Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 480/2021-T
Data da decisão: 2022-05-06  IVA  
Valor do pedido: € 400.844,29
Tema: IVA – Créditos sobre clientes cessados. Créditos de cobrança duvidosa
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SUMÁRIO:

 

No domínio do regime da regularização de IVA, enquanto créditos de cobrança duvidosa, previsto nos artigos 78º a 78º-D do CIVA, a circunstância de o adquirente devedor perder a qualidade de sujeito passivo do imposto não determina de per se uma acrescida limitação ao exercício de tal direito por banda do emitente, conquanto tal circunstância não seja indutora de um uso abusivo ou fraudulento do funcionamento do sistema do IVA.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Prof. Doutor Rui Duarte Morais (árbitro presidente), Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira e Dra. Adelaide Moura (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 26 de outubro de 2021, acordam no seguinte:

 

 

I.RELATÓRIO

 

 

A..., S.A., contribuinte n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, adiante designada por “Requerente”, apresentou, em 9 de agosto de 2021, pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 6º, n.º 2, alínea a) e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

A Requerente pretende a anulação do despacho de indeferimento de pedido de revisão oficiosa e a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial dos atos de autoliquidação de IVA efetuados para os seguintes períodos:

→  2016.09, 2016.10, 2016.11, 2016.12, 2017.01, 2017.02, 2017.03, 2017.04, 2017.05, 2017.06, 2017.07, 2017.08, 2017.09, 2017.10, 2017.11, 2017.12, 2018.01, 2018.02, 2018.03, 2018.04, 2018.05, 2018.06, 2018.07, 2018.08, 2018.09, 2018.10, 2018.11, 2018.12, 2019.01, 2019.02, 2019.03, 2019.04, 2019.05, 2019.06, 2019.07, 2019.08, 2019.09, 2019.10, 2019.11, 2019.12, 2020.01, 2020.02, 2020.03, 2020.04, 2020.05, 2020.06, 2020.07, 2020.08 e 2020.09, relativamente aos quais a Requerente considera que poderia ter regularizado a ser favor IVA sobre créditos de cobrança duvidosa no montante de 400 844.26 EUR.

 

→Pretende também o pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 

1– TRAMITAÇÃO

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 11 de agosto de 2021 e seguiu a sua normal tramitação.

 

Nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes, notificadas dessa designação em 6 de outubro de 2021, não manifestaram vontade de a recusar, atento o preceituado nos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 26 de outubro de 2021.

 

 

Em 2 de dezembro de 2021, a Requerida apresentou Resposta, suscitando duas exceções:

 

→     Incompetência material do Tribunal; e

→     Caducidade do Direito de Ação.

 

Defendeu-se também por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”).

 

Por despacho de 6 de dezembro de 2021, a Requerente foi notificada para se pronunciar sobre as exceções invocadas pela Requerida no prazo de 15 dias, tendo respondido às exceções em 6 de janeiro de 2022.

 

Por Despacho de 4 de janeiro de 2022, foi designado “o dia 19 de janeiro, às 15 horas, para a audição das testemunhas arroladas pela Requerente, as quais, para o efeito, deverão comparecer nas instalações do CAAD.”

 

Em 19 de janeiro de 2022, teve lugar a referida audição, na qual foram ouvidas três testemunhas arroladas pela Requerente, tendo as Partes sido notificadas para apresentarem alegações simultâneas no prazo de 30 dias.

 

Foi feita a advertência sobre a necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente por parte da Requerente, no prazo máximo de 15 dias após o termo do prazo para apresentação das alegações (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

 

Em 21 de fevereiro de 2022, Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações reiterando, em suma, o já alegado em cada um dos seus respetivos articulados.

 

Em 15 de abril de 2022 foi prorrogado, por 2 meses, o prazo para ser proferida a decisão arbitral, nos termos do art. 21º, nº 2, do RJAT.

 

 

2- POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

 

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega que

a) Foi impossibilitada de regularizar IVA a seu favor e, como tal, de deduzir IVA relativamente ao qual tinha direito à dedução, por o Portal das Finanças não permitir a apresentação de Pedidos de Autorização Prévia (“PAP’s”), necessários à regularização de IVA, quando o devedor tenha cessado a sua atividade.

b) Emite mensalmente mais de dois milhões de faturas, liquidando e entregando ao Estado o IVA constante dessas mesmas faturas.

c) Tendo em consideração a natureza da atividade e o volume de faturas emitidas mensalmente a uma multiplicidade de clientes, depara-se com um nível considerável de incumprimento por parte dos seus clientes do pagamento dos serviços prestados.

d) Uma parte dos créditos de cobrança duvidosa decorre de faturas emitidas a sujeitos passivos de IVA (sejam pessoas singulares ou coletivas) cuja atividade económica, para efeitos fiscais, já havia cessado à data da emissão da fatura (“clientes cessados”).

e) Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2018..., de 22.06.2018, foi alvo de procedimento de inspeção (externa) tributária, de âmbito geral, com referência ao ano de 2016, em que a AT concluiu que não poderia regularizar o IVA relativo a créditos detidos sobre clientes cessados (em concreto, sociedades dissolvidas, algumas já liquidadas) por estas circunstâncias não estarem especialmente previstas no elenco de fundamentos de incobrabilidade descrito no artigo 78.º-A, n.º 4 do Código do IVA (cfr. Relatório de Inspeção junto pela Requerente como documento n.º 1).

f) Como não pôde considerar os referidos créditos como incobráveis para efeitos de regularização de IVA, pretendeu proceder à sua regularização qualificando-os como de cobrança duvidosa já que, nestes casos, a regularização do IVA é permitida com base na mora e na realização de diligências de cobrança.

g) Este procedimento exige a apresentação de um pedido de autorização prévia (“PAP”), que deverá ser decidido pela AT no prazo de quatro meses, ou que, não o sendo, se presume deferido decorrido esse prazo (para pedidos submetidos antes de 1 de abril de 2020, o prazo aplicável é de oito meses).

h) Ao tentar apresentar os PAPs necessários para regularizar a seu favor o IVA relativo a créditos sobre clientes cessados, a Requerente deparou-se com a impossibilidade prática de submeter os pedidos uma vez que o Portal das Finanças não permitia a sua submissão.

i)  À data de elaboração do pedido de pronúncia arbitral, a funcionalidade no Portal das Finanças que permite a submissão dos PAPs já foi alterada.

j) À data a que respeitam as autoliquidações em discussão, a Requerente viu-se impedida de proceder às referidas regularizações e, consequentemente, de reaver o respetivo imposto adiantado ao Estado, apesar de os referidos créditos cumprirem todas as condições para que o IVA pudesse ser deduzido.

k) Em 10 de novembro de 2020, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, apresentou um pedido de revisão oficiosa dos atos de autoliquidação de IVA, referentes aos períodos de imposto compreendidos entre setembro de 2016 (2016.09) e setembro de 2020 (2020.09) (v. documento n.º 5 junto pela Requerente).

l) A AT indeferiu o pedido de revisão oficiosa com fundamento em intempestividade parcial do pedido, inexistência de erro imputável aos serviços, e falta de fundamentos para a regularização do IVA pretendida.

 

3 - POSIÇÃO DA REQUERIDA

A Requerida remete para o Processo Administrativo-Tributário a descrição dos factos fiscalmente relevantes, meios de prova e fundamentação legal de suporte das conclusões que determinaram o indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa.

Entende, em suma, que

  1. A Requerente não juntou ao pedido de revisão oficiosa o a seguir enumerado e, por isso, não se pode considerar que estejam reunidos os requisitos para a regularização do imposto a favor da Requerente:

 

(i) As faturas em relação às quais pretendia regularizar o IVA;

 

(ii) Qualquer prova de que tenha efetuado diligências com vista à cobrança dessas faturas;

 

(iii) Prova da imparidade;

 

(iv) Prova de que os destinatários dessas faturas realizem exclusivamente operações isentas que não confiram o direito à dedução;

 

(v) Prova de que tenha dado conhecimento aos destinatários das faturas de que iria proceder à regularização de imposto;

 

(vi) Prova de que emitiu as ditas faturas contendo os elementos obrigatórios previstos no nº 5 do artigo 36º do CIVA;

 

  1. Pugna ainda pela improcedência total dos pedidos da Requerente com fundamento na incompetência do Tribunal Arbitral ou na caducidade do Direito de Ação.

 

 

II.SANEAMENTO

 

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O processo não enferma de nulidades.

 

A Requerida, conforme já referido, invocou duas exceções - a incompetência material do Tribunal e, se esta não relevar, a caducidade do direito de ação, as quais serão apreciadas e decididas a final.

 

 

III- FACTOS PROVADOS

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, cujo objeto social consiste no estabelecimento, conceção, construção, gestão e exploração de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas, bem como na prestação de serviços de comunicações eletrónicas e de transporte e difusão de sinal de telecomunicações.
  2. A Requerente adotou, desde 2004, um Plano Internacional de Contas ao nível da codificação das diversas contas para efeitos de registos contabilísticos.
  3. Não obstante, a Requerente dispõe de contabilidade organizada nos termos do SNC (Sistema de Normalização Contabilística), cumprindo os requisitos do artigo 44º do CIVA e do artigo 123º do CIRC – cfr. II.3.3. (pág. 8 do Relatório de inspeção constante de Doc. 1 junto com o PPA).
  4. A Requerente adotou, a partir de 2016, as Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS ou IAS), incluindo todas as interpretações do International Financial Reporting Interpretation Comitee em vigor no final de 2016.
  5. A Requerente é um contribuinte sujeito a IRC pelo regime geral de acordo com o artigo 3º Código do IRC, sendo tributada de acordo com o regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto nos artigos 69º e seguintes do Código do IRC
  6. A Requerente é um sujeito passivo de IVA cuja atividade tributável consiste maioritariamente na prestação de serviços de comunicações eletrónicas, de acordo com o disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 41º do Código do IVA.
  7. A Requerente encontra-se enquadrada no regime normal mensal, em conformidade com o disposto no artigo 41.º n.º 1 alínea a) do Código do IVA.
  8. A Requerente submeteu autoliquidação de IVA relativa ao período de setembro de 2016 em 07.11.2016.
  9. A Requerente é considerada um “Grande Contribuinte”, constando do Cadastro Especial de Contribuintes, conforme Despacho do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) n.º .../2013, de 30 de maio.

 

  1. No âmbito da sua atividade de prestação de serviços de comunicações eletrónicas, a Requerente emite mensalmente mais de dois milhões de faturas, liquidando e entregando ao Estado o IVA constante dessas mesmas faturas.

 

  1. Devido à natureza da sua atividade e ao volume de faturas emitidas mensalmente, a Requerente depara-se com um nível considerável de incumprimento, já que uma parte relevante das faturas por si emitidas nunca chega a ser paga.

 

  1. Este incumprimento resulta numa quantidade avultada de créditos em mora ou incobráveis, gerando discrepâncias entre os valores faturados e os valores efetivamente recebidos.

 

  1. Uma parte desses créditos tidos como incobráveis ou em mora por parte da Requerente decorre de faturas emitidas a clientes cuja atividade se encontra cessada.

 

  1. Sempre que as faturas emitidas pela Requerente não chegam a ser pagas pelos clientes da Requerente, o IVA constante das mesmas é suportado diretamente pela Requerente quando esta o entrega ao Estado, sem que tenha recebido a contrapartida pela disponibilização dos seus serviços, acrescida de IVA, dos clientes incumpridores.

 

  1. Como tal, a Requerente fica recorrentemente obrigada a adiantar ao Estado o IVA liquidado mas não recebido.

 

  1. A Requerente, após a constatação de  mora relativamente a faturas emitidas, procede à emissão de mensagens de texto ao cliente, dando a conhecer a situação de mora e facultando prazo para a regularização, o que não sucedendo, leva a nova comunicação, por carta, ao cliente conferindo novo prazo para regularização e mais tarde, persistindo a situação do não pagamento, são os advogados da Requerente a remeterem outra comunicação para o efeito.
  2.  A Requerente, através de equipa estabelecida para o efeito, filtra e monitoriza a verificação dos requisitos que lhe possibilitam a regularização a seu favor do IVA relativo a créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa, a fim de encetar as diligências tendentes à regularização do imposto, desde logo, remetendo a necessária informação para Revisor Oficial de Contas para efeitos de certificação das diligências de cobrança efetuadas.

 

  1. A Requerente enceta as diligências pertinentes em ordem à regularização do IVA, seja como crédito incobrável, seja como crédito de cobrança duvidosa, conforme a verificação dos requisitos de cada destes dois regimes de regularização ocorra em primeiro lugar.

 

  1. Relativamente a 2016, a Requerente procedeu à regularização a seu favor de imposto, no montante de € 541.716,40, ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 4 do CIVA – regularização de créditos incobráveis, relativo a IVA constante em faturas de clientes cessados e/ou dissolvidos.

 

  1. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2018..., de 22.06.2018, foi realizado um procedimento de inspeção externa, de âmbito geral, com vista a verificar o cumprimento da situação tributária global da Requerente, com referência ao ano de 2016.

 

  1. De entre as correções tributárias decorrentes de tal ação inspetiva, resultou a referente à correção de € 541.716,40, montante este que havia sido incluído pela Requerente no campo 40 de declaração periódica de 2016, relativamente a um total de € 26.145,724,40 inscritos no campo 40.

 

  1. Tal montante de € 541.716,40 correspondia, segundo o relatório de inspeção tributária (RIT), a IVA regularizado a favor da Requerente relativamente a créditos sobre sociedades cessadas e/ou dissolvidas – cfr. Documento n.º 1 junto com o PPA.

 

  1. A correção de tal valor de IVA regularizado a favor da Requerente foi sustentado no RIT baseado na seguinte conclusão:

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  1.  Na sequência das correções tributárias levadas a efeito pela Autoridade Tributária no âmbito do RIT, as quais não admitiram a regularização enquanto créditos incobráveis do IVA relativo a clientes devedores cuja atividade se mostrava cessada, veio a Requerente a tentar proceder à regularização a seu favor do IVA ao abrigo do regime dos créditos de “cobrança duvidosa”.

 

  1. Para efetivação de tal pretendida regularização, a Requerente submeteu na plataforma “Portal das Finanças” “Pedido de Autorização Prévia”, decorrente do disposto no artigo 78º-B, n.º 1, 4 e 5 do CIVA, preenchendo os respetivos campos para o efeito previstos na referida plataforma.

 

  1. Procedimento este de submissão dos PAP’s que até Junho de 2020, foi efetuado através de através de robô desenvolvido pela Requerente, baseado num ficheiro de excel, de onde constavam todos os dados necessários ao correto preenchimento e submissão daqueles pedidos.

 

  1. De entre a informação solicitada pela funcionalidade vinda de referir no ponto anterior, torna-se necessária, para efeitos de submissão de cada pedido, a introdução de número de identificação fiscal do devedor, número de identificação fiscal do emitente da fatura; número de identificação fiscal do ROC ou Contabilista Certificado que efetuou a certificação, número da fatura da qual consta o crédito de cobrança duvidosa, data da emissão da fatura, data de vencimento do crédito de cobrança duvidosa, período de imposto em que foi entregue a declaração periódica contendo o valor da fatura, base tributável constante da fatura, valor total do imposto liquidado na fatura e valor do imposto a regularizar

 

  1. Ao tentar submeter, junto da plataforma informática do Portal das Finanças, os pedidos de Autorização Prévia relativos a 27.984 créditos que entendia serem de cobrança duvidosa, tal qual constam da listagem anexa ao PPA como Documento n.º 2, a Requerente deparou-se com a impossibilidade de concretização dos mesmos, porquanto a funcionalidade gerava a mensagem: “Fatura inválida – adquirente cessado à data da fatura”, ao invés de gerar a validação do pedido, através da apresentação do número do pedido a que correspondia tal submissão.

 

  1. Ao tentar submeter, junto da plataforma informática do Portal das Finanças, os pedidos de Autorização Prévia relativos a 482 créditos que entendia serem de cobrança duvidosa, tal qual constam da listagem anexa ao PPA como Documento n.º 2, a Requerente deparou-se com a impossibilidade de concretização dos mesmos, porquanto a funcionalidade gerava a mensagem “O número fiscal do adquirente é inválido”, ao invés de gerar a validação do pedido, através da apresentação do número do pedido a que correspondia tal submissão.

 

 

  1. A Requerente não veio assim a lograr a entrega de tais pedidos de autorização prévia sobre o IVA relativamente aos créditos enumerados no Documento n.º 2 junto com o PPA.

 

  1. Consequentemente, a Requerente não procedeu à regularização do imposto relativo a tais créditos enquanto créditos de “cobrança duvidosa”.

 

  1. A plataforma informática “Portal das Finanças” disponibiliza funcionalidade de consulta à situação cadastral dos contribuintes, através da inserção do respetivo NIF, pela qual é possível obter a informação sobre se o NIF objeto de pesquisa se encontra ou não com a atividade cessada.

 

  1. Tal funcionalidade pressupõe a introdução individualizada, isto é, de um NIF por cada consulta, não estando disponível qualquer opção de consulta “em massa” de um conjunto de NIF’s.

 

  1. Veio a Requerente, em 10.11.2020, a apresentar Pedido de Revisão Oficiosa (Revisão), tendo por objeto as autoliquidações de IVA  dos períodos mensais de 2016.09,  2016.10,  2016.11, 2016.12,  2017.01, 2017.02, 2017.03, 2017.04, 2017.05, 2017.06, 2017.07, 2017.08, 2017.09, 2017.10, 2017.11, 2017.12, 2018.01, 2018.02, 2018.03, 2018.04, 2018.05, 2018.06, 2018.07, 2018.08, 2018.09, 2018.10, 2018.11, 2018.12, 2019.01, 2019.02, 2019.03, 2019.04, 2019.05, 2019.06, 2019.07, 2019.08, 2019.09, 2019.10, 2019.11, 2019.12, 2020.01, 2020.02, 2020.03, 2020.04, 2020.05, 2020.06, 2020.07, 2020.08 e 2020.09 relativamente às quais entendia poder ter regularizado a seu favor o IVA sobre créditos de cobrança duvidosa, no valor total de € 400 844,29 – cfr. Doc. 5 junto com o PPA;

 

  1. Em tal Revisão, a Requerente invocou que, não tendo possibilidade de regularizar a seu favor o IVA relativo a créditos sobre clientes ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 4 do CIVA – créditos incobráveis – em resultado das correções efetuadas pelo RIT, poderia proceder a tal regularização ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 2 do CIVA, isto é, enquanto créditos de cobrança duvidosa.

 

  1. A AT proferiu projeto de indeferimento sobre tal Revisão, tendo a Requerente exercido o seu direito de audição prévia – cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida.

 

  1. Através de despacho proferido em 05.05.2021 por subdelegação de competências, proferido pelo Chefe de Divisão da Unidade de Grandes Contribuintes da Divisão de Justiça Tributária, veio a Revisão a ser objeto de indeferimento, sustentado, em síntese, com base na respetiva informação precedente daquela unidade orgânica, na intempestividade do pedido no que se refere à Revisão dos períodos de setembro de 2016 a outubro de 2018, por esgotamento do prazo de 2 anos para efeito constante do artigo 131º do CPPT e que, mesmo caso se pretendesse entender como um “erro imputável aos serviços”, ainda assim idêntica conclusão se aplicaria relativamente à autoliquidação de setembro de 2016.

 

  1. Quanto à fundamentação para o indeferimento da Revisão, também no que à substância do meio de defesa deduzido diz respeito, entendeu, em suma, a AT o seguinte:

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  1.   Inconformada com o indeferimento, veio a Requerente, em 09.08.2021 a deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral, o qual deu lugar à instauração dos presentes autos.

 

 

 

IV- FACTOS NÃO PROVADOS

 

Nada ficou provado relativamente às razões determinantes da emissão das mensagens referidas em 29 dos factos provados.

 

 

  1. - FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, na prova testemunhal e no posicionamento das partes face à factualidade aduzida.

No caso destes autos arbitrais, inexiste qualquer motivo para desconsiderar os factos alegados pela Requerente e os documentos juntos ao PPA, nomeadamente o teor de Documento n.º 2, sendo crível que a Requerente tenha, efetivamente, levado a efeito a submissão dos pedidos de autorização prévia aí listados e não validados pela plataforma informática. Não se afigura suficientemente relevante a circunstância de se tratar de documento de natureza interna - o que se justifica até por via do elevado quantitativo de créditos em causa e pela automatização do preenchimento dos PAP’s até Junho de 2020 - para levar o Tribunal Arbitral a duvidar da sua correspondência com a realidade que o mesmo pretende espelhar. Acresce ainda a circunstância da prova testemunhal produzida ter confirmado a efetivação de tal procedimento relativamente aos créditos cuja regularização a Requerente pretende.

A prova testemunhal logrou demonstrar a existência de um procedimento interno de filtragem dos créditos suscetíveis de serem considerados para efeitos de posterior tramitação com vista à regularização em sede de IVA, ao abrigo do regime de regularização de “créditos incobráveis” ou de “cobrança duvidosa”, consoante entendessem como primeiramente verificados os respetivos requisitos legais de cada um dos dois regimes.

Assim, não tendo sido produzida qualquer prova que abale a credibilidade do documento referido, a qual foi, de resto, corroborada pelas testemunhas, entende o Tribunal arbitral considerar por provado que a Requerente executou o procedimento relativo aos pedidos de autorização prévia relativos aos clientes devedores que de tal Documento n.º 2 constam.

 

As testemunhas inquiridas consubstanciaram o acervo factual que já resultava da prova documental, tendo demonstrado conhecimento pessoal sobre os factos que relataram; responderam de forma objetiva e detalhada às questões que lhes foram colocadas, tendo-se abstido de responder a questões relativas a factos que não eram do seu conhecimento, merecendo assim um juízo de credibilidade, não obstante se reconhecer a proximidade, por via da relação laboral que mantêm para com a Requerente, o que no entender deste coletivo arbitral não foi suscetível de comprometer a isenção e objetividade dos depoimentos prestados.

 

 

VI  -DO DIREITO:

 

1. Da Incompetência material deste tribunal arbitral:

Invoca a Requerida a existência de exceção dilatória por incompetência material deste tribunal arbitral, obstativa do conhecimento do pedido e assim conducente à absolvição da desta da instância, nos termos dos artigos 576º, n.º 1 e 577º, alínea a), ambos do CPC, por força do artigo 29º, n.º 1, al. a) do RJAT.

Assim, segundo a Requerida, por força do estatuído no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais se não forem precedidos de reclamação graciosa, nos termos do artigo 131.º do CPPT, uma vez que o legislador no artigo 2º da versada portaria não procedeu à equiparação do procedimento de revisão oficiosa ao recurso à via administrativa, maxime, à reclamação graciosa. Tendo a Requerente optado pelo procedimento  de revisão oficiosa, restar-lhe-ia, a via da impugnação judicial, estando vedada a possibilidade, por falta de competência material do CAAD, para a dedução do presente pedido de pronúncia arbitral.

Exposta sumariamente a exceção que nos atém, cumpre apreciar.

Por força da remissão do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais constituídos nos termos desse diploma fica na dependência do disposto na Portaria n.º 112- A/2011, designadamente quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Dispõe-se no artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011 que a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Porém, não se descortina, de entre as razões avançadas pela Requerida, uma razão substancial para que, atentos os condicionalismos e especificidades próprios de cada um dos meios graciosos em causa, não seja cognoscível em sede arbitral a legalidade dos atos de autoliquidação nos mesmos termos em que acontece relativamente aos tribunais tributários. Aliás, mesmo uma interpretação estritamente literal, desde que devidamente contextualizada, não conduziria ao resultado propugnado pela Requerida.

Com efeito, a expressão empregue pela norma em questão é paralela à própria norma do artigo 131.º/1 do CPPT, o que deverá ser compreendido e entendido como uma concretização da pacificamente reconhecida intenção legislativa de que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.   

A norma da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de Março deverá também ser entendida pela circunstância de, na sua ausência – e face ao teor do artigo 2.º do RJAT – se perfilar como possível a impugnação direta de atos de autoliquidação sem precedência de pronúncia administrativa prévia.

Ou seja, tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia à impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da Portaria deve ser interpretado como equiparando – nesta matéria – o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial.

O propósito legislativo visado por estas normas é a de garantir que a autoliquidação seja objeto de uma pronúncia prévia por parte da AT, por forma a racionalizar o recurso à via judicial, a qual só se justificará se existir uma posição divergente, isto é, um verdadeiro “litígio”.

Assim, o legislador concede à AT a oportunidade e o direito de se pronunciar sobre o erro na autoliquidação do contribuinte e de fundamentar a sua decisão antes de ser confrontada com um processo contencioso.

Ora, a revisão oficiosa é uma das vias possíveis de alcançar essa pronúncia da AT. Aliás, frequentes vezes será a única, pois, em geral, o prazo para a reclamação graciosa em caso de erro na autoliquidação é de dois anos e o da revisão oficiosa de quatro anos, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago (artigo 78.º, n.º 1 da LGT, na redação à data dos factos). 

Assim, razão alguma se vê para que se interprete de forma diferente uma e outra norma, tanto mais que a letra da norma da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de março acaba por ser menos restritiva que a do CPPT, na medida em que não integra a expressão “obrigatoriamente”, nem se refere a “reclamação graciosa”, mas a “via administrativa”.

Daí que seja possível uma leitura da própria letra da lei que se contenha no sentido de que apenas está afastado do âmbito da jurisdição arbitral tributária o conhecimento de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa em termos compatíveis com os artigos 131.º a 133.º do CPPT.

Aliás, é unívoca a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo (cfr., por todos, os acórdãos de 27 de Abril de 2017, processo n.º 08599/15, e de 25 de Junho de 2019, processo n.º 44/18.6BCLSB) sobre a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de atos de autoliquidação na sequência da apresentação de pedidos de revisão oficiosa, como sucedeu nos presentes autos, em que se aprecia a decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.

E é esta a leitura que se subscreve, na sequência do acórdão proferido nos processos 48/2012-T do CAAD e jurisprudência arbitral subsequente, designadamente, nos processos 670/2015; 122/2016 e 13472017, não se concebendo, na medida em que a interpretação efetuada se contém na letra da lei, que daí possa decorrer a violação de qualquer preceito constitucional, maxime, dos indicados artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 111.º e 266.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Similar entendimento foi sufragado no âmbito do processo n.º 617/2015-T pelo Tribunal Arbitral no qual foi árbitro presidente o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, nos termos do qual “nos  casos  em  que  é  formulado  um  pedido  de  revisão  oficiosa  de  acto  de  liquidação  é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa.

Por  outro  lado,  é  inequívoco  que  o  legislador  não  pretendeu  impedir  aos  contribuintes  a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.”

Concluindo a decisão arbitral em referência que o “…artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º,  n.º 1,  da LGT,  viabiliza a apresentação  de  pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa. (…) Improcede, assim, esta excepção de incompetência, derivada de não ter sido apresentada  reclamação  graciosa  dos  actos  de  autoliquidação.”

Igualmente, no que tange à invocada desconformidade constitucional, por violação dos também aqui se afigura ser a mesma carecida de fundamento.

A conformidade da interpretação que se vem sustentando com o parâmetro constitucional foi confirmada pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 244/2018, de 11 de Maio de 2018.

Do teor de tal aresto, flui claramente não estar em causa a ampliação da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, mas antes e sim o interpretar uma norma da portaria que exclui essa vinculação, pelo que não se verificando uma exclusão expressa, não se poderá dizer que estamos perante uma ampliação da vinculação, mas tão-somente perante interpretação de norma de exclusão de vinculação”.

Também ainda decorre da decisão já supra identificada, não se suscitar uma derrogação da garantia de acesso à tutela jurisdicional efetiva para tutela dos interesses públicos por parte da administração, uma vez que o artigo 209.º, n.º 2 da Constituição prevê expressamente a existência de tribunais arbitrais na ordem jurídica portuguesa que exercem a função jurisdicional com os tribunais estaduais, de onde não se pode deixar de considerar debeladas quaisquer dúvidas que pudessem persistir relativamente à conformidade da solução que se vem propugnando com o texto fundamental do ordenamento jurídico português.

 São, desta forma, afastadas eventuais dúvidas que subsistissem acerca da conformidade constitucional da solução que ora se acolhe.

Assim, e face a todo o exposto, não assistindo razão à Requerida nesta matéria, julga-se desprovida de provimento a exceção erigida pela Requerida.

Não obstante, importa ter presente que, pese embora anunciada pela Requerida como configurando uma questão de “incompetência material”, entende este tribunal arbitral que a melhor apreciação da exceção suscitada configurará antes uma questão atinente à (in)impugnabilidade do ato tributário artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4 alínea i) do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais (“CPTA”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT e não de competência (material) do tribunal arbitral.

Pela sua clareza e aderência à situação dos vertentes autos e por entenderemos inexistir qualquer razão para que não se secunde o entendimento que dimana do recentemente decidido pelo CAAD, no âmbito do processo 397/2019-T, segundo o qual:

“Por fim, importa precisar que, em rigor, a exceção suscitada não se enquadra nem corresponde ao pressuposto da competência (material) dos Tribunais Arbitrais. Este pressuposto está delimitado no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT e compreende a apreciação da ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta (alínea a)); e de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais (alínea b)). Não oferece dúvidas que a questão submetida à apreciação deste Tribunal respeita a atos de autoliquidação (de IRC) que cabem nas competências previstas na norma legal em referência.

 O problema deve ser juridicamente analisado na perspetiva das condições de impugnabilidade do próprio ato tributário (e não da competência do tribunal), pois o que está em causa é a necessidade de uma (específica) interpelação administrativa prévia (impugnação administrativa necessária) que, para a AT, teria de revestir necessariamente a forma procedimental de reclamação graciosa, enquanto que para a Requerente abrange igualmente o pedido de revisão oficiosa.

 Este requisito configura o pressuposto processual da inimpugnabilidade do ato (in casu, do ato de autoliquidação, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4 alínea i) do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais (“CPTA”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT (sobre esta questão vide VIEIRA DE ANDRADE, “Justiça Administrativa (Lições)”, 9.ª edição, Almedina, 2007, p. 305 e segs.).  Dito de outro modo, se a tese da AT tivesse vencimento, o Tribunal Arbitral seria competente, mas o ato seria inimpugnável, pelo que do mesmo não poderia conhecer.

 Em qualquer caso, independentemente da sua qualificação jurídica como incompetência do Tribunal ou como inimpugnabilidade do ato, a exceção suscitada pela Requerida é improcedente, pois não corresponde à melhor interpretação das normas aplicadas, que é a de que se encontram abrangidas pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria de Vinculação as pretensões que se prendam com a ilegalidade de atos de autoliquidação que sejam precedidos de pedido de revisão oficiosa, pelo que este Tribunal Arbitral é competente em razão da matéria e não se encontra impedido de conhecer dos vícios imputados aos atos de autoliquidação de IRC (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).”

Em face de tudo o quanto se vem assentando e não obstante se reconhecer a dissonância inicial existente no âmbito das decisões arbitrais, certo é que tal dissensão veio a ser debelada e pacificada, existindo hoje jurisprudência consolidada, quer arbitral, quer dos tribunais superiores, quando à impugnabilidade arbitral na sequência da revisão oficiosa, na medida em que o ato tributário de segundo grau tenha conhecido da legalidade em concreto do ato tributário de liquidação subjacente.

Não se encontrando sequer questionado nestes autos a não apreciação em sede de revisão oficiosa da legalidade em concreto dos atos de autoliquidação e não se colocando qualquer óbice em matéria de impugnabilidade, também por via arbitral, dos atos tributários de autoliquidação, não pode a exceção dilatória invocada pela Requerida deixar de improceder.

 

2.  Da Intempestividade do Pedido de Pronúncia Arbitral:

Ainda em matéria de exceções, invoca a Requerida a intempestividade do Pedido de Pronúncia Arbitral deduzido, fundada no entendimento que o erro sobre a possibilidade de regularização do IVA enquanto crédito de “cobrança duvidosa” se deveu exclusivamente à Requerente e não a qualquer erro dos serviços (leia-se, da AT), concluindo que, aquando da apresentação do pedido de Revisão Oficiosa, já o prazo para o exercício de tal direito se havia esgotado relativamente aos períodos mensais de setembro de 2016 a outubro de 2018, razão pela qual, neste segmento, o PPA seria intempestivo, o que não poderá deixar de originar a absolvição da Requerida da instância, por caducidade do direito de ação.

Entende assim ser aplicável o prazo de dois anos previsto para a reclamação administrativa - a que alude a parte inicial do mesmo n.º 1, com remissão para o prazo para reclamação graciosa de atos de autoliquidação, previsto no artigo 131.º do CPPT - e não o decorrente de erro imputável aos serviços.

Contrapõe a Requerente, sustentando estar-se perante erro imputável aos serviços, leia-se à AT, razão pela qual, dispunha de quatro para acionar o mecanismo de Revisão deduzido, dedução essa que o fez dentro do prazo estabelecido in fine do n.º 1 do artigo 78º da LGT

Atentemos assim nesta matéria de exceção.

Em matéria de Revisão Oficiosa, dispõe o n.º 1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária (LGT) o seguinte:

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”

Considerando o teor do normativo vindo de citar e a concreta natureza dos atos tributários em presença e análise nestes autos – autoliquidações de IVA - relevante se torna atentar no disposto no n.º 1 do artigo 131º do CPPT, segundo o qual: “Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.”

Resulta assim da leitura conjugada dos preceitos vindos de citar que o prazo para a apresentação de meio gracioso de defesa contra os atos de autoliquidação de IVA, no caso  os  relativos aos períodos mensais de Setembro de 2016 a Setembro de 2020, é de 2 anos, em caso de erro na autoliquidação, ou de quatro anos, caso se esteja perante “erro imputável aos serviços”.

Apreciada e dilucidada que foi supra a questão tangente à admissibilidade Revisão (e para cuja fundamentação aí constante remetemos), enquanto etapa prévia à impugnação por via arbitral, inclusivamente nos casos em que estejam em causa autoliquidações, como é o caso do IVA, impõe-se concluir que, para a aferição da tempestividade deste PPA, assume relevância central decidir sobre os fundamentos que estão na base do pedido de tal Revisão, isto é, se a eventual ilegalidade dos atos tributários sindicados por via daquela  se consubstancia e reconduz em erro imputável à AT (como defende a Requerente) ou, ao invés, se fundam em erro imputável ao próprio contribuinte.

Sendo que, da resposta a tal questão se colherá o provimento ou não da exceção de intempestividade aventada pela Requerida, de resto, já anteriormente sustentada para efeitos do indeferimento da Revisão apresentada pela Requerente.

O instituto da revisão constitui uma concretização do dever de revogar atos ilegais e, como tal, a AT deve proceder dessa forma nas hipóteses em que ocorram erros nas liquidações que se corporizem na arrecadação de imposto em valor superior ao legalmente previsto.

Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade em que se enforma a atividade da AT impõem essa correção oficiosa.

Ou seja, se é admissível a revisão do ato tributário por impulso do contribuinte no prazo da impugnação administrativa, por outro, a AT, por iniciativa do contribuinte, também pode promover essa mesma «revisão oficiosa».

Veja-se, nesta linha de entendimento a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0886/14, de 19/11/2014, segundo a qual: “Decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a revisão oficiosa de actos tributários a que alude a parte final do n.º 1, do art. 78.º da LGT “por iniciativa de administração tributária” pode realizar-se a pedido do contribuinte (art. 78.º, n.º 7 da LGT), sendo o indeferimento, expresso ou tácito, desse pedido de revisão susceptível de impugnação contenciosa, nos termos do art. 95.º, n.º 1 e 2, al. d) da LGT e art. 97.º, n.º 1, al. d) do CPPT, quando estiver em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação e não prejudicando essa possibilidade a circunstância do pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado muito depois de esgotados os prazos de impugnação administrativa, mas dentro do prazo dos 4 anos para a revisão do acto de liquidação  “por iniciativa de administração tributária””.

O pedido de revisão também tem assim de assentar em “erro imputável aos serviços” e ser apresentado no prazo de quatro anos, sendo que tal erro compreende não só o erro de facto ou material, o lapso, mas como igualmente o erro de direito.

Isso mesmo decorre da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo supra mencionado, nos termos do qual: “…tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do art. 266.º da Constituição como o artigo 55.º da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei…”.

Exige-se pois a verificação de três diferentes requisitos:

a) formulação no prazo de quatro anos contados a partir do ato cuja revisão se solicita;

b) tenha origem em “erro imputável aos serviços”;

c) proceda da iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT; 

Assim, ultrapassado o prazo para a impugnação judicial ou reclamação graciosa, o legislador prevê a possibilidade do ato tributário ser objeto de revisão caso se verifique, requisito essencial dessa mesma revisão oficiosa, que o erro seja imputável aos serviços.

Como já supra se referiu, o “erro imputável aos serviços” compreende os vícios de direito e de facto, não ficando abrangidos quaisquer vícios de índole formal, como seja a falta de fundamentação ou a omissão de audição prévia, mas e em qualquer caso, tal desconformidade legal não poderá ser assacável ao contribuinte, isto é, não poderá ficar a dever-se a uma atitude negligente deste, seja comissiva ou por omissão.

Isso mesmo resultando do já supra referida jurisprudência do STA “…qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro…”.

No caso dos autos em apreciação, constata-se que as autoliquidações de IVA que servem de objeto à Revisão, como decorre do teor literal da própria expressão, foram apuradas e submetidas pela Requerente, de onde poder-se, numa primeira análise, concluir pelo arredamento da possibilidade de os vícios apontados às mesmas pela Requerente serem insuscetíveis de configurar “erro imputável aos serviços”, por serem fruto de comportamento negligente da Requerente.

Sucede que assim não se propugna no caso vertente, porquanto, se é certo que foi a Requerente quem submeteu os atos tributários objeto da Revisão, também é certo que o quantum neles apurado não decorre de um qualquer erro de direito, lapso ou erro material.

No caso em apreciação, a Requerente apurou o IVA considerado devido em cada um dos períodos mensais objeto de Revisão.

Por força da ocorrência superveniente de factos reputados pela Requerente como tributariamente relevantes para o efeito da diminuição do quantum inicialmente apurado, nomeadamente, a existência de créditos junto de clientes devedores cujo prazo de incumprimento ou mora permitiam o direito à regularização enquanto créditos de “cobrança duvidosa”, procedeu às diligências tendentes à efetivação de tal direito.

Isto é, a causa de pedir do pedido de Revisão não tem por base a existência de qualquer erro de facto ou de direito resultante do apuro efetuado pela Requerente aquando da submissão das autoliquidações, mas antes resulta da ocorrência de factos temporalmente posteriores a tais atos tributários, designadamente a existência de créditos em mora há 24 meses (ou 12 meses, por força da redação da Lei n.º 2 /2020, de 31 de março) e cuja regularização a AT terá negado.

Factos esse que a Requerente entendia serem suscetíveis de permitir a regularização do respetivo IVA ao abrigo do n.º 2 do artigo 78º-A do CIVA e cujo procedimento tendente a tal desiderato tentou efetuar, sem sucesso, devido à “impossibilidade técnica” gerada pela Requerida, através da plataforma eletrónica do Portal das Finanças a que se referem os n.º 1 e 10 do artigo 78º-B do CIVA, impossibilidade essa que a Requerente entende geradora de ilegalidade das autoliquidações.

Assim, é insuscetível de imputação à Requerente qualquer comportamento negligente relativamente ao quantum dos atos tributários submetidos, uma vez que o instituto da regularização de créditos de “cobrança duvidosa” pressupõe, desde logo e entre outros requisitos, o esgotamento de um determinado período temporal, em ordem à possibilidade de exercício do direito à redução do valor tributável do IVA.

Como vem sustentando o Supremo Tribunal administrativo, processo n.º 0886/14, de 19/11/2014 “…qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro”

No caso que nos atém, a Requerente arguiu efetivamente a existência de erro imputável aos serviços (AT) e entende-se que o vício apontado é configurável como erro sobre os pressupostos de facto e de direito - por ilegal inadmissibilidade do direito à regularização, conforme fundamentação constante do ponto VI.2. da presente decisão e que aqui se dá por integralmente reproduzida  - e desse modo, passível de ser imputado à Requerida, razão pela qual não poderá deixar de se permitir a sua sindicância no prazo de quatro anos estabelecido na parte final do n.º 1 do artigo 78º da LGT, assim se rejeitando o argumento da Requerida segundo o qual dispunha a Requerente de um prazo máximo de dois anos, nos termos do n.º 1 do artigo 131º do CPPT, para, querendo, deduzir pedido de revisão oficiosa.

No entanto, impõe-se, ainda assim, perscrutar da tempestividade da dedução do pedido de Revisão ao abrigo do referido prazo de quatro anos referido na parte final do n.º 1 do artigo 78º da LGT, no âmbito da qual a Requerida invocou, subsidiariamente, a caducidade do direito à Revisão relativamente à autoliquidação de IVA do período mensal de setembro de 2016.

Nos termos do versado normativo “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, (…) ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação (…), com fundamento em erro imputável aos serviços.”

Resulta do preceituado no citado normativo a consagração do referido prazo de quatro anos, prazo esse cujo termo inicial não poderá deixar de corresponder à data da liquidação do ato tributário objeto do pedido de revisão oficiosa.

Neste mesmo sentido, veja-se o decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 01524/15, de 09.11.2016, no qual se discutia a caducidade do direito à revisão oficiosa em sede de IVA e cujo trecho pela sua pertinência, aqui se deixa citado: “Desde logo, há que ter em conta que enquanto o prazo da caducidade do direito à liquidação se conta a partir da ocorrência do facto tributário ou – como sucede no caso do Imposto sobre o Valor Acrescentado, de que ora nos ocupamos – a partir do termo do ano em que este se verificou, de acordo com o disposto no n.º 4 art. 45.º da LGT, o prazo para o sujeito passivo pedir a revisão (que é o mesmo em que a AT pode proceder à revisão) se conta da liquidação. Ou seja, não há coincidência no dies a quo de cada um dos prazos.” (sublinhado nosso)

A declaração periódica de IVA referente ao período mensal de setembro de 2016 foi apresentada no dia 07.11.2016 e o pedido de Revisão em apreço foi deduzido a 10.11.2020.

Nos termos da al. c) do artigo 279º do Código Civil, aplicável por força do artigo 20º do CPPT: “O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;” o que significa que, in casu, o terminus do prazo ocorreria no dia 07.11.2020, o qual, todavia, por corresponder a um Sábado, nos termos da al d) do citado preceito, conforme jurisprudência assente, transitaria para Segunda- feira, dia 9 de Novembro de 2020.

Tendo presente que a Requerente deduziu o pedido de Revisão no dia 10 de Novembro de 2020, não poderá deixar de se concluir pela extemporaneidade deste, o que preclude o direito de apreciação da legalidade da autoliquidação de IVA do período mensal de Setembro de 2016.

Ora, tendo esse pedido de revisão sido indeferido com fundamento em intempestividade, a extemporaneidade do pedido de revisão preclude o direito de se apreciar a legalidade da (auto)liquidação subjacentes pois, a assim não se entender, “(…) estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de atos tributários relativamente aos quais findaram já os respetivos prazos de contestação”.

Tendo em consideração, com as necessárias adaptações (leia-se revisão oficiosa), nomeadamente, o teor do Acórdão do TCAN (processo nº 01584/09.3BEPRT), de 11-10-2017, no sentido que “só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a extemporaneidade da reclamação (…) conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido”, bem como o teor do Acórdão do TCAS (processo nº 07644/14), de 23-03-2017, no sentido que “estando a reclamação graciosa fora de prazo à data em que foi apresentada, em consequência e independentemente da mesma ter sido ou não decidida, a impugnação judicial também será intempestiva”, a intempestividade do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação supra referida não poderia deixar de se repercutir nos mecanismos de reação subsequentes, isto é, em matéria do pedido de pronúncia arbitral que está na base destes autos.

Não pode assim defender-se a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de um pedido de revisão extemporâneo, pois, deste modo, estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de ato tributário relativamente ao qual se mostra transcorrido, o respetivo prazo de contestação.

Face ao supra exposto, entende este Tribunal Arbitral que procede a exceção da intempestividade do pedido arbitral suscitada pela Requerida, mas apenas relativamente à autoliquidação de IVA do período mensal de setembro de 2016, com base na extemporaneidade do pedido de revisão, nos termos vindos de assentar, improcedendo a  exceção  de  caducidade  do  direito  de  ação  invocada  pela  Requerida quanto aos demais períodos de IVA objeto do pedido de Revisão , considerando-se,  consequentemente,  também  tempestivo  o pedido  de  pronúncia  arbitral, subsequente ao indeferimento daquele pedido de revisão oficiosa.

 

 3. Da ilegalidade da decisão de indeferimento da Revisão e da ilegalidade das autoliquidações de IVA – períodos de outubro de 2016 a setembro de 2020:

Apreciadas as exceções erigidas pela Requerida, importa analisar e apreciar a questão de fundo suscitada pela Requerente relativamente aos períodos de IVA não prejudicados pela extemporaneidade supra reconhecida, a qual repousa em saber, a final, se poderia ou não a AT ter negado àquela o direito à regularização a seu favor do IVA relativo a créditos sobre clientes que tinham cessado a sua atividade, desde logo, por não ter admitido o cumprimento do procedimento de regularização previsto no artigo 78º-B, n.º 1, 4 e 5 do CIVA, o que, em suma, redundará em decidir quanto à subsistência ou não do direito à regularização do IVA por parte da Requerente relativamente a créditos sobre clientes cujos NIF’s se encontravam cessados e da ilegalidade em concreto das autoliquidações de IVA em que se concretizaria tal direito à regularização e consequente anulação parcial.

Com relevância para as questões suscitadas interessa compulsar a disciplina de regularizações contida no Código do IVA e na Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, publicada no JO L347, de 11 de dezembro de 2006, que estabelece a disciplina do “sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado” na União Europeia (Diretiva IVA), de que o Código que constitui transposição.

Dispunha o Código do IVA, na redação vigente à data dos factos, no que à matéria de créditos de cobrança duvidosa diz respeito, o seguinte:

Artigo 78.º do Código do IVA

Regularizações

1 - As disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a fatura, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto venham a sofrer retificação por qualquer motivo.

2 - Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

[…]

5- Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução. […]

[…]

8 - Os sujeitos passivos podem igualmente deduzir o imposto respeitante a outros créditos desde que se verifique qualquer das seguintes condições:

a) O valor do crédito não seja superior a (euro) 750, IVA incluído, a mora do pagamento se prolongue para além de seis meses e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução;

b) Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, quando o devedor, sendo um particular ou um sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não conferem o direito à dedução, conste no registo informático de execuções como executado contra quem foi movido processo de execução anterior entretanto suspenso ou extinto por não terem sido encontrados bens penhoráveis; (Redação da Lei n.º 64-A/2008 de 31 de dezembro)

c) Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, tenha havido aposição de fórmula executória em processo de injunção ou reconhecimento em acção de condenação e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução;

d) Os créditos sejam inferiores a (euro) 6000, IVA incluído, deles sendo devedor sujeito passivo com direito à dedução e tenham sido reconhecidos em ação de condenação ou reclamados em processo de execução e o devedor tenha sido citado editalmente.

e) Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, quando o devedor, sendo um particular ou um sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não conferem direito a dedução, conste da lista de acesso público de execuções extintas com pagamento parcial ou por não terem sido encontrados bens penhoráveis no momento da dedução. (Aditada pela Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro)

9 - O valor global dos créditos referidos no número anterior, o valor global do imposto a deduzir, a realização de diligências de cobrança por parte do credor e o insucesso, total ou parcial, de tais diligências devem encontrar-se documentalmente comprovados e ser certificados por revisor oficial de contas, devendo este certificar, ainda, que se encontram verificados os requisitos legais para a dedução do imposto respeitante a créditos considerados incobráveis nos termos do n.º 7 deste artigo. (Redação dada pela  Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)

10 - A certificação por revisor oficial de contas a que se refere o número anterior deve ser efectuada por cada um dos períodos em que foi feita a regularização e até ao termo do prazo estabelecido para a entrega da declaração periódica ou até à data de entrega da mesma, quando esta ocorra fora do prazo.

11 - No caso previsto no n.º 7 e na alínea d) do n.º 8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada. (Redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro)

12 - Nos casos em que se verificar a recuperação dos créditos, total ou parcialmente, os sujeitos passivos são obrigados a proceder à entrega do imposto, no período em que se verificar o seu recebimento, sem observância, neste caso, do prazo previsto no n.º 1 do artigo 94.º

Artigo 78.º -A

Créditos de cobrança duvidosa ou incobráveis

Regularização a favor do sujeito passivo

1 - Os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados de cobrança duvidosa, evidenciados como tal na contabilidade, sem prejuízo do disposto no artigo 78.º-D, bem como o respeitante a créditos considerados incobráveis.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles que apresentem um risco de incobrabilidade devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

  1. O crédito esteja em mora há mais de 12 meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento;  (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março)

[sendo que a redação anterior era a seguinte: “a) O crédito esteja em mora há mais de 24 meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento;”]

  1. b) O crédito esteja em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento, o valor do mesmo não seja superior a (euro) 750, IVA incluído, e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito à dedução.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se que o vencimento do crédito ocorre na data prevista no contrato celebrado entre o sujeito passivo e o adquirente ou, na ausência de prazo certo, após a interpelação prevista no artigo 805.º do Código Civil, não sendo oponível pelo adquirente à Autoridade Tributária e Aduaneira o incumprimento dos termos e demais condições acordadas com o sujeito passivo.

[…]

5 - A dedução do imposto nos termos do número anterior exclui a possibilidade de dedução nos termos do n.º 2.

6 - Não são considerados créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa:

  a) Os créditos cobertos por seguro, com exceção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real;

b) Os créditos sobre pessoas singulares ou coletivas com as quais o sujeito passivo esteja em situação de relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC;

c) Os créditos em que, no momento da realização da operação, o adquirente ou destinatário conste da lista de acesso público de execuções extintas com pagamento parcial ou por não terem sido encontrados bens penhoráveis e, bem assim, sempre que o adquirente ou destinatário tenha sido declarado falido ou insolvente em processo judicial anterior;

d) Os créditos sobre o Estado, regiões autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval.

7 - Os sujeitos passivos perdem o direito à dedução do imposto respeitante a créditos considerados de cobrança duvidosa ou incobráveis sempre que ocorra a transmissão da titularidade dos créditos subjacentes.

8 - Nas situações previstas no número anterior, caso a transmissão da titularidade dos créditos ocorra após ter sido efetuada a dedução do imposto respeitante aos créditos considerados de cobrança duvidosa ou incobráveis, devem os sujeitos passivos observar, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 3 do artigo 78.º-C. (Aditado pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro)

Artigo 78.º -B

Procedimento de regularização

   1 - A dedução do imposto associado a créditos considerados de cobrança duvidosa, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo anterior, é efetuada mediante pedido de autorização prévia a apresentar, por via eletrónica, no prazo de seis meses contados a partir da data em que os créditos sejam considerados de cobrança duvidosa, nos termos do referido número.

2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, o pedido de autorização prévia deve ser apreciado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no prazo máximo de oito meses, findo o qual se considera indeferido. (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março)

[ sendo que a anterior redação era a seguinte: “2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, o pedido de autorização prévia deve ser apreciado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no prazo máximo de oito meses, findo o qual se considera indeferido.”]

3 - No caso de créditos abrangidos pela alínea b) do n.º 2 e pelo n.º 4 do artigo anterior, a dedução é efetuada pelo sujeito passivo sem necessidade de pedido de autorização prévia, no prazo de dois anos a contar do 1.º dia do ano civil seguinte, reservando-se à Autoridade Tributária e Aduaneira a faculdade de controlar posteriormente a legalidade da pretensão do sujeito passivo.

4 - No caso de créditos não abrangidos pelo número anterior que sejam inferiores a (euro) 150 000, IVA incluído, por fatura, decorrido o prazo previsto no n.º 2, o pedido de autorização prévia é considerado deferido, reservando-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a faculdade de controlar posteriormente a legalidade da pretensão do sujeito passivo.

5- A apresentação de um pedido de autorização prévia pelo sujeito passivo para a dedução do imposto associado a créditos de cobrança duvidosa nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo anterior determina a notificação do adquirente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por via eletrónica, para que efetue a correspondente retificação, a favor do Estado, da dedução inicialmente efetuada, nos termos previstos no n.º 1 do artigo seguinte.

 
6 - Até ao final do prazo para a entrega da declaração periódica mencionada no n.º 1 do artigo seguinte, o adquirente pode identificar, por via eletrónica, no Portal das Finanças, as faturas que já se encontram pagas ou em relação às quais não se encontra em mora, devendo fazer prova documental dos factos que alega.

7 - Sempre que o adquirente faça prova dos factos previstos no número anterior, a Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito passivo, por via eletrónica, do indeferimento do pedido de autorização prévia.

8 - A dedução do imposto a favor do sujeito passivo deve ser efetuada na respetiva declaração periódica, até ao final do período seguinte àquele em que se verificar o deferimento do pedido de autorização prévia pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

9 - No caso previsto no n.º 4 do artigo anterior, é comunicado ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de retificação da dedução inicialmente efetuada, devendo esta comunicação identificar as faturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efetuada.

10 - Os procedimentos para apresentação do pedido de autorização prévia e os modelos a utilizar são aprovados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

 

Artigo 78.º -D (*)
Documentação de suporte

​1 - A identificação da fatura relativa a cada crédito de cobrança duvidosa, a identificação do adquirente, o valor da fatura e o imposto liquidado, a realização de diligências de cobrança por parte do credor e o insucesso, total ou parcial, de tais diligências, bem como outros elementos que evidenciem a realização das operações em causa, devem encontrar-se documentalmente comprovados e ser certificados nos seguintes termos: (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março) 

[anterior redação: 1 - A identificação da fatura relativa a cada crédito de cobrança duvidosa, a identificação do adquirente, o valor da fatura e o imposto liquidado, a realização de diligências de cobrança por parte do credor e o insucesso, total ou parcial, de tais diligências, bem como outros elementos que evidenciem a realização das operações em causa, devem encontrar-se documentalmente comprovados e ser certificados por revisor oficial de contas.]

a) Por revisor oficial de contas ou contabilista certificado independente, nas situações em que a regularização de imposto não exceda 10 000 (euro) por pedido de autorização prévia; (Redação da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro) 

b) Exclusivamente por revisor oficial de contas, nas restantes situações. (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março) 

2 - A certificação por revisor oficial de contas ou por contabilista certificado independente prevista no número anterior é efetuada para cada um dos documentos e períodos a que se refere a regularização e até à entrega do correspondente pedido, sob pena de o pedido de autorização prévia não se considerar apresentado, devendo a certificação ser feita, no caso de a regularização dos créditos não depender de pedido de autorização prévia, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega da declaração periódica ou até à data de entrega da mesma, quando esta ocorra fora do prazo. (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março) 

[anterior redação: 2 - A certificação por revisor oficial de contas prevista no número anterior é efetuada para cada um dos documentos e períodos a que se refere a regularização e até à entrega do correspondente pedido, sob pena de o pedido de autorização prévia não se considerar apresentado, devendo a certificação ser feita, no caso da regularização dos créditos não depender de pedido de autorização prévia, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega da declaração periódica ou até à data de entrega da mesma, quando esta ocorra fora do prazo. (Redação da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro)]

Sobre esta matéria em concreto, determina a Diretiva IVA o seguinte enquadramento:

 

Artigo 90.º

1. Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efectuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.

2. Em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados-Membros podem derrogar o disposto no n.º 1.

[…]

Artigo 184. º

A dedução inicialmente efectuada é objecto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito.

 Enunciados os normativos que se entendem por pertinentes em ordem à correta apreciação dos factos em causa, resulta, desde logo do n.º 1 do artigo 78º-A do CIVA, o direito à dedução do imposto respeitante a créditos considerados como de cobrança duvidosa.

Sendo que são havido como créditos para cobrança duvidosa aqueles que apresentem um risco de incobrabilidade devidamente justificado, o que se consubstancia na verificação de que o crédito a regularizar esteja em mora há mais de 12 meses, contados da data do seu vencimento (por força da redação conferida à al. a) do n.º 2 do referido preceito pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março) ou que se encontrem em mora há 24 meses, relativamente aos créditos vencidos até 1 de abril de 2019, isto é, até um ano antes da entrada em vigor da alteração legislativa vinda de enunciar.

Prevê ainda o legislador como enquadrável enquanto crédito de cobrança duvidosa, todos os créditos que, estando em mora há mais de seis meses, não ultrapassem os € 750,00 (IVA incluído) e cujo devedor seja um particular ou um sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito à dedução.

O legislador nacional, em ordem à efetivação deste direito à regularização de imposto a favor do sujeito passivo, veio a especificar o procedimento a observar para o efeito no artigo 78º-B do CIVA.

Resulta do n.º 1 do referido normativo a imperatividade, para efeitos da regularização pretendida por via da al. a) do n.º 2 do artigo 78º-A do CIVA, da prévia submissão de pedido de autorização prévia da regularização que o sujeito passivo pretenda efetuar a seu favor, a qual deverá ocorrer no prazo de seis meses contados a partir da data em que os créditos se devam considerar de cobrança duvidosa, ou seja, 24 ou 12 meses de mora, conforme a data de vencimento do crédito tenha ocorrido após ou antes de 1 de Abril de 2019, respetivamente.

 Submetido que se encontre o pedido de autorização prévia, dispõe a AT de um prazo de quatro meses (na redação conferida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março) ou de oito meses (na redação anterior, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro) para o apreciar, findo o qual se tem o pedido por indeferido.  

Tal como resulta da previsão do n.º 10 do artigo 78º-B do CIVA, veio o legislador a regulamentar os procedimentos e modelos a adotar no âmbito dos pedidos de autorização prévia, através, primeiro da Portaria 172/2015, de 5 de junho e mais tarde por via da Portaria 303/2020, de 28 de dezembro.

Decorrem do preceituado em ambas as portarias os elementos que terão de ser preenchidos, na plataforma eletrónica, relativamente a cada pedido de cobrança duvidosa:

a) Número de identificação fiscal do sujeito passivo adquirente;

b) Número de identificação fiscal do ROC ou do contabilista certificado independente que efetuou a certificação a que se referem os n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º-D do Código do IVA;

c) Número da fatura da qual consta o crédito de cobrança duvidosa, que deve ser inscrito no pedido em termos idênticos aos comunicados ao sistema e-fatura, nos casos em que esta comunicação seja obrigatória;

d) Data da emissão da fatura;

e) Data de vencimento do crédito de cobrança duvidosa;

f) Período de imposto em que foi entregue a declaração periódica contendo o valor da fatura a que se refere a alínea c);

g) Base tributável constante da fatura;

h) Valor total do imposto liquidado na fatura;

i) Valor do imposto a regularizar.

Uma vez submetido eletronicamente o pedido de autorização prévia, ocorrendo o respetivo processamento e a sua validação, é o ROC notificado para confirmar que procedeu à respetiva certificação das diligências a que se referem os n.º 1 e 2 do artigo 78º-D do CIVA, tal como se colhe respetivamente, do artigo 4º e do artigo 5º das portarias vindas de identificar.

Do cotejo dos preceitos ora analisados, resulta que, em ordem à pretendida regularização de imposto a favor do sujeito passivo com fundamento na existência de créditos de cobrança duvidosa, cabia à Requerente desenvolver e levar a efeito os procedimentos vindos de enunciar, tendo presente os respetivos requisitos que os normativos do Código do IVA impõem nesta matéria.

No caso em apreço, resultou da prova produzida (quer documental, quer testemunhal) que a Requerente encetou as necessárias diligências tendentes à submissão de pedido de autorização prévia por cada um dos créditos que entendia suscetíveis de regularização enquanto créditos de cobrança duvidosa.

E se tais diligências foram encetadas, certo é que não logrou a Requerente submeter esses mesmos pedidos de autorização prévia com sucesso, porquanto a funcionalidade criada no âmbito da plataforma eletrónica da AT – Portal das Finanças – inviabilizou esses mesmos pedidos de submissão relativamente a todas as situações em que o contribuinte adquirente havia já cessado a sua atividade à data da emissão da fatura cujo crédito se pretendia regularizar.

Radica assim do exposto, que a não concretização da submissão dos pedidos de autorização prévia relativos aos créditos da Requerente objeto destes autos e a consequente inviabilização da verificação dos requisitos de regularização de IVA a favor desta enquanto créditos de cobrança duvidosa, se tem de ter por inteiramente imputável à AT, enquanto entidade responsável pela plataforma eletrónica criada na esteira das portarias vindas de supra citar.

Entende a Requerente que tal inviabilização não poderia ter ocorrido, sendo desconforme ao quadro jurídico-tributário aplicável, contrapondo a Requerida que tal inviabilização técnica decorre tão somente da correta interpretação do conjugadamente disposto nos artigos 78º a 78º-D do C1ódigo do IVA, os quais não contemplam a possibilidade de regularização em caso de cessação de atividade do devedor adquirente, pugnando pela não desconformidade de tal solução face ao preceituado no artigo 90º da Diretiva IVA.

Ante esta dissensão entre Requerente e Requerida no tocante ao direito ou não à regularização a favor do sujeito passivo relativamente a créditos cujos devedores adquirentes dos serviços se mostrem já com a atividade cessada, importa proceder à sua apreciação e dilucidação, tendo presente o enquadramento legal já vindo de citar, atento aquele que vem sendo o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nesta matéria.

Atente-se, primeiro, na argumentação expendida pela AT sustentando a inviabilidade da regularização de tais créditos sobre créditos de contribuintes com atividade cessada.

Propugna a AT, no âmbito da decisão de indeferimento da Revisão e, mais tarde, reiterando em sede de Resposta e alegações nestes autos, o entendimento segundo o qual o n.º 2 do artigo 90º da Diretiva IVA consagra o direito dos Estados procederem à derrogação do n.º 1 dessa norma e assim não contemplarem, aquando da transposição da Diretiva IVA, todas as situações em que o sujeito passivo não venha a receber o seu crédito.

Para tal conclusão, convoca a decisão do TJUE proferida no âmbito do processo C-337/13, de 15 de maio de 2014, secundada pelos acórdãos prolatados no âmbito dos processos C-404/16 e C246/16, ambos abordando a temática da interpretação do n.º 1 do artigo 90º da Diretiva IVA.

No âmbito do processo que correu termos junto do TJUE, expressamente citado pela AT em sede de Revisão, entendeu aquele tribunal que:

“ 24 Há que admitir que uma disposição nacional cuja enumeração das situações nas quais o valor tributável é reduzido não contemple a hipótese do não pagamento do preço da operação deve ser encarada como o resultado do exercício pelo Estado‑Membro da faculdade de derrogação que lhe foi concedida pelo artigo 90.°, n.° 2, da diretiva IVA.

25      Com efeito, deve salientar‑se a este propósito que, se o não pagamento total ou parcial do preço de compra acontecer sem que tenha havido resolução ou anulação do contrato, o comprador permanece responsável pelo pagamento do preço acordado e o vendedor, apesar de já não ser proprietário do bem, ainda dispõe, em princípio, do seu direito de crédito, que poderá ser exercido nos tribunais. No entanto, uma vez que não se pode excluir que esse crédito se torne efetivamente incobrável, o legislador da União decidiu deixar a cada Estado‑Membro a escolha de determinar se o não pagamento do preço de compra, que, por si só, contrariamente à resolução ou à anulação do contrato, não coloca as partes na situação inicial, dá direito à redução correspondente do valor tributável nas condições fixadas pelo Estado‑Membro, ou se, nesse caso, não é admitida qualquer redução.

26      Nestas condições, deve considerar‑se, por um lado, que o simples facto de, na enumeração das situações em que é reduzido o valor tributável, a disposição nacional de transposição não reproduzir todas as situações elencadas no artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA não permite inferir, tendo em conta o contexto jurídico geral no qual se insere esta medida de transposição, que esta não permita assegurar efetivamente a plena aplicação da diretiva IVA de forma suficientemente clara e precisa.

27      Por outro lado, no que se refere a situações que não digam respeito ao não pagamento do preço, é necessário, pelo contrário, que as disposições nacionais de transposição tenham em consideração todas as situações em que o sujeito passivo não receba, depois de efetuada uma transação, uma parte ou a totalidade da contrapartida, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

28      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira e quinta questões que o disposto no artigo 90.° da diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição nacional que não prevê a redução do valor tributável do IVA em caso de não pagamento do preço, se for aplicada a derrogação prevista no n.° 2 do mesmo artigo. No entanto, essa disposição deve abranger todas as situações em que, de acordo com o n.° 1 do referido artigo, o sujeito passivo não receba, depois de efetuada uma transação, uma parte ou a totalidade da contrapartida, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.”

Decorre do trecho do aresto vindo de citar a conclusão segundo a qual é, por princípio, admissível aos Estados-Membros não transporem para o ordenamento interno todas as situações elencadas no artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA, o que não torna, de per se, tal solução adotada pelo Estado-Membro desconforme com a diretiva.

Ora, se decorre do entendimento supra a existência de uma determinada margem de decisão dos Estados-Membros, por outro lado, este mesmo aresto é claro, em resposta às questões prejudiciais n.ºs 2 e 4 formuladas (n.º2:   … um contribuinte que, posteriormente à realização de uma operação, não tenha obtido a contrapartida correspondente, pode, na falta de uma norma nacional nesta matéria, invocar o direito a uma redução do valor tributável com base nos princípios da neutralidade do imposto e da proporcionalidade, tendo em conta o disposto no artigo 90.°, n.° 1, da diretiva [IVA]? ) o tribunal é claro ao igualmente assentar que:

37      Tendo em conta que, fora dos limites por elas estabelecidos, as disposições dos artigos 90.°, n.º 1, e 273.° da diretiva IVA não especificam as condições nem as obrigações que os Estados‑Membros podem prever, há que concluir que essas disposições lhes conferem uma margem de apreciação, nomeadamente, quanto às formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades fiscais dos referidos Estados, para efeitos de proceder a uma redução do valor tributável (v., neste sentido, acórdão Kraft Foods Polska, EU:C:2012:40, n.° 23).

38      Decorre, no entanto, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as medidas adotadas para evitar fraudes ou evasões fiscais só podem, em princípio, derrogar as regras relativas ao valor tributável do IVA na medida do estritamente necessário à prossecução desse objetivo específico. Com efeito, essas medidas devem afetar o menos possível os objetivos e os princípios da diretiva IVA e não podem, por isso, ser utilizadas de forma a pôr em causa a neutralidade do IVA (v., neste sentido, acórdãos Kraft Foods Polska, EU:C:2012:40, n.° 28, e Petroma Transports e o., C‑271/12, EU:C:2013:297, n.° 28).

39      É, assim, necessário que as formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades fiscais, para o exercício do direito a uma redução do valor tributável do IVA, se limitem às que são necessárias para provar que, depois de efetuada uma transação, não receberão, definitivamente, uma parte ou a totalidade da contrapartida. Neste contexto, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar que é esse o caso das formalidades exigidas pelo Estado‑Membro em causa.

40      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda a quarta questões que os sujeitos passivos podem invocar o artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA contra o Estado‑Membro perante os tribunais nacionais para obterem a redução do valor tributável do IVA. Embora os Estados‑Membros possam prever que o exercício do direito à redução do valor tributável fique sujeito ao cumprimento de determinadas formalidades que permitam provar que, depois de efetuada uma transação, o sujeito passivo não recebeu, definitivamente, uma parte ou a totalidade da contrapartida e que o mesmo podia invocar uma das situações elencadas no artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA, tais medidas não devem exceder o que for necessário para fazer essa prova, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.”

Ou seja, o TJUE, não obstante admitir uma determinada margem de decisão dos Estados-Membros no tocante ao estabelecimento das formalidades exigidas para o exercício do direito a uma redução do valor tributável do IVA, entende que tais medidas não devem exceder o que for necessário para efetuar a prova dessa incobrabilidade.

O TJUE sublinha que o estabelecimento tais formalidades é admissível apenas na medida em que forem justificáveis em ordem a evitar a fraude e evasão fiscais, pelo que as medidas dos Estados-Membros deverão contender o menos possível com os princípios orientadores do IVA, não podendo assim tais formalidades colocar em causa o princípio da neutralidade do imposto

 

Ora, é o fito de prevenção da fraude e abuso fiscais no sistema do IVA que levou o legislador europeu à admissão de condições formais derrogatórias, no sentido de assegurar que a redução do valor tributável do imposto é efetuada nos casos em que, definitivamente, o preço pelos serviços ou bens não tenha sido efetivamente recebido pelo sujeito passivo.

A respeito do princípio da neutralidade do imposto e eventual incerteza quanto à definitividade do não recebimento do preço pelo sujeito passivo, se pronunciou o TJUE, no processo C- 246/16 – Enzo di Maura:

22 Com efeito, embora seja pertinente que os Estados‑Membros podem combater a incerteza inerente ao caráter definitivo do não pagamento de uma fatura, como indicado no n.o 16 do presente acórdão, essa faculdade de derrogação não pode ser alargada para além dessa incerteza, designadamente à questão de saber se a redução da matéria coletável pode não ser efetuada em caso de não pagamento.

23      De resto, admitir a possibilidade de os Estados‑Membros excluírem qualquer redução da matéria coletável do IVA seria contrário ao princípio da neutralidade do IVA, do qual resulta, designadamente, que, na sua qualidade de cobrador de impostos por conta do Estado, o empresário deve ficar totalmente aliviado do peso do imposto devido ou pago no âmbito das suas atividades económicas sujeitas ao IVA (v., neste sentido, acórdãos de 13 de março de 2008, Securenta, C‑437/06, EU:C:2008:166, n.o 25, e de 13 de março de 2014, Malburg, C‑204/13, EU:C:2014:147, n.o 41).

24      Em seguida, para responder às questões prejudiciais, há que analisar em que medida é justificado um mecanismo de redução da matéria coletável como o que está em causa no processo principal.

25 A este respeito, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, os meios empregados para aplicação da Sexta Diretiva devem ser aptos a realizar os objetivos visados por esta legislação e não devem ir para além do que é necessário para os alcançar (v., por analogia, acórdão de 26 de abril de 2012, Comissão/Países Baixos, C‑508/10, EU:C:2012:243, n.o 75).

26      Como referido no n.o 22 do presente acórdão, o objetivo da derrogação ao direito de redução da matéria coletável previsto no artigo 11.o, C, n.o 1, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva é levar em conta a incerteza inerente ao caráter definitivo do não pagamento de uma fatura.

27      Essa incerteza é, manifestamente, levada em conta ao privar‑se o sujeito passivo do seu direito de reduzir a matéria coletável enquanto o crédito não for definitivamente incobrável, como prevê, em substância, a legislação nacional em causa no processo principal. Mas é necessário constatar que o mesmo fim pode igualmente ser prosseguido se se conceder a redução quando o sujeito passivo demonstrar a probabilidade razoável de que a dívida não será paga, com a condição de a matéria coletável ser reavaliada para cima no caso de o pagamento vir a ser feito entretanto. Incumbiria então às autoridades nacionais determinar, no respeito do princípio da proporcionalidade e sob controlo judicial, quais as provas de uma provável duração prolongada do não pagamento a apresentar pelo sujeito passivo em função das particularidades do direito nacional aplicável. Essa modalidade seria igualmente eficaz para atingir o objetivo visado sendo menos restritiva para o sujeito passivo, que faz o pré‑financiamento do IVA, cobrando‑o por conta do Estado, como referido no n.o 23 do presente acórdão.”

Decorre do exposto o entendimento segundo o qual a redução do imposto do valor tributável do imposto deve ser concedida sempre que o sujeito passivo demonstre com probabilidade razoável de que o crédito em causa não será cobrado, podendo os Estados-Membros adotar medidas para os casos de tal recebimento vir a ocorrer a posteriori, vinculando o sujeito passivo simetricamente à correção – aumento - do valor tributável do imposto em consequência da boa cobrança do crédito cuja redução, por incobrabilidade, havia sido inicialmente concedida.

Solução esta que, refira-se, o ordenamento interno, designadamente os artigos 78º a 78º-D do CIVA, genericamente consagram, em harmonia com a jurisprudência do TJUE, a qual atribui competência para a aferição da probabilidade razoável de não cobrança em definitivo dos créditos para cada um dos Estados-Membros: “o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 90.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro deve permitir a redução do valor tributável do IVA se o sujeito passivo puder demonstrar que o crédito que detém sobre o seu devedor é definitivamente incobrável, o que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar.

Isso mesmo decorrendo do acórdão proferido no processo Ramada Storax – C-756/2019, de 29.04.2020 – do qual acresce ainda o entendimento segundo o qual não são admissíveis por parte dos Estados-Membros o aditamento de condições materiais suplementares para efeitos da redução do valor tributável do imposto, prevista no n.º 1 do artigo 90º da Diretiva IVA: “ Por outro lado, embora o artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva IVA preveja que o valor tributável é reduzido «nas condições fixadas pelos Estados‑Membros», esta remissão para a competência destes últimos não lhes permite instituir uma condição material suplementar, não prevista por esta disposição, à qual possam subordinar a redução do valor tributável.”

Ora, se bem se alcança o entendimento que está na base do indeferimento do mecanismo de defesa de Revisão, para além da propugnada caducidade de tal meio gracioso, a AT veio a considerar como inadmissível a redução do valor tributável do imposto (a regularização a favor do sujeito passivo Requerente), pelo facto dos créditos em causa terem por devedores contribuintes cuja atividade se encontraria cessada (vide pontos 58 e 59 da Revisão, os quais remetem para a fundamentação do RIT, constante de Doc. 1 junto com o PPA).

Sustenta assim a Requerida, quer em Revisão (por remissão para o RIT), quer na presente instância arbitral (por remissão para a Revisão), que tal direito à regularização de créditos sobre contribuintes (devedores) não encontra consagração no artigo 78º-A do CIVA e que  não decorre de tal não previsão legislativa interna uma violação à Diretiva IVA, nomeadamente relativamente ao disposto no n.º 1 do artigo 90º desta.

Com tal posicionamento e interpretação da AT e Requerida, não pode este tribunal arbitral deixar de dissentir, porquanto, se é certo que o TJUE vem admitido, por princípio, relativamente às situações de redução do valor tributável de IVA a não integral replicação do leque de situações para a ordem interna dos Estados-Membros, não resulta menos objetivo e claro que tais derrogações ou condições formais só  ocorrer quando se mostrem absolutamente necessárias em ordem à prevenção de casos indutores de utilização abusiva dos mecanismos do imposto, como sejam a fraude e evasão fiscais.

Impondo-se aos Estados-Membros que essas medidas derrogatórias afetem o menos possível os objetivos e os princípios da diretiva em que se funda o imposto, não podem, ser utilizadas de forma a pôr em causa a neutralidade do IVA (veja-se igualmente neste sentido, acórdãos Kraft Foods Polska, EU:C:2012:40, n.° 28, e Petroma Transports e o., C‑271/12, EU:C:2013:297, n.° 28).

Importa a este propósito, pela sua pertinência para a boa apreciação destes autos, levar em consideração o decidido pelo TJUE, no processo C-335/19, de 15.10.2020 – acórdão Spzoo – no qual assentou aquele tribunal que “tendo em conta a jurisprudência recordada no n.o 24 do presente acórdão relativamente ao artigo 273.o da Diretiva 2006/112, não resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o facto de autorizar um credor, como a E., a reduzir o seu valor tributável do IVA apesar da perda, a posteriori, da sua qualidade de sujeito passivo ou da qualidade de sujeito passivo do devedor, apresente um risco especial de fraude ou de evasão fiscal. Tanto mais que, como foi recordado nos n.os 40 e 41 do presente acórdão, o direito de regularizar o valor tributável e a obrigação de regularizar o montante de IVA dedutível não dependem da manutenção da qualidade de sujeito passivo tanto do credor como do devedor. Em todo o caso, o facto de excluir, nesse caso, qualquer possibilidade de redução do valor tributável, e de fazer recair sobre esse credor o encargo de um montante de IVA que não teria recebido no âmbito das suas atividades económicas, ultrapassa, em qualquer caso, os limites estritamente necessários para alcançar os objetivos previstos no artigo 273.o da Diretiva 2006/112 (Acórdão de 8 de maio de 2019, A‑PACK CZ, C‑127/18, EU:C:2019:377, n.o 27). “ (sublinhado nosso).

Similar entendimento, relativamente à questão da cessação de atividade e à qualidade ou não de sujeito passivo, tem vindo a ser uniformemente sufragado, quer ao nível da jurisprudência nacional, quer dos tribunais judiciais, quer do CAAD. Pela sua pertinência, citamos trecho da decisão proferida emanada do CAAD – processo n.º 238/2013-T, no qual foi presidente do coletivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no qual se discutia o direito ao reembolso de imposto relativo a contribuintes sem atividade registada e com NIF inválido ou inexistente: decisão esta apoiada em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do TJUE, na qual se acordou o seguinte:

“O artigo 22.º, n 1, do CIVA estabelece que «os pedidos de reembolso são indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso».

Porém, como se referiu, a jurisprudência do TJUE tem natureza vinculativa, pelo que há que ponderar o que se refere neste artigo 22.º com a jurisprudência da União Europeia, designadamente com o acórdão de 21-6-2012, proferido nos processos apensos n.ºs C-80/11 e C-142/11, invocado pela Requerente como contrariando a possibilidade de indeferimento de pedidos de reembolso.

A parte decisória deste acórdão diz o seguinte:

1) Os artigos 167.°, 168.°, alínea a), 178.°, alínea a), 220.°, n.° 1, e 226.° da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática nacional em virtude da qual a autoridade tributária recusa a um sujeito passivo o direito de deduzir do montante de imposto sobre o valor acrescentado de que é devedor o imposto devido ou pago pelos serviços que lhe foram fornecidos, pelo facto de o emitente da factura correspondente a esses serviços ou por um dos seus fornecedores ter cometido irregularidades, sem que essa autoridade prove, com base em elementos objectivos, que o sujeito passivo em causa sabia ou devia saber que a operação invocada como fundamento do direito a dedução estava implicado numa fraude cometida pelo emissor da factura ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de prestações.

2) Os artigos 167.°, 168.°, alínea a), 178.°, alínea a), e 273.° da Directiva 2006/112, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática nacional em virtude da qual a autoridade tributária recusa o direito a dedução com o fundamento de que o sujeito passivo não se certificou de que o emitente da factura correspondente aos bens em relação aos quais o direito a dedução é requerido tinha a qualidade de sujeito passivo, dispunha dos bens em causa e estava em condições de os fornecer e tinha cumprido as suas obrigações de declaração e pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, ou com o fundamento de que o referido sujeito passivo não dispõe, além da referida factura, de outros documentos susceptíveis de demonstrar que essas circunstâncias estão reunidas, apesar de os requisitos materiais e formais previstos na Directiva 2006/112 para o exercício do direito a dedução estarem preenchidos e de o sujeito passivo não dispor de indícios que justifiquem a suspeita da existência de irregularidades ou de fraude por parte do referido emitente.

Resulta desta jurisprudência não basta para indeferimento de pedidos de reembolso de IVA que se constate que o imposto dedutível é referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso, sendo necessário também «que o sujeito passivo em causa sabia ou devia saber que a operação invocada como fundamento do direito a dedução estava implicado numa fraude cometida pelo emissor da factura ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de prestações» (ponto 1 da decisão referida). Designadamente, não basta, para recusar o direito à dedução, constatar «que o sujeito passivo não se certificou de que o emitente da factura correspondente aos bens em relação aos quais o direito a dedução é requerido tinha a qualidade de sujeito passivo» (ponto 2 da decisão referida).” 

No caso em apreço, não se provou que a Requerente soubesse que as referidas empresas não tinham registo de actividade, podendo aventar-se que se esteja perante uma situação em que a Requerente devia saber que aquelas entidades não tinham registo de actividade, por estar ao seu alcance apurar essa informação através do Portal das Finanças, como se constata pelos prints juntos aos relatórios das inspecções.

     Porém, para além de a obrigação de apurar se todos os fornecedores de bens ou serviços têm registo de actividade não estar explicitamente prevista na lei, é inquestionável que uma eventual informação obtida através do Portal das Finanças no sentido de o detentor de um determinado número de identificação fiscal não ter registo de actividade nunca permitiria concluir com segurança que não pudesse legalmente praticar a operação em causa, uma vez que a lei permite a prática de operações isoladas, com apresentação da declaração respectiva em qualquer serviço de finanças até ao último dia do mês seguinte ao da conclusão da operação (artigo 43.º do CIVA).

Assim, como se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-1-2010, processo n.º 974/09, «se é certo que à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA a condição de sujeito passivo do prestador de bens e serviços constitui um requisito essencial do direito à dedução, a verdade é que tal condição não se define um função de um "estatuto" que se adquira com a declaração de início de actividade nos termos do artigo 30.º, n.º 1 do CIVA e se perca como decorrência da declaração de cessação de actividade ao abrigo do sequente artigo 32.º» e «antes a condição de sujeito passivo se pode definir em função de cada acto tributável e daí que o adquirente de serviços sempre tenha direito à dedução do montante do IVA mencionado na respectiva factura».

Por isso, a recusa do direito à dedução, com este fundamento de falta de registo de actividade do prestador ou fornecedor, terá de limitar-se os casos em que se possa concluir que o adquirente «sabia ou devia saber que a operação invocada como fundamento do direito a dedução estava implicado numa fraude cometida pelo emissor da factura ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de prestações», como se entendeu no referido acórdão do TJUE, com elementos que não sejam a mera possibilidade de apuramento do registo de actividade.” (sublinhados nossos)

Fica assim claro entendimento jurisprudencial - não só do STA e deste CAAD, como inclusivamente do TJUE - relativamente à admissibilidade, por princípio, do direito à redução do valor tributável do imposto pelos sujeitos passivos, mesmo nas situações em que o devedor (e até o credor) já não mantenha a qualidade de sujeito passivo de imposto, sem que de tal perda de qualidade não decorra, automaticamente, qualquer especial ou acrescido risco de fraude ou evasão fiscais.

Aliás, refira-se que a jurisprudência do TJUE é uniforme na ideia segundo a qual as restrições a efetuar ao princípio da neutralidade do IVA se devem reconduzir, tal como de resto, oportunamente supra se citou, às situações em que se imponha para o bom funcionamento do imposto, prevenir situações abusivas, potencialmente configuradoras de fraude ou evasão discais.

Ora, no caso dos presentes autos arbitrais,  dos créditos cuja regularização do imposto a Requerente entende deverem ser considerados enquanto redução ao valor coletável de IVA, manifestamente que tal especial risco de abuso, fraude ou evasão fiscais nem sequer foi objeto de prova, indício ou sequer de invocação por parte da AT, quer em sede de Revisão, quer na presente instância.

O mesmo equivale por afirmar que inexiste, in casu, qualquer afloramento ou indício quanto ao facto de o IVA relativo aos créditos cuja regularização a Requerente pretendeu e pretende ver efetivados possam estar envoltos em irregularidades, abusos, fraude ou evasão fiscais por qualquer um dos intervenientes da cadeia económica estabelecida entre Requerente e os seus respetivos clientes relapsos, de molde a potencialmente colocar em risco o correto funcionamento do sistema do imposto e assegurar a arrecadação da receita devida dentro dos objetivos atribuídos à Diretiva IVA.

Afirmação aplicável quer aos créditos cuja pedido de regularização foi recusado com o envio da mensagem eletrónica “Fatura inválida – adquirente cessado à data da fatura”, quer para aqueles a cuja recusa correspondeu o envio da mensagem “O número fiscal do adquirente é inválido”,

Todavia, impõe-se precisar que a Requerente (se bem se analisou o PPA e o respetivo pedido de Revisão) não pretendeu que a AT admitisse uma via específica para a regularização de créditos sobre clientes devedores, mas antes e tão-somente que esta não tivesse inviabilizado a submissão dos pedidos de autorização prévios, enquanto créditos de cobrança duvidosa, através da funcionalidade prevista nas portarias vindas de identificar e no n.º 10 do artigo 78º-B do CIVA.

Ou seja, a Requerente mais não pretendeu do que a regularização a seu favor do IVA referente aos créditos sobre clientes com atividade cessada, enquanto créditos de cobrança duvidosa, no âmbito da previsão normativa decorrente do n.º 2 do artigo 78º-A e do n.º1 do artigo 78º-B, ambos do CIVA e cujo procedimento, à luz do ordenamento nacional, se encontra previsto no artigo 78º-D do CIVA.

Neste conspecto, analisado o teor das respetivas normas legais em que se enforma o regime de regularização do IVA no ordenamento nacional, enquanto “créditos de cobrança duvidosa”, não resulta qualquer menção expressa ou implícita que estabeleça enquanto requisito da regularização do imposto sobre tais créditos enquanto de cobrança duvidosa, da manutenção, seja à data da fatura, seja à data da regularização, da qualidade de sujeito passivo por parte dos clientes devedores.

Razão pela qual, se afigura que a questão da eventual desconformidade do regime constante do ordenamento nacional para com a diretiva IVA não se coloca verdadeiramente nestes autos, porquanto, não tendo procedido o legislador nacional a qualquer restrição ou derrogação expressa nesta matéria que permita tratar distintamente os créditos de cobrança duvidosa em função de os respetivos devedores terem ou não a sua atividade cessada para efeitos deste imposto, não poderá caber ao intérprete proceder a tal diferenciação ou restrição em matéria de direito à regularização, em obediência às regras hermenêuticas da interpretação constantes do artigo 9º do Código Civil.

Aqui chegados, importa, ainda assim, realçar o entendimento jurisprudencial do TJUE relativamente ao estabelecimento de normas derrogatórias e de condições formais em ordem à redução por parte do sujeito passivo do valor tributável do imposto, o qual, pese embora as admita, igualmente as condiciona, dentro do princípio da proporcionalidade enquanto princípio geral do direito da União, às estritamente indispensáveis ao correto funcionamento do sistema do imposto do IVA, isto é, impõe que os Estados-Membros estabeleçam apenas as medidas estritamente necessárias à prevenção de abusos, evasão e fraudes no domínio deste imposto, em ordem à preservação do princípio da neutralidade do IVA, enquanto verdadeira “pedra de toque” de todo o sistema em que o imposto deve assentar. 

Acrescendo que é posição do TJUE, de resto, já supra citada (proc. C-335/19), que a circunstância de, quer devedor, quer credor ou ambos, perderem a qualidade de sujeitos passivos do imposto não determinar de per se uma acrescida limitação ao direito à regularização do imposto, conquanto tal circunstância não seja indutora de um uso abusivo ou fraudulento do funcionamento do sistema do IVA, questão que in casu nem sequer se indicia.

Radica pois do que se vem assentando, que a posição defendida pela Requerida, quer no âmbito da Revisão, quer na presente instância arbitral, carece de sustentação relativamente àquele que é o entendimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE nesta matéria, quanto ao direito à regularização do imposto relativamente a créditos cujos devedores tenham a sua atividade cessada.

Sendo igualmente tal posicionamento também ele normativamente órfão no plano do ordenamento interno, porquanto não se descortina do regime de regularização dos créditos de “cobrança duvidosa” qualquer exclusão a tal direito em função da não manutenção de registo de atividade dos clientes devedores, como supra se deixou expendido.

Entende-se assim que no caso dos autos não se estará ante uma questão de eventual incorreta transposição da diretiva europeia em matéria de IVA, suscetível de violar o seu artigo 90º, mas antes perante uma incorreta interpretação e aplicação do regime de regularização constante das disposições internas – artigos 78º a 78º-D do CIVA - dos denominados “créditos de cobrança duvidosa” por parte da AT, secundada nestes autos pela Requerida.

Em suma, não pode deixar de se rejeitar o entendimento veiculado na decisão de indeferimento da Revisão e bem assim em sede de Resposta, porquanto tal interpretação é violadora do preceituado no artigo 90º da Diretiva IVA e bem assim, violadora das normas internas reguladoras do regime de regularização de “créditos de cobrança duvidosa”.

Não obstante tal interpretação não se coadunar com aquele que é o quadro legal de génese – Diretiva IVA – e igualmente com o positivação interna decorrente dos artigos 78º a 78º-D do CIVA, importa perscrutar e dilucidar a questão a montante e erigida pela Requerente nestes autos e igualmente em sede de Revisão, a qual se funda na impossibilidade funcionalmente imposta pela AT quanto ao cumprimento do procedimento de regularização dos créditos enquanto de “cobrança duvidosa”.

A este respeito, importa ter presente, desde logo, o facto – supra devidamente considerado como provado – segundo o qual a Requerente procedeu à submissão de pedidos de autorização prévia, tal como decorre por exigência do disposto do n.º 1 do artigo 78º-B do CIVA, relativamente aos créditos detidos sobre os clientes melhor identificados no Documento n.º 2 do PPA. 

Sendo que tal submissão teve lugar através da funcionalidade eletrónica do Portal das Finanças, em cumprimento da exigência legal estabelecida nos termos do n.º 1 e 10 do artigo 78º-B do CIVA e regulamentada pelas portarias 172/2015, de 5 de junho e mais tarde por via da Portaria 303/2020, de 28 de dezembro.

Como já supra oportunamente se enunciou, o legislador estabeleceu como requisitos necessários à submissão dos pedidos de autorização prévia o preenchimento pelo sujeito passivo, na plataforma eletrónica disponibilizada para a AT para o efeito, de um conjunto de informação, a qual aqui se descreve: número de identificação fiscal do sujeito passivo adquirente, número de identificação fiscal do ROC (ou, mais tarde por via da Portaria 303/2020, de 28 de dezembro), do contabilista certificado independente que efetuou a certificação a que se referem os n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º-D do Código do IVA, número da fatura da qual consta o crédito de cobrança duvidosa, data da emissão da fatura, data de vencimento do crédito de cobrança duvidosa, período de imposto em que foi entregue a declaração periódica contendo o valor da fatura, base tributável constante da fatura, valor total do imposto liquidado na fatura e valor do imposto a regularizar.

Ora, sucede que, no caso dos autos, não obstante o preenchimento de tais campos contendo toda a informação supra referida, a AT, por via da plataforma eletrónica criada para o efeito do procedimento de regularização, não veio a validar a submissão dos respetivos pedidos de autorização prévia em causa, porquanto tal funcionalidade bloqueava a validação da submissão de tais pedidos.

Factualidade esta que, de resto, a Requerida, quer em sede de Revisão, quer já nesta instância arbitral jamais refutou, o que, de resto, se mostra coerente com o posicionamento adotado em ambas as instâncias, na medida em que, como supra se deixou expresso, entendia e entende como inadmissível, à luz do regime de regularização constante dos artigos 78º a 78º-D do CIVA (e sem qualquer violação da Diretiva IVA), a redução do valor tributável do imposto relativamente a créditos de clientes com a atividade cessada à data da fatura (vide a este título, ponto 64. da informação da decisão de indeferimento da Revisão).

Assim, na perspetiva da Requerida, a regularização de tal imposto sobre créditos de clientes com a atividade cessada não era legalmente admissível no ordenamento nacional, invocando, de resto, a liberdade de conformação legislativa do Estado Português ao abrigo do n.º 2 do artigo 90º da Diretiva IVA.

Sucede que, pela fundamentação que se vem supra expendendo, tal posicionamento não tem aderência ou acolhimento, quer no regime normativo interno de que a Requerente procedimentalmente tentou desencadear, quer ao nível da Diretiva IVA e do entendimento jurisprudencial que o TJUE vem sufragando, em matéria de derrogações ao disposto no n.º 1 do artigo 90º daquela.

De onde, a errónea interpretação e aplicação dos comandos jurídicos internos supra já enunciados, e da própria Diretiva IVA, conduziram a uma decisão em sede de Revisão eivada de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ao não ter acolhido, enquanto pressuposto-base do direito da Requerente ao cumprimento do procedimento de regularização legalmente previsto, a regularização de créditos originados em clientes da Requerente cuja atividade se encontrasse cessada à data da fatura, a qual era, de resto, o fundamento da Revisão deduzida pela Requerente.

Não se olvida a fundamentação igualmente expendida pela AT até aqui no sentido da não comprovação dos requisitos legais decorrentes do regime de regularização de créditos de cobrança duvidosa, sendo, no entanto, imperioso concluir que foi a AT quem, devido à não validação pela plataforma eletrónica que esta gere para efeitos da submissão dos pedidos de autorização prévia, impediu a Requerente de dar cumprimento ao procedimento que o legislador estabeleceu para efeitos da regularização.

Não validação por “impossibilidade técnica”, a qual não pode deixar de corresponder a um comando previamente inserido na plataforma eletrónica em causa por parte da AT, determinando a não validação de qualquer tentativa de submissão de pedidos de autorização prévia sempre que os clientes devedores hajam cessado a atividade antes da data da emissão da fatura sobre a qual se pretende regularizar o imposto.

Isto é, foi a conduta comissiva da AT que não permitiu que a Requerente tivesse, com sucesso, submetido todos os pedidos de autorização prévia necessários contendo todos os elementos que permitiam a validação dos requisitos legalmente estabelecidos na respetiva portaria que o regulamenta, em condições de igualdade com qualquer outro pedido de autorização prévia relativo a créditos sobre cliente que não tivesse a atividade cessada à data da fatura.

Em suma, a AT ao rejeitar os pedidos de autorização prévia, fê-lo assente única e exclusivamente no fundamento da inadmissibilidade legal de tal regularização poder suceder relativamente a imposto relativo a créditos de devedores com atividade cessada à data da respetiva fatura que está na origem do crédito.

Fundamento esse que, como vimos de concluir é destituído de qualquer suporte legal.

E não com fundamento na não verificação de qualquer um dos requisitos constantes do artigo 78º a 78º-D do CIVA, os quais eram aferíveis através do preenchimento dos campos constantes do formulário eletrónico de tais pedidos de autorização prévia.

Tendo a Requerente procedido ao preenchimento e efetuado a submissão de pedidos de autorização prévia sobre os créditos melhor identificados no documento n.º 2 junto com o PPA e contendo tais pedidos de autorização prévia toda a informação constante da portaria de regulamentação desse mesmo procedimento tributário, não podia a Requerida em sede de Revisão ignorar o valor declarativo do preenchimento de tal modelo informático decorrente.

Igualmente, não podia a Requerida desconhecer que a Requerente, para além de contribuinte acompanhada pela Unidade dos Grandes Contribuintes, dispunha não só de contabilidade organizada nos termos do SNC, como igualmente havia adotado, desde 2016, as normas de relato financeiro internacionais nos termos do IFRS ou IAS.

Não menos relevante é o facto de inexistir qualquer indício ou sequer invocação por parte da Requerida no âmbito, quer no RIT, quer na decisão de indeferimento da Revisão, segundo a qual a contabilidade da Requerente não se encontrasse devidamente organizada e que por essa via, a mesma não espelhasse a real situação da Requerente.

O que também e naturalmente, não poderá deixar de abranger os elementos de suporte à contabilidade em que se sustentam os pedidos de autorização prévia efetuados pela Requerente.

Ora, se o legislador estabeleceu os parâmetros e as informações necessárias a constar dos pedidos de autorização prévia para efeitos do cumprimento do respetivo procedimento necessário à regularização dos créditos de cobrança duvidosa e o contribuinte, in casu, a Requerente, procede nessa conformidade, isto é, preenche tal modelo informático aprovado e os seus respetivos campos, não podia a AT, desde logo, em sede de Revisão, fundar o indeferimento da pretensão deduzida no suposto não cumprimento de um ónus probatório que sobre a Requerente não recaía, como que ignorando a existência de cada um dos pedidos de autorização formulados e não validados (por via do argumento da anterior cessação de atividade, por parte dos clientes devedores desta).

E tal posicionamento inquisitoriamente passivo adotado pela AT em sede de Revisão, à face da lei, mostrava-se destituído de fundamento, porquanto a Requerente ao proceder de acordo com o legalmente previsto em matéria de cumprimento do procedimento tributário a que se refere o n.º 1 do artigo 78º-B do CIVA, não pode deixar de beneficiar, nos termos do n.º 1 do artigo 75º da LGT da presunção de veracidade do teor desses mesmos pedidos e bem assim dos respetivos dados contabilísticos e de suporte à contabilidade em que assente o conteúdo desses pedidos.

Nos termos deste último normativo “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

No entanto, o legislador faz igualmente prever no n.º 2 do referido preceito as situações em que tal presunção não se verifica:

“ 2 — A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

 a)      As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b)     O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;

  1. A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei.
  2. Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A.”

Da análise às várias hipóteses normativas que permitem afastar a presunção de veracidade declarativa e da contabilidade e respetivos suportes à mesma, não se alcança da prova produzida a subsunção a qualquer uma das citadas alíneas do caso em apreço nestes autos.

A hipótese positivada na al. a) não se afigura aplicável ao caso dos autos, na medida em que não é invocado, indiciado e muito menos provado que a Requerente não dispusesse da contabilidade devidamente organizada nos termos da lei comercial, antes resultando, pelo contrário, a adoção de normas internacionais de relato financeiro, para além de se encontrar igualmente organizada segundo o SNC, de onde ante a ausência de qualquer indício ou muito menos prova relativa a erros ou omissões que impeçam o conhecimento da matéria tributável real da Requerente, não pode deixar de se desconsiderar tal hipótese normativa.

Idêntica conclusão não poderá deixar de merecer a previsão constante da al. b), uma vez que no caso em apreciação a Requerente não incumpriu qualquer dever de esclarecimento relativa à sua situação tributária.

E tal conclusão surge, desde logo, porque a Requerente não foi para tal efeito instada pela AT no procedimento de Revisão, o que se imporia efetuar, caso dúvidas soçobrassem quanto à conformidade ou não do teor dos pedidos que submeteu face aos requisitos legalmente estabelecidos para efeitos da pretendida regularização.

Situação materialmente não muito distinta daquela que, de resto, já resulta consagrada no n.º 4 do artigo 78º-B do CIVA, para créditos inferiores a € 150.000,00 (por fatura, IVA incluído), nos termos do qual “…decorrido o prazo previsto no n.º 2, o pedido de autorização prévia é considerado deferido, reservando-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a faculdade de controlar posteriormente a legalidade da pretensão do sujeito passivo.”

Esclarecimentos esses para controlo da legalidade que, eventualmente, se impunham, em razão do posicionamento da AT, em sede de Revisão, de considerar não verificados os requisitos que a lei estabelece como necessários para o efeito do procedimento de regularização de créditos de “cobrança duvidosa”.

É que, beneficiando a Requerente de presunção de veracidade relativamente ao teor declarativo constante dos pedidos de autorização prévia e bem assim da contabilidade e dos respetivos elementos de suporte à mesma nos termos do n.º 1 da norma em análise e suscitando-se dúvidas à Requerida sobre a verificação ou não desses mesmos requisitos, não podia esta deixar de lançar mão do seu dever investigatório e solicitar os esclarecimentos que entendesse por pertinentes em ordem à aferição das condições para a pretendida regularização.

Dispõe, a este propósito, a al. b) do n.º 1 do artigo 63º da LGT que ““Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente: (…) b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos suscetíveis de esclarecer a sua situação tributária”.

Acrescendo igualmente que, nos termos do artigo 58º do referido compêndio, o dever que recai sobre a AT de “…no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”

Ora, in casu, tendo presente o facto de a Requerida ter dado azo à inviabilização dos pedidos de autorização prévia fundada na cessação de atividade dos adquirentes devedores, não podia, perante as causas de pedir suscitadas em sede de Revisão e da presunção de veracidade dos elementos declarativos submetidos sem sucesso pela Requerente, deixar de aquilatar, se dúvidas se lhe suscitassem, da verificação ou não desses mesmos requisitos, dos quais a Requerida fazia depender a regularização.

Como e bem referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (in Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 664). “…se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras”, salvo se a Requerida lograsse ilidir tal presunção, o que in casu, apenas se descortinaria como possível, através do desencadear de diligências de esclarecimento ao abrigo do princípio do inquisitório a que a AT está vinculada nos termos já supra firmados.

A este respeito, por se secundar a fundamentação expendida no âmbito do processo 448/2021-T deste CAAD, no âmbito do qual, apoiado em decisão do Supremo Tribunal Administrativo, se sustentou o seguinte: “O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova  (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.

Assim, «o órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito» (artigo 72.º da LGT) e no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares» (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.

A expressão «todas as diligências necessárias» não dá margem para interpretação restritiva quanto aos deveres de realização de diligências que a lei impõe a AT.”

Nesta mesma linha de entendimento, sobre a questão do ónus da prova e sua articulação com o princípio do inquisitório, atente-se na anotação António Lima Guerreiro,  nos termos da qual “…a problemática do ónus de prova só se coloca posteriormente ao esgotamento de todos os meios instrutórios ao seu alcance para a averiguação dos factos e se impõe a decisão do procedimento.”, conforme refere António Lima Guerreiro em comentário ao artigo 74º da LGT (pág. 330), in Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, cujo sentido ora se secunda.

Assim não tendo ocorrido – por a AT não ter promovido qualquer diligência investigatória que permitisse, pelo menos em tese, infirmar a presunção de veracidade de que a Requerente beneficia - carece igualmente de fundamento o argumento da Requerida segundo o qual sobre a Requerente recairia o ónus da prova nos termos do artigo 74º da LGT.

Questão essa da repartição do ónus probatório que só se imporia analisar, caso a o sujeito ativo da relação jurídico-tributária tivesse ilidido a presunção de veracidade de que a Requerente passou a beneficiar a partir do momento em que procedeu no estrito cumprimento do procedimento estabelecido no artigo 78º-B do CIVA, por força do estatuído no n.º 1 do artigo 75º da LGT.

Ao omitir, em sede da Revisão, uma postura inquisitória que permitisse, em tese, ilidir tal presunção de veracidade legalmente consagrada nos termos do sobredito preceito, inquinada ficou a possibilidade de, à luz dos versados preceitos legais, pretender inviabilizar o direito da Requerente à regularização, com fundamento na não comprovação dos elementos que permitiriam sustentar tal regularização.

Como supra se assentou, no caso em apreço, a Requerente cumpriu o procedimento legalmente consagrado para efeitos da pretendida regularização, sendo assim destituído de cobertura legal o fundamento estribado na não apresentação da prova documental em que tal regularização se haveria de sustentar, dado o legislador não ter feito prever em matéria do regime de regularização e créditos de “cobrança duvidosa” a apresentação desses mesmos elementos de suporte, mas antes entendendo por bastante a disponibilização de determinada informação a preencher junto de plataforma informática criada para o efeito.

Procedimento esse a que a Requerente, como supra se deixou assentou, deu integral cumprimento e sobre o qual não pode agora a Requerida exigir elementos adicionais que não aqueles previamente disponibilizados e informaticamente rejeitados, com fundamento na cessação de atividade à data da emissão da fatura por parte dos adquirentes devedores.

Tal posicionamento da AT em sede de Revisão no que ao alegado incumprimento probatório quanto à verificação dos requisitos, constituiria uma violação do princípio da igualdade, na medida em que “situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente, a menos que uma diferenciação se justifique objectivamente” (acórdão do TJUE de 13 de Julho de 2000, Processo n.º C-36/99, Idéal Tourisme, n.º 35).

Ora, como supra se vem sustentando com base em jurisprudência do TJUE, não se vislumbra in casu qualquer fundamento para tratar de forma diferente a submissão de PAP’s relativamente a créditos cujo adquirente entretanto cessou a sua atividade e idêntico PAP em que tal cessação não tenha ocorrido à data da fatura.

Destarte, não logrou a Requerida infirmar a verificação dos requisitos legais de que depende o direito à regularização do IVA respeitante a créditos sob o regime de “cobrança duvidosa” e sobre os quais a Requerente beneficia de presunção de veracidade por via da submissão dos respetivos pedidos de autorização prévia e da respetiva contabilidade em que tais elementos de suporte que lhes estão subjacentes.

Assim, considerando que a AT não cumpriu com o ónus da prova que sobre si recaía de elisão da presunção de veracidade declarativa e da respetiva contabilidade de que a Requerente legalmente beneficia, não poderá deixar de se concluir pela ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de Revisão e consequentemente, dos atos de autoliquidação de IVA de outubro de 2016 a setembro de 2020, na medida em que desconsideram o montante legalmente admissível de imposto regularizável a favor da Requerente ao abrigo do regime dos créditos de cobrança duvidosa, previsto nos artigos 78º a 78º-D do CIVA, impondo‑se nesta decorrência, a anulação parcial daqueles atos tributários na concreta medida em que não refletem, nem materializam o quantum de IVA regularizável, com as devidas consequências legais.

 

4. Extensão da decisão anulatória quanto aos atos de autoliquidação de IVA:

 

Tendo-se concluído pela ilegalidade do indeferimento do pedido de Revisão apresentado pela Requerente e, consequentemente, pela ilegalidade dos atos de autoliquidação de IVA de outubro de 2016 a setembro de 2020, que constituem o seu objeto, cumpre ainda precisar a extensão do efeito da decisão anulatória.

No seu pedido arbitral peticionou a Requerente a anulação parcial das autoliquidações, por nestas se encontrar omisso o valor passível de regularização a seu favor, a qual esta fixa em € 400.844,29.

Quanto a este conjunto de pedidos e considerando os dados disponíveis e a caducidade do direito relativamente à autoliquidação de setembro de 2016, revela-se necessário precisar que “O processo arbitral tributário, à semelhança do que acontece com a impugnação judicial, é, essencialmente um contencioso de mera anulação. Não obstante, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estritamente ligados ao poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia ou com o direito à restituição do imposto indevidamente pago.

Ressalvadas estas excepções, estaremos sempre perante um contencioso de mera anulação, o que significa que perante a impugnação de um acto tributário junto de um tribunal arbitral, a este tribunal caberá apenas considerar o acto legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo, cabendo à AT retirar as consequências da eventual decisão anulatória, no respeito pelo disposto no art.º 24.º do RJAT.”, conforme se referiu no acórdão arbitral de 1 de Junho de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 694/2019‑T.

Ainda a respeito desta temática, referiu-se no acórdão do TCA Norte, proferido em 9 de Julho de 2020, no âmbito do processo n.º 9655/16.3BCLSB que Ao contrário do que sucede no domínio das ações administrativas, quando está em causa a legalidade de atuação da administração, no âmbito das quais o julgador pode emitir injunções e pronúncias condenatórias relativamente à Administração, condenando-a à prática de ato com um conteúdo determinado, tal não sucede no âmbito do contencioso tributário de impugnação de ato de liquidação (quer arbitral quer estadual) com esse alcance, não estando legalmente prevista a possibilidade de condenação à prática de ato devido.”

Tendo em conta a natureza essencialmente anulatória do contencioso arbitral tributário acabada de evidenciar com base na citada jurisprudência, constata-se que ao Tribunal Arbitral não assistem os poderes para emitir as injunções condenatórias formuladas pela Requerente no seu pedido arbitral.

Assim sendo, e porquanto o apuramento da quantificação do montante do IVA a regularizar a seu favor consiste numa tarefa cuja competência é atribuída por lei à AT, devem os atos de autoliquidação de IVA arbitralmente impugnados e não prejudicados pela extemporaneidade reconhecida nos presentes autos, ser parcialmente anulados, cabendo à AT a posterior quantificação, tendo por referência o teor do Documento n.º 2, se necessário em sede de execução de julgados, de modo a conformar os atos de autoliquidação impugnados com os termos da presente decisão arbitral anulatória, da qual decorre o aumento do quantum do IVA a regularizar a favor da Requerente.

Nesse exercício, haverá que ter em consideração que a quantificação do montante de IVA suscetível de regularização deverá ser efetuada por período, quantum esse que, evidentemente, não poderá ser superior ao peticionado no âmbito da Revisão e o qual corresponde ao constante do pedido arbitral formulado, de € 400.844,29.

 

5. Juros Indemnizatórios:

No que concerne a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT apenas reconhece o direito a juros indemnizatórios quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do ato tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, "nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT".

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.

Nestes casos de revisão do ato tributário, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do ato tributário, nos termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.    

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo considera que se trata de um regime especial, aplicável especificamente às situações de revisão, em que se justifica a dilação do prazo, pois o interessado poderia ter suscitado a questão da ilegalidade do ato de liquidação imediatamente após o pagamento, só o tendo feito, porém, após decorrido um extenso período (em que a legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que não a impulsionou).

Pelo exposto, o direito a juros indemnizatórios é encurtado, por contraposição à situação normal típica, da impugnação imediata do ato tributário após o seu pagamento, considerando o legislador que o prazo de um ano é o prazo razoável para a AT decidir o pedido de revisão e executar a respetiva decisão. Esta solução afasta a indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte – acórdãos do Pleno (da Secção de Contencioso Tributário), de 24 de outubro de 2018, no processo n.º 099/18.3BALSB, e de 23 de maio de 2018, no processo n.º 1201/17.

Este entendimento já resultava do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de fevereiro de 2007, no processo n.º 01041/06, nos seguintes moldes: “Pedida a revisão oficiosa do ato de liquidação e vindo o ato a ser anulado, mesmo que só na impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada.”

No caso em apreço, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 10-11-2020, pelo que apenas a partir de 11-11-2021 a Requerente tem direito a juros indemnizatórios relativamente aos períodos mensais de autoliquidação de IVA de Outubro de 2016 a Setembro de 2020, uma vez que, quanto ao período mensal de Setembro de 2016, nos termos já supra apreciados, é tal pedido intempestivo, pelo que se encontra prejudicada a apreciação deste pedido de condenação em juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios devem ser contados, desde 11-11-2021, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

6. Questões prejudicadas:

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (artigo 608.º do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), nomeadamente de enriquecimento sem causa e de violação do direito de propriedade da Requerente, à face da interpretação adotada.

VII - DECISÃO:

Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente a exceção de incompetência material deste tribunal arbitral erigida pela Requerida
  2. Julgar procedente a exceção dilatória de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e consequentemente, determinar a absolvição da Requerida da instância quanto ao pedido formulado no que se refere à ilegalidade da decisão de Revisão relativa à autoliquidação de IVA de setembro de 2016;
  3. Julgar improcedente a exceção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral invocada pela Requerida quanto aos períodos mensais – de outubro de 2016 a outubro de 2018;
  4. Julgar procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de Revisão no que se refere às autoliquidações de IVA de outubro de 2016 a setembro de 2020, por vício de violação de lei, consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
  5. Julgar procedente o pedido de anulação parcial dos atos de autoliquidação de IVA dos períodos de outubro de 2016 a setembro de 2020 objeto daquele procedimento, nos termos expostos na alínea que antecede;
  6. Condenar a Requerida ao pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, nos termos supra explanados;
  7. Condenar Requerente e Requerida nas custas do processo, nos termos infra constantes em IX;

VIII. Valor da causa:

 A Requerente indica como valor da causa o montante de € 400.844,29, o qual não foi contestado pela Requerida, enquanto correspondente ao valor dos créditos cuja regularização objeto da Revisão se aprecia nestes autos, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

IX. Custas:

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.732,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira nas percentagens de 2,08% e 97,92%, respetivamente, em função da proporção entre o número de autoliquidações de IVA, de periodicidade mensal, objeto da decisão de indeferimento da Revisão arbitralmente impugnada – quarenta e oito - e da caducidade, por intempestividade, do direito relativamente a um desses períodos mensais: autoliquidação referente a setembro de 2016.

 

Lisboa, 06 de Maio de 2022.

Os Árbitros,

 

 

(Prof. Doutor Rui Duarte Morais) – Presidente

 

 

(Dr. Luís R. F. Sequeira)

 

 

(Dr.ª Adelaide Moura)