Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 769/2021-T
Data da decisão: 2022-05-20  IVA  
Valor do pedido: € 123.061,47
Tema: IVA. Sujeito passivo misto – Direito à dedução – Aquisição de recursos de utilização mista
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Manuel Luís Macaísta Malheiros (Árbitro-presidente), Catarina Belim (Árbitro-vogal) e Rui Miguel Zeferino Ferreira (Árbitro-relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 1 de fevereiro de 2022, acordam no seguinte:

 

I.         Relatório

 

A..., S.A., adiante “Requerente”, titular do número de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.º 1 e 2, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.

 

O Requerente, no âmbito do identificado pedido de pronúncia arbitral, vem requerer a anulação parcial da autoliquidação de IVA, efetuado no ano de 2007, materializada na entrega da declaração periódica de dezembro de 2017, no montante de € 123.061,47 (cento e vinte e três mil e sessenta e um euros e quarenta e sete cêntimos), e, nesse contexto, sustenta a ilegalidade da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2020..., sobre a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, no montante de € 123.061,47 (cento e vinte e três mil e sessenta e um euros e quarenta e sete cêntimos).

 

A Requerente começa por sustentar a competência do presente tribunal arbitral, com fundamento no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT, para apreciar pretensões de ilegalidade de autoliquidação de tributos (in casu IVA), que entende viciado de ilegalidade, por erro relativamente aos pressupostos de facto e de direito, extensível às decisões de indeferimento de Reclamação Graciosa e do posterior recurso hierárquico. Em suma, delimita o objeto do seu pedido à declaração de ilegalidade do ato tributário de autoliquidação de IVA, referente ao ano de 2017, constante da declaração periódica deste imposto do mês de dezembro de 2017.

 

Ademais, sustenta que os atos de indeferimento das pretensões do sujeito passivo, atos de segundo grau (Reclamação Graciosa) e de terceiro grau (Recurso Hierárquico), podem ser apreciados pela instância arbitral, na condição de ela própria ter apreciado a legalidade de um ato de liquidação de imposto (ato de primeiro grau). Assim, sustenta que o CAAD é competente para a apreciação de pretensões atinentes à legalidade de atos de autoliquidação de tributos, que tenham sido precedidas da apresentação de reclamação graciosa. Pelo que, conclui, pela competência do tribunal arbitral para a apreciação do ato de autoliquidação em apreciação nos presentes autos.

 

Posto isto, a Requerente sustenta a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, tendo em consideração que o despacho de indeferimento do recurso hierárquico foi proferido no dia 11 de agosto de 2021, e notificado à Requerente no dia 26 de agosto de 2021.

 

Em causa está o pedido de pronúncia sobre a legalidade da autoliquidação de IVA, relativa ao ano de 2017, materializada na entrega das declarações periódicas de imposto referente aos meses de janeiro a dezembro de 2017, em que a Requerente deduziu o imposto incorrido na aquisição de recursos de utilização mista, de acordo com o coeficiente de imputação específico definido pela Requerida no Ofício-Circulado n.º 30108, de 3 de janeiro de 2009. Nesse âmbito peticiona a correção da dedução do imposto incorrido na aquisição de recursos de utilização mista afetos à atividade de gestão de carteira própria de títulos, por erro relativamente ao regime jurídico aplicável à dedução do imposto incorrido na aquisição de tais recursos.

 

Para tanto, alega que a dedução do imposto por si incorrido nos termos do referido coeficiente de imputação específico definido pela Requerida na mencionada instrução administrativa, não está de acordo com o princípio da neutralidade, por entender que o mesmo não permite determinar, com rigor, o grau de recursos de utilização mista empreendidos em cada uma das atividades referidas. Pelo que sustenta que deveria ter deduzido o respetivo IVA de acordo com o método da afetação real, de onde resultaria uma dedução adicional de imposto no montante de € 123.061,47 (cento e vinte e três euros e sessenta e um euros e quarenta e sete cêntimos).

 

            Pelo que  requer a Requerente a restituição do valor do IVA pago em excesso da declaração periódica de IVA, respeitante ao período de dezembro de 2017, no referenciado montante global de € 123.061,47 (cento e vinte e três euros e sessenta e um euros e quarenta e sete cêntimos), bem como, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, por entender estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), desde a data da entrega da declaração periódica de IVA, referente a dezembro de 2017 até à efetiva restituição do imposto que alega ter sido pago em excesso.

 

É demandada a AT, doravante também designada por “Requerida”.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 23 de novembro de 2021, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 25 de novembro de 2021 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1 e 3, al. a), do artigo 6.º, n.º 2, al. a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

 

Em 13 de janeiro de 2022, as Partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 1 de fevereiro de 2022.

 

Em 10 de março de 2022, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por exceção e por impugnação, pugnando pela absolvição da instância e, subsidiariamente, pela improcedência total do pedido. Na mesma data, o Tribunal Arbitral coletivo dispensou a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, concedendo à Requerente o prazo de 10 dias, para querendo, responder à matéria de exceção.

 

Em 17 de março de 2022, a Requerente apresentou resposta à matéria de exceção, pugnando pela procedência do pedido de pronuncia arbitral, defendendo o entendimento que a jurisdição arbitral é competente para a apreciação da ilegalidade da decisão de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico e, a consequente anulação do ato de autoliquidação do IVA, com as respetivas consequências legais.

 

Em 31 de março de 2022, a Requerida juntou o procedimento administrativo, após despacho arbitral para o efeito, de 18 de março de 2022. Seguidamente, em 21 de março de 2022, a Requerente procedeu ao pagamento da taxa de justiça subsequente, tendo procedido à sua junção aos presentes autos em 22 de março de 2022.

 

Em 4 de abril de 2022, a Requerente apresentou alegações, após despacho arbitral de 24 de março de 2022, onde reitera o conteúdo do pedido de pronúncia arbitral. No prazo concedido, de 10 dias, computados a suspensão decorrente das férias judiciais, a Requerida não apresentou alegações.

 

II. Do Saneamento do processo

 

O Tribunal Arbitral Coletivo encontra-se regularmente constituído nos termos dos artigos 5.º e 6.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

A Requerida, na sua resposta, veio invocar a exceção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, consubstanciada numa exceção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral, a qual no seu entendimento prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

Da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria

 

A Requerida vem sustentar a existência de uma exceção dilatória de incompetência em razão da matéria, alegando, desde logo, que seja falso que no procedimento administrativo-tributário se tenha debruçado sobre a legalidade da autoliquidação em causa. Assim, para a Requerida a Requerente confundirá aquilo que são os pressupostos de admissibilidade de alterar a metodologia utilizada para determinar a proporção do direito à dedução em sede de IVA, com a própria discussão dos vícios de que putativamente a autoliquidação enferma.

 

Logo, sustenta a inexistência de discussão na reclamação graciosa e no recurso hierárquico sobre os pretensos vícios do ato tributário. Para a Requerida o que se discute é coisa distinta, que são os pressupostos temporais acerca da oportunidade do pedido efetuado pela Requerente, da revisão da metodologia a aplicar para achar a proporção do direito à dedução de IVA. Por isso, a Requerida vem defender que discutir a natureza do erro cometido pela própria Requerente no ato voluntário de autoliquidação e, seguidamente, discutir qual o prazo correto para corrigir, perante a Administração, o aludido erro, é substancialmente distinto de discutir a própria autoliquidação. Pelo que, entende que não foi apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação, porquanto a mesma ficou prejudicada na medida em que faltava um pressuposto procedimental necessário à sua efetiva apreciação.

 

Por isso, refere que não se pronunciou sobre o mérito da questão, pelo que defende que se trata de um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT. Assim, conclui, que a sindicância do ato em questão está fora do âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral, conforme resulta do artigo 2.º do RJAT.

 

Por seu turno, a Requerente na Resposta refere que a Requerida veio julgar improcedentes os argumentos apresentados na Reclamação Graciosa, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos legalmente previstos para o efeito, mais concretamente os requisitos da tempestividade e da adequação do meio.

 

Sustenta ainda que, face à informação constante das decisões da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico, a Requerida entendeu ser de julgar improcedente os argumentos apresentados com referência ao ato tributário de autoliquidação do IVA, por não ter existido qualquer erro na autoliquidação de IVA.

 

Em suma, entende que da forma como a Requerida decidiu, ou seja, ao defender o entendimento de não ser possível reconhecer a existência de qualquer erro de direito nos atos tributários em causa, acabou por apreciar a legalidade subjacente ao ato de liquidação em discussão nos presentes autos.

 

Vejamos, a quem assiste razão.

Na decisão do recurso hierárquico a Requerida refere antes da decisão de indeferimento o seguinte:

 

“Face ao exposto, conclui-se pela inexistência de um «erro na autoliquidação» relativo ao ano 2017, e confirma-se que a reclamação graciosa não é o meio próprio para a satisfação da Informação pretensão da Recorrente, uma vez que a alteração retroativa do método de dedução, nos moldes e nas circunstâncias descritas na situação vertente, não tem base legal, interpretação que se encontra validada pela mais recente jurisprudência europeia.”

 

A Requerida, na sua Resposta, suscita a questão da incompetência material do Tribunal Arbitral por entender que o «pedido (imediato) formulado pela Requerente dirige-se à condenação da Administração Tributária ao reconhecimento do direito à liquidação do IVA que alegadamente liquidou e pagou em excesso». Ora, prossegue a Requerida, atento o disposto no artigo 2.º do RJAT, no leque de competências dos tribunais arbitrais não está contemplada a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária.

 

O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo, por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

 

Importa, então, começar por atentar no pedido formulado pela Requerente:

 

«Termos em que, à face dos fundamentos expostos, se requer a Vossas Excelências a procedência do presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

  1. Anular parcialmente a autoliquidação de IVA efetuada pela Requerente no ano 2017, materializada na entrega da declaração periódica de dezembro daquele ano;
  2. Determinar a restituição à Requerente do valor do IVA pago em excesso na supra referida declaração periódica de imposto, no montante global de € 123.061,47
  3. Pagar à Requerente juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT, em particular do seu n.º 2, contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA, referente a Dezembro de 2017 até à restituição do imposto pago em excesso.
  4. Todas as demais consequências legais»

 

Afigura-se-nos que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido, que o que a Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação parcial do ato de autoliquidação de IVA de dezembro de 2017, por via da declaração de ilegalidade e anulação do ato que indeferiu o Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa oportuna e previamente apresentada.

 

Nessa medida, o pedido formulado pela Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de «declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

Como bem se afirma na decisão proferida no processo n.º 117/2013-T do CAAD: «…a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

 

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.»

 

A pretensão de receber o montante de imposto que tenha sido liquidado de forma ilegal é, pois, uma consequência da eventual declaração de ilegalidade, no âmbito do dever de «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado», estatuído na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, pelo que tal pretensão não contende com a competência dos tribunais arbitrais tributários que funcionam no CAAD, tanto mais que pressupõe a prévia declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação.

 

Acresce, que a forma como a Requerida decidiu não permite afastar o entendimento de que se tenha efetivamente pronunciado sobre a legalidade do ato tributário, ao invés daquilo que sustenta, de que apenas apreciou os pressupostos.  Ora, quando refere que existe inexistência de um «erro na autoliquidação» relativo ao ano 2017, (...), uma vez que a alteração retroativa do método de dedução, nos moldes e nas circunstâncias descritas na situação vertente, não tem base legal, interpretação que se encontra validada pela mais recente jurisprudência europeia.”, não se limita a decidir com base na não verificação dos pressupostos referenciados.

 

Nestes termos, é julgada improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o presente processo.

 

  1. Da fundamentação
  1. Matéria de facto

A.1.  Factos Provados

 

Com relevo para a decisão do processo arbitral, importa atender à seguinte factualidade, que se julga provada:

 

  1. A Requerente é uma instituição de crédito, cujo objeto social consiste na realização das operações do artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro;
  2. A Requerente está coletada com os Códigos de Atividade Económica (CAE), a título principal, de “Outra Intermediação Monetária” (CAE 64190).
  3. A Requerente está integrada no grupo dos contribuintes de elevada relevância económica e fiscal, nos termos previstos no artigo 68.º-B da LGT, cujo acompanhamento permanente e gestão tributária compete à Unidade dos Grandes Contribuintes.
  4. A Requerente efetua operações financeiras abrangidas por isenção de IVA;
  5. As operações financeiras referidas em D) estão abrangidas pelo artigo 9.º, n.º 27 do Código de IVA, as quais não conferem direito à dedução do identificado imposto, designadamente as operações de financiamento/concessão de crédito e das operações relativas a pagamentos.
  6. Para efeitos de IVA, a Requerente é um sujeito passivo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA.
  7. A Requerente efetua operações que conferem o direito à dedução deste imposto, designadamente, as operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres e custódia de títulos;
  8. A Requerente caracteriza-se por ser um sujeito passivo “misto” (realiza operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem esse direito) procedendo ao apuramento do IVA de cada período com recurso ao disposto no artigo 23.º do Código do IVA.
  9. A Requerente em algumas das operações referidas em G) aplicou, para efeito de dedução, o método da imputação direta;
  10. O método da imputação direta foi aplicado, em particular, no âmbito da aquisição de bens objeto de contrato de locação financeira.
  11. A Requerente nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem direito à dedução não deduziu qualquer montante de IVA;
  12. A Requerente adquire bens e/ou serviços que são afetos a operações que conferem direito à dedução, mas, também, a operações que não conferem direito à dedução.
  13. A Requerente nas operações em que existe uma conexão direta, mas não exclusiva, aplicou o método de afetação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 doa artigo 23.º do Código do IVA.
  14. A Requerente, para determinar a quantidade de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afetos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas, aplicou o coeficiente de imputação específico imposto pela Requerida no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009.
  15. A Requerente, em 2017, determinou um critério de dedução de imposto de 3%.
  16. Em 9 de fevereiro de 2017, a Requerente apresentou Declaração periódica de IVA, via internet, referente ao período 2017/12, identificada sob o número ..., de que resultou imposto a entregar ao Estado no montante de € 731.124,62;
  17. A Requerente reviu os seus próprios procedimentos de imputação, em que apurou uma percentagem de dedução definitiva para o ano de 2017 de 4%, a qual pretendeu ver aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano, que se materializa no acréscimo no valor de € 123.061,47 de IVA dedutível.
  18. A Requerente apurou a dedução de IVA incorrido em recursos de utilização mista na atividade de gestão de carteira de títulos própria, através da aplicação do coeficiente de imputação específico mencionado no Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009.
  19. Posteriormente, a Requerente pretendeu proceder à alteração do método de dedução do imposto incorrido no ano 2017 no âmbito da atividade de gestão da carteira própria de títulos, por considerar que a utilização do coeficiente de imputação específico para a determinação da capacidade de dedução do IVA incorrido não se afigurava adequada, por objetivamente não permitir demonstrar a real utilização dos referidos recursos em cada uma das tipologias de operações desenvolvidas pela Requerente.
  20. A Requerente procedeu à determinação de um critério de dedução do IVA incorrido nos recursos, quer exclusivos, quer partilhados, adquiridos pela atividade de gestão da carteira própria de títulos e à revisão do cálculo do coeficiente de imputação específico do ano de 2017, tendo apurado um valor de IVA não dedutível de € 34.429,98, e desconsiderou, no cálculo do coeficiente de imputação específico, os proveitos referentes a esta área.
  21. Da alteração do método de dedução do imposto, incorrido no ano 2017, no âmbito da atividade de gestão da carteira própria de títulos resulta uma dedução adicional no montante de € 123.061,47, conforme quadro apresentado infra:

  1. Para tanto utilizou no respetivo cálculo do critério de afetação real, o resultante do quadro infra.

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  1. Em 10 de fevereiro de 2020, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, onde peticionou a validação da adoção do método de afetação real, com vista à dedução do imposto incorrido na área da gestão da carteira própria de títulos, de acordo com critérios específicos de afetação real e, consequentemente, a desconsideração do coeficiente de imputação específico dos rendimentos relativos à referida área de negócio.
  2. Por ofício datado de 15 de julho de 2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou a Requerente do despacho de rejeição liminar da Reclamação Graciosa, onde consta, entre o demais:

 

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  1. A Requerente apresentou Recurso Hierárquico.
  2. Por ofício datado de 11 de agosto de 2021, a Autoridade Tributária e Aduaneira, notificou a Requerente do despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico, onde consta, entre o demais, refere:

(...)

 

A.2.  Factos não Provados

 

Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

A.3.  Fundamentação da fixação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes, mormente processo administrativo.

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

  1. DO DIREITO

B.1. DAS QUESTÕES A DECIDIR

 

Resolvida a questão referente à exceção de incompetência do tribunal arbitral, a questão decidenda nos presentes autos, resulta da pretensão da Requerente na alteração do método de dedução na atividade de gestão da carteira própria de títulos através da utilização pela Requerente do método da afetação real.

 

       B.2. DA ALTERAÇÃO RETROATIVA DA METODILOGIA DE DEDUÇÃO DO IVA DA AQUISIÇÃO DE RCURSOS MISTOS

 

Nos presentes autos cabe analisar a alteração, por parte da Requerente, do método de dedução na atividade de gestão da carteira própria de títulos.

 

A Requerente afirma que, no ano de 2017, procedeu à dedução de imposto incorrido de acordo com o disposto no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009. Assim, a Requerente adotou o coeficiente de imputação específico como método de dedução do imposto incorrido nos recursos de utilização mista, o que se traduziu na aplicação dum coeficiente de imputação específico de 3%.

 

No entanto, a Requerente considerou que esse método não se afigurava adequado para o apuramento da percentagem de dedução do IVA incorrido nos recursos que são utilizados pela atividade de gestão da carteira própria de títulos, dado que o mesmo não permite demonstrar a real utilização dos referidos recursos em cada uma das tipologias de operações desenvolvidas.

 

Essa atividade limita-se a consumir um conjunto muito limitado e bem definido de recursos ao nível dos serviços centrais, o que torna justificável a adoção do método da afetação real para os recursos afetos a essa área e, consequentemente, implica a revisão do cálculo do coeficiente de imputação específico.

 

Assim, a base tributável relativa à gestão da carteira própria de títulos deve ser desconsiderada do cálculo do coeficiente de imputação específico que havia apurado (3%), tendo a Requerente pretendido efetuar uma revisão do respetivo cálculo, que resultou numa percentagem de 4%.

 

Em consequência, a Requerente pretende recuperar adicionalmente o montante de imposto não deduzido ao longo do ano de 2017, e considera que tem o direito a regularizar o imposto em causa no prazo geral e supletivo de 4 anos, previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, porque devido a erro de direito não procedeu ab initio à dedução do montante de IVA exigido pelo princípio da neutralidade.

 

Conforme ficou provado nos presentes autos, a Requerida entende que o procedimento adotado pela Requerente, relativamente à aplicação do método de afetação real integral na atividade de gestão da carteira própria de títulos, não fere o quadro jurídico em vigor, assente no disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA e no Oficio-Circulado n.º 30108. Nestes termos, a Requerida considera legalmente admissível que a Requerente tenha encontrado um critério objetivo para efeitos de dedução do IVA afeto à atividade de gestão da carteira própria de títulos. Sucede, porém, que para a Requerida verifica-se a inexistência de um erro na autoliquidação e, em consequência, a regularização do imposto decorrente da alteração retroativa do método de dedução só poder ser realizada nos termos do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, ou seja, até à declaração do último período de tributação do ano a que respeita.

 

Ora, tendo já sido ultrapassado esse prazo, a Requerida considera que deve improceder a regularização do correspondente imposto pretendida pelo Requerente.

 

Vejamos quem tem razão.

 

Cumpre referir, que a Requerente e a Requerida, pelo posicionamento constante dos autos e do procedimento administrativo, estão de acordo, que o procedimento, pretendido pela Requerente de aplicação do método de afetação real na atividade de gestão da carteira própria de títulos não suscita problemas de legalidade.

 

A concreta questão que se coloca agora nos autos prende-se com a posição da Requerida no sentido de que não está em causa um erro da Requerente, mas antes uma opção de alteração retroativa dos critérios de dedução relativos a bens de utilização mista. Daí resulta, segundo a Requerida, a improcedência da pretensão de regularização do correspondente imposto, que só pode ser realizada exclusivamente através do mecanismo previsto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, ou seja, na última declaração do período a que respeita.

 

Em face da questão, torna-se necessário começar por analisar a tipologia de erros em que pode incorrer o sujeito passivo.

 

Os erros materiais, de acordo com Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias, são:

 “(…) os erros a que se refere o número 6 do artigo 78.º do Código do IVA se reconduzem às situações em que o sujeito passivo se equivoca na materialização do ato de dedução ou liquidação, nomeadamente, por lapso na transcrição de valores ou por razões aritméticas, i.e., em ambas as situações erros menores e evidentes".

 

Deste modo,

"estarão abrangidos por estes conceitos de erro (tipicamente) as situações em que o sujeito passivo se engana a efetuar uma operação aritmética, nomeadamente, quando pretende apurar o imposto dedutível contido numa fatura (com IVA incluído) de serviços de um fornecedor (erro de cálculo), ou, ainda que efetuando corretamente o cálculo, comete lapso na inscrição do montante do imposto a deduzir na declaração periódica (erro material)” – Cf., “Afinal qual o prazo para deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In)segurança Jurídica”, in Cadernos IVA 2014, Sérgio Vasques (coord.), Coimbra, Almedina, 2014, p. 44 e ss.

 

Sobre o erro material o acórdão arbitral proferido no processo n.º 153/2018-T, do CAAD, afirma:

“(…) o erro material ou de cálculo é rectificável nos termos do art.º 78.º/6 do CIVA aplicável, que dispõe que: “A correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.”.

 

A propósito da contagem deste prazo de 2 anos, a AT considerou já, no Ofício-Circulado n.º 30.082, de 17 de Novembro de 2005, que:

 “A regularização deste tipo de erros é facultativa se for a favor do sujeito passivo e só pode ser efectuada no prazo de dois anos [...]. Para os erros verificados no preenchimento das declarações periódicas, a contagem do novo prazo far-se-á a partir da data da sua apresentação ou da data em que o prazo legal de apresentação termine, nos casos em que este não tenha sido observado” (sublinhado nosso), entendimento do qual não se vê fundamento para divergir.

 

O artigo 95.º-A, n.º 2, do CPPT contém um conceito de “erros materiais ou manifestos” indicando que nele se integram, “designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso”.

 

A AT, através do Ofício-Circulado n.º 30082, de 17-11-2005, da Direção de Serviços do IVA, procedeu à definição do que entende por erros materiais ou de cálculo, considerando que são:

 “aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer interferência na esfera de terceiros. Normalmente consistem em erros na transcrição das faturas para os registos ou dos registos para a declaração periódica, não compreendendo” as seguintes situações: “alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos; apuramento de pro rata e regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens do ativo imobilizado ou relativas à afetação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam.”

 

O legislador, através de diversas normas, associa o erro de cálculo, designadamente erros aritméticos nas operações de cálculo do montante a deduzir, ao erro material.

 

Já o erro de direito verifica-se nas “situações em que, não obstante a correta representação da realidade factual, o sujeito passivo se equivoca na determinação da norma aplicável”, ou seja, em que existe um erro de enquadramento legal, por o sujeito passivo ter feito uma incorreta interpretação da situação fática ou uma errada aplicação do direito e, consequentemente, líquida ou deduz imposto a mais ou a menos.

 

No âmbito, da questão em discussão, torna-se útil mencionar o conteúdo das seguintes normas do Código do IVA.

 

O artigo 23.º, tem por epígrafe “Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista”, no n.º 6, dispõe o seguinte:

A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.” (sublinhado nosso).

 

O artigo 98.º, n.º 2, com a epígrafe “Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução”, tem o seguinte teor:

Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente.” (sublinhado nosso)

 

De acordo com o artigo 22.º, n.º 2, do Código do IVA, a regra é a de que, ressalvadas as exceções especialmente previstas na lei, a dedução do IVA tem de ser feita na declaração periódica correspondente ao período em que o IVA a deduzir foi suportado, e não, livremente, em qualquer outra declaração periódica subsequente, já que tal é a forma de assegurar que o IVA é deduzido no mesmo período em que é suportado.

 

O caso previsto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA integra uma dessas exceções e permite aos sujeitos passivos, na declaração periódica do último período do ano a que respeitem, corrigir a sua dedução provisória, em função dos valores apurados no final do ano.

 

Coisa distinta – e não incompatível – com tal norma é o prazo do exercício do direito à dedução, que corresponde ao período de tempo durante o qual é permitido ao sujeito passivo fazer valer o direito à dedução que lhe caiba, em determinado período. Assim, o n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA estabelece um limite máximo de quatro anos quanto ao exercício daquele direito.

 

Não existindo qualquer limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável o regime geral sobre esta matéria que consta do artigo 98.º, n.º 2, do Código do IVA que, fixa um limite máximo de quatro anos.

 

Atualmente, afigura-se pacífico na jurisprudência fiscal que o prazo para o exercício do direito à regularização do IVA, em situações em que os sujeitos passivos hajam incorrido em erro no regime do direito aplicável à dedução do imposto incorrido na aquisição de recursos utilizados no âmbito da sua atividade, é o prazo geral e supletivo de 4 anos, estabelecido no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA.

 

A este respeito o Acórdão do STA, de 28-06-2017, proferido no processo n.º 01427/14 é muito claro ao afirmar:

“O artigo 23.º do CIVA estabelece os «métodos de dedução relativa a bens de utilização mista», quando o sujeito passivo de IVA efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito a dedução. De acordo com o método de afetação real o sujeito passivo efetua a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados (artigo 23.º n.º 1 al. a) e nº 2). De acordo com o método de percentagem de dedução (pro rata) o sujeito passivo efetua a dedução na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução (artigo 23.º n.º al. b) e n.º 2). Nos termos do n.º 4, do referido artigo 23.º, a percentagem de dedução resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução e no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica. A especificidade do método de percentagem de dedução, prevista no n.º 1 alínea b), resulta do facto de o direito à dedução ser proporcional ao valor das operações tributáveis e isentas com direito à dedução sobre o total do volume de negócios. A aplicação dos métodos de dedução relativos a bens de utilização mista é juridicamente complexa pelo que o erro decorrente da aplicação deste regime jurídico não constituí nem erro material nem erro de cálculo.”

 

Sobre esta questão, o Tribunal subscreve a posição expressa no acórdão arbitral proferido no processo n.º 646/2018-T, do CAAD, ao afirmar:

(…) o Requerente não pretende alterar, retroactivamente, as opções que tomou relativamente aos métodos de apuramento do montante a deduzir correspondente à utilização de recursos mistos. O que está em causa, isso sim, é a verificação da correcta aplicação do método escolhido, ou seja, se daquele, aplicado nos termos legais, resulta o montante apurado em determinada (auto)liquidação, ou outro. Ressalvado o respeito devido, não será de ter por aceitável o entendimento de que, uma vez que o sujeito passivo pode optar por deduzir menos imposto do que aquele que resulta da aplicação dos critérios legais, sempre que tal ocorrer inexiste erro. Efectivamente, fosse assim, e nunca, em situação alguma, haveria erro em qualquer liquidação por ter sido deduzido imposto em montante inferior ao devido, já que o raciocínio em questão seria sempre válido em relação a qualquer tipo de dedução, dado que o sujeito passivo pode sempre optar por deduzir menos imposto do que aquele que, legalmente, lhe for possível, sem que daí advenham quaisquer consequências. Daí que, naturalmente, não seja de reconhecer, nesta matéria, razão à AT, considerando como o TCA-Sul, no seu acórdão 28-09-2017, proferido no processo 263/16.0BELLE, que: “1) Vigora no ordenamento jurídico português o dever de a Administração proceder à revisão dos actos tributários, no prazo de quatro anos a contar da data da exigibilidade do imposto, sempre que detecte uma situação de cobrança ilegal de tributos, seja por excesso, seja por defeito. 2) Existe erro de direito, fundamento do pedido de revisão do acto tributário, se na autoliquidação do imposto foi deduzido menos imposto do que o devido, por incorrecta aplicação do pro rata. Assim, estando em causa erros de direito, e não uma alteração retroativa dos critérios de dedução relativos aos bens e serviços de utilização mista, nenhum obstáculo se verifica à aferição e correcção de tais erros.”

 

No caso sub judice é convicção deste Tribunal que a opção da Requerente relativamente ao método de dedução na atividade de gestão da carteira própria de títulos expressa na autoliquidação constituiu um erro de direito. Assim, a Requerente tem o direito a regularizar o imposto em causa no prazo de 4 anos estabelecido no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA. Pelo exposto, o pedido arbitral é procedente neste ponto.

 

 

 

       B.3. DA RESTITUIÇÃO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

A Requerente solicita também a restituição do valor do IVA pago em excesso no ano de 2017, no montante de € 123.061,47 (cento e vinte e três mil e sessenta e um euros e quarenta e sete cêntimos) e, bem assim, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios. O erro da autoliquidação é imputável à Requerida, pois foram seguidas pela Requerente – ainda que de modo contrariado – as orientações da Autoridade Tributária e Aduaneira constantes do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009.

 

Efetivamente, os pedidos à restituição do imposto indevidamente pago e de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios são meros pedidos acessórios do pedido principal anulatório, sendo uma consequência automática, ope legis, da procedência do pedido anulatório.

 

Como tem sido reconhecido pela jurisprudência, “o direito aos juros indemnizatórios, desde que verificados os respectivos pressupostos, deve ser reconhecido pela AT ao sujeito passivo, independentemente do pedido por ele formulado nesse sentido (cfr. art. 100.º da LGT e art. 61.º, n.º 2, do CPPT).”

 

A Requerida não questiona a quantificação efetuada pelo Requerente do montante do IVA alegadamente pago em excesso. Nestes termos, a Requerente tem direito à restituição das quantias indevidamente pagas acrescidas de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, desde as datas dos pagamentos indevidos até ser reembolsada.

 

Todavia, não constam dos autos comprovativos do pagamento das quantias autoliquidadas (vd., A.2. supra), e, em consequência, não há fundamento factual para se decidir neste processo se há ou não direito ao reembolso das quantias pagas e a juros indemnizatórios.

 

Por isso, têm de ser julgados improcedentes os pedidos de restituição das quantias pagas e de juros indemnizatórios formulados no presente processo arbitral, sem prejuízo de, se necessário, em sede de execução de julgado, caso se provem os respetivos pressupostos, serem reconhecidos esses mesmos direitos.

 

 

  1. Decisão

 

Termos em que este Tribunal Arbitral coletivo acorda:

 

  1. Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material.

 

  1. Julgar procedente o pedido de anulação parcial da autoliquidação de IVA, referente ao ano de 2017, materializada na declaração periódica de imposto, referente ao mês de Dezembro daquele ano;

 

  1. Julgar improcedentes os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios, sem prejuízo de poderem vir a ser reconhecidos em execução do presente acórdão;

 

  1. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do processo.

 

 

  1. Valor do processo

 

            Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 123.061,47 (cento e vinte e três mil e sessenta e um euros e quarenta e sete cêntimos).

 

 

  1. Custas

 

Entende este Tribunal Arbitral coletivo que o valor a considerar para efeitos de determinação das custas no presente Pedido de Pronúncia Arbitral é o valor que motivou a constituição deste Tribunal Arbitral Singular, i.e., o valor de € 123.061,47 (cento e vinte e três mil e sessenta e um euros e quarenta e sete cêntimos), correspondente ao valor do IVA liquidado em excesso, impugnado pela Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifiquem-se as Partes.

 

Lisboa, 20 de maio de 2022

O Arbitro-Presidente,

 

 

 

Manuel Luís Macaísta Malheiros

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

Catarina Belim

 

 

O Árbitro Vogal (Relator)

 

 

 

Rui Miguel Zeferino Ferreira