SUMÁRIO
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Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção o legislador consagrou a regra específica constante do artigo 45.º do Código do IMI, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à construção bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no artigo 42.º, n.º 3, do Código do IMI, mas não os coeficientes previstos na expressão matemática contida no artigo 38.º do Código do IMI.
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Quer a fórmula consagrada no artigo 38.º, quer a majoração prevista no artigo 39.º, ambos do Código do IMI, não são aplicáveis na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
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A errada fixação do valor patrimonial tributário pode ser arguida através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI e AIMI emitidos com base no mesmo (nos termos conjugados dos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI), não obstante os atos de fixação do valor patrimonial tributário constituírem “atos destacáveis” e serem suscetíveis de impugnação autónoma, e de o sujeito passivo não os ter impugnado autonomamente.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Rita Correia da Cunha (presidente), Jorge Belchior de Campos Laires e Jónatas Machado, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Tributário, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
A..., S.A., com o NIPC ..., sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa (doravante “Requerente”), na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa relativo às liquidações de IMI n.ºs 2017..., 2017 ... e 2017 ..., de 8.3.2018, referentes ao ano de 2017, às liquidações de IMI n.ºs 2018 ..., 2018 ..., e 2018 ..., de 23.3.2019, referentes ao ano de 2018, às liquidações de IMI n.ºs 2019 ..., 2019 ..., e 2019 ..., de 10.4.2020, referentes ao ano de 2019, à liquidação de AIMI n.º 2018..., de 30.6.2018, referente ao ano de 2018, à liquidação de AIMI n.º 2019..., de 30.6.2019, referente ao ano de 2019, e à liquidação de AIMI n.º 2020..., de 30.6.2020, referente ao ano de 2020, que, na parte relativa aos dois terrenos para construção melhor identificados infra, apuraram um montante de imposto a pagar de € 513.248,90 (doravante conjuntamente designadas por “Liquidações Contestadas”), veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra o referido indeferimento tácito e contra as referidas liquidações de IMI e AIMI, pretendendo a sua anulação e consequente restituição do imposto indevidamente pago.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral e o PPA deram entrada no dia 19.8.2021, tendo sido aceites pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificados à Requerida.
Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Em 19.10.2022, a Requerente juntou aos autos a Instrução de Serviço n.º.../2021, de 5.4.2021, da Direção de Serviços de Justiça Tributária.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 26.10.2021.
Em 2.11.2021, a Requerida apresentou resposta com defesa por exceção e por impugnação, concluindo que o PPA deve ser julgado improcedente. Notificada para o efeito pelo Tribunal, a Requerida requereu, a 6.1.2022, a dispensa de apresentação do processo administrativo, por não ter sido possível até à referida data obter o processo administrativo junto do respetivo serviço competente.
Também notificada pelo Tribunal para o efeito, a Requerente apresentou, em 7.1.2022, resposta às exceções invocadas pela Requerida na resposta de 2.11.2021.
Por despacho de 19.1.2022, o Tribunal considerou dispensável a reunião prevista no 18.º do RJAT e notificou as partes para apresentarem, querendo, alegações sucessivas no prazo 5 dias. A Requerente e a Requerida apresentaram alegações, respetivamente, nos dias 2.2.2022 e 3.2.2022.
A Requerente procedeu ao pagamento da taxa de justiça subsequente no dia 14.2.2022, tendo junto aos autos o respetivo comprovativo nesse dia.
Por despacho de dia 21.4.2022, o Tribunal prorrogou o prazo para prolação da Decisão Arbitral, por dois meses, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, com fundamento na complexidade da matéria de direito, e notificou as partes de que a data previsível para a prolação da Decisão Arbitral seria 4.5.2022.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.
É deferido o requerimento da Requerida para a dispensa de apresentação do processo administrativo, dado não existir controvérsia quanto aos factos, além de que o PPA não teve por base um ato de indeferimento expresso por parte da AT e, consequentemente, não houve discussão de matéria de direito no âmbito desse processo.
O PPA apresentado em 19.8.2021 é tempestivo, na medida em que foi apresentado no prazo de 90 dias referido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a contar do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (apresentado a 29.1.2021) que se formou a 31.5.2021 nos termos do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT.
É admitida a cumulação de pedidos, face ao disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, sempre que, como é o caso, “a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
O processo não enferma de nulidades. As exceções dilatórias e questões prévias suscitadas pelas partes são analisadas depois de apreciada a matéria de facto.
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MATÉRIA DE FACTO
§1. Factos provados
Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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Nos anos de 2017, 2018, 2019 e até outubro de 2020, a Requerente era proprietária do terreno para construção inscrito na matriz predial sob o artigo U-... da freguesia de..., concelho de Lagoa (cfr. documento 1 junto ao PPA, e o alegado pela Requerente e não contestado pela Requerida).
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Nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, a Requerente era proprietária do lote de terreno para construção inscrito na matriz predial sob o artigo U-... da freguesia de..., concelho de Lisboa (cfr. documento 1 junto ao PPA, e o alegado pela Requerente e não contestado pela Requerida).
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Conforme decorre das respetivas cadernetas prediais juntas ao PPA como documento 1, o valor patrimonial tributário (“VPT”) dos mencionados terrenos para construção foi apurado de acordo com a aplicação de fórmulas que tiveram em consideração coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, bem como um valor base majorado nos termos do artigo 39.º do mesmo Código:
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Na sequência da notificação das Liquidações Contestadas, a Requerente efetuou o pagamento, com referência aos referidos terrenos para construção, dos seguintes valores (cfr. documentos 2 e 3 juntos ao PPA):
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A Requerente apresentou, em 29.1.2021, junto do Serviço de Finanças de Lisboa ..., um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, solicitando a anulação das Liquidações Contestadas, por entender que as mesmas têm por base VPTs determinados com base numa fórmula de cálculo ilegal, por erro imputável aos serviços do qual resultou coleta superior à devida (cfr. documento 4 junto ao PPA).
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A AT não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa no prazo de quatro meses referido no artigo 57.º, n.º 1, da LGT (cfr. alegado pela Requerente nos artigos 8.º a 10.º do PPA, e não contestado pela Requerida).
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A Requerente apresentou o PPA no dia 19.8.2021.
§2. Factos não provados
Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.
§3. Fundamentação da matéria de facto
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o princípio da livre apreciação.
Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos ao PPA, tendo igualmente em conta que não foram alvo de contestação pela Requerida.
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MATÉRIA DE DIREITO
§1. Questões a decidir
O PPA tem por objeto imediato a apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente a 29.1.2021, ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, e por objeto mediato a apreciação da legalidade das Liquidações Contestadas objeto deste pedido.
Tendo as partes suscitado exceções dilatórias e questões prévias suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa e determinar a absolvição da instância, o Tribunal apreciará primeiramente tais exceções e questões prévias, e, seguidamente, caso se pronuncie pela improcedência das mesmas, os vícios alegados pela Requerente suscetíveis de determinar a ilegalidade e consequente anulação do referido indeferimento tácito e das Liquidações Contestadas (cfr. artigo 89.º do CPTA e artigos 278.º e 608.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas d) e e), do RJAT).
Tendo em consideração a posição das partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:
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Exceções dilatórias e questões prévias:
A) Da exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral;
B) Da exceção de inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI e AIMI por vícios na fixação do VPT;
C) Da exceção de intempestividade do pedido de revisão oficiosa;
D) Da admissibilidade da cumulação de pedidos;
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Da ilegalidade do indeferimento tácito e das Liquidações Contestadas, por erro no cálculo do VPT dos terrenos para construção;
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Do direito a juros indemnizatórios.
§2. Exceções dilatórias e questões prévias
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Da exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral
Tendo em consideração que (i) a Requerida, na sua resposta, suscitou a exceção de incompetência material do presente Tribunal para apreciar a legalidade dos atos de fixação de VPT, (ii) a Requerente, no PPA, levantou a questão de saber se o presente Tribunal é materialmente competente para apreciar a ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que apresentou a 29.1.2021, e (iii) as questões de competência são de conhecimento prioritário, como resulta do artigo 13.º do CPTA (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), o Tribunal apreciará estas questões em primeiro lugar.
Relativamente à exceção suscitada pela Requerida, cumpre salientar que, no caso sub judice, não está em causa a declaração de ilegalidade de atos de fixação de VPT, mas a declaração de ilegalidade de atos de liquidação. Tendo os atos de fixação de VPT dos terrenos para construção identificados supra se consolidado na ordem jurídica por inércia da Requerente, os respetivos VPTs continuarão a servir de base a liquidações de IMI e AIMI (e eventualmente de outros impostos) até eventual alteração do seu valor.
No entanto, importa notar que, ao contrário do alegado pela Requerida, do artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, resulta que os Tribunais Arbitrais Tributários têm competência para declarar a “ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”. Sendo os atos de fixação de VPT expressamente contemplados nesta disposição, não restam dúvidas de que a apreciação da respetiva legalidade se encontra no âmbito da competência material do presente Tribunal (cfr. Decisão Arbitral de 2.7.2021, no processo n.º 760/2020-T; Decisão Arbitral de 31.1.2022, no processo n.º 533/2021-T; Decisão Arbitral de 15.2.2022, no processo n.º 676/2021-T).
Improcede, assim, por estas razões, a exceção de incompetência material do presente Tribunal para apreciar a legalidade de atos de fixação de VPT suscitada pela Requerida.
Quanto à questão levantada pela Requerente de saber se o presente Tribunal é competente para apreciar a legalidade de atos de indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa de atos de liquidação, temos que assiste razão à Requerente, por a redação dada ao artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, bem como os termos do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, serem suficientemente amplos na sua formulação para incluir a competência dos Tribunais Arbitrais Tributários para apreciar a legalidade de tais atos.
Tal como referido pela Requerente, este entendimento tem suporte na jurisprudência arbitral, que, de forma consistente, tem apontado no sentido de os Tribunais Arbitrais que funcionam sobre a égide do CAAD serem competentes para apreciar a legalidade de atos de segundo e terceiro grau (incluindo atos de indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa apresentados nos termos do artigo 78.º da LGT) que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos de liquidação.
Desta orientação jurisprudencial é exemplo a Decisão Arbitral de 5.5.2021, no processo n.º 8/2020-T, segundo a qual, sendo o ato ficcionado aquando do indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa um ato que comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação cuja revisão foi pedida, resulta do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que (i) os Tribunais Arbitrais são materialmente competentes para conhecer (imediatamente) da legalidade de tal indeferimento tácito, e (mediatamente) das liquidações contestadas, e que (ii) o pedido de pronúncia arbitral constitui meio adequado para sindicar a legalidade de ambos. No mesmo sentido concluiu o Tribunal Arbitral Tributário constituído nos processos n.ºs 540/2020-T (cfr. Decisão Arbitral de 30.4.2021), 487/2020-T (cfr. Decisão Arbitral de 10.5.2021), 510/2020-T (cfr. Decisão Arbitral de 25.1.2022), e 676/2021-T (cfr. Decisão Arbitral de 15.2.2022). Cite-se ainda a Decisão do Tribunal Arbitral proferida, em 24.6.2021, no âmbito do Processo n.º 500/2020-T:
“sendo o pedido de revisão oficiosa meio próprio para se obter a revisão de uma liquidação, mesmo quando inquinada por vicio de quantificação da matéria coletável que lhe serve de base, é meio próprio para conhecer tais questões o recurso judicial ou arbitral interposto no seguimento do silêncio administrativo quanto a tal pedido.”
Conclui-se, assim, que assiste razão à Requerente nesta matéria: o presente Tribunal é materialmente competente para apreciar a legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que a Requerente apresentou em 29.1.2021 (enquanto objeto imediato do PPA) e das Liquidações Contestadas (enquanto objetos mediatos do PPA).
B) Da exceção de inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI e AIMI por vícios na fixação do VPT
A Requerente veio, através do PPA que apresentou a 19.8.2021, impugnar o indeferimento tácito e as Liquidações Contestadas com fundamento em vícios dos atos de fixação dos VPTs dos terrenos de construção referidos supra, pedindo a sua anulação como fundamento em erro imputável aos serviços.
Alega a Requerida que o ato de fixação do VPT é um ato destacável, autonomamente impugnável, cujos vícios não são sindicáveis aquando da apreciação da legalidade de atos de liquidação de IMI e AIMI emitidos posteriormente. Segundo a Requerida, encontrando-se o ato de fixação do VPT já consolidado na ordem jurídica aquando da apreciação dos atos de liquidação, não é legal nem admissível a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação ou da decisão de indeferimento que se pronuncie sobre o ato de liquidação (como aliás resulta da exceção contida nos artigos 86.º da LGT e 134.º do CPPT ao princípio da impugnação unitária).
Conforme a posição manifestada pela Requerida, dada a sua intrínseca correlação, os atos de liquidação posteriores seriam contaminados com a apreciação que viesse a ser efetuada sobre o ato de fixação do VPT, se o mesmo for impugnado dentro prazo legalmente estabelecido, o que não se verificou no caso em apreço.
Após argumentar que, no caso sub judice, não podem as Liquidações Contestadas ser anuladas com fundamento em alegados erros nas avaliações dos terrenos para construção, veio a Requerida referir que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente apenas seria admissível nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT.
A Requerente não concorda com a posição da Requerida nos termos da qual os atos de liquidação não podem ser impugnado com fundamento em vícios na fixação do VPT, dizendo que, a aceitar-se o entendimento da AT, teria lugar uma injustiça grave e notória: de uma incorreta fixação do VPT dos prédios em construção (unicamente imputável à AT) resultaria um VPT muito superior ao calculado nos termos da lei e, consequentemente, liquidações de IMI e AIMI com valores de imposto muito superiores aos devidos nos termos da lei.
Defende a Requerente que o entendimento da AT teria como consequência a perpétua emissão de atos de liquidação subsequentemente ilegais, que seriam, eles próprios, inimpugnáveis, violando-se assim frontalmente o princípio fundamental do acesso ao direito, consagrado no artigo 20.º da CRP. Conclui a Requerente que, tendo existido erro imputável aos serviços relativamente à fixação do VPT dos terrenos para construção supra referidos, é legal e admissível, ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, o pedido de revisão oficiosa das Liquidações Contestadas com base em vícios dos atos de fixação do VPT.
Acresce que, de acordo com a Requerente, caso se viesse a concluir pela inexistência de erro imputável aos serviços, o que apenas equaciona sem conceder, ainda assim, estando em causa uma injustiça grave e notória (no sentido de tributação manifestamente exagerada) não derivada de erro imputável a comportamento negligente da Requerente, sempre o pedido de revisão oficiosa seria admissível ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, normas que estabelecem um verdadeiro poder-dever da AT.
Sintetizadas as posições das partes, cumpre sublinhar que, no caso sub judice, importa decidir da impugnabilidade da decisão de indeferimento tácito relativa a um pedido de revisão oficiosa, estando em causa a admissibilidade de impugnabilidade indireta, através de um pedido de revisão oficiosa, das Liquidações Contestadas com fundamento em erro no cálculo do VPT. Questão diferente, e fora do âmbito to presente processo arbitral, é a relativa à impugnabilidade direta de atos de liquidação de IMI e AIMI com fundamento em erro no cálculo do VPT, a que se refere o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão de 27.4.2010, no processo n.º 03586/09, e no Acórdão de 12.2.2008, no processo n.º 02125/07. Esta distinção é reconhecida na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 676/2021, de 15.2.2022, na qual se pode ler:
“São meios processuais diferentes, com efeitos distintos, a impugnabilidade directa de actos de liquidação, com os efeitos retroactivos próprios da declaração de anulabilidade e direito a juros indemnizatórios, e a possibilidade de revisão oficiosa, com os fundamentos previstos no artigo 78.º da LGT, com efeitos mais limitados, não retroactivos, designadamente a nível de direito a juros indemnizatórios, como resulta do disposto no artigo 43.º, n.ºs 1 e 3 da LGT.”
No caso em apreço, a questão decidenda é a de saber se é admissível a revisão de atos de liquidação de IMI e AIMI com fundamento na errónea fixação do VPT em que se baseiam (nos termos do artigo 78.º da LGT), ou dito de outra forma: se o sujeito passivo pode arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação emitidos com base no mesmo. Neste contexto, importa atentar ao disposto nas seguintes disposições:
Artigo 78.º da LGT
Revisão dos actos tributários
“1 — A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. (…)
4 — O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 — Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.(…)”
Artigo 115.º do Código do IMI
Revisão oficiosa da liquidação e anulação
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:
c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido; (…)”
Antes de passarmos a uma análise mais detalhada da questão decidenda acima enunciada, temos ser de referir que, ainda que por vias e mecanismos diversos, os tribunais têm vindo a anular atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, juntamente com os correspondentes atos de liquidação, com fundamento na errónea fixação do VPT (a título de exemplo: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31.10.2019, no processo n.º 2765/12.BELRS; Decisão Arbitral de 10.5.2021, no processo n.º 487/2020-T; Decisão Arbitral de 10.5.2021, no processo n.º 254/2021-T; Decisão do Tribunal Arbitral de 24.6.2021, no processo n.º 500/2020-T; Decisão Arbitral de 27.7.2021, no processo n.º 41/2021-T; Decisão Arbitral de 10.12.2021, no processo n.º 253/2021-T; Decisão Arbitral de 15.2.2022, no processo n.º 676/2021; Decisão de 14.3.2022, no processo n.º 541/2021-T).
Para efeitos de análise da dita questão decidenda, importa distinguir entre (i) a questão de saber se o sujeito passivo pode arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI e AIMI emitidos com base no mesmo, e (ii) a questão de saber em que condições e limite temporal será de admitir tal pedido de revisão oficiosa.
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Pode o sujeito passivo arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI e AIMI emitidos com base no mesmo?
Relativamente a esta primeira questão e atendendo à posição das partes, afigura-se-nos importante salientar que a exceção ao princípio da impugnação unitária contido no artigo 54.º do CPPT aplicável a “atos destacáveis” (ou seja, a atos que, embora inseridos no procedimento tributário, e anteriores à decisão final, são direta e autonomamente impugnáveis pelo contribuinte por tal resultar expressamente da lei)[1] foi criada com o objetivo de concretizar e ampliar o princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsito no artigo 268.º, n.º 4, da CRP) , e não de limitar ou restringir o mesmo.
A consideração dos atos de fixação do VPT como “atos destacáveis” tem uma razão de ser: evitar a necessidade de o sujeito passivo ter de impugnar, sucessivamente, ao longo dos anos, cada uma das liquidações neles baseadas (cfr. Decisão Arbitral de 14.3.2022, no processo n.º 541/2021-T). Todavia, como se pode ler no texto do artigo 54.º do CPPT, do mesmo não resulta qualquer limitação para a impugnabilidade da decisão final (no caso em apreço, atos de liquidação de IMI e AIMI) com fundamento em ilegalidade de ato interlocutório (no caso em apreço, atos de fixação de VPT):
“Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”
Deste artigo resulta apenas e tão só que (a) em regra, os atos interlocutórios não são impugnáveis autonomamente e que os vícios dos mesmos poderem ser invocados na impugnação da decisão final, e (b) a título excecional, os atos interlocutórios podem ser impugnados autonomamente. Os atos de fixação de VPT caem nesta exceção por força do artigo 134.º, n.º 1, do CPPT (em sintonia com o artigo 86.º, n.º 1, da LGT).
Assim, não é controvertida a questão de saber se os atos de fixação de VPT constituem “atos destacáveis”, ou se são suscetíveis de impugnação contenciosa autónoma. Os artigos 134.º, n.º 1, do CPPT e 86.º, n.º 1, da LGT são claros a este respeito. A questão relevante para o caso sub judice é a de saber se estas disposições, ao estabelecer que os atos de fixação de VPT são suscetíveis de impugnação contenciosa autónoma, têm o efeito de (1) precludir a possibilidade de o sujeito passivo arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI e AIMI emitidos com base no mesmo (caso em que a impugnação autónoma dos atos de fixação de VPT se torna num verdadeiro ónus), ou (2) conferir ao sujeito passivo a possibilidade de impugnar os atos de fixação de VPT de forma autónoma, a que acresce a possibilidade de posteriormente contestar a validade das liquidações baseadas no VPT erradamente fixado através de pedido de revisão oficiosa.
Quanto a esta questão, considera o Tribunal que os artigos 134.º, n.º 1, do CPPT e 86.º, n.º 1, da LGT (as normas que permitem a impugnação autónoma dos atos de fixação do VPT) devem ser entendidos, não como uma restrição às garantias dos contribuintes, ou como um ónus sobre o sujeito passivo, o que seria a consequência da posição manifestada pela Requerida, mas antes como uma ampliação dessas garantias, uma ampliação materializada no reconhecimento aos contribuintes de uma defesa adicional contra um ato ilegal (no mesmo sentido: Decisão Arbitral de 2.7.2021, no processo 760/2020-T). Senão vejamos.
Por um lado, interessa salientar que a interpretação contrária (subscrita pela Requerida) não resulta expressamente na lei processual e seria ela mesma contrária ao disposto no artigo 7.º do CPTA (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), no qual se pode ler que “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.
Por outro lado, parece-nos que a interpretação da lei processual subscrita pela Requerida ofende o princípio da justiça e o princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP). A este respeito, importa recordar que, no Acórdão n.º 410/2015, de 29.9.2015, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do CPPT que, qualificando a impugnação de “atos destacáveis” como um ónus e não como uma faculdade do sujeito passivo, impede a impugnação das liquidações de imposto com fundamento em vícios dos “atos destacáveis”, por a mesma desproteger gravemente os direitos do contribuinte, assim ofendendo o princípio da justiça e o princípio da tutela judicial efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP). Segundo o Tribunal Constitucional, de tal interpretação resultaria “uma consequência muito onerosa para o contribuinte, permitindo a consolidação na ordem jurídica de atos que o prejudicam gravemente”.
Por último, uma nota relativamente à relevância do princípio da segurança jurídica e da figura do caso decidido dos atos administrativos que nele se alicerça. É inquestionável que este princípio é não só essencial como constitutivo do Estado de Direito. Todavia, importa lembrar que o princípio da segurança jurídica, nas suas diversas vertentes (incluindo o caso decidido dos atos administrativos), tem em vista primordialmente a proteção dos cidadãos contra a arbitrariedade e abusos de poder por parte do poder legislativo, executivo e judicial. A este propósito, escreveu o Professor Gomes Canotilho:
“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito”.[2]
“Relativamente aos actos da administração, o princípio geral da segurança jurídica aponta para a idea de força de caso decidido dos actos administrativos. Embora não haja uma paralelismo entre sentença judicial e força de caso julgado e acto administrativo e força de caso decidido (...) entende-se que o acto administrativo goza de uma tendencial imutabilidade que se traduz: (1) na autovinculação da administração (...) na qualidade de autora do acto e como consequência da obrigatoriedade do acto; (2) na tendencial irrevogabilidade do acto administrativo a fim de salvaguardar os interesses dos particulares destinatários do acto (protecção da confiança e da segurança)”.[3]
“Tendo em conta as exigências resultantes dos princípios de protecção da confiança e da segurança jurídica (direitos dos particulares directamente interessados, direitos de terceiros) não se vê como é que a anulação de actos inválidos possa ser uma faculdade discricionária. Os princípios da constitucionalidade e da legalidade não se compaginam com uma “arrogância” da administração sobre os próprios vícios. Ela deverá anular ou sanar os vícios nos termos da lei”. [4]
Resulta assim claro que a tendencial imutabilidade dos atos administrativos associada à força de caso decidido dos mesmos deverá ser entendida como um mecanismo tendente à salvaguarda dos interesses dos particulares, e não como um argumento usado para a AT se recusar a sanar os vícios dos atos que pratica. A mesma vertente de proteção dos cidadãos do princípio da segurança jurídica foi referida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.11.2017, no processo n.º 0164ª/64, no qual se pode ler:
“Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.”
Temos que o princípio da segurança jurídica, orientado para a proteção dos cidadãos, não deverá ser interpretado ou utilizado como fundamento para negar aos cidadãos um direito ou uma garantia processual prevista na lei, ou, relativamente à questão em apreço, como fundamento para negar ao sujeito passivo a possibilidade de arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação emitidos com base no mesmo (ao abrigo do artigo 78.º da LGT). Tal interpretação, para além de carecer de base legal, seria ofensiva do princípio da tutela jurisdicional efetiva e do princípio da justiça (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).
Num Estado de Direito assente no princípio da legalidade em matéria tributária (ínsito no artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que exige que a AT arrecade as quantias de imposto exigíveis nos termos da lei), no princípio da justiça e no princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), a coerência entre os atos de liquidação de IMI, AIMI, IMT, e Imposto do Selo emitidos relativamente a um mesmo imóvel (que pressupõe que os mesmos se baseiem no mesmo VPT) deverá ser assegurada através do cumprimento, por parte da AT, do seu dever de sanar oficiosamente os eventuais vícios no cálculo do VPT à luz da lei (como aliás impõe o adequado funcionamento da AT), e não através de uma restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça consubstanciada na obliteração da possibilidade do sujeito passivo de se socorrer a um meio processual previsto na lei (o pedido de revisão oficiosa) para reagir contra atos de liquidação de imposto contaminados por uma determinação da matéria coletável incorreta e ilegal, por erro exclusivamente imputável à AT. A estabilidade na ordem jurídica assegurada por uma tal restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça é a de permitir à AT que continue a arrecadar quantias de imposto que não são exigíveis ao sujeito passivo nos termos da lei (em violação do princípio da legalidade em matéria tributária ínsito no artigo 103.º, n.º 2, da CRP).
À luz de todas estas considerações, temos que o princípio da legalidade, o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o princípio da justiça ínsitos na nossa Constituição impõem afastar a interpretação do artigo 54.º do CPPT, conjugado com o artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual a possibilidade de impugnação autónoma e imediata dos atos de fixação de VPT (enquanto “atos destacáveis”) constituiria um ónus cujo incumprimento inviabilizaria o pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI e AIMI emitidas posteriormente, com fundamento em erro no cálculo do VPT que serviu de base às mesmas liquidações.
Conclui-se, assim, que o sujeito passivo pode arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI e AIMI emitidos com base no mesmo, e que o indeferimento (expresso ou tácito) do pedido de revisão oficiosa faz nascer na esfera jurídica do sujeito passivo o direito a impugnar este indeferimento. Tal como referido supra, o pedido de pronúncia arbitral constitui meio adequado para o efeito.
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Em que condições e limite temporal será de admitir um pedido de revisão oficiosa de um ato de liquidação de IMI e AIMI com fundamento na errónea fixação do VPT?
Tal como resulta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e das Decisões Arbitrais referidas supra, a jurisprudência mais recente tem vindo a confirmar a admissibilidade da sindicância da ilegalidade de atos de liquidação de IMI e AIMI com fundamento na errónea fixação do VPT, por via de pedido de revisão oficiosa. A jurisprudência não é uniforme, no entanto, relativamente às condições e limite temporal em que tal pedido de revisão oficiosa será de admitir. Esta falta de uniformidade encontra-se refletida na posição das partes do presente processo arbitral. Para a Requerente, a impugnação das Liquidações Contestadas deverá ser admitida ao abrigo dos artigos 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, e 78.º, n.º 1, da LGT, no prazo de quatro anos. Para a Requerida, a impugnação das Liquidações Contestadas deverá ser admitida ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, no prazo de três anos.
A este respeito, temos que, no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais dos mecanismos invocados pelas partes, os princípios antiformalista, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva. Assim, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, temos que se deverá optar por aquela que favoreça a ação e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pelo sujeito passivo.
Com este fundamento, entendemos ser de reconhecer à Requerente o direito de apresentar um pedido de revisão oficiosa das Liquidações Contestadas com fundamento na incorreta fixação dos VPTs dos terrenos em construção identificados supra, ao abrigo dos artigos 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, e 78.º, n.º 1, da LGT, por erro imputável à AT no âmbito do procedimento de fixação dos VPTs em causa. Esta posição foi, aliás, acolhida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão proferido no processo n.º 2765/12.BELRS, em 31.10.2019, que se transcreve parcialmente abaixo:
“É verdade que uma vez firmada a fixação do VPT, por não ter sido utilizado qualquer dos meios de defesa ao dispor do contribuinte, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei 267/2003, esse VPT servirá de base às liquidações de IMI subsequentes, até eventual alteração do seu valor.
De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir.
Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado.
Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1].
Por conseguinte, não se pode falar em verdadeira impropriedade do meio, sendo certo que ainda que se admita essa hipótese, como a administração apreciou o direito da recorrida, tal apreciação fez nascer na esfera jurídica desta o direito à impugnabilidade da decisão, nos termos do artigo 268.º, n.º 4, da CRP.
Restringir ou eliminar essa impugnabilidade constituiria, outrossim, uma agressão manifesta ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmado nessa norma constitucional. (...)
A fixação do VPT constitui, como se disse, um acto administrativo em matéria tributária, destacável e, por isso, passível de impugnação autónoma. A impugnação autónoma dos actos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projectam no acto final do procedimento ou em actos externos a este.
A impugnabilidade autónoma constitui um desvio ao princípio da impugnação unitária (cfr. artigo 54.º do CPPT), que postula que em princípio só é possível impugnar o acto final do procedimento tributário, por só este apresentar efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte. Este artigo prevê a possibilidade de impugnabilidade autónoma dos actos imediatamente lesivos e a possibilidade de, na impugnação do acto final de liquidação, serem invocados todos os vícios de que padeçam os actos prévios a essa liquidação (actos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos dessa decisão final).
Como assim, sendo a fixação do VPT um acto destacável, ele goza de possibilidade de impugnação autónoma, independentemente da existência ou não de liquidação, impugnação essa que no caso era permitida pelo artigo 20.º do Dec.-Lei 287/2003.
Portanto, não tendo sido impugnada a fixação do VPT, facto que a recorrida aceita, parece que a consequência seria a de aceitar que as liquidações feitas a coberto desse VPT, enquanto não fosse alterado, não podiam também ser alteradas com tal fundamento.
Mas o problema pode ser olhado de outro prisma.
Em regra, os actos da Administração, com excepção dos actos viciados de nulidade, consolidam-se juridicamente se não forem impugnados nos prazos estabelecidos na lei.
Todavia, mesmo fora das situações de nulidade o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.
É o que sucede com o artigo 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, mecanismo que se encontra presente na legislação tributária de outros países, como sucede em Espanha com o artigo 219.º da Ley General Tributária.
O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei.
Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo. O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.
Ora, ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.
O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.
Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável.
O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal.”
A mesma posição foi também acolhida pelo Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.º 297/2021-T, por Decisão de 22.2.2022, na qual se pode ler:
“O ato de fixação do VPT é regulado no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), que estabelece a possibilidade de impugnação contenciosa “depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação” (n.º 7).
Importa, contudo, saber se o condicionamento da impugnação ao esgotamento dos meios graciosos tem como consequência a consolidação das liquidações efetuadas ao abrigo desse VPT, isto é, a impossibilidade (jurídica) de estas serem alteradas com fundamento no VPT (só o podendo ser as geradas depois da alteração do VPT, com efeitos apenas para o futuro). Antecipamos já uma resposta negativa a esta questão, com os fundamentos que se aduzem de seguida.
Em primeiro lugar, recordam-se as palavras do TCA Sul, no acórdão de 31 de outubro de 2019, processo n.º 2765/12.8BELRS: “o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.”
É a esta luz que tem de apreciar-se o mecanismo de revisão dos atos tributários, conformado, em geral, pelo artigo 78.º da LGT, e, em matéria de IMI, pelo preceituado no artigo 115.º do CIMI. A inclusão de normas deste tipo nos compêndios tributários é justificada pelo reforço das garantias de defesa dos contribuintes e elevação dos meios de tutela das respetivas posições substantivas, sem que tal colida com o princípio fundamental da segurança jurídica, inerente ao Estado de Direito, pois é circunscrita a um quadro temporal pré-definido, de 4 ou 3 anos, consoante esteja em causa a aplicação do n.º 1 ou do n.º 4 do artigo 78.º da LGT. (...)
Estamos perante “um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um ato ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respetivos montantes, que não estejam previstos na lei.” – v. acórdão do TCA Sul, processo n.º 2765/12.8BELRS.
Quer em relação ao artigo 78.º, n.º 1 da LGT, quer ao artigo 115.º, n.º 1, alínea c) do Código do IMT, a revisão oficiosa reporta-se, no seu sentido literal, a ilegalidades dos atos tributários stricto sensu - atos de liquidação de IMI2 - e não à avaliação (ou a atos de avaliação) de valores patrimoniais, que consubstanciam atos administrativos em matéria fiscal. Já no que se refere ao n.º 4 do artigo 78.º da LGT, este faz referência à “revisão da matéria coletável” e não a “atos tributários”, pelo que abrange, sem dúvida, atos de fixação de valores patrimoniais. Aqui, não constitui requisito constitutivo do direito à revisão a ocorrência de “erro imputável aos serviços”, porém, requer-se o fundamento de “injustiça grave ou notória”, sendo o prazo encurtado para três anos (posteriores ao do ato tributário). Relativamente a este ponto – do enquadramento da situação em análise no n.º 1 ou no n.º 4 do artigo 78.º da LGT – a jurisprudência diverge. O acórdão do TCA Sul, que se acompanha, preconiza uma interpretação extensiva, segundo a qual o artigo 78.º, n.º 1 da LGT é invocável também no domínio dos atos de fixação de valores patrimoniais, não obstante estar em causa matéria de avaliação de VPT, “visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.” Assim, na medida em que esses atos de avaliação se repercutem em liquidações de imposto de valor superior ao que resultaria da correta aferição da base de incidência, não existe razão para que não mereçam um nível de tutela similar. (...)
Efetivamente a fixação do VPT foi efetuada pela Requerida, não sendo alegado nem demonstrado que o Requerente tivesse declarado algum elemento de informação errado em relação aos terrenos para construção avaliados, pelo que o eventual erro da fórmula aplicada não pode ser imputado a um comportamento negligente daquele. Esta é também a interpretação que, segundo entendemos, melhor se coordena com o nível de proteção acrescido dos contribuintes que está subjacente à instituição do regime de revisão oficiosa e ao princípio da legalidade e da tutela efetiva das posições substantivas que lhes assistem. Conclui-se, desta forma, pela admissibilidade e tempestividade da revisão oficiosa das liquidações de IMI impugnadas na presente ação arbitral pois mesmo relativamente aos atos praticados em 2016 (referentes ao ano de 2015), o prazo de 4 anos foi respeitado pois o pedido de revisão oficiosa foi apresentado ainda no ano de 2020 (…)”
Também no sentido da aplicação do n.º 1 do artigo 78.º da LGT foram as Decisões Arbitrais de 24.6.2021, proferida no processo n.º 500/2020-T, e de 9.3.2022, proferida no processo n.º 540/2021-T. À luz desta jurisprudência, que o presente Tribunal Arbitral acompanha, cumpre apenas referir que, no caso sub judice, caso se determine que o VPT foi fixado pela AT de forma incorreta, tal erro será de imputar à AT, que não alegou nem logrou provar que a Requerente declarou algum elemento de informação errado em relação aos terrenos para construção identificados supra.
Conclui-se, assim, que é admissível, nos termos dos artigos 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, e 78.º, n.º 1, da LGT, o pedido de revisão oficiosa das Liquidações Contestadas apresentado pela Requerente com fundamento em vícios de fixação do VPT, bem como o PPA do indeferimento tácito que se formou sobre o mesmo. Nestes termos, improcede a exceção invocada pela Requerida relativa à inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI e AIMI com base em vícios na fixação do VPT.
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Da exceção de intempestividade do pedido de revisão oficiosa
A Requerida fundamenta esta exceção defendendo que o pedido de revisão oficiosa do ato de avaliação dos terrenos para construção só seria possível através do disposto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, que se refere à revisão da matéria tributável apurada, onde se inclui a fixação do valor patrimonial dos terrenos para construção, por via da respetiva avaliação. O n.º 4 do artigo 78º da LGT determina que esse pedido tenha que ser formalizado no prazo de três anos posteriores ao ato tributário, o que não aconteceu no que respeita às liquidações impugnadas do ano de 2017, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado a 29.1.2021.
Considera a Requerente, que, por um lado, o pedido de revisão oficiosa apresentado visava, não a análise da legalidade da fixação do VPT dos terrenos para construção, mas antes das liquidações de IMI e AIMI e, por outro lado, é plenamente atendível o recurso à via da revisão oficiosa prevista no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, dado que a liquidação deriva de um erro imputável aos serviços.
Efetivamente, e quanto a esta exceção invocada pela Requerida, considera o Tribunal, conforme ficou referido no ponto anterior, que o prazo de revisão oficiosa aplicável é o do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, porquanto o pedido de revisão oficiosa foi dirigido contra os atos de liquidação do IMI/AIMI, ainda que com base em erro de direito quanto à fixação da matéria tributável. Conclui-se, assim, que o pedido de revisão foi tempestivo, incluindo para as liquidações relativas ao IMI de 2017 (cujo prazo de pagamento voluntário da última prestação terminou a 30.11.2018, nos termos do artigo 129.º do Código do IMI), dado que foi apresentado a 29.01.2021. Assim, não é dado provimento a esta exceção invocada pela Requerida.
Por último, cumpre voltar a referir que, tendo a Requerente apresentado o pedido de revisão oficiosa em 29.1.2021, e o indeferimento do mesmo se ter presumido em 31.5.2021 (face do disposto no artigo 57º, nºs 1 e 5 da LGT), foi tempestivo o pedido de constituição deste Tribunal e o PPA apresentados no dia 19.8.2021, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
D) Da admissibilidade da cumulação de pedidos
Tal como referido no saneamento, a cumulação de pedidos contida no PPA é admissível nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT. A Requerida não se opôs a esta cumulação de pedidos.
Determinada a improcedência das exceções dilatórias levantadas pela Requerida, cumpre ao Tribunal conhecer do mérito to PPA, apreciando a legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 19.8.2021, bem como das Liquidações Contestadas.
§3. Da ilegalidade do indeferimento tácito e das Liquidações Contestadas, por erro no cálculo do VPT dos terrenos para construção
A Requerente entende que as Liquidações Contestadas padecem de ilegalidade, por terem como base um VPT determinado em virtude da aplicação de uma fórmula ilegal, por duplicação de critérios, mormente em virtude da aplicação dos coeficientes (de afetação e de localização) constantes do artigo 38.º do Código do IMI, especificamente aplicáveis a prédios edificados e não a terrenos para construção.
Alega a Requerente que o VPT dos terrenos para construção é determinado de acordo com a fórmula prevista no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI. Por sua vez, o n.º 2 do artigo 45.º determina que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. Na fixação desta percentagem, conforme determina a remissão do artigo 45.º, n.º 3, do Código do IMI para o artigo 42.º, n.º 3, do Código do IMI, são tidas em consideração as acessibilidades existentes, a proximidade de equipamentos sociais, a existência, ou não, de transportes, bem como a eventual localização em zona de elevado valor de mercado imobiliário.
No entender da Requerente, não podem aplicar-se os coeficientes que constam da fórmula geral de determinação do VPT previstos no artigo 38.º do Código do IMI, porquanto esses se destinam a ser aplicados a prédios edificados, sob pena de existir uma dupla incidência de critérios de determinação do VPT e de manifesta ilegalidade relativamente aos terrenos para construção.
Alega ainda que é também evidente que o valor a considerar na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção deve ser o do custo médio de construção por metro quadrado sem qualquer majoração (i.e., € 482,40 em 2017 e 2018, e € 492,00 em 2019 e 2020) ao invés do valor base dos prédios edificados (€ 603 em 2017 e 2018, e € 615 em 2019 e 2020) indevidamente aplicado pela AT no cálculo do VPT dos terrenos para construção aqui em causa.
Conclui a Requerente pela ilegalidade das Liquidações Contestadas, uma vez que ambos os terrenos apresentam um Cl superior a 1 e a ambos os terrenos foi aplicado Vc com a majoração de 25%, ou seja, um Vc de €603, ao invés do custo médio de construção por metro quadrado sem qualquer majoração.
Por seu turno, considera a Requerida que, ainda que o cálculo do VPT dos terrenos para construção em causa tenha tido por base critérios considerados ilegais, a AT encontra-se vinculada ao princípio da legalidade e, nos termos do artigo 168.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão. Ora, tendo as avaliações dos terrenos para construção em causa sido efetuadas há mais de cinco anos, as mesmas já não podem ser objeto de anulação administrativa.
Sintetizadas as posições da parte, importa decidir.
O artigo 45.º do Código do IMI, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e que esteve em vigor até à alteração introduzia pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, dispunha o seguinte:
Artigo 45º do Código do IMI
Valor Patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 – O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 – O valor da área de implante varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 – Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as referidas no nº 3 do artigo 42º.
4 – O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do nº 4 do artigo 40º.
5 – Quando o documento comprovativo da viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente (aditado pela Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro).
Por seu lado, os n.ºs 3 e 4 do artigo 42.º do Código do IMI dispunham que:
“3 – Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:
a) Acessibilidade, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, fluviais e marítimas;
b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;
c) Serviços e transportes públicos;
d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
4 – O zonamento consiste na determinação das zonas homogeneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o nº 2 do artigo 45º.”
Da leitura conjugada destas disposições resulta que as regras de cálculo do VPT de terrenos para construção em vigor à data dos factos não acolhem efetivamente quaisquer coeficientes de afetação, localização, qualidade e conforto. Estes coeficientes encontravam-se unicamente previstos no artigo 38.º do Código do IMI, o qual não é aplicável na determinação do VPT dos prédios que tenham sido classificados como terrenos para construção.
Em todo o caso, esta matéria já foi objeto de inúmeras decisões arbitrais, bem como de Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo. A título de exemplo, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 016/10, de 3.7.2019, conclui que “na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros, o coeficiente de qualidade e conforto. Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45º do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação, bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45º do CIMI, mas não outras características ou coeficientes”.
No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 170/16.6BELRS, de 23.10.2019, onde se decidiu que:
“I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq). II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção. III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio, indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto”.
Também os Tribunais Arbitrais Tributários do CAAD têm proferido decisões no mesmo sentido das acima indicadas, de que são exemplo as decisões proferidas nos processos n.ºs 487/2020-T (Decisão Arbitral de 10.5.2021), 500/2020-T (Decisão Arbitral de 24.6.2021), 533/2021-T (Decisão Arbitral de 3.1.2022), e 540/2021-T (Decisão Arbitral de 9.3.2022).
Em face da letra da lei e da referida orientação jurisprudencial, temos que, na avaliação dos terrenos para construção em causa, a AT não deveria ter considerado nem aplicado os coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, entre eles os coeficientes de localização, de qualidade e conforto, e de afetação.
Para além da questão da não aplicação do artigo 38.º do Código do IMI, a Requerente defende ainda a inaplicabilidade ao VPT dos mesmos terrenos para construção da majoração de 25% prevista no artigo 39.º do Código do IMI sobre o custo médio de construção por metro quadrado.
À data dos factos, o artigo 39.º do Código do IMI (“Valor base dos prédios edificados”) dispunha o seguinte:
“1 – O valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado ao valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor.”
Efetivamente, a lei era clara ao restringir a aplicação da referida majoração aos “prédios edificados”, excluindo-se, naturalmente, os terrenos para construção. A favor da justeza desta interpretação, de referir a alteração legislativa que viria a ocorrer com a redação dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, tendo sido substituída a expressão “prédios edificados” por “prédios”.
Esta posição está em linha com a corrente jurisprudencial, citando como exemplo o processo n.º 504/2020-T, onde se conclui que, quer a epígrafe do artigo 39.º do Código do IMI (na redação em vigor à data dos factos), quer a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, permitem concluir que este preceito era inaplicável a prédios não edificados, como são os terrenos para construção, não existindo qualquer remissão do artigo 45.º do Código do IMI, que estabelece as regras de determinação do VPT dos terrenos para construção, para o artigo 39.º, nem contendo aquele artigo 45.º qualquer alusão ao valor base dos prédios edificados. No mesmo sentido, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 487/2020-T (Decisão Arbitral de 10.5.2021), 500/2020-T (Decisão Arbitral de 24.6.2021), 41/2021-T (Decisão Arbitral de 27.7.2021), e 533/2021-T (Decisão Arbitral de 3.1.2022).
Do exposto resulta claro que o artigo 39.º do Código do IMI abrange, exclusivamente, os prédios edificados, pelo que a referida majoração foi incorretamente aplicada pela AT aos terrenos para construção em apreço. Deste erro na fixação do VPT dos terrenos para construção resultou um valor de IMI e AIMI superior ao legalmente devido.
Conforme se referiu, a Requerida, não pondo em causa as soluções jurídicas indicadas pela Requerente e que este Tribunal acompanha, defende-se dizendo que não são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT nos casos em que já tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão. Porém, e como já foi frisado, o que está em causa neste processo é a suscetibilidade de anulação de atos de liquidação de IMI e AIMI, o que o Tribunal admite nos termos expostos supra, face ao teor dos artigos 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, e 78.º, n.º 1, da LGT.
Pelo exposto, julga-se procedente o pedido da Requerente de declaração de ilegalidade e consequente (1) anulação parcial, na parte relativa ao terreno para construção inscrito na matriz predial sob o artigo U-... da freguesia de ..., concelho de Lagoa, e ao lote de terreno para construção inscrito na matriz predial sob o artigo U-... da freguesia de..., concelho de Lisboa, das liquidações de IMI n.ºs 2017..., 2017 ... e 2017 ..., de 8.3.2018, relativas ao ano de 2017, das liquidações de IMI n.ºs 2018 ..., 2018 ..., e 2018 ..., de 23.3.2019, relativas ao ano de 2018, e das liquidações de IMI n.ºs 2019 ..., 2019 ..., e 2019 ..., de 10.4.2020, relativas ao ano de 2019, e (2) anulação integral da liquidação do AIMI n.º 2018 ..., de 30.6.2018, relativa ao ano de 2018, da liquidação do AIMI n.º 2019 ..., de 30.6.2019, relativa ao ano de 2019, e da liquidação do AIMI n.º 2020 ..., de 30.6.2020, relativa ao ano de 2020.
Conforme determina a alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Desta forma, em resultado da anulação das Liquidações Contestadas nos termos supra descritos, deverá a Requerida reembolsar a Requerente do montante de imposto indevidamente pago, que corresponde à diferença entre o montante já pago pela Requerente (€ 513.248,90) e o montante de IMI e AIMI dos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, referente aos terrenos para construção em causa, legalmente devido pela Requerente, a determinar pela AT tendo em consideração o VPT dos terrenos para construção calculado nos termos do artigo 45.º do Código do IMI (na redação em vigor à data dos factos), sem consideração do disposto nos artigos 38.º e 39.º do mesmo Código.
§4. Do direito a juros indemnizatórios
Não tendo a Requerente pedido a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios no PPA que apresentou a 19.8.2021, nem requerido a ampliação do pedido nos termos do artigo 265.º, n.º 2, do CPC (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT) no requerimento que apresentou em 7.1.2022, ou nas alegações finais que apresentou a 2.2.2022, não tendo a Requerida se pronunciado sobre uma eventual ampliação do pedido, e encontrando-se o Tribunal Arbitral sujeito à apreciação do pedido nos termos em que o mesmo é formulado pela Requerente, nos termos e para os efeitos dos artigos 3.º, n.º 1, 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC (aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), o Tribunal não condenará a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios na presente Decisão Arbitral.
No entanto, considerando que a questão dos juros indemnizatórios foi suscitada pela Requerida na resposta que apresentou a 2.12.2021 (cfr. respetivos artigos 54.º a 66.º), e pela Requerente no requerimento que apresentou a 7.1.2022 (cfr. respetivos artigos 46.º e 47.º) e nas alegações finais que apresentou em 2.2.2022 (cfr. respetivos artigos 47.º, 48.º, 95.º a 97.º), e que o Tribunal Arbitral tem o “dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” (cfr. artigos 608.º, n.º 2, 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), o Tribunal pronunciar-se-á sobre o direito da Requerente a juros indemnizatórios.
O direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º, n.º 1, da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante. Significa isto que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido. Foi o que sucedeu no caso em apreço. Tal como referido pela Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, o sujeito passivo tem direito a juros indemnizatórios apenas quando a revisão do ato tributário por sua iniciativa se efetuar mais de um ano após o pedido, salvo se o atraso não for imputável à AT (neste sentido, Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 038/19, de 4.11.2020; Decisão Arbitral de 22.2.2022, no processo n.º 297/2021-T).
No caso sub judice, está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de incidência tributária e ficou demonstrado que as Liquidações Contestadas padecem de erro de direito imputável à AT, vício para o qual a Requerente em nada contribuiu. Deste erro resultou pagamento de IMI e AIMI em montante superior ao legalmente devido. Tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado pela Requerente em 29.1.2021, os juros indemnizatórios a que a Requerente tem direito começam a contar em 29.1.2022 e são calculados sobre o montante de imposto indevidamente pago pela Requerente (determinado nos termos referidos no ponto anterior). De acordo com artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, os juros são contados até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.
Do exposto supra, conclui-se que a Requerida deverá pagar oficiosamente à Requerente juros indemnizatórios sobre o montante de imposto indevidamente pago por esta, desde 29.1.2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cfr. artigos 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT).
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DECISÃO
Termos em que se decide:
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Julgar improcedentes todas as exceções invocadas pela Requerida;
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, declarar a ilegalidade e anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente no dia 29.1.2021, bem como as seguintes liquidações:
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Na parte relativa ao terreno para construção inscrito na matriz predial sob o artigo U-... da freguesia de ..., concelho de Lagoa, e ao lote de terreno para construção inscrito na matriz predial sob o artigo U-... da freguesia de..., concelho de Lisboa: as liquidações de IMI n.ºs 2017 ..., 2017 ... e 2017..., de 8.3.2018, relativas ao ano de 2017; as liquidações de IMI n.ºs 2018 ..., 2018..., e 2018..., de 23.3.2019, relativas ao ano de 2018; e as liquidações de IMI n.ºs 2019 ..., 2019..., e 2019..., de 10.4.2020, relativas ao ano de 2019;
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A liquidação do AIMI n.º 2018..., de 30.6.2018, relativa ao ano de 2018; a liquidação do AIMI n.º 2019..., de 30.6.2019, relativa ao ano de 2019; e a liquidação do AIMI n.º 2020..., de 30.6.2020, relativa ao ano de 2020;
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Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida a reembolsar o montante de imposto indevidamente pago pela Requerente, que corresponde à diferença entre o montante já pago pela Requerente (€ 513.248,90) e o montante de IMI e AIMI dos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, referente aos terrenos para construção em causa, legalmente devido pela Requerente, a determinar pela AT tendo em consideração o VPT dos terrenos para construção calculado nos termos do artigo 45.º do Código do IMI (na redação em vigor à data dos factos), sem consideração do disposto nos artigos 38.º e 39.º do mesmo Código.
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VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 513.248,90.
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CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 7.956,00, que fica a cargo da Requerida em razão do decaimento.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de Maio de 2022
Árbitra Presidente
Rita Correia da Cunha
Árbitro vogal
Jorge Belchior de Campos Laires (relator)
Árbitro vogal
Jónatas Machado
(com declaração de voto)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Acompanhamos o ilustrado Acórdão quando sustenta, na linha de jurisprudência arbitral anterior, que a omissão do dever de decidir pela administração, no prazo legal para tal, constitui mero facto, que permite ao interessado o uso da via contenciosa adequada ao seu pedido; sendo este a anulação da liquidação de um imposto, o meio próprio é o processo de impugnação, do que resulta a competência, em razão da matéria, dos tribunais arbitrais (CAAD).
O Tribunal Arbitral é competente para conhecer de atos de indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa, quando os fundamentos do pedido de revisão consistam em ilegalidades praticadas em liquidações de tributos. Impende sobre a Administração Tributária o dever de decisão sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos sujeitos passivos (artigo 56.º, n.º 1, da LGT), dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 57.º, da LGT, cujo decurso faz presumir o indeferimento para efeitos de reação contenciosa. Deste princípio da decisão resulta a impugnabilidade da decisão que sobre o pedido venha a ser proferida, devendo igualmente admitir-se a possibilidade de o contribuinte poder “reagir contra o silêncio que sobre ele recair”. Estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, o meio processual adequado é a impugnação judicial.
A utilização analógica dos critérios estabelecidos para avaliação dos prédios urbanos edificados na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não previstos na norma específica do artigo 45.º, do CIMI, constitui erro na aplicação do direito, suscetível de alterar a base tributável e o cálculo do imposto. Todavia, o erro apontado viciou a fixação do VPT e não os atos de liquidação de IMI e AIMI em si mesmos, já que, na posição que sustentamos, não é imputável qualquer erro aos serviços que os emanaram, tal como se dispõe no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI.
Quanto à questão de saber se é aplicável ao caso o n.º 1 ou o n.º 4 do artigo 78.º da LGT, embora reconheçamos a existência de argumentos ponderosos no versado Acórdão no sentido da primeira posição, secundados, de resto, pelo TCAS no âmbito do Acórdão proferido no Proc. 2765/12.BELRS, de 31.10.2019, e por uma douta orientação jurisprudencial arbitral do CAAD[5], acompanhamos, ainda assim a AT quando esta sustenta que o ato de avaliação do VPT é um ato destacável, autonomamente impugnável, pelo que os vícios da fixação do VPT não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, também nesse sentido apontando outra orientação da jurisprudência arbitral, em que sustentámos idêntica posição e para cujos fundamentos mais desenvolvidos aqui remetemos[6].
Para este efeito, limitar-nos-emos a salientar que, não tendo sido impugnado, conforme permite o artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, não pode essa base tributável ser posta em causa nos atos de liquidação de IMI/AIMI. O legislador parece ter vindo a exigir a observância de um prazo de impugnação de três meses juntamente com o esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação, dessa forma reclamando do sujeito passivo uma medida razoável de due dilligence.
Sendo os atos de fixação do VPT atos destacáveis e antecedentes dos atos de liquidação, já se encontram consolidados na ordem jurídica, pelo que não é legal nem admissível a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação ou da decisão de indeferimento que se pronuncie sobre o ato de liquidação, uma vez que nesta sede tem como pressuposto o valor fixado na avaliação.
Não havendo erro imputável aos serviços, ainda assim o pedido de revisão oficiosa seria admissível ao abrigo do artigo 78.º, ns.ºs 4 e 5 da LGT, que se refere à revisão da matéria tributável apurada, onde se inclui a fixação do valor patrimonial dos imóveis, por via da respetiva avaliação. O referido n.º 4 prevê que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.
Este n.º 4 do artigo 78º da LGT, cujo sentido e efeito úteis entendemos ser melhor preservado pela interpretação que ora preconizamos, determina, no entanto, que esse pedido tenha que ser formalizado no prazo de três anos posteriores ao ato tributário, o que não aconteceu no que respeita às liquidações impugnadas do ano de 2017, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado a 29.01.2021. Em termos dos efeitos práticos da decisão, é este o alcance da nossa divergência relativamente ao Acórdão, circunscrito às duas liquidações de IMI respeitantes a 2017.
Diante consolidação do ato administrativo de fixação ilegal do VPT no sistema jurídico, por falta de impugnação atempada do sujeito passivo, o n.º 4 do 78.º do LGT assegura a concordância prática e o equilíbrio razoável entre as exigências de justiça material e tutela jurisdicional efetiva e os princípios da segurança jurídica e da legalidade e regularidade da atuação da administração tributária, todos eles ínsitos no princípio do Estado de direito.
Jónatas Machado
[1] Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado – vol I (5ª edição, Áreas Editora 2006), página 424 (anotação ao artigo 54º do CPPT).
[2] J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição (4ª ed., Almedina 2000), página 256.
[5] Cfr., por todos, Acórdão arbitral do CAAD proferido no Processo n.º 408/2021-T, 12.01.2022.
[6] Cfr., por todos, Acórdão arbitral do CAAD proferido no Processo n.º 398/2021-T, 10.03.2022.