Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 537/2021-T
Data da decisão: 2022-05-12  Selo  
Valor do pedido: € 10.219,80
Tema: IS - Terreno para construção com edificação autorizada para afetação mista habitacional e comercial. Não sujeição a imposto.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

A... LDA. contribuinte nº..., com poderes para o ato, em representação do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B..., contribuinte nº ... (adiante designado como Demandante), apresentou em 01-09-2021, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º  do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), pedido de pronúncia arbitral, com vista a:

  • A anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação de imposto do selo nº 2015...;
  • A anulação da referida liquidação de imposto do selo, emitida por referência ao ano de imposto de 2015 e ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo matricial U-...;
  • A condenação da Autoridade tributária à restituição do imposto respetivo pago;
  • Ao reconhecimento do direito da Demandante a juros indemnizatórios sobre o montante do imposto pago.

É demandada a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Demandada”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente “AT”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 03-09-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 25-10-2021, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 15-11-2021.

A Demandante baseia a sua pretensão nos seguintes factos e argumentos:

  • Está em causa a ilegalidade das liquidações contestadas, emitidas nos termos da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), sobre um terreno para construção da titularidade da Requerente, no pressuposto errado de que o mesmo tinha, em 31-12-2015, uma edificação prevista ou autorizada exclusivamente para habitação;
  • O terreno tem natureza mista, a qual estava refletida na matriz predial urbana do mesmo à data da emissão das liquidações de Imposto do Selo e resulta do alvará de construção;
  • Resultando do alvará de construção com base no qual a AT promoveu a avaliação do prédio que o terreno para construção em causa tinha edificação prevista ou autorizada mista (para habitação e para comércio), é evidente que o mesmo devia ter sido excluído da tributação em Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, pois só um terreno com edificação exclusivamente afeta a habitação estaria sujeita a tributação;
  • Além disso, a parcela de terreno em causa com edificação prevista para habitação tem um VPT (valor patrimonial tributário) inferior a 1.000.000 de euros o que, de acordo com a posição já expressa da Exma. Sra. Subdiretora geral da área de gestão tributária, é suficiente para excluir o terreno em causa da tributação pela verba 28.1 da TGIS;
  • As liquidações de imposto do Selo padecem ainda de falta de fundamentação;
  • As liquidações contestadas são também ilegais por assentarem num VPT que foi determinado com recurso a uma fórmula de cálculo ilegal (com aplicação dos coeficientes e da majoração constantes do art.º 39.º, n.º 1 do CIMI, os quais não podem ser aplicados na avaliação dos terrenos para construção).

A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para o efeito, apresentou resposta em 07-01-2022, podendo sintetizar-se a sua argumentação como segue:

POR EXCEÇÃO

  • O Tribunal é incompetente para apreciar a causa, uma vez que o que a Demandante contesta, apenas e só, o ato de fixação da matéria tributável, e não o ato de liquidação;

POR IMPUGNAÇÃO

  • As liquidações foram efetuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 31 de dezembro do respetivo ano, conforme, aliás, estabelece o artigo 113.º, n.º 1, do CIMI, aplicável ex vi do artigo 67.º do Código do Imposto de Selo;
  • O ato de fixação do valor patrimonial tributário do prédio em causa não é suscetível de ser impugnado no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
  • O ato de fixação do valor patrimonial tributário do prédio em causa já não é suscetível de ser impugnado, pois já se consolidou.

A AT não juntou o processo administrativo.

Em 25-01-2022, a Demandante apresentou requerimento em que respondeu à matéria de exceção suscitada pela AT.

Por considerar que, nesse requerimento, a Demandante foi além dessa matéria, pronunciando-se sobre todo o conteúdo da Resposta da AT, o Tribunal propôs, por despacho de 17-03-2022, que se considerasse esse requerimento como alegações finais, e fosse concedido apenas à AT prazo para apresentar, por seu turno, alegações finais escritas.

No mesmo despacho de 17-03-2022, o Tribunal Arbitral propôs a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT por desnecessária, atendendo a não existir matéria de facto controvertida que carecesse de prova adicional para além da prova documental incorporada nos autos, ao facto de a matéria de exceção já ter sido respondida pela Demandante, e ao facto de não haver justificação para uma tramitação processual especial, e ainda ao abrigo dos princípios da celeridade, da simplificação e da informalidade processuais e da proibição de prática de atos inúteis no processo (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT).

A Demandante pronunciou-se expressamente aceitando a tramitação proposta.

A AT não se pronunciou.

 A AT não apresentou alegações finais.

 

II. Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é materialmente competente.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

A AT suscita na sua resposta a questão da incompetência do tribunal arbitral, com base no facto, alegado no art.º 5º do articulado, de que a Demandante pretende a anulação dos atos impugnados com fundameno em vícios, não do ato de liquidação, mas dos atos que fixaram o VPT.

Diz a AT que “a presente ação não é fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa”. Pelo contrário, prossegue, “o que está em causa, ou seja o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato de fixação da matéria tributável e não o ato de liquidação”.

Ora, não é correta a afirmação de que a Demandante contesta, apenas e só, o ato de fixação da matéria coletável.

Como se verá mais desenvolvidamente adiante, a Demandante alega quatro diferentes vícios que, no seu entender, afetam o ato de liquidação.

São eles:

  1. Ilegalidade resultante de o terreno em causa se encontrar totalmente fora do âmbito de aplicação do imposto, uma vez que a verba 28.1 da TGIS pressupõe que a edificação autorizada ou prevista no terreno para construção seja exclusivamente para habitação;
  2. Ilegalidade resultante de se ter aplicado o imposto ao VPT global do prédio, quando, de acordo com a posição expressa pela “Senhora Subdiretora geral da área de gestão tributária – Património da AT”, apenas seria de considerar – no caso de terreno para construção com edificação prevista com afetação mista habitacional e não habitacional – a parcela do terreno com edificação prevista afeta a habitação;
  3. Ilegalidade por vício de falta de fundamentação;
  4. Ilegalidade da operação de cálculo do VPT do prédio.

Assim, ainda que o Tribunal seja, como alega a AT, incompetente para apreciar a questão indicada em último lugar, da ilegalidade da operação de cálculo do VPT do prédio, não o é nem tal é alegado pela AT, para apreciar as restantes questões suscitadas.

Uma vez que a procedência dos vícios de violação de lei material alegados primeiramente poderão prejudicar o conhecimento da questão da ilegalidade da operação de cálculo do VPT, a exceção da incompetência do tribunal será apreciada apenas se e quando for apreciada essa ilegalidade.

 

III. Questões a apreciar

Constituem questões a apreciar nos presentes autos:

  1.  Se um terreno para construção para o qual se encontra prevista, em alvará de obras, edificação mista com parte habitacional e parte não habitacional cai no campo de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redação em vigor em 31.12.2015;
  2. Se a liquidação seria ilegal, quando improcedesse a alegação anterior, por ser inferior a 1.000.000,00 euros o VPT da parcela do terreno com edificação prevista afeta a habitação;
  3. Se a liquidação seria ilegal, quando procedessem as alegações anteriores, por assentar num VPT determinado com recurso a uma fórmula de cálculo ilegal ou se tal questão não deve ser apreciada no âmbito do presente processo;
  4. Se a liquidação impugnada é ilegal por vício de falta de fundamentação.

 

 

IV. Fundamentação

  1. Matéria de facto

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. Em 31.12.2015, a Requerente era proprietária do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo matricial U-...;
  2. A Demandante foi notificada das notas de cobrança de Imposto do Selo:
  • Nº 2016..., referente à primeira prestação do imposto do Selo referente ao ano de 2015, liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, em relação ao terreno suprarreferido, no valor de 4.684,31 euros;
  • Nº 2016..., referente à segunda prestação do imposto do Selo referente ao ano de 2015, liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, em relação ao terreno suprarreferido, no valor de 4.684,31 euros;
  • Nº 2016..., referente à segunda prestação do imposto do Selo referente ao ano de 2015, liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, em relação ao terreno suprarreferido, no valor de 4.684,31 euros, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, em relação ao terreno suprarreferido;
  1. As três notas de cobrança foram emitidas com base na liquidação de Imposto do Selo nº 2015..., de 5.4.2016, efetuada com base na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS);
  2. A Demandante procedeu ao pagamento de todo o imposto liquidado, no montante de 14.052,93 euros;
  3. A Demandante apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação impugnada, em 03.07.2021, o qual deu origem ao processo nº ...2020...;
  4. A Demandante foi notificada para exercer o direito de audição prévia à decisão do procedimento de pedido de revisão oficiosa da liquidação, através do ofício nº .../2021, de 20-04-2021, da Unidade de Grandes Contribuintes;
  5. A Demandante exerceu o direito de audição prévia no procedimento de pedido de revisão oficiosa da liquidação, apresentando pronúncia;
  6. A Demandante foi notificada da decisão de indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa pelo ofício nº ...-DST/2021, de 18-05-2021.
  7. Do texto da decisão de indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa consta o seguinte:

 “52. Por consulta às bases de dados da administração tributária, verificamos que o prédio em análise possui afetação mista (habitação e Comércio) desde 2011, constante da ficha de avaliação nº..., com registo promovido na matriz a 29/4/2011 e que apurou para o mesmo 1 VT de € 1.374.363,65, distribuído por € 999.491,12 para a parcela com afetação a habitação e por € 374.872,53 referente à parcela afeta a comércio, fixando  um VPT global em € 1.374.370,00.

53. Porém, e aqui nos distanciamos do entendido pelo requerente, tais valores não se encontravam vigentes para o período em análise (2015), por conta do disposto no artigo 138º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), que impõe que os valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos sejam atualizados teria trienalmente com base em fatores correspondentes a 75% dos coeficientes de desvalorização da moeda fixados anualmente por portaria do Ministro das Finanças para efeitos dos impostos sobre o Rendimento.

54. No que respeita ao caso concreto, o VPT foi atualizado em 2014 para € 1.405.293,33, em virtude da aplicação de 75% do coeficiente de desvalorização da moeda fixado pela portaria nº 281/2014, de 30 de Dezembro, que se centrou em 1,03 (VPT € 1.374.370,00 X 75% do coeficiente de 1,03 = € 1.405.293,33).

55. E em consequência, dessa atualização do VPT global do prédio, a parcela do prédio afeta a habitação alcançou um VPT de € 1.021.979,67 (€ 999.491,12 x 75% do coeficiente de 1,03) valor esse que se encontra vigente para o período de imposto em análise (2015), cfr melhor se identifica no quadro III desta informação.

56. Ora, o VTVPT dos terrenos para construção cujas edificações autorizadas ou previstas, que tenham diferentes afetações é determinado em função da área de construção destinada a cada uma dessas afetações, isto é, o VPT total é calculado pela soma dos VPT parcelares atribuídos às suas partes economicamente independentes sem prejuízo da regra do arredondamento prevista no nº 2 do art. 38º do CIMI.

57. Neste caso concreto, e tal como resulta da matéria de facto dada como assente, o prédio urbano objeto da liquidação contestada corresponde a um terreno para construção de edificações com afetação múltipla (habitação e comércio).

58. Mas, para efeitos de sujeição a verba 28.1 da TGIS, releva apenas a parte do prédio com afetação habitacional, pelo que consideramos que, as liquidações em análise, sujeitou a tributação o prédio, pelo seu VPT total e não apenas pelo VPT da parte com afetação a habitação.

59. Nestes termos as liquidações em análise, identificadas no quadro I supra, emitidas à Requerente, por referência ao imposto do selo da verba 28.1 da TGIS do ano de 2015, relativo ao prédio urbano descrito sob o artigo ... da matriz predial urbana da freguesia de ... não deverão ser anuladas, mas sim, corrigidas.

60. Assim, considerando que o VPT da parte habitacional do terreno para construção, para o ano de 2015, ascende a € 1.000.000,00, conforme descrito no Quadro III supra, conclui-se que este terreno para construção integra o âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS, mas a respetiva coleta deve apurar-se pela aplicação da taxa de 1% ao VPT  apenas ao VPT (sic) da parte do prédio com afetação habitacional (€1.021.979,67 * 1% = €10.219,80: 3 prestações = € 3.406,60), conforme se identifica no quadro II desta informação;”

  1. Em 2015 existia um alvará de licença de construção para o terreno de construção em causa que previa a edificação mista para habitação e para comércio;
  2. De acordo com a avaliação efetuada ao prédio pela Autoridade Tributária, no âmbito do CIMI, registada em 29.04.2011, o prédio tinha nessa data um valor patrimonial tributário global de 1.374.370,00 euros, dos quais 999.491,12 euros correspondiam à parcela com afetação a habitação e 374.872,53 euros correspondiam à parcela afeta a comércio.
  3. O terreno para construção foi avaliado pela AT tendo em consideração a sua edificação prevista ou autorizada mista, de acordo com a fórmula:

Vt = Vc x [(Abc-Ab + Ab x 0,3) x % + Ac x 0,025 + Ad x 0,005] x Ca x Cl x Cq

VT Comércio (Vtc)

Vtc = 603 x [(580 + 0 x 0,3) x 35% + 6,525 x 0,025 + 0 x 0,005] x 1,2 x 2,55 x 1

Vtc = 374872,53

Vt Habitação (Vth)

Vth = 603 x [(1820 + 0 x 0,3) x 35% + 20,475 x 0,025 + 0 x 0,005] x 1 x 2,6 x 1

Vth = 999491,12

  1. A liquidação na qual se baseiam as notas de cobrança notificadas à Demandante foi efetuada considerando para o prédio um VPT, a 31.12.2015, de 1.405.293,33 euros;
  2. Na liquidação na qual se baseiam as notas de cobrança notificadas à Demandante foi apurada uma coleta de 14.052,93 euros.

Não existem factos alegados e não provados com relevância para a decisão do mérito da causa.

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Demandante.

 

 

  1. Discussão de direito
    1. Questão prévia: que ato ou atos são objeto de impugnação

A Demandante alega, na sua petição inicial, a ilegalidade e pede a anulação “das liquidações de Imposto do Selo” nºs 2016..., 2016 ... e 2016 ..., de 05.04.2016, emitidas por referência ao ano de imposto de 2015 e ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de ... sob o Artigo matricial U-... .

Afirma juntar a liquidação nº 2016 ... relativa à segunda prestação do Imposto do Selo.

O art.º 23º do Código do Imposto do Selo, estabelecia, no seu nº 7, na redação que vigorou até dezembro de 2016, que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.”

Portanto, como desta disposição já se infere, o imposto ao abrigo da verba 28.1 era liquidado uma única vez no ano.

A norma remetia para as regras do CIMI.

Também aí se verifica, no art.º 1 do art.º 13.º, que “o imposto é liquidado anualmente (...)”.

No entanto, o Código do IMI não prevê a notificação da liquidação ao sujeito passivo. O que o Código prevê, sim, no art.º 119º, nº 1, é o “envio” do documento de cobrança de cada prestação que o sujeito passivo deve pagar.

Desta forma, os sujeitos passivos de IMI não recebem a notificação da liquidação do imposto, são apenas notificados das prestações a pagamento, que resultam do disposto no art.º 120º.

Estas são as regras do IMI para as quais remetia o nº 7 do art.º 23º do CIS citado.

Por este motivo, o que a Demandante recebeu e que identificou como liquidações são as notificações das prestações a pagamento.

Evidentemente, estas notificações são todas elas emitidas com base no ato de liquidação, que nem sequer é identificado, como deveria ser, na nota de cobrança.

Contudo, na decisão sobre o pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação, a AT inclui clara identificação do ato de liquidação em que se basearam as notas de cobrança em causa, como sendo a liquidação nº 2015..., de 5-04-2016.

Assim sendo, e porque, efetivamente, estamos perante um único ato de liquidação e não de três atos de liquidação, entende-se a impugnação como efetuada contra este ato de liquidação, o qual, contudo, para o sujeito passivo, está documentado através das notas de cobrança recebidas.

 

  1. Ordem

Nos termos do nº 2 do art.º. 124.º do CPPT, quando não estejam em causa vícios que possam dar origem à nulidade ou existência do ato impugnados, o julgador deve apreciar os vários vícios invocados pela ordem por que tenham sido indicados pelo impugnante, quando este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade.

Quando entre os vícios indicados não se possa afirmar existir uma relação de subsidiariedade, o julgador deve apreciar primeiramente os vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

A Demandante começa por afirmar (artigos 4º, 5º 6º e 7º da PI) que a ilegalidade do ato de liquidação resulta de o terreno em causa se encontrar totalmente fora do âmbito de aplicação do imposto, uma vez que a verba 28.1 da TGIS pressupõe que a edificação autorizada ou prevista no terreno para construção seja exclusivamente para habitação.

Em seguida, a Demandante suscita outro vício do ato, que consistiria em se ter aplicado o imposto ao VPT global do prédio, quando, de acordo com a posição expressa pela “Senhora Subdiretora geral da área de gestão tributária – Património da AT”, apenas seria de considerar – no caso de terreno para construção com edificação prevista com afetação mista habitacional e não habitacional – a parcela do terreno com edificação prevista afeta a habitação.

Resulta com clareza do articulado em causa que a Demandante estabelece uma relação de subsidiariedade entre os dois vícios alegados, quando diz (artigo 12º do PI): “Donde resulta que o terreno em análise nunca poderia ter sido tributado em Imposto do Selo na medida em que, por um lado, trata-se de um terreno para construção com edificação prevista ou autorizada mista que está totalmente excluído do âmbito de incidência objetivo da verba 28.1 da TGIS e, por outro lado, ainda que os terrenos com edificação prevista ou autorizada mista pudessem ser tributados em Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS - que não podem, como ficará demonstrado adiante - sempre seria de concluir que a parcela do terreno com edificação prevista ou autorizada para habitação tem um VPT registado na matriz inferior a € 1.000.000 o que, de acordo com a posição da Ex.ma Sra. Subdiretora geral da área de gestão tributária - património da AT é suficiente para se concluir pela exclusão deste terreno do âmbito de incidência objetivo da verba 28.1 da TGIS.”

Em seguida (artigo 13º da PI), a Demandante alega um vício formal, o vício de falta de fundamentação da liquidação.

E por fim (artigo 17º), a Demandante suscita a questão da ilegalidade da operação de cálculo do VPT do prédio. Resulta neste caso de forma expressa que a Demandante estabelece entre este último vício e os dois primeiros uma relação de subsidiariedade.

Entendemos dever, no caso presente, começar por analisar os vícios alegados de natureza material, uma vez que a sua procedência assegura uma tutela mais estável e eficaz dos interesses ofendidos, deixando para último lugar a questão da falta da fundamentação do ato.

Quanto aos vícios de natureza material, serão analisados pela ordem indicada pela Demandante.

 

  1. Incidência da verba 28.1 da TGIS no ano de 2015 sobre um terreno para construção com construção autorizada de uma edificação com afetação mista habitacional e não habitacional

Constitui objeto imediato do presente pedido de pronúncia arbitral a decisão de indeferimento parcial de um pedido de revisão oficiosa apresentado pela Demandante contra a liquidação de Imposto do Selo, efetuada ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, sobre o prédio supra descrito e com referência ao ano 2015.

O prédio em causa é um terreno para construção.

O prédio tinha em 2015, ano do alegado facto tributário, um alvará de construção que previa uma construção com afetação mista para habitação e comércio, o que se encontra igualmente refletido na caderneta predial do prédio extraída “via internet” em 03-10-2016.

No ano 2011, data que em foi avaliado como terreno para construção e já com alvará de construção aprovado, o prédio tinha um VPT global de 1.374.370,00 euros, divididos em 999.491,12 euros correspondentes à parcela com edificação prevista para afetação habitacional, e 374.872,53 euros correspondentes à parcela com edificação prevista para afetação comercial.

No entanto, a liquidação impugnada teve por base um VPT global do prédio de 1.405.293,33 euros.

As notas de cobrança notificadas à Demandante não indicam o valor sobre o qual foi efetuada a liquidação.

Já na decisão do pedido de revisão oficiosa da liquidação se expõe, e se fica a perceber, que tal VPT global de 1.405.293,33 euros terá resultado da aplicação ao VPT do prédio do disposto no nº 2 do art.º 138º do CIMI, que dispõe:

“Os valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos referidos nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 6.º são atualizados trienalmente por aplicação de um coeficiente correspondente a 75 % do fator de atualização resultante da aplicação das regras do número anterior.”

O prédio em causa, um terreno para construção, encontra-se referido na al. c) do nº 1 do art.º 6º do CIMI.

Contudo, na caderneta predial junta aos autos pela Demandante, a qual foi obtida no portal da Autoridade Tributária, em 03-10-2016, consta que o VPT do prédio é de 1.374.370,00 euros, o que leva a concluir que a AT não procedeu à atualização do VPT do prédio, em conformidade com o disposto no nº 2 do art.º 138º do CIMI e, portanto, sempre se ficaria na dúvida sobre qual dos valores deveria prevalecer para efeitos de liquidação do imposto do selo referente ao ano 2015. Não dispondo o art.º 138º que a atualização aí prevista opera automaticamente, seria defensável que o valor se houvesse mantido inalterado por inércia da administração tributária.

Na decisão do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária reviu a liquidação, alterando-a, considerando que a aplicação da taxa de imposto ao VPT global do prédio (1.405.293,33) estava errada e que apenas devia ser tido em conta, para aplicação da taxa de imposto, a parte do VPT correspondente à parcela do terreno com edificação prevista para afetação habitacional.

Sendo a parte do VPT do prédio correspondente a essa parcela de 1.021.979,67 euros, a aplicação da taxa de 1% da verba 28 da TGIS a este valor originaria uma coleta de 10.219,80 euros.

Como consequência desta revisão da liquidação, a AT corrigiu o valor do imposto a pagar, na decisão do pedido de revisão oficiosa, alterando-o de 14.052,93 euros para 10.219,80 euros.

Portanto, sintetizando a posição defendida pela AT na decisão do pedido de revisão oficiosa, ela assenta em considerar que,  no caso de um terreno para construção em que se encontre prevista uma edificação mista, com parte habitacional e com parte não habitacional, é apenas o valor correspondente à parte habitacional da edificação prevista o que se toma por base para aferir da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS; esta será aplicável se o valor da parte do prédio destinado a edificação com afetação habitacional tiver um VPT igual ou superior a 1.000.000,00 euros; e, uma vez verificada esta condição, a taxa de imposto constante da mesma verba 28.1 apenas se aplicará a esse mesmo valor, e não ao VPT global.

Evidentemente, a ser válida esta interpretação da lei, torna-se decisiva a questão de se dever considerar ter ocorrido ou não ter ocorrido atualização do VPT do prédio ao abrigo do nº 2 do art.º 138º da TGIS, uma vez que, não tendo havido tal atualização, o VPT da parte correspondente à edificação prevista com afetação habitacional seria inferior a 1.000.000,00 euros. Já quando se considerasse, como faz a AT, que ocorreu tal atualização, o VPT da parte correspondente à edificação prevista com afetação habitacional seria superior a 1.000.000,00 euros.

Contudo, a questão da incidência da verba 28.1 da TGIS sobre terrenos para construção tem sido tratada na jurisprudência dos tribunais superiores num sentido que radicalmente se afasta do traçado pela AT na decisão do pedido de revisão oficiosa.

No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 2ª Seção, de 2018.06.06, proferido no processo nº 80/18, o tribunal apreciou a questão do seguinte modo:

“Quando na verba 28 se fala em edificação para habitação autorizada ou prevista, não se reporta apenas à descrição matricial do prédio uma vez que a autorização para edificar uma habitação não tem que ser levada à matriz. Ao inscrever na matriz um prédio pode o seu titular indicar que prevê nele construir habitação, mas a autorização para o fazer, ou para edificar algo de diverso depende não de regras fiscais, mas de regras urbanísticas.

Na presente situação sabemos que foi concedido um alvará de loteamento pelo Alvará de Loteamento n.º 5/2006, de acordo com o qual os prédios se destinam "a habitação colectiva e comércio/serviços", o que é diverso de se destinarem a habitação. Não estabelece a verba 28 em análise qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio/serviços para podermos acompanhar o Magistrado do Ministério Público na desvalorização da qualidade mista da afectação deste prédio dado ser maior a parte destinada a habitação que a destinada a comércio/serviços. Também se desconhece qual a frequência e peso específico no volume edificado para o mercado imobiliário da afetação de certas partes dos edifícios, mormente do respetivo rés-do-chão, a fins diversos da habitação, mormente, o comércio e os serviços, precisamente por força de razões económicas, de estratégia financeira, atinentes à rentabilidade e fruição de todos os espaços disponíveis, de que a norma em apreço não dá qualquer nota ou relevo. Existe, mas não sabemos se é significativa e, não podemos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afectação para habitação.

Ao invés, cremos que é uma realidade que não foi tida em conta pelo legislador, como antes não havia devidamente ponderado que a lei estabelece uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, que com a Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro esclareceu que os anteriormente por ele denominados prédios com afectação habitacional eram, afinal, os prédios urbanos ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação. Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de se são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação sob pena de carecermos de uma interpretação extensiva da norma de incidência em tudo desconforme com o disposto no art.º 103.º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa.”

Esta jurisprudência foi seguida pelo Tribunal Administrativo Central-Sul, secção de Contencioso Tributário, no acórdão de 19-11-2020, no proc. nº 442/16.0BELLE, em que é dito:

“Nos autos está em causa o ato de liquidação de imposto de selo incidente sobre um terreno para construção destinado a habitação, comércio e estacionamento, não tendo, pois, por afetação exclusiva fins habitacionais.

O valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção é a resultante do somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação (cf. artigo 45/1 do CIMI).

A edificação autorização para o terreno para construção em causa tem por finalidade a habitação, o comércio e estacionamento. E estas diversas afetações influenciaram a determinação do valor patrimonial tributário do prédio, vistas as regras constantes do artigo 38º CIMI.

A sentença recorrida, louvando-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 2ª Seção, de 2018.06.06, proferido no processo nº 080/18 (disponível em www.dgsi.pt), decidiu-se pela anulação total da liquidação de Imposto do Selo impugnada, por enfermar de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, uma vez que a verba 28.1 da TGIS não abrange as situações em que foi concedido um alvará de loteamento de acordo com o qual os prédios se destinam “a habitação coletiva e comércio/serviços”, ou seja, no caso dos autos não estamos perante um prédio cujo destino seja para habitação como resulta da verba 28.1, estamos perante um terreno para construção cuja autorização é para habitação e para comércio, e como tal, não preenche a norma de incidência prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.”

A mesma interpretação da lei fiscal em causa foi seguida nas decisões arbitrais de 11-01-2019, processo nº 296/2018-T e de 15-06-2020, no processo nº 702/2019-T.

Em síntese, a doutrina que dimana de todas estas decisões é a de que apenas terrenos em que se encontrem previstas ou autorizadas, por alvará ou instrumento similar, edificações destinadas exclusivamente a fins habitacionais ficam incluídos no âmbito de aplicação da verba 28.1 da TGIS. No caso de terrenos, como aquele de que se trata nos autos, em que se encontra prevista uma edificação mista, com parte habitacional e parte não habitacional, independentemente do VPT global ou do VPT correspondente a cada uma das afetações, a verba 28.1 não tem aplicação.

Julgamos que o sentido interpretativo que emana desta doutrina cabe no enunciado literal da norma fiscal em apreço. Acompanhamos o posicionamento do STA, em particular, quando refere que a inclusão na norma dos terrenos com edificação prevista mista, habitacional e não habitacional, obriga à elaboração de critérios complementares complexos, como os que se referem à suscetibilidade de divisão do valor patrimonial tributário para efeitos de aferição da aplicabilidade do imposto e para efeitos de aplicação da respetiva taxa, critérios estes não têm qualquer respaldo na lei.

Considerando esta jurisprudência, e ainda em vista do princípio, consagrado no nº 3 do art.º 8º do Código Civil, de que o julgador, nas decisões que proferir, deve ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, aderimos à interpretação seguida pelos arestos citados, concluindo que no caso do terreno  para construção em causa nos autos, por a edificação prevista não ter como afetação exclusiva a habitação, não é aplicável, no ano 2015, a verba 28.1 da TGIS.

 

  1. Quanto aos restantes vícios materiais e formais apontados

Tendo-se concluído, no ponto anterior, que o ato de liquidação impugnado é ilegal, e com ele todas as notas de cobrança emitidas, porque a verba 28.1 da TGIS não era, em 2015, aplicável a um prédio classificado como terreno para construção, com construção autorizada de edificação com afetação mista habitacional e não habitacional, a apreciação das restantes questões materiais fica prejudicada, uma vez que as mesmas só seriam relevantes quando se considerasse, ao contrário do que se considerou, aplicável a verba 28.1 da TGIS ao prédio em causa.

Quanto à questão da fundamentação do ato, também ela fica prejudicada, por desnecessária, em face da procedência do primeiro vício alegado, de não aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS ao prédio em causa.

  1. Quanto ao direito a restituição do imposto pago e a juros indemnizatórios

A Demandante pede, com a declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação, a condenação da AT à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios.

 A Demandante pagou o imposto liquidado, como consta da matéria de facto provada.

Nos termos do disposto na al. b) do art.º 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Esta norma do RJAT está em sintonia com o preceituado no art.º 100º da LGT (aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na al. a) do nº 1 do art.º 29º do RJAT) em que se determina que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Desta forma, é notório que em consequência da presente decisão arbitral, que se adianta será no sentido da procedência total do pedido, a AT ficará obrigada a restituir o imposto indevidamente pago, por decorrência da lei.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob o patrocínio do CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (vd. decisão arbitral no proc. nº 702/2019-T de 15-06-2020).

Nos tribunais tributários, o processo de impugnação admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43º, nº 1, LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que dispõe que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral (decisão arbitral no proc. nº 702/2019-T de 15-06-2020).

Quanto ao direito a juros indemnizatórios correspondentes à prestação tributária indevidamente efetuada, determina o art.º 43.º da LGT, no seu n.º 1, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

A expressão "erro imputável aos serviços" deve reconduzir-se a qualquer "ilegalidade" fundante da anulação, total ou parcial, do ato tributário. Neste sentido aponta o estipulado no já citado artº. 100º, n.º 1, da LGT, em conjugação com o artº 43.º, nº.1 da mesma lei, em que se consagra, na lei ordinária, a teoria da reconstituição da situação atual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um ato tributário (vd. TCA-S, CT, 22-05-2019, proc. n.º 1770/12.9BELRS).

Assim sendo, tendo-se concluído pela ilegalidade do ato de liquidação por vício de violação de lei, tem a Demandante direito aos juros indemnizatórios que peticiona.

 

V. Decisão

Tendo em vista tudo o que ficou exposto decide-se:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Demandante de declaração de ilegalidade, por violação de lei devido a erro nos pressupostos de direito, e em consequência anular a liquidação de Imposto do selo nº 2015 ... de 05-04-2016, com tal anulação afetando as notas de cobrança nºs 2016 ..., 2016 ... e 2016 ..., as quais são igualmente inválidas;
  2. Reconhecer o direito da Demandante à restituição da totalidade do imposto indevidamente pago ao abrigo da liquidação e das notas de cobrança anuladas;
  3. Reconhecer o direito da Demandante a receber juros indemnizatórios calculados sobre o montante do imposto indevidamente pago, desde o pagamento até à emissão da respetiva nota de crédito.

 

VI. Valor do processo

Nos termos do art. 97.º-A nº 1, al. a) do CPPT do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 10.219,80 euros, valor correspondente ao montante do imposto total liquidado deduzido do montante anulado em sede de procedimento de revisão oficiosa.

 

VII. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 918,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária.

Notifiquem-se as Partes.


Porto, 12 de maio de 2022.

 

O Árbitro

 

 

(Nina Aguiar)