Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 542/2021-T
Data da decisão: 2022-05-13  IRS  
Valor do pedido: € 7.056,50
Tema: IRS – Reinvestimento do valor de realização do imóvel.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1. Relatório

 

A... e B..., contribuintes fiscais números ... e ..., respetivamente, residentes na Rua ..., ..., ..., ...-... BRAGA, apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 3.º, alínea a) do n.º1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º10/2011, de 20 de Janeiro - Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), visando a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020... que tinha como objeto a demonstração de liquidação de IRS n.º 2020..., relativa ao período de tributação de 2016, com o valor a pagar de € 7.056,50.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 16-02-2021, os Requerentes alegam, em síntese, que o ato tributário que constitui o objeto do presente processo se encontra ferido de ilegalidade, porquanto, não foi considero o valor de realização reinvestindo no âmbito da tributação da mais-valia resultante da alineação da habitação própria permanente, nos seguintes termos:

           

2.1 A título prévio, os Requerentes demonstram e fundamentam a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

2.3 Quanto ao pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes alinearam, em 2016, o imóvel de habitação própria permanente sito na Rua..., n.º..., ..., ..., Braga, pelo valor de € 80.000,00.

2.4 Na declaração modelo 3, declararam a mais-valia e a intenção de reinvestir todo o valor de realização do imóvel em obras de remodelação ou melhoramento de um imóvel que já possuíam situado na Rua ..., n.º ..., Braga, que corresponde ao artigo urbano... das freguesias de ..., ... e ... .

2.5 A declaração de reinvestimento foi declarada no campo 5006 do quadro 5ª do Anexo G da declaração modelo 3 de 2016.

2.6 Em 20-10-2020, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2020... do ano de 2016, com valor a pagar de € 7,056,50, sem tivesse tido em consideração a intenção de reinvestimento do valor de realização.

2.7 Não concordando com esta liquidação, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa;

2.8 Em 22-01-2021, foram os Requerentes do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

2.9 No exercício de audição prévia ao projeto de decisão de indeferimento, os Requerentes juntaram 2 faturas, no valor respetivamente de € 7,954,16 e € 84,8000,00, bem como declaração de substituição entretanto apresentada da qual consta no quadro 5-A do anexo G o reinvestimento de € 80,000,00.

2.10 Segundo os Requerentes, os elementos apresentados foram totalmente desconsiderados na decisão final da reclamação graciosa.

2.11 Em 18-02-2021, os Requerentes foram notificados pela AT para comprovarem o valor de reinvestimento de € 80,000,00.

2.12 Para prova, os Requerentes apresentaram as faturas FA 2018/35, de € 7.954,16 e a fatura FA2018/36, de € 84.800,00, com a indicação de “reabilitação de moradia familiar, situada na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., em Braga”, bem como os recibos n.ºs: 64/2018, de 21-05-2018, no valor de € 28.303,74; 110/2018, de 02-08-2018, no valor de €31.876,84; 142/2018, de 19-09-2018, no valor de 9.815,70; 145/2018, de 25-09-2018, no valor de € 23.162,79; e 170/2018, de 19-10-2018, no valor de € 11.488,18.

2.13 Em 31-03-2021, os Requerentes receberam a notificação da AT que conclui não terem sido comprovados os elementos declarados e que a declaração do IRS de 2018 seria corrigida, omitindo o facto de terem sido juntos 5 documentos adicionais.

2.14 Quanto à falta comunicação à matriz invocada na resposta da AT e prevista no artigo 10.º, n.º 6, al. b) do CIRS, os Requerente alegam que só pode ser feita após a emissão de licença de habitabilidade a emitir pela Câmara Municipal, facto alheio aos Requerentes.

2.15 Seria manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade e igualdade, impedir o benefício previsto na lei pelo facto de a Câmara Municipal ainda não ter emitido a licença respetiva, em resultado de a obra ter demorado mais do que dois anos.

2.16 Além disso, grande parte das alterações incluídas na empreitada não implicariam uma necessidade de alteração à matriz e consequente aumento do valor patrimonial tributário.

2.17 Atentos ao disposto na al. b) do n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS, alegam os Requerentes que as comunicações obrigatórias à matriz são aquelas relativas a obrigas que possam determinar variação no VPT, o que não aconteceu, pelo que não haveria a obrigatoriedade de comunicação das alterações à matriz.

2.18 Além disso, as duas disposições devem ser interpretadas em conjunto (artigo 10.º, n.º 6, al. b) do CIRS e artigo 13.º do Código do IMI), o que impõe ao chefe do serviço de finanças que proceda oficiosamente à inscrição na matriz, conforme jurisprudência citada do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão de 15-12-2010, do processo n.º 4319/10 e Decisão Arbitral do CAAD, relativa ao proc. nº 147/2013-T.

2.19 Entendem, por isso, que o comportamento omissivo da AT permite concluir que, na prática, a AT desconsiderou as obras realizadas como sendo hábeis a produzir uma alteração de VPT, pelo menos para um valor superior ao atual.

2.20 Devem, por isso, as liquidações objeto do presente pedido de pronúncia arbitral ser anuladas, por vício de violação de lei.

2.21 Acrescentam ainda que as correções efetuadas pela AT no IRS de 2016 e de 2018 incorrem em falta de fundamentação.

2.22 Com efeito, nas respostas foi-lhes comunicado que “não foram comprovados os elementos declarados”, ignorando os documentos juntos nos direitos de audição, nomeadamente as faturas e recibos juntos.

2.23 Há, por isso, um vício de fundamentação – artigos 99.º, al. c) do CPPT e 70.º, n.º 1, ambos do CPPT -, o que leva a uma ilegalidade do ato de liquidação, por erro nos pressupostos de facto ou de direito, sendo suscetível de anulação.

2.24 A decisão de indeferimento da reclamação graciosa não fundamenta cabalmente as razões para o indeferimento da pretensão dos Requerentes: (i) quanto à falta de comunicação à matriz, a AT não teve em conta o alegado pelos Requerentes relativamente à não emissão da licença de habitabilidade e ao facto de a maior parte das obras não implicar aumento do VPT; quanto aos pagamentos, pelo facto de desconsiderarem as faturas e recibos apresentados que constituem, segundo a própria doutrina da AT citada, elementos suficientes para comprovar o reinvestimento.

2.25 Pelo que se conclui que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa está inquinada de vício de forma, nos termos do artigo 268.º, n.º 3, da CRP e artigo 77.º da LGT, pelo que deve ser anulada em conformidade com o disposto no artigo 163.º do CPA.

2.26 Terminam requerendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

3. Em resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, considerando dever manter-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado e, em conformidade, decidindo-se pela absolvição da entidade requerida, nos seguintes termos:

3.1 Dispõe o n.º 1 do artigo 10.º do CIRS que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sendo o ganho sujeito a IRS constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, nos termos da alínea a) do n.º 4 dessa disposição legal.

3.2 Por outro lado, determina o artigo 10.º, n.º 5 do CIRS a possibilidade de ficarem excluídos de tributação, os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, quando o valor de realização, deduzido da amortização do empréstimo contraído para permitir essa aquisição, seja reinvestido, no que releva para o caso em análise, na ampliação ou melhoramento de um outro imóvel destinado a constituir habitação própria e permanente, tal como o imóvel alienado, desde que se mostrem preenchidos a totalidade dos requisitos fixados na lei para este efeito.

3.3 Segundo a Requerida, decorre do artigo 10.º, no 6, alínea b) do CIRS, a necessidade dos Requerentes terem de solicitar no período temporal previsto na norma, sendo este o de 48 meses a contar da data da realização, a atualização da matriz, com a eventual repercussão em sede de atualização do valor patrimonial do imóvel (VPT) objeto de melhoramentos – modelo 1 do IMI -, sendo que o legislador consagrou não poder ser usufruído o beneficio em caso de não preenchimento.

3.4 Ora, alega, que os Requerentes reconhecem não terem cumprido com esta exigência legal, pese embora aleguem não poder ser-lhes imputável esta omissão.

3.5 Por outro lado, acrescenta que contrariamente ao alegado pelos Requerentes, não recai sobre os contribuintes decidir se os melhoramentos introduzidos irão ou não traduzir-se em alterações do VPT do imóvel, nem sobre a necessidade de cumprimento ou não, dos requisitos legais ou da justiça destes.

3.6 O respeito pelos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade na aplicação das normas jurídico-tributárias, apenas permitem concluir no sentido do incumprimento pelos Requerentes de um dos requisitos legalmente previstos, para que o benefício de isenção da tributação do rendimento respeitante a mais valias provenientes da alienação do imóvel inscrito sob o artigo matricial ... V, no ano de 2016.

3.7 Por outro lado, decorrido o prazo sem que os Requerentes tenham vindo junto da AT informar, em conformidade com a previsão do artigo 57.º, n.º 4 do CIRS, da concretização da intenção manifestada, procederam os serviços à liquidação ora impugnada.

3.8 No que respeita ao alegado pelos Requerentes, de que promoveram essa inscrição aquando da apresentação da declaração de rendimentos do ano de 2018, consultado que foi o processo administrativo junto, tal apenas se verificou na declaração modelo 3 de substituição apresentada em 2021/02/08, quando a liquidação já havia sido emitida em 2020/10/20, razão pela qual foi corrigida a declaração do ano de 2018 (anexo G-Q5) em Abril de 2021, igualmente se concluindo, assim, pelo não preenchimento dos demais pressupostos para a admissibilidade da isenção de tributação dos rendimentos categoria G do ano de 2016.

3.9 Quanto à alegada violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade, considera a Requerida que as decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam corretamente que o principio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrarias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

3.10 Relativamente às obras de ampliação e melhoramento, a lei prevê poderem os contribuintes reinvestir o valor de realização, sendo que as mesmas devem mostrar-se devidamente comprovadas mediante documentação emitida sob a forma legal (artigo 36o, no 5 do CIVA), igualmente devendo poder aferir-se do efetivo pagamento por referência a cada fatura e que as faturas/recibos de quitação possam permitir de modo inequívoco dos serviços e materiais em que se configuraram as obras realizadas no imóvel objeto da intervenção de ampliação e/ou melhoramento concretizadora do reinvestimento no sentido de capacitar o imóvel objeto da intervenção de condições de habitabilidade.

3.11 Ora, segundo a Requerida, para fazer prova dos melhoramentos e/ou ampliação efetuados no imóvel, os Requerentes juntaram dois documentos, os quais apenas referem genericamente “reabilitação de moradia”, sita na morada que corresponde a este artigo matricial, sem demonstrarem que intervenções foram feitas.

3.12 Para além dos documentos juntos não provarem inequivocamente o supra referido, o reinvestimento só será considerado se forem respeitados os prazos previstos na lei, e no caso de melhoramento, não haverá́ lugar ao beneficio, quando o interessado não requeira a inscrição na matriz das alterações, até decorridos 48 meses desde a data da realização (artigo 10.º, n.º 6, alínea b) do CIRS).

3.13 No caso em concreto, sendo 2016/08/30 a data da realização, os Reclamantes tinham até 2020/08/30 para requerer a inscrição na matriz das alterações, sendo que, o resultado do reinvestimento nas obras de reabilitação do imóvel (artigo ...), teria dado origem a um novo artigo matricial, o que não se verificou.

3.14 Quanto á alegada falta de fundamentação do ato impugnado, a Requerida entende que o ato tributário encontra-se devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, tanto mais que a argumentação dos Requerente no presente pedido de pronúncia arbitral revela que estes não tiveram dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do ato.

3.15 Por fim, atendendo a que à data dos factos a AT fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, pelo que não são devidos juros indemnizatórios.

 

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 03-09-2021, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 15-11-2021.

 

8. Regularmente constituído o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes, devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal, considerando que a “posição das partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental juntos”, “ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º2 e 29.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), por despacho de 01-11-2021 decidiu dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do referido Regime, tendo as partes apresentado alegações finais.

 

11. Foi indicada como data limite para prolação da decisão arbitral o dia 15-05-2022.

 

II. Matéria de facto

 

12. Com relevância para a apreciação da questão suscitada, destacam-se os seguintes elementos factuais, que, com base no acervo documental junto aos autos, mormente o processo administrativo e documentos que o integram, se consideram provados:

 

12.1 Os Requerentes alinearam, em 2016, o imóvel de habitação própria permanente sito na Rua ..., n.º ..., ..., ..., Braga, pelo valor de € 80.000,00.

 

12.2 Na declaração modelo 3 relativa ao período de 2016, declararam a respetiva venda para efeitos de cálculo de mais-valia e a intenção de reinvestir todo o valor de realização do imóvel em obras de remodelação ou melhoramento de um imóvel que já possuíam situado na Rua ..., n.º ..., Braga, que corresponde ao artigo urbano ... das freguesias de ..., ... e ... (campo 5006 do quadro 5A do Anexo G da declaração modelo 3).

 

12.3 Em 20-10-2020, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2020 ... do ano de 2016, com valor a pagar de € 7.056,50.

 

12.4 Desta liquidação, foi apresentada reclamação graciosa em 03-01-2021.

 

12.5 Em 22-01-2021, foram os Requerentes do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

12.6 A 08-02-2021, os Requerentes apresentaram uma declaração de substituição da declaração modelo 3, em que consideraram no quadro 5-A do anexo G o reinvestimento de € 80,000,00.

 

12.7 Em 12-02-2021, os Requerentes exerceram o direito de audição prévia sobre o projeto de indeferimento da reclamação graciosa, na qual juntaram 2 faturas, no valor respetivamente de € 7,954,16 e € 84,8000,00.

 

12.8 Em 18-02-2021, os Requerentes foram notificados pela AT para comprovarem o valor de reinvestimento de € 80,000,00.

 

12.9 Para prova, os Requerentes apresentaram as faturas FA 2018/35, de € 7.954,16 e a fatura FA2018/36, de € 84.800,00, com a indicação de “reabilitação de moradia familiar, situada na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., em Braga”, bem como os recibos n.ºs: 64/2018, de 21-05-2018, no valor de € 28.303,74; 110/2018, de 02-08-2018, no valor de €31.876,84; 142/2018, de 19-09-2018, no valor de 9.815,70; 145/2018, de 25-09-2018, no valor de € 23.162,79; e 170/2018, de 19-10-2018, no valor de € 11.488,18.

 

12.10 Por ofício datado de 25-02-2021, foram os Requerentes notificados do indeferimento pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Braga da reclamação graciosa.

 

12.11 Em 31-03-2021, os Requerentes receberam a notificação da AT que conclui não terem sido comprovados os elementos declarados e que a declaração do IRS de 2018 seria objeto de correção.

 

12.12 Do indeferimento da reclamação graciosa foi apresentado pedido de constituição de tribunal singular em 03-09-2021.

 

13. A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada, designadamente a constante do processo administrativo junto pela Requerida.

 

14. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Matéria de direito

 

No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes submetem à apreciação deste tribunal a legalidade do ato de liquidação de IRS do ano de 2016, solicitando, consequentemente, a declaração de ilegalidade desse ato.

 

1 – Da inscrição na matriz das alterações ao imóvel

A primeira questão que se coloca no caso é a de saber se deve ser considerado o reinvestimento do valor realização nas obras de remodelação ou melhoramento do imóvel sito na Rua ..., n.º ..., em Braga, e que corresponde ao artigo urbano ... da União de Freguesias de..., ... e ..., apesar de não ter sido requerida a inscrição na matriz das alterações e, caso tal seja admissível, se os documentos apresentados constituem prova suficiente do reinvestimento.

 

Dispõe o n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

  1. Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular à atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário.

(...)

Para este efeito, o n.º 4 do citado artigo 10.º estabelece que o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, tais como definidos nos artigos 44.º, n.º 1, al. f) e 46.º, n.º 1.

 

Se a mais-valia resultar da alineação da casa de morada de família, o n.º 5 do artigo 10.º determina a possibilidade de ficarem excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

  1. O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que neste último caso exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
  2. O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data de realização;
  3. (revogada)”.

 

O n.º 6 do mesmo artigo estabelece, porém, algumas condições para que este benefício possa verificar-se. A saber, não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

  1. Tratando-se de reinvestimento da aquisição de outro imóvel, o adquirente não o afete

à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;

  1. Nos demais caso, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data de realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.
  2. (revogada)”.

 

A exigência de inscrição do prédio na matriz prevista remete-nos para o disposto no artigo 13.º, n.º 1, al. d) do CIMI que estabelece que a inscrição de prédios na matriz e a atualização desta são efetuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, no prazo de 60 dias, contados da conclusão de obras de edificação, melhoramento ou alterações que possam determinar variação do valor patrimonial tributário do prédio.

 

Como resulta dos factos dados como provados, os Requerentes não apresentaram, no prazo previsto na lei, o pedido de inscrição das alterações na matriz. Ainda assim, consideram que “as obras não implicaram todas um aumento de VPT”, pelo que “não teriam que comunicar as alterações à matriz predial”; além disso, nos termos do artigo 10.º, n.º 1 al. a) do Código do IMI, os prédios presumem-se concluídos ou modificados na data em que for concedida a licença municipal, não lhes sendo exigível a comunicação das alterações à matriz; seria, por isso inconstitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade e igualdade, impedir o benefício previsto na lei pelo facto da Câmara Municipal ainda não ter emitido a licença, por motivos alheios aos Requerentes.

 

Vejamos.

 

Dispõe o artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil que não podemos atender a uma interpretação “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Como nos ensinou BAPTISTA MACHADO, ter-se-á de ter como assente que o texto da lei, constitui o ponto de partida do processo hermenêutico e também um seu limite, na medida em que não é possível considerar aqueles sentidos que não tenham nas palavras da lei qualquer apoio, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” (Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182, 188 e 189).

 

Ora, não nos merece qualquer dúvida que a al. b) do n.º 6 do artigo 10.º estabelece que não beneficiará da exclusão do reinvestimento o adquirente [que] não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data de realização. Assim, caso não se verifique este requisito, não pode o adquirente cumprir os requisitos legais para beneficiar da exclusão de tributação da mais-valia.

 

Tal é, aliás, a opinião maioritária da doutrina e jurisprudência:

 

Neste sentido, veja-se JOSÉ XAVIER DE BASTOS:

Pelo que toca à efectiva destinação, rege o n.º 6 do artigo 10.º, o qual distingue três situações (reguladas nas suas três alíneas).

Se se tratar de reinvestimento na aquisição direta de um outro imóvel, a lei exife que o adquirente o afete á sua habitação ou do seu agregado familiar até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado. Se o não fizer, o benefício da exclusão não tem aplicação, como resulta da alínea a) daquele n.º 6.

Se o reinvestimento tiver sido na aquisição de terreno para construção, a lei dá obviamente mais tempo para a efectiva afectação do imóvel, como bem se compreende. Entretanto, todavia, exige que o adquirente inicie a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado e requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras, sob pena de perder o benefício da exclusão da incidência. Em qualquer caso, deve afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização. É o que resulta da alínea b).

Se, finalmente, se tratar de reinivestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel , exige-se que as obras sejam iniciadas até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deve ser efetuado (que, relembramos, é de 24 meses) e que seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras, devendo, em qualquer caso, a afectação do imóvel á habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar fazer-se até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização, tal como no caso anterior. É a disciplina da alínea c).

E se estas exigências não forem cumpridas? A resposta é, em geral, óbvia: o benefício da exclusão não se verificará. (JOSÉ XAVIER DE BASTO, IRS – Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 415)

 

Também PAULA ROSADO PEREIRA na descrição dos tipos de reinvestimento, considera, no caso específico de ampliação ou melhoramento de imóvel, o seguinte:

Reinvestimento mediante a aquisição de terreno para construção de imóvel e/ou respetiva construção, ou ampliação ou melhoramento de imóvel

No âmbito destas alternativas de reinvestimento, a exclusão de tributação da mais-valia depende do preenchimento das seguintes condições:

  • O reinvestimento deve ser efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 posteriores à data da realização.
  • O sujeito passivo deve requerer a inscrição na matriz predial do imóvel ou das alterações até decorridos 48 meses após a data de realização.

[em nota de rodapé (n.º 288) a este requisito a Autora é clara ao afirmar: “Se este prazo não for cumprido, o benefício da exclusão de tributação da mais-valia não se aplica, nos termos do artigo 10.º, n.º 6, alínea b) do CIRS.]

  • Deve afetar o imóvel à sua habitação própria e permanente, ou do seu agregado familiar, até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.

PAULA ROSADO PEREIRA, Manual de IRS, 2.ª Ed., Almedina, 2019, pp. 232-233.

 

No mesmo sentido, ANDRÉ SALGADO MATOS considera que “nos termos do n.° 6, este benefício não existe em algumas se se tratar de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, se o adquirente não iniciar a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado, excepto por motivo imputável a entidades públicas, ou se não requerer a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras (o sujeito passivo deve, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.” (ANDRÉ SALGADO DE MATOS, CIRS anotado, Ed. do Instituto Superior de Gestão, pág. 168.)

 

A título meramente exemplificativo, citamos também alguma jurisprudência:

 

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.12.2019, relativo ao Proc. n.º 070/12.9BELLE 0680/16):

I - O artº 10º, nº 5 do CIRS exclui da tributação as mais valias obtidas aquando da alienação de habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se houver reinvestimento na aquisição, construção ou melhoramento de outro imóvel afecto à mesma finalidade.
II - Contudo, nos termos do nº 6 do artº 10º do CIRS, existem outros requisitos a cumprir, relativos à efectiva destinação do imóvel e elencados nas suas alíneas a) a c).
III - Assim, de acordo com o a al. c) do referido normativo, se se tratar de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, a lei exige que o adquirente inicie a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado e requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização, sob pena de perder o benefício da exclusão da incidência.

 

No mesmo sentido, vide Ac. do TCAS, de 29/04/2021, relativo ao Proc. 39/11.0BEALM:

 

“Não haverá lugar à exclusão de tributação, tratando-se de reinvestimento na aquisição de terreno para construção se:

  • Não forem iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado;
  • Não for requerida a inscrição do imóvel até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras,
  • Devendo, mesmo após o preenchimento dos pressupostos supra expendidos, ocorrer a afetação do imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.

 

Com efeito, “no nº 6 estabelecem-se os pressupostos cuja verificação condiciona a exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel destinado a habitação do sujeito passivo, estabelecendo-se os prazos de aquisição e ocupação da nova habitação, da aquisição do terreno para construção, início e conclusão do imóvel e sua ocupação até ao quinto ano seguinte ao da realização e, tratando-se de reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento do imóvel, o prazo em que devem ser iniciadas as obras, requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz e sua afectação à sua habitação ou do seu agregado familiar”[8].

 

Acórdão do TCAS, de 25/11/2021, relativo ao Proc. 359/10:

Portanto, no caso de obras de melhoramento suscetíveis de consubstanciar reinvestimento para efeitos do n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, é não só necessário que as obras se iniciem no prazo previsto, mas também que as mesmas sejam objeto de comunicação para efeitos matriciais.

 

A exigência legal de que o adquirente solicite a alteração da matriz não é uma mera formalidade. Com efeito, a conjugação deste requisito com o artigo art.º 13.º, n.º 1, al. d), do CIMI, resulta que apenas as obras de melhoramento ou alteração que alterem o VPT são relevantes para efeitos de exclusão de tributação da mais-valia por reinvestimento. Como se refere no Acórdão do TCAS, de 25/11/2021, relativo ao Proc. 359/10, “Esta obrigação de comunicação para efeitos matriciais permite concluir que nem todas as obras que se efetuem num imóvel são obras de melhoramento para efeitos de exclusão de tributação.

Veja-se que, nos termos do art.º 13.º, n.º 1, al. d), do CIMI:

“1 - A inscrição de prédios na matriz e a atualização desta são efetuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, no prazo de 60 dias contados a partir da ocorrência de qualquer dos seguintes factos:

(…) d) Concluírem-se obras de edificação, de melhoramento ou outras alterações que possam determinar variação do valor patrimonial tributário do prédio”.

Daqui decorre, numa interpretação conjugadas das várias normas pertinentes in casu, que são, pois, obras elegíveis, para este efeito, aquelas de impliquem uma variação do VPT do prédio, dado serem essas que implicam uma alteração matricial.

Portanto, atenta a exigência de inscrição na matriz das obras de melhoramento em causa, constante do art.º 10.º, n.º 6, al. c), do CIRS, não pode deixar de se interpretar que apenas são abrangidas as obras que importem uma alteração do VPT, nos termos referidos no art.º 13.º do CIMI.

Ora, a este respeito, a Recorrente, mesmo na petição inicial, limita-se a afirmar que fez obras, que reputa como sendo de melhoramento, sem que nunca as tenha densificado (o que impede sequer a aferição da sua natureza), acrescentando, ademais, no presente recurso que são obras não abrangidas pelo art.º 13.º do CIMI (cfr. conclusão 11.).

Se as obras em causa não estão abrangidas pelo art.º 13.º do CIMI, não são elegíveis para efeitos do art.º 10.º, n.º 5, do CIRS, porquanto, como referimos, o seu n.º 6, al. c), faz depender a exclusão da tributação, entre outros, da correspondente declaração matricial, impondo, pois, que se trate de obras que impliquem uma alteração do valor matricial.”

 

Mutatis mutandis, se os Requerentes consideram que as obras feitas não implicaram “todas” um aumento do VPT, os valores reinvestidos nessas obras também não relevam para efeitos de exclusão do reinvestimento.

 

Não procede também o argumento de que poderia o chefe de finanças proceder oficiosamente à inscrição na matriz, invocando para o efeito o Acórdão do TCAS, de 15-12-2020, relativo ao Proc. 4319/10. Ora, como se refere no próprio acórdão do TCAS citado pelos Requerentes, “[n]a verdade, apenas se pode exigir à DGCI que proceda, por sua iniciativa, à actualização matricial, de factos que sejam levados ao seu conhecimento, e, como é por demais manifesto e é enfatizado pela recorrente, não constando do probatório da douta sentença, nenhum facto ocorrido que permitisse ao Chefe do Serviço de Finanças proceder oficiosamente à inscrição deste prédio na matriz, podia simplesmente o Mm.° Juiz concluir, sem mais, que "antes de completado o prazo de 24 meses sobre a data do início das obras, já o prédio em causa deveria estar inscrito na matriz por imposição legal".

       É que, na esteira do doutamente afirmado pela recorrente, a Administração Tributária não violou quaisquer preceitos legais, já que a regra do princípio da declaração enunciado no n° 1 do Art° 13° do CIMI, é complementada, subsidiariamente, pelo princípio da oficiosidade, previsto no n° 3 do citado artigo, o qual apenas prevalece nas situações em que a prática oficiosa da actualização realizar a finalidade do imposto e a verdade material, não sendo ilegal essa actualização por antecipação à apresentação de declaração pelo sujeito passivo dentro do respectivo prazo legal, no entanto.

       Donde que não se pode exigir à Administração Tributária que proceda oficiosamente à actualização matricial predial, se os factos translativos não chegarem ao seu conhecimento, até porque a obrigação de cooperação prevista no n° 4 do Art° 49° do CIMT já existia na redacção anterior à Lei n° 64-A/2008, de 31/12, mas nem sempre era efectivamente cumprida.

E não é lícito que o intérprete faça a “interpretação extensiva” conducente à desculpabilização do contribuinte por não ter cumprido as suas obrigações tanto mais que, quer aquele, quer a AT só podiam e deviam promover a inscrição matricial na mesma temporalidade, não sendo necessário preencher nenhuma lacuna que justifique a interpretação extensiva operada na sentença, apresentando-se semelhante entendimento como «fraude à lei».”

 

Ou seja, o TCAS considera procedente o Recurso da decisão que, em circunstâncias idênticas às do presente processo, considerava que recaia o ónus de atualização oficiosa à AT, considerando ilícita esta interpretação, posição que subscrevemos com os fundamentos citados.

 

Por último, considera a Requerente que, atendendo a que a comunicação à matriz só pode ser feita após a emissão da licença de habitabilidade a emitir pela Câmara Municipal, não lhe pode ser imputável o atraso da Câmara Municipal na respetiva emissão, sob pena de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade.

 

Conforme refere a Requerida, em momento algum foi feita prova de que os Requerentes apresentaram o pedido de licença entre o dia 06-08-2020 (data da conclusão das obras) e 30-08-2020 (último dia para a entrega do modelo 1) e, consequentemente, seria imputável à Câmara Municipal o incumprimento ou atraso na emissão da licença.

 

Acresce ainda que nada impedia os Requerente de apresentarem o pedido de atualização da matriz mesmo sem a respetiva licença de habitualidade.

 

Assim, não tendo sido feita a prova da do alegado atraso da Câmara Municipal na emissão da licença de utilização, também não procede a consequente inconstitucionalidade alegada.

 

2- Da falta de fundamentação

Os requerentes alegam, por último, que as correções efetuadas pela AT no IRS de 2016 e de 2018 incorrem em falta de fundamentação.

 

Em concreto, os Requerentes dizem que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa não fundamenta cabalmente as razões para o indeferimento da pretensão dos Requerentes: (i) quanto à falta de comunicação à matriz, a AT não teve em conta o alegado pelos Requerentes relativamente à não emissão da licença de habitabilidade e ao facto de a maior parte das obras não implicar aumento do VPT; quanto aos pagamentos, pelo facto de desconsiderarem as faturas e recibos apresentados que constituem, segundo a própria doutrina da AT citada, elementos suficientes para comprovar o reinvestimento.

 

Haverá, por isso, um vício de fundamentação – artigos 99.º, al. c) do CPPT e 70.º, n.º 1, ambos do CPPT -, o que leva a uma ilegalidade do ato de liquidação, por erro nos pressupostos de facto ou de direito, sendo suscetível de anulação.

Nos termos do artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

 

Ao nível dos atos tributários, o artigo 77.º, da LGT determina que:

1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

 

Tal fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão. (Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA de 11/12/2002, no Rec. n.º 01434/02).

 

Devem, pois, os Requerentes ter acesso a todos os elementos de facto e de direitos que determinaram a decisão de indeferimento. Tal não significa que a AT esteja obrigada a pronunciar-se sobre todas os argumentos apresentados pelos Requerentes, desde que se pronunciem expressamente sobre as questões arguidas.

 

Importa ter presente que a AT não está vinculada à análise e contestação expressa de todos os argumentos convocados pela mesma, mas a analisar as questões arguidas pelos Requerentes.

 

Ora, da leitura da decisão de indeferimento, e contrariamente ao alegado, resultam todas as fundamentações de facto e de direito em que se fundamentou a decisão da AT, mediante refutação expressa das razões alegadas pelos Requerentes.

 

Quanto à não entrega da declaração de inscrição na matriz, a AT é clara quando diz “Porém, o reinvestimento só será considerado se forem respeitados os prazos previstos na lei. No caso de melhoramento, não haverá lugar ao benefício quando o interessado não requeira a inscrição na matriz das alterações até decorridos 48 meses desde a data da realização (art.º 10.º, n.º 6, al. b), do CIRS). Quer isto dizer que, sendo 2016-08-30 a data da realização, o reclamante tinha até 2020-08-30 para requerer a inscrição na matriz das alterações (o resultado do reinvestimento nas obras de reabilitação do artigo ..., o que teria dado origem a um novo artigo matricial). Ora, da consulta aos dados do imóvel encontra-se apenas informação sobre uma avaliação efetuada em 2009 (1.ª transmissão na vigência do Código do IMI), ou seja, não terá sido requerida, dentro do prazo legal, a inscrição na matriz das obras de melhoramento. Assim, não é possível aceitar quaisquer valores como reinvestimento para efeitos de exclusão da tributação.”

 

Relativamente à defesa apresentada no direito de audição prévia, a AT respondeu que:

As faturas apresentadas não comprovam o efetivo pagamento, mas mesmo que se entendesse que sim, não basta a descrição genérica que delas consta (reabilitação de moradia familiar) – que indicia precisamente que não se tratou de ampliação ou melhoramento (que é a condição do art.º 10.º, n.º 5, al. b) do CIRS). Quanto à justificação para não ter pedido a alteração da matriz no prazo de 48 meses, o reclamante não comprova ter solicitado à Câmara Municipal, nesse prazo, a licença de utilização. No entanto, não existe qualquer impedimento a que tivesse sido solicitada na AT a alteração, sendo que não compete ao contribuinte fazer julgamentos sobre a oportunidade dos prazos legais: deveria ter feito o pedido à AT no prazo de 48 meses e só então seria informado da necessidade (se esta existisse) da entrega da licença de utilização, e poderia reagir em consequência.

 

A resposta é, conforme exigido pela lei, expressa, clara, suficiente e congruente, o que se verifica até pela fundamentação que sustenta o presente pedido de pronúncia arbitral. Pode-se, por isso, concluir que a resposta da AT é percetível para um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, sendo manifesta essa compreensão pelos Requerentes.

 

Face ao exposto, nada haverá a censurar, na perspetiva do dever de fundamentação, ao ato tributário impugnado, pelo que improcede o alegado vício de falta de fundamentação.

 

IV. Decisão

 

Nos termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, condenar os Requerentes ao pagamento das custas do processo.

 

Valor do processo:

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) fixa-se ao processo o valor de € 7.056,50.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 612,00, a cargo dos Requerentes.

 

Lisboa, 13 de maio de 2022

 

O Árbitro

 

 

 (Amândio Silva)