Kft.), n.ºs 33 e seguintes.

[3] Vide acórdão de 27.10.2021 do Tribunal Central Administrativo Sul, proc. 1706/09.4BELRS.

[4] Corresponde ao art.º 199.º, n.º 1, alínea a), 1ª parte, da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006 (“Diretiva IVA”).