Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 241/2021-T
Data da decisão: 2022-05-05  IRC  
Valor do pedido: € 218.387,27
Tema: IRC e IVA – cumulação de pedidos - gastos fiscalmente não aceites – dedução indevida de imposto suportado - prova dos custos para efeitos de IVA e de IRC
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Sumário da decisão arbitral que segue:

 

1 . A cumulação de pedidos de anulação de atos de liquidação de IVA e de IRC não é ilegal quando a procedência dos mesmos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e/ou dos mesmos princípios ou regras de direito.

2. A prova documental dos custos para efeitos de IRC não se reconduz apenas à existência ou apresentação de faturas emitidas nos termos legais mas basta-se com a existência de escrito com menção das caraterísticas essenciais da operação [v.g., STA nº 0658/11, de 5-7-2012].

3. A inexistência deste suporte documental externo pode ainda ser suprida pela alegação e prova, a cargo do contribuinte, por qualquer meio, de que se verificou a alegada despesa [STA, 28/15, de 9.9.2015].

3. O facto de estarem “excluídas do direito à dedução as despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções", bem como as "despesas de divertimento e de luxo, sendo consideradas como tal as que, pela sua natureza ou pelo seu montante, não constituam despesas normais de exploração“, a fundamentação para correcção, em sede de IVA, em nada está relacionada com a aplicação do artigo 21º do CIVA (que regula expressamente as despesas sujeitas ao regime de exclusão do direito à dedução), mas com a aplicação do artigo 19º, n.º 2, por considerar que as facturas em causa não obedecem aos requisitos formais que lhes permitisse deduzir o respectivo IVA.

4.  Com a isenção prevista no artº. 9, nº. 30, do CIVA, (actual artº. 9, nº. 29, do mesmo diploma), pretendeu o legislador isentar da tributação em sede de IVA a locação de bens imóveis, ou seja, a renda recebida pela cedência de espaço nu, tanto para fins habitacionais como industriais, comerciais ou outros, não abrangendo, todavia, a isenção as prestações e serviços que exorbitam do contrato de arrendamento, respeitando a outro género de contrato, como o alojamento no âmbito da actividade hoteleira e análogas.

5. Os contratos mistos de arrendamento e de prestações de serviços em que estas são complemento daquele (arrendamento), são tributados em IVA apenas no que se refere às quantias pagas a título de prestação de serviços.

*

DECISÃO ARBITRAL[1]

 

Requerente – A…

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Os Árbitros, José Poças Falcão (Árbitro Presidente), António Alberto Franco e Sílvia Oliveira (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em
05-07-2021, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:

 

1.           RELATÓRIO

 

1.1.   A…, Pessoa Colectiva nº …, com sede na Rua …, Carregueira (doravante designada por Requerente), apresentou pedido de pronúncia arbitral em 23-04-2021, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida).

 

1.2.   A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral que o tribunal se pronuncie sobre a legalidade dos seguintes actos tributários referentes a 2017 e 2018:

 

Em matéria de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC)

 

1.2.1. “(…) liquidação adicional (…) identificada com o n.º 2021 …, referente ao período de tributação de 2017, e respetiva Demonstração de Acerto de Contas identificada com o n.º 2021 …, da qual resultou um valor a pagar de
€ 83.136,31 (…) e da Demonstração de Liquidação de Juros, com o n.º 2021 …, no valor de € 244,22 (…) e n.º 2021 …, no valor de
€ 7.071,08 (…)
”;

 

Em matéria de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)

 

1.2.2. “(i) (…) liquidação adicional com o n.º …, documento de correção n.º …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 1701M, sendo o valor da liquidação corretiva de € 79.300,32 (…), da qual não resulta qualquer valor a cobrar adicionalmente (…); (ii) liquidação adicional (…) com o n.º …, documento de correção n.º …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 1702M, sendo o valor da liquidação corretiva de
€ 37.548,99 (…), da qual não resulta qualquer valor a cobrar adicionalmente (…); (iii) demonstração de Liquidação de IVA com o n.º 2020 …, documento de correção n.º …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 201703, sendo o valor da liquidação corretiva de € 18.802,79 (…), da qual resulta um valor a reembolsar de € 20.725,12 (…), da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 … que apurou um saldo de € 54.274,88 (…), da Demonstração de Liquidação de Juros de IVA n.º 2020 …, de 24.11.2020, no valor de € 7.078,03 (…) e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 …, com o mesmo saldo apurado (…); (iv) demonstração de Liquidação de IVA com o n.º 2020 …, documento de correção n.º …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 201704, sendo o valor da liquidação corretiva de € 22.386,62 (…), da qual resulta um valor a reembolsar no mesmo valor, da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 … que apurou um saldo de € 77.613,38 (…), da Demonstração de Liquidação de Juros de IVA n.º 2020 …, de 24.11.2020, no valor de € 9.874,97 (…) e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 …, com o mesmo saldo apurado (…); (v) liquidação adicional (…) com o n.º …, documento de correção n.º …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 1705M, sendo o valor da liquidação corretiva de € 26.664, 66 (…), da qual não resulta qualquer valor a cobrar adicionalmente (…); (vi) liquidação adicional feita (…) com o n.º …, documento de correção n.º …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 1706M, sendo o valor da liquidação corretiva de € 14.155,01 (…), da qual não resulta qualquer valor a cobrar adicionalmente (…); (vii) Demonstração de Liquidação de IVA com o n.º 2020 …, documento de correção n.º …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 201707, sendo o valor da liquidação corretiva de € 6.095,63 (…), da qual resulta um valor a reembolsar de € 46.915,30 (…), da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 … que apurou um saldo de € 53.084,70 (…) da Demonstração de Liquidação de Juros de IVA n.º 2020 …, de 24.11.2020, no valor de € 6.230,54 (…) e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 …, com o mesmo saldo apurado (…); (viii) liquidação adicional (…) com o n.º …, documento de correção n.º …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 1708M, sendo o valor da liquidação corretiva de € 11.994,60 (…), da qual não resulta qualquer valor a cobrar adicionalmente (…); (ix)     liquidação adicional (…) com o n.º …, documento de correção n.º …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 1709M, sendo o valor da liquidação corretiva de € 19.525,52 (…), da qual não resulta qualquer valor a cobrar adicionalmente (…); (x) liquidação adicional (…) com o n.º …, documento de correção n.º …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 1710M, sendo o valor da liquidação corretiva de € 39.963,49 (…), da qual não resulta qualquer valor a cobrar adicionalmente (…); (xi)     liquidação adicional (…) com o n.º …, documento de correção n.º …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 1711M, sendo o valor da liquidação corretiva de € 17.092,51 (…), da qual não resulta qualquer valor a cobrar adicionalmente (…); (xii) liquidação adicional (…) com o n.º …, documento de correção n.º …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 1712M, sendo o valor da liquidação corretiva de € 46.379,77 (…), da qual não resulta qualquer valor a cobrar adicionalmente (…); (xiii) Demonstração de Liquidação de IVA com o n.º 2020 …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 201804, da qual resulta um valor a reembolsar de € 83.370,13 (…), da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 … que apurou um saldo de € 56.629,87 (…), da Demonstração de Liquidação de Juros de IVA n.º 2020 …, de 24.11.2020, no valor de € 2.333,46 (…) e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 …, com o mesmo saldo apurado (…); (xiv) Demonstração de Liquidação de IVA com o n.º 2020 …, de 24.11.2020, referente ao período de tributação de 201805, da qual resulta um valor a reembolsar de € 148.487,71 (…) da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 … que apurou um saldo de € 1.512,29 (…), da Demonstração de Liquidação de Juros de IVA n.º 2020 …, de 24.11.2020, no valor de € 51,54 (…) e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 …, com o mesmo saldo apurado (…); (xv) Demonstração de Liquidação de IVA com o n.º 2020 …, de 25.11.2020, referente ao período de tributação de 201809, da qual resulta um valor a reembolsar de € 47.032,96 (…), da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 … que apurou um saldo de € 2.897,70 (…), da Demonstração de Liquidação de Juros de IVA n.º 2020 …, de 25.11.2020, no valor de € 677,33 (…) e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020 …, com o mesmo saldo apurado (…)
.

 

1.3.   Assim, a Requerente “(…) pretende que o Tribunal Arbitral aprecie a legalidade das liquidações de IRC e de IVA e respetivos juros compensatórios acima mais bem identificadas, do período de 2017, com reflexos em 2018, através das quais foi apurado imposto em falta de € 124.251,75 (…)” e, em consequência, “(…) deverá ainda ser reconhecido o direito à indemnização, prevista no artigo 53.º da LGT, pelo valor correspondente aos constrangimentos decorrentes da (…) prestação de garantia, sendo certo que tais encargos só poderão ser apurados no momento em que a mesma for levantada”.

 

1.4.   Adicionalmente, a Requerente peticiona ainda que “caso se entenda que a desconformidade com o Direito da União Europeia aqui exposta não é suficientemente clara ou pacífica na jurisprudência do TJUE, sempre deverá este Tribunal fazer uso do mecanismo do reenvio prejudicial, previsto no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, artigo 267.º”, sugerindo “(…) que sejam colocadas as seguintes questões prejudiciais ao TJUE, suspendendo-se a instância até a sua decisão:

(i)      O princípio da neutralidade do IVA e os artigos 167.º e seguintes, 178.º, n.º 1, alínea a) e 226.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA (“Diretiva IVA”), opõem-se à interpretação da legislação de um Estado-Membro com base na qual pode recursar-se o direito a dedução do IVA pelo facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, daquela Diretiva, quando as autoridades fiscais desse Estado-Membro dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos?

 

1.5.   Com a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente apresentou uma testemunha, requereu declarações de parte, na pessoa do Director Geral da Requerente à data dos factos, indicando quais os factos do pedido sobre os quais deverão incidir essas declarações e protestou juntar a citação nos processos de execução fiscal conexos com as liquidações impugnadas e a prova da respectiva prestação de garantia para suspender os mesmos.

 

1.6.      O pedido de constituição do tribunal foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 26-04-2021e foi notificado à Requerida na mesma data.

 

1.7.   A Requerente não procedeu à nomeação de árbitros pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, foram os signatários designados como árbitros, em
15-06-2021, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.8.   Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.9.   Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 05-07-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em  08-07-2021 no sentido de notificar a Requerida para “nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17º, do RJAT (…), no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional”.

 

1.10. Em 27-09-2021 a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção (cumulação ilegal de pedidos) e por impugnação, concluído a mesma no sentido de que “(…) deve ser julgada procedente a excepção (…), caso assim não se entenda, deve o pedido ser julgado improcedente, com as devidas consequências legais”.

 

1.11. Na mesma data, a Requerida anexou aos autos o processo administrativo.

 

1.12. Por despacho arbitral de 07-10-2021 foi a Requerente notificada para no prazo de 10 dias se pronunciar quanto à excepção da cumulação ilegal de pedidos apresentada pela Requerida na Resposta.

 

1.13. A Requerida apresentou, em 13-10-2021, requerimento em que sustentou “1. Em face da decisão de revogação parcial das correções operadas em sede de IVA, e que as correcções em sede de IRC versam sobre os mesmos documentos - faturas - com os elementos neles apostos e a comprovação que logram alcançar sobre a substância das operações são também revogados os actos de liquidação de IRC em causa no processo arbitral que sobre os mesmos incidem. 2. Não obstante, relativamente à liquidação n.º 2021…, referente ao ano de 2017, a mesma deverá ser apenas parcial atenta a não consideração do IVA dedutível na fatura respeitante ao operador económico B…”.

 

1.14.   Por despacho arbitral de 14-10-2021 foi a Requerente notificada para no prazo de 5 dias se pronunciar sobre o requerimento apresentado pela Requerida, junto aos autos em 13-10-2021.

 

1.15.   A Requerente pronunciou-se em 18-10-2021 relativamente à excepção deduzida pela Requerida, concluindo no sentido de ser julgada improcedente a referida excepção da cumulação ilegal de pedidos e anexando aos autos dois documentos relativos à notificação da revogação parcial dos actos tributários, em matéria de IVA e de IRC, objecto do pedido.

 

1.16.   Em 22-10-2021 foi proferido despacho arbitral no sentido de decidir que:

 

1.16.1.      “À luz do disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e do princípio da proibição da prática de atos inúteis, fica dispensada a reunião do Tribunal com as partes, considerando que (i) se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e (ii) que foi já exercido pela Requerente o contraditório relativamente à exceção suscitada pela parte contrária”;

1.16.2.      Quanto às alegações finais, “Encerrada que está a fase instrutória do processo, ambas as partes apresentarão, querendo, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias [(…)], alegações escritas, de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito”;

1.16.3.      Quanto à matéria da exceção, “O Tribunal conhecerá da exceção a final, com a decisão de mérito do pedido”;

1.16.4.      No que diz respeito à data para prolação e notificação da decisão final, foi fixado o dia 20-12-2021, para a prolação e notificação da decisão arbitral final.

 

1.17.   No mesmo despacho, o tribunal advertiu ainda a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

1.18.   Em 15-11-2021 a Requerente apresentou as suas alegações, concluindo que “em face do (…) exposto e (…) de tudo quanto antes se alegou e demonstrou na Petição Inicial para a qual (…) se remeteu, devem as liquidações de IRC de 2017 e liquidações de IVA de 2017 e 2018 ser anuladas nas correções que se mantêm, por ilegais, com as demais consequências legais”.

 

1.19.   Em 16-11-2021 a Requerida apresentou as suas alegações, concluindo que “(…) deve ser julgado improcedente por não provado presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado, na parte não revogada, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido”.

 

1.20.   Em 29-11-2021, foi a Requerente notificada de despacho arbitral para, no prazo de 10 dias [ulteriormente prorrogado] “(…) a) vir aos autos esclarecer a aparente discrepância entre os valores das liquidações (IVA e IRC) e o valor atribuído ao processo correspondente apenas às corrreções de matéria de IVA [€124,271,75], sendo que a Requerente pede a anulação também de uma liquidação de IRC e juros no valor de €83.136,31, além de diversas liquidações de juros em matéria de IVA (€ 26.245,87), valores aparentemente não incluídos no indicado como sendo o valor atribuído ao processo e b) Juntar aos autos os documentos que, no pedido de pronúncia arbitral, declarou protestar juntar”.

 

1.21.   Em 20-12-2021, a Requerente apresentou requerimento no sentido de “(…) (i) esclarecer a divergência entre o valor atribuído ao pedido (…) e os montantes de imposto liquidado adicionalmente que constituem objeto do mesmo (…)” e anexar dois documentos.

 

1.22.    Por despacho arbitral de 30-12-2021, foram as Partes notificadas de que tendo em consideração os esclarecimentos prestados pela Requerente, foi decidido que o valor da causa para efeitos de custas ou taxa de arbitragem era fixado em €218.387,17, considerando as “(…) liquidações (…) que foram objeto da pretensão de anulação (…) e não apenas o valor de €195.203,63 (…). Pelo exposto, deverá a Requerente corrigir o valor da ação e proceder ao pagamento do necessário acréscimo da taxa inicial em falta, calculado com base no sobredito valor de €218.387,17”, o que veio a corrigir, de acordo com requerimento apresentado em 10-01-2022.

 

1.23.   Por despacho arbitral de 06-02-2022, foram ambas as Partes notificadas de que, “em virtude e de imponderáveis familiares surgidos a um dos co-árbitros deste Coletivo, não se tornou possível cumprir a data agendada para prolação e notificação da decisão arbitral (5-2-2022) (...)”.

 

1.24.   Por despacho arbitral de 04-03-2022, foram ambas as Partes notificadas de que “ao contrário do que era previsível, não foi ainda possível ao Coletivo aprovar a decisão final deste processo. Assim sendo, e à luz do disposto no artigo 21º-2, do RJAT, prorroga-se por dois meses a partir do seu termo final, o prazo para a prolação e notificação da decisão”.

 

2.           CAUSA DE PEDIR

 

2.1.   A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral que o Tribunal Arbitral “(…) aprecie a legalidade das liquidações de IRC e de IVA e respetivos juros compensatórios (…) identificadas, do período de 2017, com reflexos em 2018, através das quais foi apurado imposto em falta de € 124.251,75 (…)”, ou seja, “(…) a anulação dos (…) identificados atos de liquidação, na parte referente às correções [por referência ao respetivo Relatório de Inspeção Tributária (…)]”.

 

2.2.   E, dado que tendo os referidos actos de liquidação “(…) sido emitidos na sequência de um único procedimento de inspeção tributária de que foi objeto (…)”, entende a Requerente que “(…) a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos (…) são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

 

Da actividade da Requerente

 

2.3.   Prossegue a Requerente referindo que “(…) constituída em 1996, é uma associação sem fins lucrativos, com a missão de gerir e tratar os resíduos sólidos urbanos da sua área de intervenção constituída por 10 concelhos: Alcanena, Chamusca, Constância, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Golegã, Santarém, Tomar, Torres Novas e Vila Nova da Barquinha”, tendo inaugurado em 1999 as “(…) as primeiras infraestruturas: um aterro sanitário, sete unidades de transferência e sete ecocentros, permitindo selar as 16 lixeiras municipais existentes na região”.

 

 

 

2.4.   Após resenha histórica da evolução da actividade desenvolvida, a Requerente esclarece que “(…) procede (…) à gestão de todo o sistema de tratamento de resíduos urbanos, o qual consiste na receção e transporte de resíduos sólidos urbanos (“RSU’s”), recolha seletiva de embalagens, gestão do aterro sanitário, triagem das embalagens recolhidas e gestão da estação de tratamento de águas lixiviadas”.

 

2.5.   Refere a Requerente que “ao longo dos anos, (…) foi construindo todas as infraestruturas necessárias, tendo as mesmas sido construídas com capacidade, não só para tratar os resíduos produzidos nos dez concelhos associados, mas também para prestar o serviço a outros sistemas que não tivessem capacidade instalada para tratar os resíduos produzidos na sua área de intervenção” e que, “por este motivo, foram celebrados, ao longo dos anos, vários contratos com o sistema da C… –, S.A. (sistema responsável pelo tratamento dos resíduos dos concelhos de Oeiras, Sintra, Cascais e Mafra) para a realização da triagem das embalagens recolhidas neste sistema”.

 

2.6.   Adicionalmente “(…) pelo facto de ser responsável pelo tratamento das águas lixiviantes produzidas no seu aterro e de todas as águas produzidas no interior das suas instalações, a Requerente viu-se na necessidade de adquirir uma estação de tratamento por osmose inversa para esse fim” e “(…) não sendo possível, pela capacidade de tratamento instalada, fazer face às quantidades de águas produzidas, a Requerente tem recorrido a entidades externas para fazer o transporte e tratamento das mesmas por forma a cumprir-se o determinado na licença ambiental de que é titular”.

 

2.7.   Neste âmbito, esclarece a Requerente que “a aquisição desses serviços é realizada de acordo com o estabelecido no Código dos Contratos Públicos, cujas normas foram traduzidas para um regulamento interno da Requerente, para que as regras fossem/sejam escrupulosamente cumpridas por todos os funcionários envolvidos nas referidas aquisições de serviços”.

 

2.8.   Para o efeito, “a Requerente preparou (…) um regulamento, com o procedimento interno a adotar (…) e que é seguido sempre que há lugar a aquisições de serviços externos (…)”.

 

2.9.   Adicionalmente, esclarece que “tendo em consideração a sua área de atuação específica, de gestão de resíduos, a Requerente está também obrigada a cumprir regras estritas de natureza ambiental, desde logo no que se refere ao transporte de lixiviado” porquanto “a produção de lixiviados em aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos assume uma grande importância no contexto ambiental, dado que se trata de águas residuais suscetíveis de provocar a contaminação de águas subterrâneas e superficiais, e dos solos”.

 

2.10. E, segundo a Requerente, “por este motivo, a legislação europeia trata os lixiviados como resíduos que devem ter um tratamento específico, quer no que respeita ao seu tratamento, quer no que respeita ao seu transporte”, razão pela qual, “(…)  sempre que o mesmo é enviado para entidades externas, o respetivo transporte é acompanhado por uma guia de transporte específica designada por “GAR – Guia de Acompanhamento de Resíduos”, cujo modelo “(…) foi definido pela Portaria n.º 335/97, de 16 de maio, que define as regras de transporte de resíduos”.

 

2.11. Assim, esclarece a Requerente que “nos termos desta Portaria, as GAR devem ser emitidas e preenchidas em triplicado, para que o produtor ou detentor, o transportador e o destinatário dos resíduos fiquem com uma cópia dessa GAR”, sendo que “as únicas formalidades exigidas pela Portaria respeitam ao modelo oficial da GAR aprovada pela Portaria, e ao local de venda das mesmas que é indicado por despacho do presidente do Instituto dos Resíduos”, não havendo “(…) qualquer exigência referente, p. ex., à sequencialidade da sua numeração” , motivo pelo qual, refere a Requerente, “(…) temos GAR com numerações não sequenciais”.

 

2.12. “Contudo, e como não era obrigação legal ter essa numeração sequencial, a Requerente apenas tinha a preocupação de que todos os transportes fossem devidamente identificados pelos respetivos funcionários e as GAR devidamente preenchidas (…)”, sendo que “(…) desde 1 de janeiro de 2017, passaram também a ser comunicadas à Agência Portuguesa do Ambiente as quantidades dos resíduos transportados, através do preenchimento do Mapa Integrado do Registo de Resíduos (“MIRR”)”.

 

2.13. Acrescenta a Requerente que “apenas com a publicação da Portaria n.º 145/2017, de 26 de abril, foram criadas as guias eletrónicas de acompanhamento de resíduos (e-GAR), emitidas no Sistema Integrado de Registo Eletrónico de Resíduos (SIRER)” e que “apesar de a entrada em vigor desta Portaria se ter verificado em 26 de maio de 2017, de acordo com o respetivo regime transitório, as GAR em papel podiam ser utilizadas até 31 de dezembro de 2017, data a partir da qual passou a ser utilizada, obrigatoriamente a e-GAR”, motivo pelo qual “(…) apenas a partir de 1 de janeiro de 2018 a Requerente passou a utilizar as e-GAR, esgotando previamente o stock de GAR em papel que possuía”.

 

Do Procedimento Tributário

 

2.14. Neste âmbito, refere a Requerente que “(…) foi alvo de uma ação de inspeção externa geral aos exercícios de 2016 e de 2017 (…)” tendo esta acção inspectiva sido “(…) realizada na sequência das Ordens de Serviço n.° 012018…/…, datadas de 17/12/2018, tendo sido iniciada a 19-11-2019” e prorrogada por duas vezes.

 

2.15. “Em resultado da referida ação inspetiva, a Requerente foi notificada, através do Oficio n.º …, de 08-09-2020, do Projeto de Relatório (…), onde foram propostas diversas correções aos exercícios de 2016 e 2017 em sede de IRC e de IVA” mas “por não concordar com a maioria das referidas propostas de correção, em 6 de outubro de 2020 a Requerente apresentou o respetivo Direito de Audição (…), no qual procurou evidenciar os procedimentos utilizados no âmbito da sua atividade para contratação dos serviços prestados e demonstrar o respetivo suporte documental dos gastos incorridos e inputs necessários a exercício da sua atividade”.

 

2.16. Esclarece a Requerente que “(…) não obstante o elevado número de documentos e justificações apresentadas, a AT ainda assim considerou não ser suficiente para fazer prova dos gastos incorridos, colocando assim em crise a respetiva dedutibilidade do gasto em sede de IRC e o direito à dedução em sede de IVA”.

 

2.17. Assim, segundo a Requerente, a Requerida manteve quase a totalidade das correções propostas notificando a Requerente da versão final do RIT através do Ofício …, de
09-11-2020.

 

2.18  Segundo a Requerente, “as correções mantidas no RIT, com relevância para o presente Pedido de Pronúncia Arbitral – que apenas se refere ao exercício de 2017 e 2018 (…) podem ser sintetizadas no seguinte quadro:

Em matéria de IRC

 

Em matéria de IVA

(dedução indevida de imposto suportado e falta de liquidação do mesmo)

 

2.19.   Segundo a Requerente, “com exceção das correções efetuadas nos pontos 2.1.2 e 2.1.3, as correções efetuadas pela AT assentam sempre no mesmo argumento, pelo que se sumariam infra os argumentos apresentados, quer em sede de IRC, quer em sede de IVA, para desconsiderar a dedutibilidade dos gastos em sede de IRC e para rejeitar o exercício do direito à dedução do IVA suportado com os inputs” na “falta ou insuficiência da prova documental em face dos requisitos legais para o efeito estabelecidos nos artigos 23.º e 23.º-A do Código do IRC, bem, como do artigo 19.º do Código do IVA, porquanto alegadamente e na opinião da AT:

·             As faturas que suportam os gastos não descriminam ou identificam corretamente quais os serviços em concreto prestados;

·             Os documentos de suporte entretanto apresentados pela Requerente em sede de direito de audição não apresentam uma ligação direta e inequívoca com as faturas a que respeitam;

·             As faturas não quantificam ou valorizam de forma individualizada os serviços prestados (ex. número de técnicos que realizaram os serviços e n.º de horas despendidas);

·             Os contratos de prestação de serviços celebrados pela Requerente, ou Cadernos de Encargos aprovados, ao elencarem os serviços prestados referem “entre outros”, não contêm uma listagem exaustiva dos serviços, sendo que a mera remissão da fatura para aquele documento não é suficiente;

·             No que respeita aos serviços prestados pelo atual diretor-geral da Requerente, a AT coloca em causa os referidos serviços, por não ser capaz, alegadamente, de avaliar a “capacidade do prestador de serviços para a sua consecução”;

·             São colocadas em causa as guias oficiais de acompanhamento dos resíduos, por não conseguir fazer uma ligação direta às respetivas faturas;

·             Nos contratos de avença celebrados pela Requerente com alguns prestadores de serviços (recursos humanos e serviços jurídicos), não se encontram individualizadas as horas gastas por mês”.

 

2.20.   Segundo a Requerente, “em face do exposto, considera a AT que não existe garantia de segurança na informação, colocando em causa a sua fidedignidade”.

 

2.21.   “Por outro lado, no que respeita ao contrato de arrendamento celebrado entre a Requerente e a V…, a AT considera que as rendas são sujeitas a IVA por incluírem serviços de segurança e vigilância, os quais não se encontram autonomizados, assim se desvirtuando o conceito de “paredes nuas” necessário à aplicação da isenção de IVA prevista no (…) Código do IVA”.

 

2.22.   Adicionalmente, refere a Requerente que a Requerida entendeu que “(…) os serviços de construção civil contratualizados pela Requerente não cumpriram a regra da inversão do sujeito passivo, pelo que a Requerente não pode, na opinião da AT, exercer o direito suportar o direito à dedução do IVA liquidado nas faturas emitidas pelo prestador dos serviços de construção”.

 

2.23.   Nestes termos, esclarece a Requerente que não efectuou o pagamento do imposto (IRC e IVA) liquidado adicionalmente na sequência da emanação dos actos tributários sob contestação, “tendo sido citada no âmbito dos processos de execução fiscal com os n.ºs …, …, … e …, que correm termos no Serviço de Finanças de U… (…) e no âmbito dos quais irá ainda prestar garantia bancária no valor de pelo menos € 862.704,83 (…)” e “por se manter convicta da ilegalidade daqueles atos tributários, a Requerente deduz o presente Pedido Arbitral (…)”.

 

Do entendimento (…) quanto à dedutibilidade dos gastos em IRC e do exercício do direito à dedução do IVA suportado com inputs

 

2.24.   Neste âmbito, entende a Requerente que “tendo em consideração a natureza das correções efetuadas e a argumentação apresentada pela AT (alegada a falta ou insuficiente prova documental face aos requisitos legais para o efeito) importa, preliminarmente, fazer um enquadramento legal e jurisprudencial da matéria em causa – dedutibilidade dos gastos em sede de IRC, em cumprimento do disposto nos artigos 23.º e 23.º-A do Código do IRC e o exercício do direito à dedução do IVA em cumprimento do disposto no artigo 19.º do Código do IVA”, elencando para o efeito os preceitos legais aplicáveis, bem como doutrina e jurisprudência arbitral, concluindo para efeitos de IRC que “(…) reportando-se os gastos a operações reais, estando documentalmente suportados e inexistindo risco de fraude (que não foi alegado pela AT no caso em apreço), os mesmos são dedutíveis para efeitos de IRC”, considera a Requerente, “(…) a mesma ideia é exatamente transponível para o IVA”.

 

2.25.   Com efeito, segundo defende a Requerente, no que diz respeito ao IVA, e recorrendo a jurisprudência do TJUE, “(…) o exercício ao direito à dedução do IVA não pode ser colocado em causa sempre que a AT disponha de todos os elementos necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das operações é o efetivo devedor do IVA”, concluindo a Requerente que “(…) a propósito de saber se os vícios formais impedem o exercício do direito à dedução do IVA suportado com inputs necessários à realização de operações tributáveis, (…) apenas assim será quando tais vícios coloquem razoavelmente em causa a capacidade de cobrança correta do imposto e de fiscalização pelas autoridades tributárias, de tal modo que esta não está em condições de conhecer a realidade material subjacente, em face dos elementos apresentados pelo sujeito passivo”.

 

Do vício de violação de lei dos actos tributário: a errónea aplicação dos factos e da lei pela AT

 

2.26.   De seguida, a Requerente analisa, caso a caso, as situações que foram objecto de correcções, em matéria de IRC (2017) e/ou de IVA (2017) por parte da Requerida, em sede de RIT.

 

2.27.   Contudo, dado que a maior parte das referidas correcções foram, em data posterior à data da constituição do Tribunal Arbitral, objecto de despachos de revogação parcial, datados de 13-09-2021 (IVA) e de 01-10-2021 (IRC), torna-se inútil aqui detalhar a argumentação apresentada pela Requerente, tendente à anulação daquelas correcções.

 

IVA – Imposto não liquidado – V…

 

2.28.   Assim, prossegue a Requerente referindo que “a correção que se identifica e contesta de seguida prende-se com a alegada falta de IVA liquidado nas operações realizadas pela Requerente”, no caso, em decorrência do contrato de arrendamento celebrado entre a Requerente e a V…, porquanto a Requerida “(…) considerou que não se trata de uma locação paredes nuas mas antes de uma prestação de serviços” e “como consequência desta conclusão, as rendas deveriam, na convicção da AT, ser liquidadas com IVA, não beneficiando da isenção do imposto prevista para a locação de bens imóveis no artigo 9.º, n.º 29 do Código do IVA”.

 

2.29.   Neste âmbito, é convicção da Requerente que “o contrato de arrendamento é uma verdadeira locação passiva do imóvel, motivo pelo qual a Requerente faturou as rendas com isenção de IVA” não concordando com a posição assumida pelos SIT ao terem considerado no âmbito do projeto de relatório que “para além do arrendamento do imóvel, o SP encontra-se a fornecer à V…, no âmbito do contrato de arrendamento em apreço, serviços de vigilância e segurança, os quais se encontram abrangidos naquela prestação de serviços, funcionando como um acréscimo ao valor do próprio imóvel” tendo “por esse motivo, os serviços de inspeção tributária requalifica[do] o contrato de arrendamento em contrato de prestação de serviços sujeito e não isento de IVA”.

 

2.30.   Ora, “por discordar em absoluto com tal entendimento, a Requerente contestou em sede de direito de audição a correção proposta” porquanto defende que “(…) a disponibilização do espaço paredes nuas à V… é uma prestação em si mesma, motivo pelo qual é aliás autonomizada em contrato próprio, pelo que considerar esta prestação como tributável em IVA seria desvirtuar o próprio sistema e regime do IVA”.

 

2.31.   Não obstante, “a Requerente reconhece que há serviços prestados à V…, mas esses serviços são prestados num âmbito diferente, e constituem uma prestação em si mesma, motivo pelo qual foi, aliás, autonomizada essa prestação”, porquanto “(…) resulta do contrato, tal como referem os serviços de inspeção no projeto de relatório, que os serviços prestados podem abranger, não só o espaço ocupado pela Requerente, como também outros espaços do complexo”, concluindo a Requerente que se tratam “(…) assim, de duas prestações distintas e independentes, que devem ser apreciadas em separado do ponto de vista do IVA” .e “como tal, deve ser aplicado o regime de isenção do IVA à mera colocação passiva do imóvel à disposição da V…, e o regime regra de tributação às prestações de serviços relacionados com a utilização total do complexo (que não se resume à localização do imóvel utilizado pela V…)”.

 

2.32.   Esclarece ainda a Requerente que “A AT, após analisar estes argumentos apresentados (…) em sede de direito de audição, parece reconhecer que efetivamente há duas prestações distintas e independentes entre si, pois acaba por aceitar e referir apenas que “os serviços de segurança e vigilância” que a Requerente presta à V… estão previstos no contrato de arrendamento e não estão segregados e incluídos nos demais serviços”, considerando “(…) que o mero facto de alegadamente estarem incluídos serviços de vigilância e segurança no contrato de arrendamento, por si mesmo, é suficiente para requalificar o contrato de arrendamento em contrato de prestação de serviços”.

 

2.33.   Adicionalmente, “(…) a Requerente esclarece que o contrato de arrendamento e aditamento não incluem serviços de segurança e vigilância, apenas asseguram que os acessos ao espaço locado pela V… se possa realizar em boas condições de circulação e segurança”, “ou seja, é um pressuposto da celebração do contrato de arrendamento que o locatário consiga aceder às respetivas instalações de forma segura”, pressuposto que, para a Requerente, “(…) em nada se confunde com uma prestação de serviços de vigilância e segurança em paralelo com a disponibilização de espaço”.

 

2.34.   Nestes termos, entende a Requerente que “(…) ainda que se estivesse perante uma efetiva prestação de serviços de segurança ou vigilância (…), esses serviços seriam meramente acessórios, pelo que a operação realizada pela Requerente continuaria a configurar uma colocação passiva de um imóvel à disposição do locatário, isenta de IVA nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 9.º, n.º 29 do CIVA”.

 

Adiantamentos por conta de rendas

 

2.35.   Nesta matéria, esclarece a Requerente que “no âmbito da sua pareceria com a V…, celebrou em simultâneo um contrato de arrendamento e de financiamento, para efeitos de financiamento da instalação de um Centro Integrado de Gestão de Resíduos (CIGR)” sendo que “esta relação decorre (…) dos contratos celebrados pelas partes (contrato de financiamento, contrato de arrendamento e prestação de serviços e respetivos aditamentos (…)”.

 

2.36.   Ora, segundo a Requerente, “o valor inicialmente previsto de financiamentos ascendia a 1.730.000,00 euros, o que correspondia ao valor atribuído às rendas nos 25 anos dos contratos, ou seja, à quantia de 1.730.100,00 euros, a compensar nos financiamentos obtidos da V…”, sendo que “as rendas mensais, no valor de 5.767,00 euros, nos exercícios de 2016 e 2017, encontram-se suportadas em faturas emitidas pela Requerente, com a isenção de IVA (…)”, constando a indicação do motivo da isenção.

 

2.37.   Ora, importa segundo a Requerente clarificar que “(…) os serviços prestados à V… respeitam ao fornecimento de água industrial e de recolha e tratamento de águas residuais, exemplos de prestação de serviços apresentados em anexo (…)” pelo que, “(…) em face das necessidades de ambas as partes, a V… contratualizou um financiamento das obras nas instalações da Requerente, na medida em que esta não tinha capacidade financeira para as executar” sendo “a prestação mensal correspondente à remuneração da renda referente ao contrato de locação”.

 

2.38.   Assim, segundo a Requerente, isto significa que “(…) não há lugar a qualquer adiantamento da renda referente ao contrato de locação” porquanto “o que teve lugar foi antes um financiamento inicial para execução de obras, sendo as faturas das rendas emitidas com a regularidade mensal normal acordada”.

 

Imposto não dedutível artigo 19°, n° 8 do Código do IVA

 

2.39.   Nesta matéria, alega a Requerente que “a AT manteve o seu entendimento de que os serviços adquiridos pela Requerente a diversos fornecedores que se enquadram no conceito de “serviços de construção civil” deveriam ter sido objeto de autoliquidação nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, pelo que, em face da ausência de autoliquidação, não pode o IVA liquidado e suportado pela Requerente ser objeto de dedução nos termos do artigo 19.º, n.º 8 do Código do IVA”, ascendendo a um total de EUR 60.140,59.

 

2.40.   Neste âmbito, reitera a Requerente que “(…) o direito à dedução é essencial na mecânica de funcionamento do IVA, permitindo que o mesmo não assuma efeitos cumulativos e que os operadores da cadeia económica se libertem do imposto suportado nos inputs necessários à realização de operações ativas” pelo que “(…) o IVA referente aos serviços de construção civil adquiridos pela Requerente foi necessário à realização dos seus outputs, ou seja, à prestação de serviços tributados em sede de IVA, motivo pelo qual, muito embora se aceite que deveria ter havido lugar a autoliquidação nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA por se tratar de serviços abrangidos pelo Ofício-Circulado n.º 30101, de 24.05.2007, a verdade é que não houve qualquer prejuízo para o Estado Português, que recebeu aquele IVA nos seus cofres, o que terá de ser considerado como suficiente, porque demonstrado, para que se aceite o exercício do direito à dedução do IVA suportado”.

 

2.41.   Entende a Requerente que se verifica uma duplicação de pagamentos de IVA “(…) na medida em que o IVA pago ao Estado pelos fornecedores da Requerente está a ser acrescido à base tributável da Requerente através da liquidação adicional que ora se contesta e que por esse motivo não se pode manter na ordem jurídica (…)”, “(…) motivo pelo qual deve esta correção ser anulada”.

 

Do vício de falta de fundamentação

 

2.42.   Neste âmbito, entende a Requerente que “o ato tributário de que se reclama padece do vício de falta de fundamentação, porquanto não se afigura possível à Reclamante, atendendo à parca informação que consta do Relatório, compreender em toda linha quais os efetivos fundamentos em que assenta o ato tributário que ora se contesta” porquanto “no que concerne às correções em sede de IRC e de IVA decorrentes de a AT considerar que as faturas não continham os elementos obrigatórios à luz do disposto no artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA e que a documentação adicional apresentada pela Requerente no sentido de demonstrar os elementos necessários ao correto apuramento do imposto não é suficiente, importa destacar que as afirmações que em cada caso a AT vai tecendo a este respeito são conclusivas. Ora, a ausência dos requisitos necessários à dedutibilidade de um gasto em IRC ou à dedução do IVA suportado com inputs não pode ser conclusiva, porquanto falha ao explanar os motivos pelos quais se entende assim e não de outra forma, assim se traduzindo no incumprimento do dever de fundamentação que impende sobre a AT. Pretender fazer assentar estas correções em afirmações genéricas de acordo com as quais a descrição contida nas faturas peca por defeito, ou, noutros casos, a discriminação contida nos documentos em causa não é conveniente, inquina os atos tributários do vício de falta de fundamentação, o que desde já se alega para os devidos efeitos legais”.

 

2.43.   Reitera a Requerente que “o procedimento de liquidação de imposto não pode ser entendido como um puzzle que os contribuintes devem pacientemente tentar montar, escolhendo de entre várias peças a que se encaixa na parte já construída, caracterizado por uma sucessão de atos herméticos, sem qualquer explicação, impossíveis de apreender para além do valor a pagar e do termo do prazo para fazer, motivo pelo qual, devem os atos tributários sob discussão ser anulados por vício de falta de fundamentação nos termos do artigo 163.º do CPA aplicável ex vi alínea c) do artigo 2.º da LGT, com as demais consequências legais”.

 

Dos Juros Compensatórios

 

2.44.   A este respeito, refere a Requerente que “(…) foi notificada dos atos tributários de liquidação de juros compensatórios, em sede de IRC e de IVA, quanto aos períodos de tributação de 2017 e 2018” mas “(…) não sendo devida a quantia de imposto liquidado, como (…) comprovado, também não poderá subsistir, atenta a sua natureza acessória, a respetiva liquidação de juros compensatórios”.

 

2.45.   Acrescenta a Requerente que “(…) mesmo que se admita a teoria da fundamentação pelo mínimo, o certo é que a AT nunca fez referência no relatório fundamentador dos atos de liquidação a estes atos de liquidação adicional de juros compensatórios” mas, se “(…) a Lei obriga a que todos os atos sejam fundamentados e os atos de juros compensatórios são igualmente atos tributários de liquidação cuja fundamentação deve constar do RIT, dado que são independentes, para estes efeitos legais (da fundamentação), das próprias liquidações de imposto (…)”, “e se o RIT é a decisão na qual deve constar toda a fundamentação que sustenta a emissão de atos de liquidação adicional, não se entende a razão pela qual a AT não descreveu no RIT, ainda que de forma sucinta, as razões de facto e de direito pelas quais considera que são devidos juros compensatórios”, inexistindo “(…) qualquer comportamento culposo por parte da Requerente, o que inviabiliza, de igual modo, a liquidação de juros compensatórios”, citando para o efeito diversa jurisprudência.

 

Do direito à indemnização por garantia indevidamente prestada

 

2.46.   Nesta matéria, peticiona a Requerente que “em caso de procedência do presente pedido de pronúncia arbitral, deverá, ainda, este Tribunal, reconhecer o evidente erro imputável aos Serviços da AT na emanação dos atos tributários acima mais bem identificados, relativamente ao qual a Requerente nada contribuiu para que ocorresse”, devendo segundo a Requerente “(…) ser reconhecido o direito à indemnização, prevista no artigo 53.º da LGT, pelo valor correspondente aos constrangimentos decorrentes da referida prestação de garantia, sendo certo que tais encargos só poderão ser apurados no momento em que a mesma for levantada”.

 

Do pedido de Reenvio Prejudicial

 

2.47.   Por último, vem a Requerente requerer que “caso se entenda que a desconformidade com o Direito da União Europeia aqui exposta não é suficientemente clara ou pacífica na jurisprudência do TJUE, sempre deverá este Tribunal fazer uso do mecanismo do reenvio prejudicial, previsto no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, artigo 267.º”, formulando a Requerente, para este efeito, a questão que pretende ver respondida.

 

3.           RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.   A Requerida, na resposta apresentada, defendeu-se por excepção e por impugnação, concluindo que “(…) deve ser julgada procedente a excepção de cumulação ilegal de pedidos, caso assim não se entenda, deve o pedido ser julgado improcedente, com as devidas consequências legais”.

 

3.2.   Começa a Requerida por alegar que se verifica a excepção da cumulação ilegal de pedidos porquanto entende que “o facto de os pedidos resultarem da mesma acção inspectiva não implica que estejamos perante a possibilidade legal de cumulação de pedidos prevista no artigo 3.º n.º 1 do RJAT uma vez que os pedidos formulados nos presentes autos respeitam a diferentes actos tributários, mais concretamente a liquidações de IRC e de IVA, e não dependem da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.[2]

 

3.3.   Nesta matéria, entende a Requerida que “(…) a cumulação ilegal de pedidos constitui excepção dilatória determinante da absolvição da instância” pelo que defende que “(…) deverá ser julgada procedente a excepção (…), absolvendo-se a entidade Requerida da instância quanto à totalidade do pedido, ou subsidiariamente, relativamente ao pedido que não prosseguir para apreciação do Tribunal”.

 

3.4.   Prossegue a Requerida defendendo-se por impugnação e alegando em síntese, o que a seguir se apresenta.

 

3.5.   Começa a Requerida por referir que não partilha da posição da Requerente quando esta alega no pedido, entre outras coisas, “que os atos tributários não se mostram devidamente fundamentados e que, relativamente aos juros compensatórios, por não se fazer referência aos mesmos no relatório de inspeção tributária, não foi exercido o direito de audição, preterição de formalidades legais que, em seu entender, inquinam a sua legalidade”.

 

3.6.   Nesta matéria, e citando diversa Doutrina e Jurisprudência, defende a Requerida que contrariamente ao alegado pela Requerente, a “exigência legal de fundamentação dos juros compensatórios considera-se cumprida, desde que efetuada a devida demonstração do cálculo dos juros compensatórios, incluindo a indicação das normas legais ao abrigo das quais se emitiu a mesma”.

 

3.7.   E, prossegue a Requerida, “mesmo que se considerasse que houve preterição de formalidade legal, relativamente à falta de audição prévia, no que concerne aos juros compensatórios, sempre se diria que tal, por si só, não determina a sua anulação” porquanto “tendo sido mantidas (quase na sua totalidade) as correções (…) no relatório final de inspeção tributária, não obstante todos os elementos e argumentos apresentados pela Requerente em exercício do direito de audição, sempre se mostrariam devidos os correspetivos juros”.

 

Das correcções efectuadas em sede de IRC

 

3.8.   No que diz respeito a estas correções, a Requerida defende que foi demonstrado, em sede inspectiva, “(…) que os documentos de suporte aceitáveis não contêm informação necessária e suficiente para assacar este tipo de conclusões, razão pela qual não coloca em causa nem assume como reais cada uma daquelas operações. Simplesmente, a omissão daqueles elementos em documentos idóneos e que garantam segurança na sua aceitação impede essa tomada de conhecimento. Daí o entrave que representam à concretização da missão da AT (onde podemos também incluir a fiscalização das operações), o principal entrave da aceitação dos mesmos”.

 

3.9.   Por outro lado, refere a Requerida que a Requerente invoca “de uma forma transversal a diversos pontos abordados em sede de procedimento inspetivo e aqui contrapostos pela Requerente, (…) que a sua atividade se encontra sujeita ao escrutínio do Tribunal de Contas, tal como já havia feito em sede de exercício do seu direito de audição (…)”.

 

3.10. Neste âmbito, a Requerida entende que “(…) o facto de a atividade da Requerente estar sujeita ao escrutínio do Tribunal de Contas não a liberta do escrutínio das restantes entidades e organismos que têm tal competência, como é o caso da AT”, a qual “(…) tem necessidade de determinada informação para poder desempenhar as suas funções e concretizar a sua missão, que não será certamente a mesma (…) que será necessária aos restantes organismos para desenvolvimento das respetivas missões” porquanto “as diferentes análises terão necessariamente propósitos, contornos e variáveis diferenciadas, permitindo atingir, em concreto, os objetivos que lhe são impostos por força das distintas missões de lhes cabem”.

 

3.11. Com efeito, defende a Requerida que “(…) as respetivas análises não são substitutas, nem sequer complementares” porquanto “estarão em causa objetivos distintos, para o que são seguidos procedimentos próprios, com recurso a diferentes fontes e tipos de informação e, muito importante, com objetivos finais não coincidentes ou sequer convergentes”.

 

3.12. Adicionalmente, contrariando a posição da Requerente para cada um dos pontos impugnados do RIT, em sede de correções em matéria de IRC, a Requerida conclui que “à AT cabe cumprir e fazer cumprir o determinado na Lei. Não lhe compete questionar ou muito menos alterar essa Lei. É o resultado daquela incumbência que se encontra refletido no RIT” pelo que entende que se deverá manter a liquidação de IRC impugnada.[3]

 

 

 

Das correcções efetuadas em sede de IVA

 

3.13. No que diz respeito a este imposto, não concorda a Requerida com a posição da Requerente quanto “(…) à impugnação da legalidade das correções e consequentes atos tributários em sede de IVA, no valor de €124.251,75€, respeitantes ao ano de 2017 e 2018”.

 

Do imposto em falta

 

3.14.   Segundo refere a Requerida, e “(…) de acordo com as conclusões dos SIT, a atividade da Requerente considerou-se sujeita e não isenta a tributação, em sede de IVA, conferindo direito à dedução do imposto suportado (…)”, sendo que, segundo a Requerida, “(…) à Requerente apenas lhe interessa a anulação do imposto liquidado, mas (…) a alterar-se o enquadramento das operações ativas que vem defendido no relatório de inspeção tributária, isso tem necessariamente implicações no direito à dedução (…)”.

 

3.15.   Nesta matéria, elenca a Requerida as correções efectuadas no âmbito do RIT, defendendo a posição nele assumida pelos SIT e citando diversa jurisprudência do TJUE.

 

3.16.   Com efeito, alega a Requerida que “a Requerente não contesta as correções promovidas pelos SIT referentes às operações realizadas no âmbito do protocolo celebrado com o Município da U…, pelo que se deve entender que tais operações estão sujeitas a tributação, conferindo direito à dedução, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA”.

 

3.17.   Por outro lado, refere a Requerida que “a Requerente emitiu, ao longo de 2016 e de 2017, a favor da V… LDA, NIF …, doravante V…, diversas faturas respeitantes a arrendamento de imóvel, tratando-se de rendas mensais referentes a contrato de 2014-05-07 e respetivos aditamentos, conforme mencionado em tais faturas”, tendo os SIT considerado que “(…) tais operações não estão abrangidas pela isenção consignada na alínea 29) do artigo 9.º, do Código do IVA, por não se tratar de um arrendamento “paredes nuas”, na medida em que a locatária beneficia de serviços de vigilância e segurança assegurados pela Requerente”.

 

3.18.   Adicionalmente, segundo a Requerida, “os SIT verificaram que, para além das faturas das rendas, a Requerente emitiu ainda “notas de débito àquele seu parceiro económico (V…) relativas a adiantamentos sobre rendas, nas quais foi feita a menção “Isento Artigo 9º do CIVA (ou similar)” mas, “com base no enquadramento da natureza da operação do arrendamento e sua contextualização em sede de IVA, teve- se por assente que aquelas notas de débito não se encontravam abrangidas por qualquer isenção prevista no artigo 9.º do Código do IVA

 

Do imposto não dedutível - facturas sem os formalismos legais

 

3.19.   A este respeito, refere a Requerida que “no exercício dos poderes de reapreciação, e após análise da documentação junta aos a Direcção de Serviços de IVA, procedeu a uma revogação das correcções referentes [às] facturas emitidas por: D… (…), E… (…), G… (…), H… UNIPESSOAL LDA. (…), I… (…),K… (…), M… (…), N… (…), O… (…), P… (…), Q…- (…), R… (…), S… (…), T… (…)” pelo que vem requerer “(…) a inutilidade superveniente da lide, no que respeita  às liquidações de IVA subjacentes a estas faturas”, tendo sido decidido “(…) manter a correção referente a B… (…)”.

 

3.20.   A Requerida fundamenta a sua posição, nesta matéria, alegando que “a regra geral do direito à dedução comporta algumas exceções, as quais (…) estão sobretudo relacionadas com imposto relativo a aquisições de determinados bens ou serviços cujas caraterísticas os torna não essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares” evitando-se assim “(…) a fraude e evasão fiscais resultantes da dedução de IVA incluído em despesas relacionadas com bens e serviços que, pela sua natureza e características, são suscetíveis de serem utilizados para fins alheios a uma atividade tributada”.

 

Pedido de indemnização por prestação de garantia indevida

 

3.21.   Neste âmbito, alega a Requerida que o disposto nos números 1, 2 e 3 do artigo 53º da Lei Geral Tributária (LGT) refere que “o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”. A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente”.

 

3.22.   Assim, defende a Requerida que, “nesta conformidade, os elementos constitutivos do direito a indemnização por garantia indevida são: (i) ter sido prestada garantia bancária ou equivalente em execução fiscal; (ii) o sujeito passivo ter suportado custos com a prestação e/ou manutenção da garantia; e (iii) ter-se apurado que o imposto que deu origem à dívida não se mostra devido, por ter sido anulada total ou parcialmente a dívida”, citando José Maria Fernandes Pires e outros (in Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2015, p. 550) no sentido de que “o objectivo desta norma é exactamente a devolução ao contribuinte de todos os custos suportados com a prestação ou manutenção da garantia que se veio a mostrar indevida, pelo que é essencial à constituição do direito que esses custos tenham sido efetivamente suportados”.

 

3.23.   Assim, para a Requerida “(…) afigura-se que, para o reconhecimento do direito de indemnização, é crucial a comprovação dos encargos efetivamente suportados, requisito que não se afigura estar, para já verificado, porquanto a Requerente se limita a manifestar a intenção de prestar garantia bancária”, razão pela qual entende que este pedido deverá improceder.

 

4.     SANEADOR

 

4.1.   O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.   O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

Valor do pedido

 

4.4.   No que diz respeito ao valor do pedido indicado pela Requerente (EUR 124.251,75), verificou este Tribunal Arbitral que o valor deveria ser corrigido para EUR 218.387,17, conforme despacho proferido em 30-12-2021. E, na sequência deste despacho, a Requerente veio a corrigir o valor da acção para EUR 218.387,17.

 

Cumulação de pedidos

 

4.5.   Foi suscitada pela Requerida a excepção da cumulação ilegal de pedidos porquanto entende que “do teor do pedido de pronúncia arbitral, resulta não estarem reunidos os pressupostos do nº 1 do art. 3º do RJAT” uma vez que “(…) os pedidos formulados nos presentes autos respeitam a diferentes actos tributários, mais concretamente a liquidações de IRC e de IVA, e não dependem da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

 

4.6.   Cumpre decidir a excepção suscitada.

 

4.7.   Em defesa das suas posições ambas as partes convocam os pertinentes normativos: artigo

104º do CPPT, e nº 1 do artigo 3º do RJAT, que dispõem, respectivamente como segue:

 

Artigo 104º

Cumulação de pedidos e coligações de autores

Na impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos e coligar-se os autores em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão.

Artigo 3º

Cumulação de pedidos, coligação de autores e impugnação judicial

1-     A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.8.   Subscrevendo e revendo-nos do que dimana do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07/01/2016, (Proc. 01265/13) poder-se-á concluir quanto ao “estado da arte” no que à interpretação do artigo 104º do CPPT respeita, o seguinte: “(...)VI – tendo ocorrido no caso dos autos desde logo a cumulação de impugnações de IVA e IRC tal não obsta ao prosseguimento dos autos, para conhecimento dos vícios imputados aos actos de liquidação, pois que em ambos os casos de está perante tributos com a natureza de impostos (artigo 104º do CPPT)(...)”.

 

4.9.   Retirando-se ainda do mesmo aresto:

“(…) sobre esta questão este STA não tem tido uma pronúncia uniforme. Assim nos acs., de 13/3/2002, rec., nº 26752; de 26/3/203, rec., nº 131/03; de 3/7/2003, rec., nº 538/03; de 10/4/2004, rec., nº 1911/03, de 10/3/2005m rec., nº0139/04; de 25/5/2005, rec., nº 0400/05; de 6/3/2008, rec., nº 0879/07, entendeu-se que, face ao disposto no art. 104º do CPPT, é inviável a cumulação se for diversa a natureza dos impostos em causa (imposto sobre o consumo, imposto sobre o rendimento e imposto sobre o património) faltando, então, um dos pressupostos dessa cumulação (e no mesmo sentido, se pronuncia também o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, pp 180/181 – anotações ao artº 104º). Já nos acs., de 16/11/2011, rec. nº 0608/11, de 24/10/2012, rec., nº 0747/12, e de 6/3/2013, rec., 0137/12, entendeu-se, diferentemente, que, no artº 104º do CPPT, a “identidade do tributo”, exige apenas a identidade “da natureza” dos tributos impugnados.”

 

4.10. Posição idêntica à que acaba de referir-se, extrai-se igualmente do acórdão do mesmo tribunal nº 0747/2012, de 24/10/2012:  “(...)O facto de as impugnações respeitarem a IVA e a IRC – sendo o IVA um imposto sobre a despesa e o IRC um imposto sobre o rendimento – não obsta ao prosseguimento dos autos, pois que em ambos os casos se está perante tributos com a natureza de imposto (artigo 104º do CPPT)”.

 

4.11. Revelado, deste modo  sinóptico, o “estado da arte” quanto à interpretação (que subscrevemos) do artigo 104º do CPPT que, essencialmente, faz apelo à classificação dos tributos decorrente do disposto nos artigos 3º e 4º da LGT, enfatizando a sua natureza e não já a sua identidade, conclui-se neste segmento inexistir qualquer “cumulação ilegal de pedidos” como defende a AT não lhe assistindo por esta via qualquer razão, o mesmo se verificando e para o que aqui releva tendo como pano de fundo o disposto no nº 1 do artigo 3º do RJAT.

 

4.12. No âmbito do regime jurídico da arbitragem tributária, e tendo por referência o disposto no nº 1 do artigo 3º do respectivo Regime (RJAT), a admissibilidade da cumulação de pedidos, afigura-se não estar já dependente da natureza dos tributos (independentemente da interpretação que se subscreva relativamente ao artigo 104º do CPPT), outrossim, fazendo-a depender da “identidade de situações e de questões de direito a apreciar”.

 

4.13. A norma sob escrutínio faz depender a possibilidade de cumulação de pedidos da verificação de dois requisitos também eles cumulativos: (i) que a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e, (ii) que a procedência dos pedidos dependa essencialmente da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.14. Brevitatis causa, haverá que ter em consideração que as regras de cumulação de pedidos têm subjacente razões de economia processual a aconselhar a celeridade da decisão e o são objectivo de evitar decisões contraditórias.

 

4.15. Deste modo estando em causa a apreciação dos mesmos factos, justificar-se-á, por via de regra, a cumulação de pedidos, no pressuposto que as questões de direito (potencialmente distintas perante tributos diferentes) não sejam elas próprias objecto de controvérsia.

 

4.16. “É esse o alcance do artigo 3º nº 1, ao não exigir uma absoluta identidade de questões de facto e de direito mas apenas uma identidade quanto ao que é essencial”.

 

4.17. Essencialidade essa de resto já assinalada pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Cfr. obra e local citados): “(...) os factos serão essencialmente os mesmos quanto forem comuns às pretensões do autor ou autores, de forma a que se possa concluir que, se se provarem os alegados relativamente a um ato, existirá o suporte fáctico total ou parcialmente necessário para a procedência das pretensões de todos os pedidos (...)”.

 

4.18. Descendo ao caso sub juditio: contrariamente ao que sustenta a Requerida não se vê como se pode concluir que não sejam as mesmas as circunstâncias de facto e os mesmos princípios de direito subjacentes ao pedido arbitral, ainda que estejam em causa liquidações de IRC e de IVA.

 

4.19. Daí que, aderindo-se ao sobredito entendimento, conclui-se ser legal a cumulação de pedidos formulada pela Requerente, indeferindo-se a invocada excepção de cumulação ilegal de pedidos suscitada pela Requerida.

 

4.20. Não foram suscitadas outras excepções de que cumpra conhecer.

 

4.21. Não se verificando nulidades impõe-se agora conhecer do mérito do pedido.

 

5.      MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.   Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.   Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

5.3    Factos provados

Estão provados os seguintes factos:

a)    A Requerente é uma associação sem fins lucrativos, constituída em 1996, com a missão de gerir e tratar os resíduos sólidos urbanos da sua área de intervenção constituída por 10 concelhos: Alcanena, Chamusca, Constância, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Golegã, Santarém, Tomar, Torres Novas e Vila Nova da Barquinha (Doc. nº 17 anexado pela Requerente).

b)    Para efeitos de IRC, a Requerente está enquadrada como sujeito passivo de IRC residente, a qual exerce, a título principal, uma actividade industrial, encontrando-se inscrita no regime geral de tributação para efeito daquele imposto (Doc. nº 17 anexado pela Requerente).

c)    A Requerente está inscrita no cadastro com o CAE 38212 – TRATAMENTO E ELIMINAÇÃO DE OUTROS RESÍDUOS NÃO PERIGOSOS (actividade principal) e ainda com os CAE secundários 038220 – TRATAMENTO E ELIMINAÇÃO DE RESÍDUOS PERIGOSOS e 035112- PRODUÇÃO DE ELETRICIDADE TÉRMICA (Doc. nº 17 anexado pela Requerente).

d)    Para efeitos de IVA, a Requerente encontra-se inscrita, desde 23-10-1996, como sujeito passivo do tipo misto com afetação real de todos os bens, com enquadramento no regime normal de periodicidade mensal por opção, para o exercício da actividade principal de “Tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos” (CAE 38212) e das actividades secundárias de “Tratamento e eliminação de resíduos perigosos” (CAE 38220) e “Produção de electricidade de origem térmica” (CAE 35112) (Doc. nº 17 anexado pela Requerente).

e)    Entre a Requerente e a V… foram celebrados, em 07-05-2014, (a) um contrato de arrendamento e prestação de serviços e (b) um contrato de financiamento da instalação de um Centro Integrado de Gestão de Resíduos (CIGR) que integra a unidade de incineração a instalar na A…, sito no …, tendo sido celebrado, em 10-07-2015, (c) um aditamento aos dois contratos anteriormente celebrados.

f)    De acordo com cópia do contrato de Arrendamento e Prestação de Serviços, anexada com o PPA, a Requerente dá de arrendamento à V… as instalações sitas no parque, de que é proprietária e legítima detentora para que a V… aí instale uma unidade de incineração de resíduos, mediante o pagamento de uma renda fixada por ambas.

O referido contrato terá tido início na data da respectiva assinatura e uma vigência de 20 anos a contar da data de início da exploração.

g)    Para além do arrendamento, e enquanto este durar, a Requerente obrigou-se a prestar à V…, mediante o pagamento dum preço fixado pelas Partes antes do início da operacionalização da unidade de CIGR, diverso tipo de serviços que estão elencados no contrato (fornecimento de água, eletricidade e gás e receção, tratamento e destino final de águas residuais, de todos os resíduos para os quais tenha autorização no âmbito da licença e eletricidade).

h)    De acordo com cópia do contrato de Financiamento da instalação de um CIGR anexada com o PPA, nos terrenos propriedade da Requerente com as edificações a construir (objecto do contrato de arrendamento identificada nos pontos anteriores), tendo por objectivo a V… aí instalar a unidade de incineração já identificada, esta compromete-se a financiar, enquanto arrendatária, os custos da obra destinada ao CIGR, em conformidade co os projectos de concepção e planeamento para a edificação e execução de infraestruturas realizados pela Requerente. À data da celebração deste contrato, a V… estimou que os custos inerentes à execução da obra ascendiam a EUR 750.000, devendo ser informados à Requerente à medida fossem suportados pela V…, com o objectivo de serem pagos mediante compensação dos valores da renda a fixar (ao abrigo do contrato de arrendamento celebrado entre ambas). De acordo com o estabelecido no contrato, as respectivas facturas deveriam ser emitidas pelos subempreiteiros ou fornecedores em nome da Requerente e remetidas à V… que deveria verificar a conformidade com o contratado, procedendo ao seu pagamento. No âmbito deste contrato, a Requerente assume-se como devedora perante a V… dos montantes incorridos por esta para a realização das obras previstas ou necessárias à instalação da V…, bem como daqueles que decorram directamente das construções realizadas. Se por alguma razão o contrato de arrendamento celebrado fosse declarado nulo ou ineficaz ou cessasse antes do prazo previsto, por motivos imputáveis à Requerente, esta assumiria o pagamento à V… não apenas do montante investido como também de um montante equivalente aos juros vencidos acrescidos da taxa de 3%. Caso a responsabilidade fosse imputada à V…, a Requerente ficaria desonerada de qualquer ónus ou pagamento à V….

i)     Ainda no âmbito do contrato de financiamento referido no ponto anterior, está previsto que os valores que fossem devidos pela V… à Requerente a título de renda ou outros pelo contrato de arrendamento serão compensados com os valores que, nos termos daquele contrato, fossem devidos pela Requerente à V….

j)     De acordo com cópia do aditamento aos dois contratos celebrados entre a Requerente e a V…, anexada com o PPA, com este aditamento aos contratos anteriormente elencados, o valor total subjacente aos mesmos passou a ascender a EUR 1.350.000 devido ao acréscimo de custos no montante de EUR 600.000 com as obras para a execução do parque e arranjos exteriores, das infraestruturas para a prestação de serviços e as beneficiações complementares identificadas pelas Partes Outorgantes, que a V… aceita financiar nos termos contratados para a edificação do CIRG e a Requerente aceita autorizar a realização de todas as obras necessárias para os fins previstos.

l)     Na sequência do acordado, o prazo do contrato de arrendamento foi prolongado por mais cinco anos a contar da data de exploração, passando a ser um total de vinte e cinco anos. Em consequência, durante os primeiros vinte e cinco anos de contrato não existem valores devidos pela V… à Requerente provenientes de rendas ao abrigo da compensação do contrato de financiamento mútuo complementar ao contrato de arrendamento.

m)   Em 2019, a Requerente foi objecto de uma ação inspectiva, de âmbito geral, efectuada ao abrigo das ordens de serviço nº OI2018…/… datadas de 17-12-2018, que incidiu sobre os anos de 2016 e 2017, tendo aquela inspeção sido iniciada a 19-11-2019 e concluída a 28-10-2020 (Doc. nº 17 anexado pela Requerente).

n)    As Ordens de Serviço referidas no ponto anterior foram objecto de prorrogação, notificada à Requerente através dos Ofício nº …, de 23-04-2020 e do Ofício n° … de 31-07-2020 (Doc. nº 17 anexado pela Requerente).

o)    Em resultado da referida ação inspetiva, a Requerente foi notificada, através do Oficio n.º …, de 08-09-2020, do Projecto de Relatório no qual foram propostas diversas correções aos exercícios de 2016 e 2017 em sede de IRC e de IVA.

p)    Consta do projecto de relatório de inspecção que:

 

I - “(…) no decurso do (…) procedimento inspetivo (…) o SP contabilizou (…) gastos cujo suporte documental não apresenta características de prova da realização dos mesmos e/ou não respeita ao SP. (…). No decurso dos atos inspetivos inerentes ao desenvolvimento do (…) procedimento detetaram-se diversas irregularidades (…)” relativas ao registo, em 2017, de gastos debitados pelas entidades que a seguir se identificam:

 

 

 

II – No que respeita ao IVA, relativo ao ano de 2017:

 

 

 

q)    No que diz respeito ao IVA, relativamente a 2017, os SIT identificaram no RIT dois tipos de questões – imposto não liquidado (ponto III.2.1. do RIT), no montante total de EUR 10.800,00, imposto não dedutível – artigo 19º, nº 2 do Código do IVA (ponto III.2.2. do RIT), no montante total de EUR 53.311,16 e imposto não dedutível – artigo 19º, nº 8 do Código do IVA (ponto III.2.3. do RIT), no montante total de EUR 60.140,59 (Doc. nº 17 anexado pela Requerente).

(…)

 

 

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

 

(…)

 

r)    No âmbito do IVA não dedutível, os SIT identificaram as seguintes situações relativas ao ano 2017 (Doc. nº 17):

 

 

(…)

 

(…)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

s)    A Requerente foi notificada, através do Ofício nº …, de 08-09-2020, do teor do projecto de RIT bem como para exercer o direito de audição (Doc. nº 19 anexado pela Requerente).

t)     A Requerente apresentou, em 22-09-2020, pedido de prorrogação do prazo para exercício do direito de audição, por mais dez dias (2020E…), tendo aquele pedido sido deferido e comunicado esse deferimento através do Ofício nº …, de 22-09-2020 (Doc. nº 17 anexado pela Requerente).

u)    A Requerente, por não concordar com a maioria das referidas propostas de correção constantes do Projecto de Relatório, apresentou em 06-10-2020 o respetivo Direito de Audição (2020E…), no qual procurou evidenciar os procedimentos utilizados no âmbito da sua actividade para contratação dos serviços prestados e demonstrar o respectivo suporte documental dos gastos incorridos e inputs necessários ao exercício da referida actividade, anexando diversos documentos (Doc. nº 17 e Doc. nº 20 anexados pela Requerente).

v)    Os SIT mantiveram, na generalidade, as correções propostas, notificando nesse sentido a Requerente da versão final do RIT, através do Ofício …, de 09-11-2020, na qual evidenciaram as correções finais em sede de cada um dos impostos (IRC e IVA), tendo em consideração a apreciação do direito de audição exercido pelo sujeito passivo (Doc. nº 17 anexado pela Requerente):

       Correcções finais em sede de IRC (no caso apenas relevam as relativas ao ano 2017, objecto do ppa)

 

 

x)    Em resumo, no âmbito do procedimento inspectivo, foram identificadas na versão final do RIT as seguintes irregularidades pelos SIT (Doc. nº 17 anexado pela Requerente):

 

 

z)    Resumidamente, as correções em causa em cada um destes impostos, relativas ao exercício de 2017, foram as seguintes:

Detalhe das correções em matéria de IRC/2017

 

Detalhe das correções em matéria de IVA/2017

 

aa)  Em resultado da referida ação inspectiva, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações de imposto e juros (Doc. nº 1 a Doc. nº 16 anexados pela Requerente):

 

ab)  A Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral em 23-04-2021.

ac)  Pelo Oficio n.º …, de 16-09-2021, foi notificada do despacho de revogação parcial das correções que, em matéria de IVA, deram origem a uma parte dos actos tributários objecto deste pedido arbitral (Despacho proferido por subdelegação de competências, em 13-09-2021, pelo Sub-Director Geral da Divisão de Administração da Direção de Serviços do IVA, com base na Informação nº …, de 04-08-2021, no âmbito da qual se anularam as seguintes correcções em matéria de IVA, em conformidade com o ponto IV.4 da referida Informação (cfr.  cópia de documento anexado pela Requerente com a resposta à excepção deduzida pela Requerida):

 

ad)  O valor do IVA anulado pelo despacho referido no ponto anterior, nos termos acima descritos, distribui-se no ano 2017 da seguinte forma, de acordo com o disposto na informação acima identificada:

 

ae)  Assim, em matéria de IVA, do imposto em falta identificado no RIT no montante total de EUR 124.251,75, relativo ao ano de 2017, a Requerida revogou, no âmbito do disposto no artigo 13º do RJAT, EUR 51.517,15, ou seja, 41,5% do montante de IVA adicionalmente liquidado pelos SIT (sublinhado nosso).

af)   A Requerente foi também notificada pelo Oficio n.º …, de 11-10-2021, do despacho de revogação parcial do acto tributário de liquidação adicional de IRC nº 2021 …, relativo ao período de tributação de 2017, proferido por subdelegação de competências, em 01-10-2021, pela Senhora Sub-Directora Geral da Divisão de Administração da Direção de Serviços do IRC, com base na Informação nº I2021 …, que a seguir parcialmente se transcreve (em conformidade com cópia de documento anexado pela Requerente com a resposta à excepção deduzida pela Requerida):

 

 

ag)  Assim, no âmbito do disposto no artigo 13º do RJAT, e no que diz respeito ao ano 2017, a Requerida revogou EUR 271.439,77 dos EUR 341.000,27 relativos ao montante da matéria colectável que serviu de base ao IRC adicionalmente liquidado pelos SIT, ou seja, 79,6% daquele montante (sublinhado nosso).

 

5.4.   Factos não provados

Não ficou provado, com relevância para o objeto do pedido, que a Requerente tivesse prestado a garantia a que alude no seu articulado.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.5.   No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se nas posições assumidas pacificamente pelas Partes (em sede de facto), designadamente  nos factos alegados e não contestados pela Requerida e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente, em conjugação com a cópia do processo administrativo instrutor junto pela AT.

 

5.6.   Quanto ao facto não provado, fundou-se o Tribunal na ausência de prova, maxime, documental, da existência da alegada garantia bancária.

 

4.           MATÉRIA DE DIREITO

 

O objeto inicial do pedido

 

Com a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, pretende a Requerente que o Tribunal se pronuncie, em matéria de IRC, sobre a legalidade das liquidações de IRC (2017), de IVA (2017 e 2018) e juros relativos àquelas liquidações, identificadas no processo, no montante total de EUR 218.387,17 (valor corrigido pelo Tribunal durante o processo e após esclarecimentos prestados pela Requerente) que tiveram origem nas correções efectuadas pelos SIT no âmbito do RIT emitido na sequência de inspecção tributária realizada à Requerente, bem como o reconhecimento do direito à indemnização, prevista no artigo 53.º da LGT, pelo valor correspondente aos constrangimentos decorrentes da prestação de garantia bancária para suspender processos de execução entretanto instaurados na sequência do não pagamento daquelas liquidações.

 

Impossibilidade parcial superveniente da lide

 

No decurso do processo arbitral, a Requerida veio dar conta ao processo que parte dos actos tributários objecto do pedido arbitral haviam sido revogados já na pendência deste processo arbitral, revogação que a Requerente confirmou através do seu requerimento de 20-12-2021.

 

Neste requerimento (de 20-12-2021), considera a Requerente, subsistir apenas em litígio, os seguintes actos:

A - Em sede de IRC

·         Correção III.1.1.10 (L…) – EUR 7.800,00

B - Em sede de IVA

·             Correção III.2.1.1 (U…) – EUR 10.800.00

·             Correção III.2.1.2 (V…) – EUR 0

·             Correção III.2.2 Imposto não dedutível - artigo 19º, nº 2, do CIVA (L…) – EUR 1.794,00

·             Correção III.2.3 (imposto não dedutível - artigo 19º, nº 8 do CIVA
 – EUR 60.140,59

 

Assim, em matéria de IVA, do total de imposto em falta identificado no RIT, no montante total de EUR 124.251,75, relativo ao ano de 2017, a Requerida revogou EUR 51.517,15, no âmbito do disposto no artigo 13º do RJAT, ou seja, 41,5% do montante de IVA adicionalmente liquidado pelos SIT. Já em matéria de IRC, a Requerida revogou EUR 271.439,77 dos
EUR 341.000,27 relativos ao montante da matéria colectável que serviu de base ao IRC adicionalmente liquidado pelos SIT, ou seja, 79,6% daquele montante.

 

Tendo os actos tributários impugnados pela Requerente sido parcialmente revogados já na pendência do processo arbitral, veio a ocorrer a impossibilidade superveniente da lide relativamente à parte dos actos tributários revogados, por falta de objeto de litígio, conforme melhor se verá e decidirá infra.

 

Desse modo, mantêm-se apenas, face à posição expressa pela Requerente nas suas alegações, como objecto do presente pedido arbitral, os actos de liquidação que no RIT assentam nas seguintes correcções:

 

(i)          Pontos III.1.1.3. e III.1.1.10 (correcções em matéria de IRC) e III.2.2. do RIT (correcções em matéria de IVA) – F… e B…

 

Segundo a Requerente, “com exceção das correções efetuadas nos pontos 2.1.2 e 2.1.3, as correções efetuadas pela AT assentam (…) no (…) argumento, (…), quer em sede de IRC, quer em sede de IVA, para desconsiderar a dedutibilidade dos gastos em sede de IRC e para rejeitar o exercício do direito à dedução do IVA suportado com os inputs” e que se traduz na “falta ou insuficiência da prova documental em face dos requisitos legais para o efeito estabelecidos nos artigos 23.º e 23.º-A do Código do IRC, bem, como do artigo 19.º do Código do IVA (…)”. Após anulação, na pendência do PPA, das correcções acima evidenciadas, com efeitos em sede de IVA e de IRC, a Requerida manteve as seguintes correções, no âmbito dos dois impostos:

 

No que diz respeito às facturas emitidas por “F…” (ponto III.1.1.3.e ponto III.2.2. do RIT), relativas a serviços topográficos, a Requerida entende que o descritivo das mesmas não é suficiente, considerando que os mesmos não se encontram devidamente documentados.

Esta correção não consta da lista das correções anuladas na pendência do PPA mas em momento nenhum se refere a sua manutenção.

 

Tendo em consideração as explicações dadas pela Requerente relativas aos serviços e a sua conexão com a actividade da Requerente (foram prestados no Ecocentro de …), bem como considerando a documentação anexada, entende o Tribunal que os serviços prestados estavam documentados e eram conexos com a actividade da Requerente, pelo que, nessa medida, deveria ter sido admitida a dedutibilidade em sede de IVA e de IRC.

 

No caso do ponto III.1.1.10 do RIT, relativo a uma correcção à matéria colectável de IRC relativa ao exercício de 2017 por desconsideração de duas facturas emitidas por “B…”, no montante total de EUR 7.800,00. A fundamentação base invocada no RIT, a este propósito, está plasmada no Ponto III.1.1 do RIT quando refere que, de acordo com o n.º 3 do artigo 23º do CIRC, “os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”, acrescentando que tais documentos devem conter, pelo menos, os elementos referidos no n.º 4 do mesmo preceito legal.

 

Complementando que “no que respeita ao «documento comprovativo», o disposto no n.º 6 do artigo 23º do CIRC, prevê que «quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previstos no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma”.

 

No que especificamente ao caso respeita, estão em causa duas facturas contendo, respectivamente, nas suas descrições, “sinal para evento a realizar no dia 16 de Dezembro” e “restante pagamento de evento de 16-2-2017”.

 

Na sequência do exercício do direito de audição ao projecto de RIT, veio a Requerente esclarecer que tais facturas respeitaram a “prestação de serviços para almoço de Natal de 2017 e que foi correspondente a 275 pessoas a 30,00 euros por pessoa”, tendo junto o que designou como “caderno de encargos”, bem como troca de e-mails. Mais invocou, aí, a informação vinculativa n.º 2321/2017, para enquadrar a despesa como almoço convívio entre os funcionários, incluindo o jantar de Natal, enquanto realizações de utilidade social nos termos do art. 43º do CIRC.

 

Em resposta, o RIT esclareceu que não estava em causa a desconsideração do gasto por incumprimento do disposto naquele artigo, mas sim do art. 23º, n.º 4, concluindo que “o SP não demonstrou que as faturas de suporte aos gastos desconsiderados e aqui em discussão reuniam aqueles requisitos, pelo que se mantêm as correções inicialmente propostas”.

 

Na pendência do processo arbitral, não obstante a Requerida ter revogado várias das correcções resultantes do procedimento inspectivo, manteve as relativas a este fornecedor, não só em matéria de IRC, como também em matéria de IVA (ponto III.2.2 do RIT). Com efeito, conforme como consta da Resposta, justifica-se tal decisão de manutenção da correção em matéria de IVA (e, em consequência de IRC) com o disposto no artigo 21º do CIVA, ou seja, no facto de estarem “excluídas do direito à dedução as despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções", bem como as "despesas de divertimento e de luxo, sendo consideradas como tal as que, pela sua natureza ou pelo seu montante, não constituam despesas normais de exploração“.

 

O que é reiterado na Resposta, quando se diz “a AT demonstra que os documentos de suporte aceitáveis não contêm informação necessária e suficiente para assacar este tipo de conclusões, razão pela qual não coloca em causa nem assume como reais cada uma daquelas operações. Simplesmente, a omissão daqueles elementos em documentos idóneos e que garantam segurança na sua aceitação impede essa tomada de conhecimento. Daí o entrave que representam à concretização da missão da AT (onde podemos também incluir a fiscalização das operações), o principal entrave da aceitação dos mesmos” (art. 38).

 

Todavia, a fundamentação para tal correcção, em sede de IVA, em nada está relacionada com a aplicação do aludido artigo 21º do CIVA (que regula expressamente as despesas sujeitas ao regime de exclusão do direito à dedução), mas com a aplicação do artigo 19º, n.º 2, por considerar que as facturas em causa não obedecem aos requisitos formais que lhes permitisse deduzir o respectivo IVA.

 

Ora, a questão da prova documental dos custos para efeitos de IRC é resolvida de modo quase unânime pela nossa jurisprudência, no sentido de que “a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova” (Ac. STA 0658/11, de 05-07-2012).

 

Sendo que nos casos de inexistência de “suporte documental externo, compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou a despesa, não obstante essa omissão ou insuficiência formal” (Ac. STA de 09-09-2015 – Proc. 028/15).

 

É um facto que tais decisões foram proferidas antes da reforma do CIRC, operada pela Lei 2/2014, de 16 de Janeiro. Todavia, como se refere na decisão arbitral de 16-01-2019, no Proc. 217/2018-T, “a clarificação das condições de dedutibilidade dos gastos fiscais foi um dos pontos sobre que incidiu a Reforma do IRC, concretizada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, referindo o seu Anteprojeto o propósito de eliminar divergências interpretativas sobre a questão da prova documental dos gastos contabilizados e inerente litigância. Assim, o princípio geral de que são dedutíveis os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC é modelado por requisitos formais, devendo o sujeito passivo possuir documentos que os comprovem que devem conter os elementos essenciais de identificação das operações, seus intervenientes, valor e data, e, tratando-se de operações que suscitem a obrigação de emissão de uma fatura nos termos do Código do IVA, esses documentos devem revestir essa forma [de fatura]. O problema que se coloca é o da consequência para o sujeito passivo do incumprimento dos requisitos formais, que no caso da fatura, depende da respetiva emissão por terceiro, o prestador de serviços, assumindo a AT a posição de que, perante a falta desse documento, o gasto será desconsiderado no apuramento da matéria coletável de IRC, por incumprimento de um requisito formal. (…) a questão que se coloca é, pois, uma só: a de saber se as operações cuja existência material ficou demonstrada, e que estão documentadas nos moldes referidos contendo os elementos de identificação essenciais, pelo facto de não se encontrarem tituladas por faturas emitidas pelo prestador dos serviços (a B...), como postula o artigo 29.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA, não são fiscalmente dedutíveis por aplicação do artigo 23.º, n,º 6 do Código do IRC. (…) cremos que se mantêm válidas as considerações de Rui Morais anteriores à Reforma do IRC no sentido de que, para comprovação documental dos gastos, “o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito”, pois “a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efetivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva.” – cf. Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp. 79-80. No mesmo sentido aponta a jurisprudência do STA, como, a título ilustrativo, a constante dos Acórdãos de 5 de julho de 2012, processo n.º 658/11, e de 14 de setembro de 2011, processo n.º 433/11”.

 

No caso em apreço, a Requerente juntou, em sede de audição prévia, documentos de suporte justificativos dos custos relativos às facturas, as quais reflectiram um “almoço de Natal” com os seus colaboradores, designadamente um caderno de encargos e e-mails trocados, elementos que os SIT desprezaram em absoluto, com a justificação de que esses “elementos não se encontram nomeados nas faturas de suporte dos movimentos em causa, não havendo naquelas faturas indicação da existência de quaisquer documentos anexos e/ou complementares”.

 

Ora, não podemos aceitar tal justificação. Com efeito, se da factura em causa constassem tais elementos, nunca a AT a iria, obviamente, colocar em causa alegando que as mesmas não reúnem os requisitos legais formais.

 

A junção de tais elementos por parte da Requerente, teve em vista documentar o aludido custo através de suporte documental externo à factura, o qual, na linha do que se refere no Acórdão do STA supra citado. “… compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou a despesa, não obstante essa omissão ou insuficiência formal”.

 

Nestes termos, entendemos, pois, que a Requerente justificou de forma minimamente cabal o gasto suportado, em matéria de IRC, pelo que padece de ilegalidade o acto de liquidação de IRC impugnado ao considerar que o deficiente cumprimento dos requisitos formais dos documentos comprovativos dos gastos (facturas) só por si, implica a impossibilidade de comprovação da relação daqueles com a actividade da Requerente.

 

O mesmo se poderá dizer no que respeita ao IVA, cuja dedução não foi aceite. Com efeito, a propósito do mecanismo da dedução do imposto suportado em facturas com fragilidades formais, transcreve-se o que se diz na decisão do CAAD de 30-10-2018, no processo n.º 96/2018-T, quando faz a síntese da interpretação que tem vindo a ser feita pelo TJ nesta matéria:

[…] o TJ conclui que o artigo 178.º, alínea a) da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.º 6 desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos – cf. Acórdão Barlis, n.º 43 e dispositivo.

Esta posição já tinha sido anteriormente sufragada nos Acórdãos de 30 de setembro de 2010, Uszodaépito kft, C-392/09; de 21 de outubro de 2010, Nidera, C-385/09; de 1 de março de 2012, Kopalnia (ou Polsky Trawertyn), C-280/10; de 27 de setembro de 2012, VSTR, C-587/10; de 8 de maio de 2013, Petroma, C-271/12; de 18 de julho de 2013, Evita-K EOOD, C-78/12; de 6 de fevereiro de 2014, SC Fatorie, C-424/12 e de 11 de dezembro de 2013, Idexx Laboratories, C-590/13. Esta jurisprudência constante do TJ afirma que, sem prejuízo da importante função documental da fatura, na medida em que pode conter dados controláveis, conquanto estejam cumpridos e demonstrados os requisitos substantivos, a não observância das formalidades não pode, em princípio, levar à supressão do direito à dedução do IVA, reforçando que este «garante a neutralidade na aplicação do IVA, pelo que não poderá ser recusado somente porque os sujeitos passivos negligenciaram certos requisitos formais, quando os requisitos substantivos tenham sido cumpridos» – cf. Acórdão Uszodaépito kft, n.º 38”.

Na interpretação do TJ, a exigência de dispor de fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva IVA teria uma consequência inaceitável: a de pôr em causa o direito à dedução do sujeito passivo, quando os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura – cf. n.º 48 do Acórdão Kopalnia.

Acresce, neste ponto, e conforme referido na decisão arbitral n.º 3/2014-T, de 6 de dezembro de 2016, convocar o Acórdão de 12 de julho de 2012, EMS Bulgaria, C-284/11, «que coloca a questão dos efeitos associados ao incumprimento de formalidades no domínio sancionatório e não no plano (bem distinto) dos efeitos impeditivos ou extintivos do exercício do direito (substantivo) à dedução”.

 

Acrescente-se que também o Acórdão de 15-11-2017, Rochus Geissel, C-374/15, determina que o direito à dedução do IVA não pode, em princípio, ser limitado, e que o regime de deduções visa libertar completamente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas, pelo que a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (n.ºs 40 a 46 do Acórdão Rochus Geissel).

 

Daí que, de igual modo, se entenda proceder a invocada ilegalidade da liquidação em sede de IVA, ao não admitir a dedução de IVA mencionado nas facturas do fornecedor em análise.

 

Acrescente-se, a este propósito, que nada releva, para o caso, o facto de no acto de revogação das correcções efectuadas se invocar a impossibilidade de dedução do IVA por aplicação do artigo 21º do CIVA (que regula expressamente as despesas sujeitas ao regime de exclusão do direito à dedução). Na verdade, no RIT, que constitui a fundamentação dos actos impugnados, não se procedeu à fundamentação desta correcção com base nesse argumento, mas exclusivamente no artigo 19º, n.º 2 do CIVA, por considerar que as facturas em causa não obedecem aos requisitos formais que lhes permitisse deduzir o respectivo IVA, sendo certo que, no caso em apreço, o acto de liquidação, tem a sua exclusiva fundamentação no RIT, que terá de conter, de forma estanque, todos os elementos de facto e de direito a ele conducentes.

 

(ii)        Ponto III.2.1.2 do RIT – correcções em matéria de IVA (imposto não liquidado) – Contrato de arrendamento celebrado entre a Requerente e a V…

 

Estando em causa um contrato de arrendamento celebrado entre a Requerente e a “V…”, considerou a AT que, por virtude de o contrato de arrendamento celebrado incluir serviços de segurança e vigilância, os quais não se encontram autonomizados, as rendas são sujeitas a IVA por estar desvirtuado o conceito de “paredes nuas” necessário à aplicação da isenção prevista no Código do IVA.

 

Com efeito, considera a Requerida que, no caso, não se está perante uma locação de paredes nuas mas antes de uma prestação de serviços e que, como consequência, as rendas deveriam ser liquidadas com IVA, por não beneficiarem da isenção do imposto prevista para a locação de bens imóveis no artigo 9.º, n.º 29 do Código do IVA.

 

Efectivamente, como consta do RIT, a “V…” cede, não só as instalações à Requerente, mas também serviços de segurança e vigilância (o que é assumido por aquela), pese embora pretenda concluir estarem em causa duas prestações distintas e independentes entre si, donde resultaria a aplicação de isenção de IVA à locação e de IVA à prestação daqueles serviços.

 

É sabido que a locação de bens imóveis se encontra isenta de IVA, nos termos do disposto na alínea 29) do artigo 9º do Código do IVA, a qual não abrange a) as prestações de serviços de alojamento, efetuadas no âmbito da actividade hoteleira ou de outras com funções análogas, incluindo parques de campismo; b) a locação de áreas para recolha ou estacionamento coletivo de veículos; c) a locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial; d) a locação de cofres-fortes; e) a locação de espaços para exposições ou publicidade.

 

Tal norma resulta da transposição para o ordenamento jurídico nacional do disposto na alínea l) do nº 1 do artigo 135º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro (Directiva IVA), cujas divergências na interpretação deram origem, por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), à definição de um conceito de "locação de imóveis", em tudo semelhante ao existente na legislação nacional, nomeadamente, ao disposto no artigo 1022º do Código Civil, na redação dada pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).

 

O contrato em apreciação não será, contudo, um contrato de arrendamento puro, mas antes um contrato misto, compreendendo simultaneamente características da locação e de prestações de serviços. E é com esse pressuposto que a AT entende haver lugar a tributação em IVA.

 

Tendo presente a figura dos contratos inominados relativos aos centros comerciais, é referido no Acórdão do TCA Sul de 12-01-2017 – Proc. 9227/15 que “com a isenção prevista no artº. 9, nº. 30, do C.I.V.A., actual artº. 9, nº. 29, do mesmo diploma, pretendeu o legislador isentar da tributação em sede de I.V.A. a locação de bens imóveis, ou seja, a renda recebida pela cedência de espaço nu, tanto para fins habitacionais como industriais, comerciais ou outros, não abrangendo, todavia, a isenção as prestações e serviços que exorbitam do contrato de arrendamento, respeitando a outro género de contrato, como o alojamento no âmbito da actividade hoteleira e análogas”.

 

Mas, nesta matéria, há também que ter presente o que resulta das decisões do TJUE, o que é invocado pelo Acórdão do STA de 09-06-2021, no processo 01901/18.5BERT: “de acordo com a jurisprudência europeia consolidada (cfr., entre outros, §§ 29-30 do Acórdão BGŻ Leasing, de 17 de Janeiro de 2013, Processo n.º C-224/11 e jurisprudência aí referida), existe ainda uma outra circunstância contratual – na prática, muito próxima da anterior, diga-se de passagem -, de acordo com a qual se pode sustentar a não aplicação da isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA. Estamos a falar, segundo a terminologia civilista, nos contratos mistos com prevalência do elemento não locatício, i.e., contratos que envolvam cedência onerosa de utilização de imóveis mas em que o elemento preponderante e determinante da economia contratual seja composto precisamente pelas demais prestações que integram o contrato (a prestação principal) e onde a prestação locatícia se encontra diluída.

Nestes casos – e só perante eles – seria admissível em abstracto (e se justificaria, acrescente-se) não autonomizar as operações económicas isentas daquelas outras operações sujeitas e não isentas, antes sujeitando a totalidade da contraprestação global ao mesmo regime de sujeição sem isenção aplicável à prestação principal; mas e em qualquer caso, para tal suceder, tudo ficaria dependente de o valor económico atribuído à locação imobiliária ser forçosamente muito reduzido ou incindível. Em todos os demais casos – em que haja um contrato misto sem prevalência de nenhuma das componentes contratuais ou em que a componente locatícia seja prevalecente – impõe-se antes a separação das componentes contratuais entres prestações isentas e não isentas, sendo apenas exigível imposto quanto às segundas”.

 

O que segue o decidido pelo mesmo STA no acórdão de 29-11-2011, no processo n.º 427/11 em que se considerou que “eventuais prestações de serviços, associadas aos contratos em causa, não fazem desconsiderar a natureza de locação inerente a esses contratos, quando os mesmos consubstanciam meras cláusulas acessórias, não tipificadas na disciplina jurídica civilística da locação, que as partes entenderam estabelecer como complemento do negócio jurídico celebrado, por se adaptarem aos interesses contratuais em presença, sem relevância económica enquanto operações efectuadas, a título oneroso, pelas quais os co-contratantes paguem uma determinada contrapartida e que, por si, sejam tributáveis”.

 

Subscrevendo tal entendimento, podemos concluir que “os contratos mistos de arrendamento e de prestações de serviços em que estas são complemento daquele, são tributados em IVA apenas no que se refere às quantias pagas a título de prestação de serviços”.

 

Sucede que não será essa a situação que se verifica nos autos, uma vez que as prestações de serviços associadas à disponibilização do imóvel, assumem um peso relevante e decisivo no contrato celebrado, de que destacamos, a título exemplificativo:

- para além do arrendamento propriamente dito, foi acordada a prestação de diferentes tipos de serviços elencados no contrato (fornecimento de água, eletricidade e gás e receção, tratamento e destino final de águas residuais, de todos os resíduos para os quais tenha autorização no âmbito da licença e eletricidade);

- nas edificações a construir (objecto do contrato de arrendamento), onde a V… se propunha instalar unidade de incineração, esta compromete-se a financiar, enquanto arrendatária, os custos da obra destinada ao CIGR, em conformidade com os projectos de concepção e planeamento para a edificação e execução de infraestruturas realizados pela Requerente. De destacar que os custos inerentes à execução da obra ascendiam a
EUR 750.000,00 (quantia que, entretanto, foi revista para EUR 1.350.000,00), devendo ser informados à Requerente à medida que fossem suportados pela V…, com o objectivo de serem pagos mediante compensação dos valores da renda a fixar;

- Se, por alguma razão, o contrato de arrendamento celebrado fosse declarado nulo ou ineficaz ou cessasse antes do prazo previsto, por motivos imputáveis à Requerente, esta assumiria o pagamento à V…, não apenas do montante investido, como também de um montante equivalente aos juros vencidos acrescidos da taxa de 3%. Caso a responsabilidade fosse imputada à V…, a Requerente ficaria desonerada de qualquer ónus ou pagamento à V….

 

O que se descreve é esclarecedor no sentido de se poder concluir que a parte locatícia no contrato celebrado (o qual se interliga com outras cláusulas contratuais que posteriormente vieram a serem criadas) não assume qualquer prevalência no âmbito das prestações contratuais assumidas que permitisse concluir ser de aplicar, ao caso, a isenção contida no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA.

 

Pelo contrário, é manifesto que a característica preponderante do contrato celebrado não radica na colocação passiva do imóvel à disposição do locatário, uma vez que são patentes as obrigações contratuais assumidas que proporcionam significativo valor acrescentado e que, como tal, colocam a operação em apreço fora do âmbito de aplicação da citada isenção de IVA.

 

Nestes termos, entende-se que nenhuma irregularidade há, pois, a apontar quanto à correcção proposta no RIT e à liquidação de IVA subsequente, sendo a mesma de manter.

 

(iii)      Ponto III.2.3 do RIT – correcções em matéria de IVA (imposto não dedutível – artigo 19º, n.º 8 do CIVA)

 

Está aqui em causa o entendimento da Requerida vertido no RIT ao considerar que “… não é dedutível o imposto sobre o valor acrescentado que seja liquidado pelo fornecedor ou prestador de serviços quando a obrigação dessa liquidação cabe ao adquirente dos bens ou serviços fornecidos/prestados, tal como o preconizado no n.º 8 do art. 19º do CIVA onde consta: “nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento de imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito à dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação”.

 

Ao que a Requerente contrapõe que “… os serviços prestados à V… respeitam ao fornecimento de água industrial e de recolha e tratamento de águas residuais, exemplos de prestação de serviços apresentados em anexo … pelo que, … em face das necessidades de ambas as partes, a V… contratualizou um financiamento das obras nas instalações da Requerente, na medida em que esta não tinha capacidade financeira para as executar” sendo “a prestação mensal correspondente à remuneração da renda referente ao contrato de locação”.

 

Pese embora a Requerente argumente que o que está em causa seja um mero financiamento, é indiscutível que o descritivo de todas as facturas relacionadas no Ponto III.2.3 do RIT reflectem efectivos trabalhos de construção civil (nem isso é posto em causa pela Requerente).

 

Ora, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1, alínea j) do CIVA, são sujeitos passivos de IVA “as pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada”.

 

Quer dizer, nos casos em que estejamos perante serviços de construção civil, ocorre a inversão do sujeito passivo, cabendo ao adquirente a liquidação e entrega do imposto que se mostre devido, sem prejuízo do direito à dedução, nos termos gerais do CIVA. Por seu turno, as facturas emitidas pelos prestadores dos referidos serviços deverão conter, nos termos do nº 13 do artigo 35º do mesmo código, a expressão "IVA devido pelo adquirente".

 

Como se diz na decisão arbitral proferida no âmbito do processo CAAD nº 599/2019-T, de 08-05-2020, a “(…) aplicação da regra de inversão do sujeito passivo (reverse charge), (…) tem em vista, como medida de combate à fraude fiscal em sectores de risco - como seja o caso dos serviços de construção civil -, sujeitar a imposto, não o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços, mas o adquirente ou destinatário que, se para tanto estiverem preenchidos os requisitos legais, o poderá deduzir”. (…). Acresce que, por efeito da regra do artigo 1.º, n.º 1, alínea c), do CIVA, são sujeitos passivos de IVA “as pessoas singulares ou colectivas que mencionem indevidamente IVA em factura”, o que corresponde à transposição do artigo 203.º da Directiva n.º 2006/112/CE onde se refere que o “IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa factura”. E em aplicação desses princípios gerais de incidência subjectiva, o TJUE já declarou que, segundo essa disposição, “qualquer pessoa que mencione o IVA numa fatura ou documento equivalente fica devedor desse imposto. Em particular, essas pessoas são devedoras do IVA mencionado numa fatura, independentemente da obrigação de a pagarem em virtude de uma operação sujeita a IVA”, o que tem sobretudo em vista “eliminar o risco de perda de receitas fiscais que pode resultar do direito a dedução previsto nos artigos 167° e seguintes da mesma diretiva” (acórdão de 31-01-2013, proferido no processo n.º C-643/11, considerandos 33 e 36)”.

 

No caso em análise, as facturas em causa foram emitidas sem observância das regras de inversão do sujeito passivo. O RIT não levanta a questão da falta de autoliquidação de imposto, uma vez que o mesmo tinha sido liquidado pelos prestadores dos serviços em causa. Apenas exclui a possibilidade de a Requerente poder deduzir o IVA mencionado em tais facturas por imposição do disposto no artigo 19º, n.º 8 do CIVA.

 

Na linha da  decisão arbitral do CAAD de 06-01-2021, que sufragamos,  proferida no processo n.º 248/2020-T, “(...) no caso presente, a impugnante não procedeu à liquidação nem à dedução do imposto, sendo certo que só pode deduzir-se o que antes se liquidou (cfr., a propósito, embora relativamente a liquidação de juros compensatórios, o ac. do STA de 21/2/01, proferido no proc. nº 024641, in Ap. DR, de 27/6/2003, 559 a 563. (…) não pode, por um lado, esquecer-se o carácter formalista do IVA, que pode levar a que este seja devido, mesmo no caso de inexistirem as próprias transacções - facturas falsas - (cfr art. 19 nº 3 do CIVA), ou no caso de não serem cumpridas determinadas formalidades legais nem pode, por outro lado, esquecer-se que o direito à dedução pode não ser exercido pelo contribuinte, não podendo, contudo, sê-lo pela AT (havendo lugar à dedução do imposto, esse direito só pode ser exercido pelo contribuinte, sujeito passivo da relação jurídica de imposto e não pela AT, pois que esta, podendo efectuar liquidações oficiosas quando se verifiquem os respectivos requisitos legais, não pode exercer direitos que lhe não cabem, o que sucederia se procedesse à dedução oficioso do imposto), sendo certo que tal direito está igualmente sujeito a determinadas formalidades, mesmo temporais, que têm que ser acatadas pelo contribuinte.

Formalidades que, no caso, não foram cumpridas. E não colhe a argumentação no sentido de que, contrariamente ao que sucede com as demais operações tributáveis em sede de IVA, nas operações de “reverse charge” não há qualquer apropriação, por parte deste sujeito passivo, de imposto repercutido a terceiros, nem sequer qualquer movimento financeiro, tratando-se, antes, de uma mera operação contabilística interna que não determina o nascimento de qualquer relação creditícia, visto coincidirem na mesma entidade os deveres de liquidação e os direitos de dedução do imposto. É que, também neste caso não deixa de ser obrigatória, por parte do sujeito passivo (aqui, o próprio adquirente dos serviços) a liquidação do IVA respectivo e, assim sendo, só com a inclusão, na declaração periódica, do respectivo montante é possível aferir se há imposto a pagar, sendo que a faculdade que o contribuinte tem de deduzir o imposto que suportou nas aquisições se configura como um direito financeiro e não físico, o que significa que o seu exercício por parte do sujeito passivo é feito com referência a um período e não a um bem determinado”.

 

Também o STA, considerou no acórdão de 27-02-2013, proferido no processo n.º 01079/12 que

“o pagamento do IVA efectuado pela prestadora de serviços de construção de civil não é devido, uma vez que o sujeito passivo do imposto é a recorrente. Não sendo devido tal pagamento não faz qualquer sentido que se prescinda do pagamento por parte da recorrente, esse sim, legalmente, devido. O indevido pagamento do IVA por parte da prestadora de serviços poderia ter sido resolvido pela devolução das facturas pela recorrente para serem rectificadas ou solicitando àquela que efectuasse a regularização prevista no artigo 78.°/3 do CIVA, sendo a impugnante/recorrente reembolsada, pela prestadora dos serviços, do IVA que lhe foi indevidamente liquidado. (…). A recorrente não pode é por via da acção de impugnação judicial pretender o reembolso do IVA, indevidamente pago, por via da anulação do acto tributário sindicado, pois que, como se viu, a liquidação tem arrimo legal, uma vez que o sujeito passivo do IVA é ela mesma e não a prestadora de serviços (…) há que separar a situação decorrente da reparação do erro em que a recorrente e a prestadora de serviço incorram e que foi da sua inteira responsabilidade e que terá de ser resolvido entre as mesmas. O mencionado erro não pode, porém, impedir a Fazenda Pública de fazer cumprir a lei.

Se a Administração Tributária não pudesse, nestes casos, regularizar a situação, impondo a liquidação adicional ao verdadeiro sujeito passivo, estava encontrada a forma de contornar o regime legal denominado de reversão de sujeitos passivos instituído para prevenir, como ficou dito, a fraude fiscal”.

 

Temos presente que, em matéria de dedução de imposto, o artigo 19.º, n.º 1, do CIVA confere direito à dedução relativamente ao imposto devido ou pago pela aquisição de bens ou serviços a outros sujeitos passivos, incluindo no que se refere à aquisição de bens ou serviços abrangidos pela alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º, ou seja, em relação a adquirentes de serviços de construção civil em que se aplique a regra da inversão do sujeito passivo. E que o artigo 20.º do mesmo Código, sob a epígrafe “Operações que conferem o direito à dedução”, dispõe que o imposto é dedutível quando tenha incidido sobre operações de transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

 

Todavia, tal regra geral não pode sobrepor-se à regra especial contida no aludido n.º 8 do CIVA, quando determina que “nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação”. Ora, tal imposição formal não pode ser ultrapassada sob pena de, como se diz no acórdão do STA (supra referido), “se a Administração Tributária não pudesse, nestes casos, regularizar a situação, estava encontrada a forma de contornar o regime legal denominado de reversão de sujeitos passivos instituído para prevenir, como ficou dito, a fraude fiscal”.

 

Nestes termos, face ao exposto, entende-se ser de improceder o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação desta correcção.

 

Vício da falta de fundamentação

 

Invoca, também, a Requerente que o acto tributário reclamado padece de vício de fundamentação, “porquanto não se afigura possível à Reclamante, atendendo à parca informação que consta do Relatório, compreender em toda a linha quais os efetivos fundamentos que assenta o ato tributário que ora se contesta”.

 

Antes de mais, há que ter presente que uma coisa é não se concordar com a fundamentação do acto e outra, diferente, é a sua falta de fundamentação. Nos termos do estatuído no artigo 77.º da LGT, a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária, que constituirão neste caso, parte integrante do respectivo acto, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.

 

No caso em apreço resulta evidente que a Requerente pode não concordar com a fundamentação contida no RIT, mas é indesmentível que ela existe, é clara, não contraditória e congruente com a conclusão que levou às correcções ora impugnadas.

 

A fundamentação do acto de liquidação mais não é do que a forma de a “AF exteriorizar os motivos porque procedeu àquela liquidação e não a qualquer outra, de uma forma clara, congruente e racional de molde a constituir a base que suporta a decisão” (Ac. TCA Sul de 25-01-2011 – Proc. 04410/10.

 

Como se diz no Ac. STA de 2-07-2014 - Proc. nº 01074/13: “É inquestionável que a Administração tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou os legítimos interesses dos administrados – em harmonia com o princípio plasmado no artigo 268º da CRP e acolhido nos artigos 124º do CPA e 77º da LGT. Ora, como a doutrina e a jurisprudência têm vindo exaustivamente a repetir, a fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação. É também incontroverso que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido, bastando-se com a expressão clara das razões que levaram a determinada deliberação decisória. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa. Assim, a fundamentação deve ser entendida como a obrigação de enunciar expressamente (de modo directo ou por remissão) os motivos de facto e de direito que determinaram o agente ou órgão decisor, esclarecendo o seu destinatário das razões que o motivaram e do porquê do sentido decisório, visando proporcionar ao administrado o conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto. Deste modo, o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o artigo 487º, nº 2, do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, por aceitar, ou não, o acto”.

 

Acresce que “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido” (Ac. STA de 0-01-2013 – Proc. n.º 0105/12).

 

Ora, tendo em consideração o modo como a Requerente formulou o pedido arbitral, é inquestionável que não teve quaisquer dúvidas relativamente aos pressupostos e fundamentos subjacentes aos actos de liquidação que se impugnam.

 

E, estando o acto devidamente fundamentado está apto a produzir os seus efeitos, não lhe sendo apontada quaisquer ilegalidades.

 

Dos juros compensatórios

 

Alega, ainda, a Requerente que o RIT é omisso no que diz respeito às liquidações de juros compensatórios, acrescentado que “se o RIT é a decisão na qual deve constar toda a fundamentação que sustenta a emissão de atos de liquidação adicional, não se entende a razão pela qual a AT não descreveu no RIT, ainda que de forma sucinta, as razões de facto e de direito pelas quais considera que são devidos juros compensatórios”, acrescentando que, em qualquer circunstância, uma vez que a exigência de juros compensatórios pressupõe a culpa do sujeito passivo, face à inexistência de qualquer comportamento culposo por parte da Requerente, não lhe poderão os mesmos ser exigidos.

 

Com efeito, da análise ao RIT constata-se que nunca é aí feita referência à aplicação de quaisquer juros compensatórios. Na Resposta que apresentou a Requerida sustenta que o RIT está suficientemente fundamentado, designadamente no que respeita a juros compensatórios, invocando, para o efeito, o artigo 35º da LGT e abundante jurisprudência.

 

Da jurisprudência aí mencionada, destacamos o Acórdão do STA de 04-12-2103, proferido no processo n.º 01111/13, uma vez que o mesmo tem um alcance oposto ao pretendido pela Requerida, em caso de omissão à referência de juros compensatórios no RIT.

 

Com efeito, diz-se nesse aresto:

- “tal omissão é, desde, logo decisiva para a sorte do presente recurso. No acórdão do STA de 29 de Fevereiro de 2012, proferido no Proc. nº 928/11, relativo a situação algo idêntica e em que foi relator o ora relator, para cuja fundamentação se remete, afirmou-se:A jurisprudência destacada surge em harmonia com a melhor doutrina que sustenta que o acto tributário, tem de ser sustentado por um mínimo suficiente de fundamentação expressa, ainda que operada por forma massiva e sendo produto de um poder legalmente vinculado, aspectos estes que só poderão ser valorados dentro do grau de exigibilidade da declaração de fundamentação, quer porque a massividade intui maior possibilidade de entendimento dos destinatários, quer porque a vinculação dispensa a enunciação da motivação do agente que decorrerá imediatamente da mera descrição dos factos - pressupostos do acto (vide José Carlos Vieira de Andrade no seu «O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos», págs. 153-155). Daí a necessidade de que o acto resulte de uma comunicação clara - i. é, não indistinta, confusa, dubitativa, obscura ou ambígua -, congruente - i. é, que se traduza num processo lógico coerente e sensato, justificativo e com aptidão por si para sustentar o acto, dos factos e razões de direito - tudo apreensível pelo discurso justificativo e sem que esteja dispensada uma certa análise ou interpretação dele. Ora, reportando-nos ao caso dos autos verifica-se que a fundamentação contida na liquidação se limita a remeter para o artº 94º do CIRC sem qualquer remissão para outro documento ou relatório de procedimento pelo que a fundamentação relativamente aos juros questionados não é clara e congruente e não permite à impugnante a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração Tributária. (…) admitindo que o contribuinte até possa ter alcançado e percebido os montantes globais parcelares a partir daquele outro montante parcelar que consta do relatório de correcção da liquidação, não se lhe deu a conhecer especificadamente tais parcelas sendo certo que em relação à última parcela referenciada não se refere qual a taxa aplicada ou o período temporal a que respeita. Acresce referir que tendo em conta os requisitos que a norma do artº 35º da LGT prevê para poder haver lugar à liquidação de juros compensatórios, a sua liquidação passa sempre por no caso se verificarem ou não tais requisitos vinculados, o que a Administração Fiscal tem de indagar e externar, de molde a permitir ao contribuinte atingir aquele desiderato visado pela fundamentação, obrigatória, ainda que possa ser sucinta.

No caso dos autos os elementos de suporte para onde remete a decisão em causa, não existem ou são insuficientes. Vê-se que a fundamentação neles contida não é clara e congruente e não permite à impugnante a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração Tributária, pelas razões supra expostas.

Em suma: A liquidação de juros compensatórios enferma de vício formal que, não permite ao contribuinte conhecer em toda a extensão as razões dessa liquidação” (sublinhado nosso).

 

E é o que sucede no caso sub judice, face à inexistência sequer de qualquer menção, no RIT, à aplicação de juros compensatórios. Assim, face à inexistência de fundamentação é ilegal a liquidação de juros compensatórios que, por isso, deve ser anulada.

 

Reenvio prejudicial

 

Propõe também a Requerente que caso o tribunal arbitral entenda estar-se perante desconformidade com o Direito da União Europeia, cuja solução não seja suficientemente clara ou pacífica, promova o reenvio prejudicial.

 

Ora, no caso sub judice, para o tribunal arbitral não está em causa a interpretação de normas do Direito da União Europeia sobre a qual existam dúvidas interpretativas, pelo que se conclui pela desnecessidade, senão mesmo impossibilidade, de reenvio prejudicial.

 

Indemnização por prestação de garantia indevida

 

Considera, por último, a Requerente que, procedendo o pedido arbitral, deverá ser reconhecido o direito a indemnização por prestação de garantia nos termos do disposto no artigo 53º da LGT.

Neste matéria, a Requerente não logrou provar, como se viu supra, ter prestado qualquer garantia, pelo que tal pedido tem necessariamente que improceder.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

Nos termos do disposto no artigo 527.º, nº 1 do CPC em vigor (ex vi artigo 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

E, no caso, resulta que deverá ser imputada à Requerente (32,5%) e à Requerida (67,5%) a responsabilidade em matéria de custas arbitrais, por serem estas as proporções dos respectivos decaimentos.

 

7. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral Colectivo:

 

a)           Declarar a extinção parcial da instância por inutilidade superveniente da lide relativamente aos sobreditos actos tributários entretanto revogados pela Requerida, ficando as respetivas custas a cargo da Requerida nessa parte do pedido;

b)          Julgar procedente o pedido arbitral formulado, relativamente às correcções identificadas no RIT sob o ponto III.1.1.10. [L… - EUR 7.800,00] e III.2.2 [IVA não dedutível - artigo 19º, nº 2, do CIVA – EUR 1.794,00], bem como quanto à exigência de juros compensatórios que sobre elas incidam;

c)           Julgar improcedente o pedido arbitral formulado quanto às correções identificadas no RIT sob o ponto III.2.1.1 [U… - EUR 10.800,00]. e ponto III.2.3 [IVA não dedutível – EUR 60.140,59];

d)          Julgar procedente o pedido de anulação de juros compensatórios por falta de fundamentação para os mesmos;

e)           Indeferir o pedido de reenvio prejudicial apresentado pela Requerente;

f)            Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia, porque não provado e,

g)          Condenar Requerente e Requerida nas custas do processo, na proporção de 32,5% e 67,5%, respetivamente, considerando os respectivos decaimentos.

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em EUR 218.387,27, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em EUR 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

·         Notifique-se.

Lisboa, 5 de Maio de 2022

 

 

 

O Árbitro Presidente,

 

José Poças Falcão

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

António Alberto Franco

 

O Árbitro Adjunto

 

Sílvia Oliveira



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Neste âmbito, cita a Requerida diversa jurisprudência arbitral e de Tribunais Superiores.

[3] Neste âmbito, conforme referido no ponto 1.13., a Requerida apresentou, em 13-10-2021, requerimento no sentido de informar o TAC que “em face da decisão de revogação parcial das correções operadas em sede de IVA, (…) são também revogados os actos de liquidação de IRC em causa no processo arbitral que sobre os mesmos incidem. (…) relativamente à liquidação n.º …, referente ao ano de 2017, a mesma deverá ser apenas parcial atenta a não consideração do IVA dedutível na fatura respeitante ao operador económico B…”.