Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 208/2021-T
Data da decisão: 2023-07-31  Selo  
Valor do pedido: € 499.491,30
Tema: Imposto do Selo – Comissões por intermediação. Colocação de títulos negociáveis. Verba 17.3.4 da TGIS - Diretiva de Reuniões de Capitais – Decisão Arbitral de Reenvio Prejudicial (anexa à decisão).
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DECISÃO ARBITRAL

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral coletivo, constituído em 23 de junho de 2021, Alexandra Coelho Martins (presidente), Carla Castelo Trindade e Eduardo Paz Ferreira, acordam no seguinte:

 

 

I.         Relatório

A..., S.A., doravante “Requerente”, com o número único de matrícula e pessoa coletiva ... e sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, bem como dos artigos 95.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e d) da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 99.º, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), na sequência da notificação, em 13 de janeiro de 2021, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as autoliquidações de Imposto do Selo n.ºs ..., n.ºs ..., ... e ..., todas referentes ao ano 2018, no valor total de € 499.491,30.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

O Requerente pretende a anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa e dos atos de autoliquidação de Imposto do Selo que constituem o seu objeto, supra enumerados, com a consequente restituição do valor pago, de € 499.491,30, acrescido de juros indemnizatórios ao abrigo dos artigos 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), 100.º e 43.º da LGT.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 14 de abril de 2021 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

 

Em 2 de junho de 2021, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 23 de junho de 2021.

 

Em 10 de setembro de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”).

 

Por despacho de 25 de novembro de 2021, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).

 

Em 13 de dezembro de 2021, o Tribunal Arbitral determinou a notificação das Partes para apresentarem alegações e prorrogou o prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, em virtude da interposição de períodos de férias judiciais e da complexidade das questões.

 

O Requerente apresentou alegações em 22 de dezembro de 2021, tendo a Requerida contra-alegado em 5 de janeiro de 2022. Ambas as Partes reiteraram as respetivas posições.

 

Por despachos de 21 de fevereiro e de 21 de abril de 2022, foi renovada a prorrogação de prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

Posição do Requerente

 

O Requerente invoca como causa de pedir o erro de direito praticado em relação aos atos de autoliquidação de Imposto de Selo impugnados e à decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa contra os mesmos deduzida.

 

Neste âmbito, alega ter participado como intermediário financeiro em diversas operações de colocação de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis, nomeadamente obrigações e papel comercial, em relação às quais liquidou, por erro, Imposto do Selo.

 

Considera, agora, que este imposto não era devido, com fundamento na proibição expressa de tributação indireta sobre as operações de reuniões de capitais constante do artigo 5.º, n.º 1, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (doravante “Diretiva de Reunião de Capitais” ou “Diretiva”), que, na sua perspetiva [do Requerente], postula uma interpretação restritiva do disposto na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

Argumenta que o indeferimento, pela Requerida, da Reclamação Graciosa deduzida contra aqueles atos tributários de Imposto do Selo, deriva de uma deficiente perceção, por parte daquela, da operação de reunião de capitais e dos serviços de colocação em causa.

 Posição da Requerida

 

Segundo a Requerida, não se verifica a ilegalidade invocada pelo Requerente. Apesar de concordar que a emissão de obrigações e de papel comercial não cai no âmbito de incidência do Imposto do Selo, por não estar contemplada na verba 17.1 da respetiva Tabela Geral, esta não sujeição depende de as sociedades comerciais (clientes do Requerente) procederem diretamente à emissão do papel comercial, caso em que também beneficiam da não incidência de Imposto do Selo sobre as formalidades conexas, como o registo de emissão no livro de registo, o registo dos titulares das obrigações, entre outras.

 

No entanto, na situação vertente, tal não sucede, tendo essas sociedades contratado os serviços do Requerente para o efeito, sendo as correspondentes comissões de colocação sujeitas a Imposto do Selo, por preencherem os requisitos objetivos e subjetivos previstos na verba 17.3.4 da Tabela Geral, nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do respetivo Código. 

 

Acrescenta que não pode considerar-se que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, em concreto as comissões cobradas pelo Requerente, estejam abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva, uma vez que se trata de um serviço de colocação dos títulos em mercado que não é mencionado no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva de Reunião de Capitais. 

 

Refere, por outro lado, que a posição da AT, suportada nos Pareceres n.ºs 156/2003 e 507/2004 da DSCJC, não respeita às comissões devidas pela prestação de serviços de intermediação financeira sujeitas à verba 17.3.4 da TGIS, que o Requerente confunde com a própria operação de emissão de valores mobiliários e colocação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

 

Por fim, em relação ao pedido de juros indemnizatórios, conclui que, em caso de procedência total ou parcial, devem ser contados a partir do (no dia seguinte ao) indeferimento da Reclamação Graciosa.

 

II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, relativa a atos de autoliquidação de Imposto do Selo, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado em 12 de abril de 2022, dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, contado da notificação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, ocorrida em 13 de janeiro de 2022 (v. artigo 39.º, n.º 10 do CPPT).

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

III.      Questão a Apreciar

 

A questão discutida na presente ação é unicamente a da sujeição, ou não, a Imposto do Selo das comissões de colocação cobradas pelo Requerente em conexão com contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, atento o disposto na verba 17.3.4 da Tabela Geral e no artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo e o respetivo enquadramento na proibição constante do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva de Reunião de Capitais.

 

 

 

IV.      Fundamentação de Facto

 

1.         Factos Assentes

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A..., S.A., aqui Requerente, é uma instituição de crédito que opera em Portugal desde fevereiro de 1983 e que até 2015 se denominava Banco B..., S.A.. O Requerente está licenciado como Banco pelo Banco de Portugal, com o código de IF ..., e registado como intermediário financeiro junto da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”), com o número de registo 108 – cf. documento 1, informação pública disponibilizada pelo Banco de Portugal e pela CMVM e certidão permanente com o código ... .
  2. O objeto social do Requerente consiste no exercício da atividade bancária, compreendendo todas as operações permitidas aos bancos, nos termos previstos por lei e a aquisição de participações em sociedades com objeto diferente – cf. certidão permanente com o código ... e documento 1.
  3. Entre 1 de setembro e 31 de dezembro de 2018 e no âmbito da sua atividade, o Requerente participou, como intermediário financeiro, em várias operações de emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis (e.g., obrigações, papel comercial), mediante a prestação de serviços de colocação desses títulos em mercado a vários emitentes – cf. documentos 1 e 11 a 25.
  4. Em concreto, durante o período em causa, o Requerente prestou serviços de colocação às seguintes sociedades comerciais (“Emitentes”) – cf. documentos 1 e 11 a 25:
  1. C..., SGPS, S.A. (oferta pública, ISIN PT...);
  2.  D… Ltd. (oferta privada, ISIN XS...);
  3. E… Ltd. (oferta pública, ISIN XS... e XS...);
  4. F…, Ltd. (oferta pública, ISIN XS... e XS...);
  5. G... Limited (oferta pública, ISIN XS...);
  6. H..., Ltd. (oferta pública, ISIN XS...);
  7. I… Ld. (oferta pública, ISIN XS...); e
  8. J… Ltd. (oferta pública, ISIN XS...).
  1. Estes serviços de colocação compreendem a obrigação do Requerente desenvolver os seus melhores esforços de modo a distribuir os valores mobiliários, recebendo ordens de subscrição ou de aquisição, e podendo, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta, obrigando-se, nesse caso, a colocá-los por sua conta e risco, nos termos e nos prazos acordados com a emitente ou o alienante. A prestação dos serviços de colocação envolve ainda contacto com os investidores – cf. documentos 1 e 11 a 25.
  2. Pelos serviços de colocação em mercado dos títulos negociáveis emitidos pelas sociedades comerciais acima identificadas, em emissões públicas e privadas, o Requerente cobrou uma comissão de colocação (“agency fee – bond placement”) – cf. documentos 11 a 25.
  3. Entre 1 de setembro e 31 de dezembro de 2018, o Requerente emitiu 10 faturas relativas às mencionadas comissões de colocação de títulos negociáveis em mercado, sobre as quais foi liquidado e entregue ao Estado o Imposto do Selo, à taxa de 4%, da verba n.º 17.3.4 da TGIS, conforme quadro infra – cf. documentos 1 a 5 e por acordo:

 

 

Período

IS

Data de entrega Guias IS

N.º das Guias IS

N.º das Faturas

Docs.

(1)

(2)

(3)

(4)

(5)

Set-18[1]

59.230,77

15-10-2018

...

ZFB 1/0090002313

Docs. 2 e 6

Out-18

95.000,00

19-11-2018

...

ZFB 1/0090002390

ZFB 1/0090002395

Docs. 3, 7 e 8

Nov-18

59.614,13

12-12-2018

...

ZFB 1/0090002421

ZFB 1/0090002435

Docs. 4, 9 e 10

Dez-18

285.646,40

18-01-2019

...

ZFB 1/0090002483

ZFB 1/0090002491

ZFB 1/0090002498

ZFB 1/0090002499

ZFB 1/0090002500

Docs. 5, 11 e 15

Totais

499.491,30

       

 

  1. Entendendo não ser devido Imposto do Selo sobre estas comissões de colocação, o Requerente apresentou, em 15 de outubro de 2020, Reclamação Graciosa dos atos de autoliquidação correspondentes, pedindo a sua anulação com o consequente reembolso do imposto pago de € 499.491,30 – cf. documento 26.
  2. A Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho de 28 de dezembro de 2020, do Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”), ao abrigo de Subdelegação de competências, notificado em 13 de janeiro de 2021 – cf. documento 1.
  3. Constituem fundamentos do indeferimento da Reclamação Graciosa, os seguidamente transcritos – cf. documento 1:

“VI.      DA ANÁLISE DA MATÉRIA DE FACTO E DO PEDIDO

 

42.   Pela presente reclamação graciosa, cuja petição consta nos autos, contesta-se os atos tributários de autoliquidação de imposto do selo (verba 17.3.4 da TGIS) sobre as comissões de colocação de títulos em mercado, liquidadas e pagas pela ora Reclamante, relativamente aos meses de setembro a dezembro de 2018, na qualidade de intermediário financeiro em várias operações de emissão de valores mobiliários, sob a forma de títulos negociáveis (e.g. obrigações, papel comercial), tendo prestado serviços de colocação desses títulos em mercado a vários emitentes, pelo que requer a anulação das liquidações em análise, e o reembolso do montante de IS por si indevidamente pago no montante de € 499.491,30.

43.   A questão sub judice, estará, portanto, em apreciar de legalidade da incidência objetiva de imposto de selo (verba 17.3.4) sobre as comissões de colocação de títulos em mercado entregues pela Reclamante, relativamente aos meses supra referidos, e se as mesmas se consideram desconformes com a lei, fruto da concatenação da referida verba da Tabela Geral de Imposto de selo, com o art.º 5 n.º 2 da alínea b) da Diretiva 2008/[7]/CE do Conselho de 12 de fevereiro de 2008, mormente da alegada não sujeição de qualquer imposto indireto, sobre as operações de reunião de capitais previstas na Diretiva, nomeadamente de tributação indireta das comissões advenientes de serviços financeiros de colocação de valores mobiliários, in casu títulos negociáveis, pelo que requer o reembolso do montante de imposto pago indevidamente referente às preditas comissões, acrescido do pagamento dos respetivos j[uro]s indemnizatórios nos termos do art.º 43.º da LGT.

Então vejamos,

44.   O IS de acordo com o art.º 1.º do CIS, incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

45.   Pelo que o imposto previsto na verba 17.3.4 da TGIS incide sobre “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.

Sobre o estatuto da Sociedade Financeira

46.   A verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) sujeita a Imposto do Selo as “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões” quando praticadas por entidades financeiras.

47.   Pelo que, para que tais comissões sejam visadas e, portanto, tributadas, pela citada verba da TGIS, necessário será que estejam preenchidos os elementos subjetivo e objetivo da norma. A saber: terão de ser consideradas entidades financeiras as Sociedades visadas, (como de resto é o caso da ora Reclamante), bem como operações financeiras as suas atividades de intermediação financeira, em várias operações de emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis, o que de resto tal também não levanta dúvidas no caso concreto.

48.   Aliás é a própria Reclamante que afirma nos seus pontos 17 a 23 da sua petição inicial, a sua condição de instituição de crédito, referindo nesse mesmo sentido o art.º 2- A alínea w) do RGICSF, bem como assunção da prática de operações financeiras, como são as atividades de intermediação financeira, a que faz justamente menção e que estão ademais previstas no n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, tal como refere.

49.   Ora até à entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março) poderia subsistir uma errónea interpretação decorrente de uma isenção   prevista no Código do Imposto do Selo, a verdade é que a partir da entrada em vigor desta Lei do Orçamento do Estado, a suposta isenção teria deixado de existir.

50.   Com efeito, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março aditou um número à norma de isenção preceituando que a mesma se aplica apenas às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea, pelo que a mesma aqui não se verifica.

51.   Mais se adianta, entre as várias matérias que podem ser reconduzidas ao direito fiscal da União Europeia, no que concerne à tributação indireta, as influências do direito interno foram de facto muito relevantes no passado, mas neste momento, há já uma considerável harmonização ou uniformidade a nível europeu.

52.   Destacando-se a este propósito quer o IVA, Impostos Especiais de Consumo e igualmente o imposto de selo.

53.   Na verdade, refere João Sérgio Ribeiro: “no domínio destes tributos, uma vez que têm na sua base, diretivas específicas que tiveram de ser transpostas pelos Estados-Membros, houve já uma grande influência nos direitos nacionais. (...) Trata-se, porém, de um domínio onde a influência das diretivas relativas à tributação indireta se fez sentir essencialmente na altura da criação desses impostos, pois no momento atual tais instrumentos são aplicados de forma harmonizada, estando aquela influência estabilizada. Assim quando surgem questões envolvendo esses impostos, designadamente ao nível do Tribunal do TJ, dada a tecnicidade dessas matérias, a abordagem é feita do ponto estritamente técnico.” [Cfr. João Sérgio Ribeiro Direito Fiscal da União Europeia: Tributação Direta – Almedina p. 19]

54.   Sobre o caso vertente, não se colocando em causa o Primado do direito comunitário em relação ao direito interno, consagrado no artigo 8º da CRP    e a jurisprudência Comunitária, do TJUE, que a ora Reclamante enumerou. A verdade, é que nenhuma da jurisprudência Comunitária do TJUE referida, versava sobre o assunto sub judice.

55.   Ademais, e sem colocar em causa a aplicação direta do regime legal das Diretivas Comunitárias, na ordem interna jurídica, tendo o TJUE sucessivamente vincado o “primado do direito comunitário” (cf., entre outros, o Acórdão “Costa contra Enel”, de 15 de julho de 1964, Proc. 6/849), não é possível retirar da predita Diretiva da Reunião de Capitais, mormente o disposto no art.º 5 n.º 2, alínea b) da mesma, a não sujeição de imposto de selo das comissões de colocação pela verba 17.3.4 da TGIS.

56.   Na verdade, está em causa uma norma de incidência de imposto, cujo caráter definidor tem de ser certo, objetivo e estar “desenhado na lei de forma suficientemente determinada”, sendo que na letra da referida diretiva, não se encontra prevista a não sujeição de tributação das comissões por serviços financeiros de colocação de valores []mobiliários.

57.   Necessário será distinguir entre “as formalidades conexas (...) admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis” previstas na Diretiva de Reunião de Capitais, e a as operações financeiras que “gravitam” em redor dessas mesmas operações financeiras, expressão essa de resto utilizada pelo ora Reclamante no ponto 66.º da sua PI.

58.   Operações essas, como é o caso das aludidas comissões de colocação cobradas no âmbito da emissão de títulos negociáveis, que de resto preenchem o requisito de incidência de natureza objetiva que permite o enquadramento das comissões na sub-verba 17.3.4, porquanto cabem na categoria “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, não estando abrangidas por nenhuma isenção.

59.   O ora Reclamante alega a incompatibilidade da incidência de IS sobre as comissões de colocação cobradas no âmbito de emissão dos títulos negociáveis, com o direito europeu, designadamente com a Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008.

60.   Esta Diretiva, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, visa eliminar fatores suscetíveis de distorção de concorrência ou obstar à livre circulação de capitais No preâmbulo deste instrumento comunitário, esclarece-se que “[n]ão deverão ser aplicados impostos indiretos às reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. Em especial, não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência”. 

61.   Na Diretiva ora em análise, a al. b) do n.º 2 do art.º 5.º estipula que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto: “Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.”

62.   Por sua vez, a al. a) do n.º 1 do art.º 6.º da Diretiva vem derrogar parcialmente o esta[be]lecido no número anterior, uma vez que, “permite aos os Estados-Membros a cobrança dos seguintes impostos e direitos:

a) Impostos sobre a transmissão de valores mobiliários, cobrados forfetariamente ou não,

b) Direitos de transmissão, incluindo os encargos de registo de propriedade que incidem sobre a entrada, numa sociedade de capitais, de bens imóveis ou de estabelecimentos comerciais sitos no respetivo território;

c) Direitos de transmissão sobre ativos de qualquer natureza que constituam entradas de capital numa sociedade de capitais, na medida em que a transmissão dos referidos ativos não seja remunerada através de partes sociais;”

66.   In verbis, caso o legislador comunitário quisesse de facto não sujeitar, a tributação em sede de imposto de selo dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e papel comercial cobradas pelas instituições de crédito, enquanto intermediários financeiros, bastaria que tivesse feito essa menção na al. b) do n.º 2 do art.º 5.º da Diretiva 2008/7/CE, e não o fez.

67.   Entende a ora Reclamante que não existe no direito interno, norma de incidência em sede de IS, sobre os encargos decorrentes de contratos de emissão de papel comercial, e ou das comissões por serviços financeiros de colocação de valores imobiliários, porquanto o legislador nacional estaria ciente que uma eventual norma dessa natureza e com esse conteúdo traduziria uma violação do Direito da União Europeia em vigor, mais concretamente da Diretiva 2008/7/CE.

68.   Mais entende, que estando assente a não sujeição a imposto de selo das ditas operações financeiras, o texto do art.º 5, n.º 2 alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, incorpora a proibição de sujeição a imposto de selo dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, máxime, as comissões cobradas pelos bancos na vigência dos referidos contratos, por revestirem a natureza de “formalidades conexas” com estes mesmos contratos.

69.   Pelo que conclui, que estes encargos devem ser equiparados à noção de formalidades conexas, previstas no art.º 5.º n.º 2 alínea b) da Diretiva 2008/7/CE. Mais invocou neste mesmo sentido, um acórdão do TJUE, mormente o acórdão de 19-10-2017, processo C-573/16 “Air Berlin”.

70.   Se no que concerne ao assunto vertente, é meridianamente claro, quer pela doutrina e pela jurisprudência, que a emissão das obrigações e bem assim, de papel comercial, não está sujeita a IS, na medida em que a verba 17.1, da TGIS não tributa tais operações.

71.   Tal realidade de resto, decorre da já referida Diretiva 2008/7/CE, através da qual, o legislador europeu pretendeu, de forma clara e inequívoca, colocar em pé de igualdade todos os operadores que decorram a mercados primários para a obtenção de financiamento. Tal resulta entre outros, do segundo e terceiro considerandos da predita Diretiva, que explicitam esse mesmo desiderato.

72.   In rectius, a Diretiva dispõe que os Estados- Membros não possam tributar através de impostos indiretos, nomeadamente em sede de imposto de selo, inter alia operações de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis.

73.   No seguimento, a referida Diretiva não identifica os sujeitos passivos que estão abrangidos por essa exigência de não incidência de tributação indireta, nem podia ser dessa forma.

74.   Na verdade, determina a Diretiva 2008/7/CE, que os Estados-membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto, entre outras, a emissão de papel comercial (independentemente de quem os emitiu).

75.   Consabido é que a emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, como papel comercial, pode ser realizada por diversas entidades. Note-se que em Portugal, a possibilidade de uma sociedade comercial proceder à emissão de obrigações, encontra-se prevista no quadro do art.º 348.º do Cód. Sociedades Comerciais, sendo a emissão de papel comercial disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 29/2014 de 25 de fevereiro.

76.   Face ao exposto, as várias sociedades comerciais, melhor elencadas no ponto 9 da PI pelo ora Reclamante, e que recorreram aos serviços do mesmo, não se encontravam impedidas por si só, de proceder diretamente à emissão de papel comercial, beneficiando nesse caso, de forma inequívoca da não tributação em sede de imposto de selo.

77.   Reitera-se que tal resulta de forma clara (sendo a única sujeição com interesse para o caso sub judice que se pode efetivamente retirar) do disposto no art.º 5 n.º 2 da Diretiva em questão, quando determina que os Estados- Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto os empréstimos contraídos sob a forma de emissão das obrigações ou outros títulos negociáveis “independentemente de quem os emitiu (…)”.

78.   Caso os terceiros repercutidos de IS, mormente as sociedades comerciais elencadas no ponto 9 da PI, tivessem optado por proceder diretamente à emissão de obrigações, beneficiariam da não sujeição de IS, não apenas sobre a emissão, strictu sensu, mas igualmente sobre as formalidades conexas como, verbi gratia, o registo da emissão no livro de registo, o registo dos titulares das obrigações, eventuais autentificações de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão pela sociedade.

79.   É justamente a parte final do art.º 5.º n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE que corrobora, este entendimento, quando se referes à admissão à cotação em bolsa da emissão ou à colocação em circulação da emissão no mercado primário ou secundário, por exemplo através da colocação junto do público.

80.   No caso sub judice, a ora Reclamante mediante a solicitação das instituições financeiras referidas, participou como intermediário financeiro, em várias operações de emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis, tendo nesse âmbito, prestado serviços de colocação dos títulos em mercado, prestações de serviços essas, pelas quais cobrou comissões de colocação, e sobre as quais foi liquidado o imposto de selo devido.

81.   Destila se assim, que as referidas instituições financeiras, optaram por não proceder diretamente à emissão de obrigações ou papel comercial – apesar de, conforme acima se referiu, o Cód. das Soc Comerciais o permitir – tendo contratado para o efeito, no âmbito de um contrato de prestações de serviços, verbi gratia serviços de intermediação financeira, a ora Reclamante.

82.   A ser como é, não se poderá por isso considerar-se, que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, máxime as comissões cobradas pela ora Reclamante, se encontram abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE, uma vez que a ora Reclamante prestou o serviço e colocação dos títulos em mercado, tendo por isso, cobrado as comissões de colocação.

83.   Pelo que se conclui, que os encargos decorrentes dos contratos de intermediação financeira, nas várias operações de emissão de valores mobiliários, sob a forma de títulos negociáveis, e no âmbito dos quais o ora Reclamante prestou o serviço de colocação dos títulos em mercado, tendo por isso cobrado as ditas comissões de colocação, são tributados em sede de imposto uma vez que preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva previstos na Verba 17.3.4 da TGIS, e, em conformidade, estão sujeitas a imposto do selo por força do disposto no nº 1 do artigo 1º do CIS.

84.   Neste conspecto, cabe a liquidação, cobrança e entrega do imposto apurado nos cofres do Estado à ora Reclamante, na qualidade de sujeito passivo, de acordo com o disposto no art.º 2º do CIS, sendo encargo das instituições financeiras referidas, enquanto titulares do interesse económico.

167. Assim, entendemos que as autoliquidações efetuadas em matéria de imposto do selo não padecem de qualquer vício de violação da lei por errónea interpretação, nem de qualquer outra ilegalidade, devendo as mesmas manterem-se na sua plenitude.

[…]

172. No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, enquanto garantia dos contribuintes, atualmente previsto no art.º 43º da LGT, tem na sua origem o facto de a contribuinte ter pago indevidamente impostos em virtude de erros imputáveis aos serviços que no caso em apreço não se verificam, pois a AT atuou dentro dos limites legais, não sendo assim devidos juros indemnizatórios. […]”

  1. Inconformada com a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, o Requerente apresentou no CAAD, em 12 de abril de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.

 

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta a posição consensual assumida pelas Partes em relação à matéria de facto.

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

 

V.        Do Direito

 

  1. Enquadramento da Questão

 

Como anteriormente assinalado, discute-se na presente ação a incidência de Imposto do Selo relativamente a comissões de colocação (“agency fee – bond placement”) cobradas pelo Requerente, instituição de crédito (Banco) com sede em Portugal.

 

As referidas comissões respeitam aos serviços prestados pelo Requerente, como intermediário financeiro, em operações associadas à emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis – obrigações e papel comercial – emitidos por diversas sociedades comerciais (“Emitentes”) para obtenção, junto do mercado de capitais, de meios financeiros destinados à sua atividade.

 

Os serviços em causa consubstanciam-se na colocação desses títulos em mercado, compreendendo a obrigação de o Requerente desenvolver os seus melhores esforços de modo a distribuir os valores mobiliários, recebendo ordens de subscrição ou de aquisição, podendo também, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta, obrigando-se, nesse caso, a colocá-los por sua conta e risco, nos termos e nos prazos acordados com os emitentes ou alienantes. Esta prestação de serviços de colocação envolve ainda a identificação e o contacto com os investidores.

 

A Requerida entende ser devida a tributação em sede de Imposto do Selo das comissões em apreço, cobradas pelo Requerente, ao abrigo do disposto na verba 17.3.4 da Tabela Geral e no artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo. Considera, ainda, que a incidência deste imposto não viola a Diretiva de Reunião de Capitais, por falta de enquadramento na proibição constante do seu artigo 5.º, n.º 2, alínea b), pois defende que a comercialização efetuada por uma entidade bancária, externa à entidade emitente dos títulos negociáveis, não pode ser qualificada como uma operação de entradas de capital, atribuindo relevância ao facto de o recurso a intermediários financeiros não resultar de imposição legal, constituindo uma faculdade das entidades emitentes. Por fim, a Requerida defende que, ainda que, caso as mencionadas comissões fossem subsumíveis ao disposto no citado artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva, a situação podia ser abrangida pela derrogação prevista no artigo 6.º, n.º 1, alínea f) da Diretiva de Reuniões de Capitais.

 

Do ponto de vista do Requerente a questão que se suscita é a da desconformidade da tributação em Imposto do Selo, que resulta da interpretação literal do regime interno, à luz do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva de Reuniões de Capitais, dada a respetiva amplitude e a interpretação do Tribunal de Justiça no acórdão Air Berlin, de 19 de outubro de 2017, processo C-573/16.

 

Neste contexto, o Requerente sustenta que as comissões de colocação aqui em discussão devem beneficiar do mesmo tratamento de não sujeição a imposto, aplicável à emissão dos títulos de dívida, incluindo os respetivos juros, sob pena de incongruência ao nível da aplicação da Diretiva da Reunião de Capitais.

 

  1. Quadro Legal

 

Para apreciar a questão a decidir importa atender ao disposto nas normas aplicáveis de direito interno e da União Europeia, que infra se transcrevem na parte relevante:

 

Código do Imposto do Selo

Capítulo I - Incidência

Artigo 1.º

Incidência objectiva

1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

 

Tabela Geral do Imposto do Selo

17 Operações financeiras

[…]

17.3     Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:

17.3.1  Juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação  4%

17.3.2  Prémios e juros por letras tomadas, de letras a receber por conta alheia, de saques emitidos sobre praças nacionais ou de quaisquer transferências  4%  

17.3.3  Comissões por garantias prestadas  3%      

17.3.4 Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões  4%

           

Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008,

relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais

Artigo 5.º

Operações não sujeitas a impostos indirectos

1.   Os Estados-Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indirecto sobre:

  1. Entradas de capital;
  2. Empréstimos ou prestações de serviços, efectuadas no âmbito das entradas de capital;
  3. Registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade de capitais esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica;
  4. Alterações do acto constitutivo ou dos estatutos de uma sociedade de capitais, designadamente as seguintes:
  1. a transformação de uma sociedade de capitais numa sociedade de capitais de tipo diferente,
  2. a transferência de um Estado-Membro para outro Estado-Membro da sede de direcção efectiva ou da sede estatutária de uma sociedade de capitais,
  3. a alteração do objecto social de uma sociedade de capitais,
  4. a extensão do período de duração de uma sociedade de capitais;
  1. As operações de reestruturação referidas no artigo 4.º

2.   Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:

  1. A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;
  2. Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

Artigo 6.º

Impostos e direitos

  1. Em derrogação ao disposto no artigo 5.º, os Estados-Membros podem cobrar os seguintes impostos e direitos:

[…]

            f)     Imposto sobre o valor acrescentado.”

 

  1. Questões Prejudiciais e Reenvio para o Tribunal de Justiça

 

            Resulta do exposto que a questão controvertida se reconduz à aplicação do direito da União Europeia/Diretiva de Reunião de Capitais. Importa aferir se o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do diploma europeu inclui na sua previsão as operações em presença, proibindo a sua tributação, com a consequente incompatibilidade da incidência do Imposto do Selo sobre as mesmas resultante da aplicação literal das normas de direito interno.

 

            Neste contexto, interessa salientar que o acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-573/16, Air Berlin, já mencionado, se pronunciou sobre a interpretação do artigo 5.º, n.º 2, no sentido de que “a proibição da imposição das operações de reunião de capitais se aplica igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais” (§32), não sendo “necessário que exista uma obrigação legal quando se trata de determinar se uma operação é um fim em si mesma ou deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais” (§37).

 

            Porém, apesar da considerável amplitude conferida pelo Tribunal ao artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva, as operações visadas no processo Air Berlin respeitam à transmissão de ações (artigo 5.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea a) da Diretiva) e são distintas das que constituem o objeto destes autos, relativas a serviços de intermediação financeira de colocação de instrumentos de dívida, obrigações e papel comercial (artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva).

 

            Assim, apesar de o teor do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva e a jurisprudência referida permitirem alcançar a conclusão segura de que a proibição de tributar compreende as situações em que os títulos são emitidos, quer pelas próprias sociedades, quer por terceiros, subsistem a este Tribunal Arbitral dúvidas sobre a interpretação dos conceitos de “formalidades conexas” e de “colocação em circulação” dos títulos[2].

 

           

 

 

            Em conformidade com as conclusões emanadas do Acórdão Schwarze, processo 16/65, de 1 de dezembro de 1965, o reenvio prejudicial é “um instrumento de cooperação judiciária […]  pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros”.

 

            É certo que a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada, conforme se depreende do Acórdão Cilfit, processo 283/81, de 6 de outubro de 1982, processo 283/81), se:

 

  1. A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;
  2. O Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma;
  3. O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.  

 

            No entanto, como acima explicitado, não se verifica no caso sub judice o preenchimento destas condições. Com efeito, não pode afirmar-se que o ato em questão seja claro ou esteja devidamente aclarado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de forma firme ou por meio de jurisprudência consolidada.

 

            Em caso de dúvida sobre o direito da União Europeia, o juiz nacional é obrigado a efetuar o reenvio prejudicial. Em caso de dúvida sobre a existência de uma exceção à obrigação de reenvio é, de igual modo, aconselhável colocar a questão prejudicial, pelo que se decide suspender a instância e proceder ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, de harmonia com o disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

 

              Nestes termos, formulam-se as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

 

  1. O artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro, pode ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação em Imposto do Selo de comissões por serviços de intermediação financeira prestados por um Banco relativos à colocação em mercado de títulos negociáveis – obrigações e papel comercial – emitidos por diversas sociedades comerciais, compreendendo tais serviços a obrigação de o Requerente desenvolver os seus melhores esforços, identificando e contactando os investidores, de modo a distribuir os valores mobiliários, receber ordens de subscrição ou de aquisição e, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta?

 

  1. A resposta à primeira questão difere consoante a prestação dos serviços financeiros seja legalmente exigida ou apenas facultativa?

 

 

            VI.      Decisão

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em suspender a instância, até à pronúncia do Tribunal de Justiça, e determinar a passagem de carta a dirigir pelo CAAD à Secretaria daquele Tribunal Europeu, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado do translado do processo, incluindo cópias do pedido inicial e da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como cópia dos diplomas legais mencionados na presente decisão.

 

 

VI.      Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 499.491,30, indicado pelo Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido, i.e., ao valor das liquidações de Imposto do Selo cuja anulação se pretende – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

  1. Custas

           

            As custas serão fixadas a final.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de maio de 2022

 

Os árbitros,

 

 

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

 

 

Carla Castelo Trindade

 

 

 

Eduardo Paz Ferreira

 


[1] A guia de IS relativa a setembro de 2018 (guia n.º ...) contém um valor de IS inferior ao montante constante da fatura ZFB 1/0090002313, aqui impugnado, dado que o Requerente, nesse período, efetuou movimentos de compensação de imposto indevidamente liquidado em guias anteriores, ao abrigo do artigo 51.º do Código do Imposto do Selo.

[2] Estas dúvidas não se estendem à resposta, que é negativa, a dar à questão, levantada pela Requerida, da aplicabilidade da derrogação prevista no artigo 6.º, n.º 1, alínea f) da Diretiva de Reunião de Capitais, pois esta alínea respeita à cobrança do imposto sobre o valor acrescentado, matéria alheia ao objeto da presente ação.

 

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

                                                                                                                                                                                                                                                                

Sumário:

  1. O artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva de Reunião de Capitais (2008/7/CE) opõe-se à incidência de Imposto do Selo sobre comissões devidas pela prestação de serviços de colocação em mercado de títulos de dívida – como obrigações e papel comercial – de sociedades, efetuada por instituição de crédito contratada na qualidade de intermediário financeiro no âmbito dessas operações.
  2. A proibição de incidência de Imposto do Selo sobre tais comissões subsiste independentemente de quem emitiu os títulos e da questão de saber se as sociedades emitentes estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária, abrangendo todas as formalidades conexas e deve ser objeto de uma interpretação lato sensu, para evitar que fique privada de efeito útil.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral coletivo, constituído em 23 de junho de 2021, Alexandra Coelho Martins (presidente), Carla Castelo Trindade e António Pragal Colaço, acordam no seguinte:

 

 

I.         Relatório

 

A..., S.A., doravante “Requerente”, com o número único de matrícula e pessoa coletiva ... e sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, bem como dos artigos 95.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e d) da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 99.º, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), na sequência da notificação, em 13 de janeiro de 2021, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as autoliquidações de Imposto do Selo n.ºs ..., n.ºs ..., ... e ..., todas referentes ao ano 2018, no valor total de € 499.491,30.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

O Requerente pretende a anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa e dos atos de autoliquidação de Imposto do Selo que constituem o seu objeto, supra enumerados, com a consequente restituição do valor pago, de € 499.491,30, acrescido de juros indemnizatórios ao abrigo dos artigos 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), 100.º e 43.º da LGT.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 14 de abril de 2021 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

Em 2 de junho de 2021, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 23 de junho de 2021.

 

Em 10 de setembro de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”).

 

Por despacho de 25 de novembro de 2021, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).

 

Em 13 de dezembro de 2021, o Tribunal Arbitral determinou a notificação das Partes para apresentarem alegações e prorrogou o prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, em virtude da interposição de períodos de férias judiciais e da complexidade das questões.

 

O Requerente apresentou alegações em 22 de dezembro de 2021, tendo a Requerida contra-alegado em 5 de janeiro de 2022. Ambas as Partes reiteraram as respetivas posições.

 

Por despachos de 21 de fevereiro e de 21 de abril de 2022, foi renovada a prorrogação de prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

Em 28 de abril de 2022, o Tribunal Arbitral determinou a notificação das Partes para se pronunciarem sobre o reenvio e questões prejudiciais a submeter à apreciação do Tribunal de Justiça, por estar em causa, como critério relevante de decisão, a interpretação do direito da União Europeia, em concreto, aferir se o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva de reunião de capitais (Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008) proíbe a tributação em Imposto do Selo das operações de intermediação financeira que são objeto dos presentes autos.

Nesta sequência, em 19 de maio de 2022, o Tribunal decidiu suspender a instância e proceder ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, de harmonia com o disposto no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), tendo formulado as seguintes questões:

 

  1. O artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro, pode ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação em Imposto do Selo de comissões por serviços de intermediação financeira prestados por um Banco relativos à colocação em mercado de títulos negociáveis – obrigações e papel comercial – emitidos por diversas sociedades comerciais, compreendendo tais serviços a obrigação de o Requerente desenvolver os seus melhores esforços, identificando e contactando os investidores, de modo a distribuir os valores mobiliários, receber ordens de subscrição ou de aquisição e, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta?

 

  1. A resposta à primeira questão difere consoante a prestação dos serviços financeiros seja legalmente exigida ou apenas facultativa?

 

O processo deu entrada no Tribunal de Justiça e foi-lhe atribuído o n.º C-335/22.

 

Por despacho de 24 de outubro de 2022, foi o árbitro vogal inicialmente designado, Exmo. Professor Doutor Eduardo Paz Ferreira, substituído pelo Exmo. Dr. António Pragal Colaço, nomeação que se tornou efetiva em 15 de novembro de 2022.

 

Em 21 de julho de 2023, o Tribunal Arbitral foi notificado do despacho decisório proferido pelo Tribunal de Justiça em 19 de julho de 2023, no caso C-335/22, que conclui pela seguinte declaração:

 

 

 

O artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais,

deve ser interpretado no sentido de que:

Se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.

 

            Em 24 de julho de 2023, foi proferido despacho arbitral a determinar a cessação da suspensão da instância.

 

Posição do Requerente

 

O Requerente invoca como causa de pedir o erro de direito praticado em relação aos atos de autoliquidação de Imposto de Selo impugnados e à decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa contra os mesmos deduzida.

 

Neste âmbito, alega ter participado como intermediário financeiro em diversas operações de colocação de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis, nomeadamente obrigações e papel comercial, em relação às quais liquidou, por erro, Imposto do Selo.

 

Considera, agora, que este imposto não era devido, com fundamento na proibição expressa de tributação indireta sobre as operações de reuniões de capitais constante do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (doravante “Diretiva de Reunião de Capitais” ou “Diretiva”), que, na sua perspetiva [do Requerente], postula uma interpretação restritiva do disposto na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Argumenta que o indeferimento, pela Requerida, da Reclamação Graciosa deduzida contra aqueles atos tributários de Imposto do Selo, deriva de uma deficiente perceção, por parte daquela, da operação de reunião de capitais e dos serviços de colocação em causa.

 

 Posição da Requerida

 

Segundo a Requerida, não se verifica a ilegalidade invocada pelo Requerente. Apesar de concordar que a emissão de obrigações e de papel comercial não cai no âmbito de incidência do Imposto do Selo, por não estar contemplada na verba 17.1 da respetiva Tabela Geral, esta não sujeição depende de as sociedades comerciais (clientes do Requerente) procederem diretamente à emissão do papel comercial, caso em que também beneficiam da não incidência de Imposto do Selo sobre as formalidades conexas, como o registo de emissão no livro de registo, o registo dos titulares das obrigações, entre outras.

 

No entanto, na situação vertente, tal não sucede, tendo essas sociedades contratado os serviços do Requerente (intermediário financeiro) para o efeito, sendo as correspondentes comissões de colocação sujeitas a Imposto do Selo, por preencherem os requisitos objetivos e subjetivos previstos na verba 17.3.4 da Tabela Geral, nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do respetivo Código. 

 

Acrescenta que não pode considerar-se que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, em concreto as comissões cobradas pelo Requerente, estejam abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva, uma vez que se trata de um serviço de colocação dos títulos em mercado que não é mencionado no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva de Reunião de Capitais. 

 

Refere, por outro lado, que a posição da AT, suportada nos Pareceres n.ºs 156/2003 e 507/2004 da DSCJC, não respeita às comissões devidas pela prestação de serviços de intermediação financeira sujeitas à verba 17.3.4 da TGIS, que o Requerente confunde com a própria operação de emissão de valores mobiliários e colocação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

Por fim, em relação ao pedido de juros indemnizatórios, conclui que, em caso de procedência total ou parcial, devem ser contados a partir do (no dia seguinte ao) indeferimento da Reclamação Graciosa.

 

II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, relativa a atos de autoliquidação de Imposto do Selo, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado em 12 de abril de 2022, dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, contado da notificação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa (datado de 28 de dezembro de 2020), ocorrida em 13 de janeiro de 2021 (v. artigo 39.º, n.º 10 do CPPT).

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

III.      Questão a Apreciar

 

A questão discutida na presente ação é unicamente a da sujeição, ou não, a Imposto do Selo das comissões de colocação cobradas pelo Requerente em conexão com contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, atento o disposto na verba 17.3.4 da Tabela Geral e no artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo e o respetivo enquadramento na proibição constante do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva de Reunião de Capitais.

IV.      Fundamentação de Facto

 

1.         Factos Assentes

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A..., S.A., aqui Requerente, é uma instituição de crédito que opera em Portugal desde fevereiro de 1983 e que até 2015 se denominava Banco B..., S.A.. O Requerente está licenciado como Banco pelo Banco de Portugal, com o código IF 47, e registado como intermediário financeiro junto da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”), com o número de registo 108 – cf. documento 1, informação pública disponibilizada pelo Banco de Portugal e pela CMVM e certidão permanente com o código ...-... -... .
  2. O objeto social do Requerente consiste no exercício da atividade bancária, compreendendo todas as operações permitidas aos bancos, nos termos previstos por lei, e a aquisição de participações em sociedades com objeto diferente – cf. certidão permanente com o código ...-...-... e documento 1.
  3. Entre 1 de setembro e 31 de dezembro de 2018 e no âmbito da sua atividade, o Requerente participou, como intermediário financeiro, em várias operações de emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis (e.g., obrigações, papel comercial), mediante a prestação de serviços de colocação desses títulos em mercado a vários emitentes – cf. documentos 1 e 11 a 25.
  4. Em concreto, durante o período em causa, o Requerente prestou serviços de colocação às seguintes sociedades comerciais (“Emitentes”) – cf. documentos 1 e 11 a 25:
  1. C..., SGPS, S.A. (oferta pública, ISIN PT...);
  2. D…, Ltd. (oferta privada, ISIN XS...);
  3. E…, Ltd. (oferta pública, ISIN XS... e XS...);
  4. F…, Ltd. (oferta pública, ISIN XS... e XS...);
  5. G... Limited (oferta pública, ISIN XS...);
  6. H..., Ltd. (oferta pública, ISIN XS...);
  7. I… Ld. (oferta pública, ISIN XS...); e
  8. J… Ltd. (oferta pública, ISIN XS...).
  1. Estes serviços de colocação compreendem a obrigação do Requerente desenvolver os seus melhores esforços de modo a distribuir os valores mobiliários, recebendo ordens de subscrição ou de aquisição, e podendo, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta, obrigando-se, nesse caso, a colocá-los por sua conta e risco, nos termos e nos prazos acordados com o emitente ou o alienante. A prestação dos serviços de colocação envolve ainda contacto com os investidores  – cf. documentos 1 e 11 a 25.
  2. Pelos serviços de colocação em mercado dos títulos negociáveis emitidos pelas sociedades comerciais acima identificadas, em emissões públicas e privadas, o Requerente cobrou uma comissão de colocação (“agency fee – bond placement”) – cf. documentos 11 a 25.
  3. Entre 1 de setembro e 31 de dezembro de 2018, o Requerente emitiu 10 faturas relativas às mencionadas comissões de colocação de títulos negociáveis em mercado, sobre as quais foi liquidado e entregue ao Estado o Imposto do Selo, à taxa de 4%, da verba n.º 17.3.4 da TGIS, conforme quadro infra – cf. documentos 1 a 5 e por acordo:

 

 

 

Período

IS

Data de entrega Guias IS

N.º das Guias IS

N.º das Faturas

Docs.

(1)

(2)

(3)

(4)

(5)

Set-18[1]

59.230,77

15-10-2018

...

ZFB 1/0090002313

Docs. 2 e 6

Out-18

95.000,00

19-11-2018

...

ZFB 1/0090002390

ZFB 1/0090002395

Docs. 3, 7 e 8

Nov-18

59.614,13

12-12-2018

...

ZFB 1/0090002421

ZFB 1/0090002435

Docs. 4, 9 e 10

Dez-18

285.646,40

18-01-2019

...

ZFB 1/0090002483

ZFB 1/0090002491

ZFB 1/0090002498

ZFB 1/0090002499

ZFB 1/0090002500

Docs. 5, 11 e 15

Totais

499.491,30

 

 

 

 

 

  1. Entendendo não ser devido Imposto do Selo sobre estas comissões de colocação, o Requerente apresentou, em 15 de outubro de 2020, Reclamação Graciosa dos atos de autoliquidação correspondentes, pedindo a sua anulação com o consequente reembolso do imposto pago de € 499.491,30 – cf. documento 26.
  2. A Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho de 28 de dezembro de 2020, do Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”), ao abrigo de Subdelegação de competências, notificado em 13 de janeiro de 2021 – cf. documento 1.
  3. Constituem fundamentos do indeferimento da Reclamação Graciosa, os seguidamente transcritos – cf. documento 1:

“VI.      DA ANÁLISE DA MATÉRIA DE FACTO E DO PEDIDO

 

42.   Pela presente reclamação graciosa, cuja petição consta nos autos, contesta-se os atos tributários de autoliquidação de imposto do selo (verba 17.3.4 da TGIS) sobre as comissões de colocação de títulos em mercado, liquidadas e pagas pela ora Reclamante, relativamente aos meses de setembro a dezembro de 2018, na qualidade de intermediário financeiro em várias operações de emissão de valores mobiliários, sob a forma de títulos negociáveis (e.g. obrigações, papel comercial), tendo prestado serviços de colocação desses títulos em mercado a vários emitentes, pelo que requer a anulação das liquidações em análise, e o reembolso do montante de IS por si indevidamente pago no montante de € 499.491,30.

43.   A questão sub judice, estará, portanto, em apreciar de legalidade da incidência objetiva de imposto de selo (verba 17.3.4) sobre as comissões de colocação de títulos em mercado entregues pela Reclamante, relativamente aos meses supra referidos, e se as mesmas se consideram desconformes com a lei, fruto da concatenação da referida verba da Tabela Geral de Imposto de selo, com o art.º 5 n.º 2 da alínea b) da Diretiva 2008/[7]/CE do Conselho de 12 de fevereiro de 2008, mormente da alegada não sujeição de qualquer imposto indireto, sobre as operações de reunião de capitais previstas na Diretiva, nomeadamente de tributação indireta das comissões advenientes de serviços financeiros de colocação de valores mobiliários, in casu títulos negociáveis, pelo que requer o reembolso do montante de imposto pago indevidamente referente às preditas comissões, acrescido do pagamento dos respetivos j[uro]s indemnizatórios nos termos do art.º 43.º da LGT.

Então vejamos,

44.   O IS de acordo com o art.º 1.º do CIS, incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

45.   Pelo que o imposto previsto na verba 17.3.4 da TGIS incide sobre “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.

Sobre o estatuto da Sociedade Financeira

46.   A verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) sujeita a Imposto do Selo as “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões” quando praticadas por entidades financeiras.

47.   Pelo que, para que tais comissões sejam visadas e, portanto, tributadas, pela citada verba da TGIS, necessário será que estejam preenchidos os elementos subjetivo e objetivo da norma. A saber: terão de ser consideradas entidades financeiras as Sociedades visadas, (como de resto é o caso da ora Reclamante), bem como operações financeiras as suas atividades de intermediação financeira, em várias operações de emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis, o que de resto tal também não levanta dúvidas no caso concreto.

48.   Aliás é a própria Reclamante que afirma nos seus pontos 17 a 23 da sua petição inicial, a sua condição de instituição de crédito, referindo nesse mesmo sentido o art.º 2- A alínea w) do RGICSF, bem como assunção da prática de operações financeiras, como são as atividades de intermediação financeira, a que faz justamente menção e que estão ademais previstas no n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, tal como refere.

49.   Ora até à entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março) poderia subsistir uma errónea interpretação decorrente de uma isenção prevista no Código do Imposto do Selo, a verdade é que a partir da entrada em vigor desta Lei do Orçamento do Estado, a suposta isenção teria deixado de existir.

50.   Com efeito, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março aditou um número à norma de isenção preceituando que a mesma se aplica apenas às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea, pelo que a mesma aqui não se verifica.

51.   Mais se adianta, entre as várias matérias que podem ser reconduzidas ao direito fiscal da União Europeia, no que concerne à tributação indireta, as influências do direito interno foram de facto muito relevantes no passado, mas neste momento, há já uma considerável harmonização ou uniformidade a nível europeu.

52.   Destacando-se a este propósito quer o IVA, Impostos Especiais de Consumo e igualmente o imposto de selo.

53.   Na verdade, refere João Sérgio Ribeiro: “no domínio destes tributos, uma vez que têm na sua base, diretivas específicas que tiveram de ser transpostas pelos Estados-Membros, houve já uma grande influência nos direitos nacionais. (...) Trata-se, porém, de um domínio onde a influência das diretivas relativas à tributação indireta se fez sentir essencialmente na altura da criação desses impostos, pois no momento atual tais instrumentos são aplicados de forma harmonizada, estando aquela influência estabilizada. Assim quando surgem questões envolvendo esses impostos, designadamente ao nível do Tribunal do TJ, dada a tecnicidade dessas matérias, a abordagem é feita do ponto estritamente técnico.” [Cfr. João Sérgio Ribeiro Direito Fiscal da União Europeia: Tributação Direta – Almedina p. 19]

54.   Sobre o caso vertente, não se colocando em causa o Primado do direito comunitário em relação ao direito interno, consagrado no artigo 8º da CRP e a jurisprudência Comunitária, do TJUE, que a ora Reclamante enumerou. A verdade, é que nenhuma da jurisprudência Comunitária do TJUE referida, versava sobre o assunto sub judice.

55.   Ademais, e sem colocar em causa a aplicação direta do regime legal das Diretivas Comunitárias, na ordem interna jurídica, tendo o TJUE sucessivamente vincado o “primado do direito comunitário” (cf., entre outros, o Acórdão “Costa contra Enel”, de 15 de julho de 1964, Proc. 6/849), não é possível retirar da predita Diretiva da Reunião de Capitais, mormente o disposto no art.º 5 n.º 2, alínea b) da mesma, a não sujeição de imposto de selo das comissões de colocação pela verba 17.3.4 da TGIS.

56.   Na verdade, está em causa uma norma de incidência de imposto, cujo caráter definidor tem de ser certo, objetivo e estar “desenhado na lei de forma suficientemente determinada”, sendo que na letra da referida diretiva, não se encontra prevista a não sujeição de tributação das comissões por serviços financeiros de colocação de valores []mobiliários.

57.   Necessário será distinguir entre “as formalidades conexas (...) admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis” previstas na Diretiva de Reunião de Capitais, e a as operações financeiras que “gravitam” em redor dessas mesmas operações financeiras, expressão essa de resto utilizada pelo ora Reclamante no ponto 66.º da sua PI.

58.   Operações essas, como é o caso das aludidas comissões de colocação cobradas no âmbito da emissão de títulos negociáveis, que de resto preenchem o requisito de incidência de natureza objetiva que permite o enquadramento das comissões na sub-verba 17.3.4, porquanto cabem na categoria “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, não estando abrangidas por nenhuma isenção.

59.   O ora Reclamante alega a incompatibilidade da incidência de IS sobre as comissões de colocação cobradas no âmbito de emissão dos títulos negociáveis, com o direito europeu, designadamente com a Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008.

60.   Esta Diretiva, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, visa eliminar fatores suscetíveis de distorção de concorrência ou obstar à livre circulação de capitais No preâmbulo deste instrumento comunitário, esclarece-se que “[n]ão deverão ser aplicados impostos indiretos às reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. Em especial, não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência”. 

61.   Na Diretiva ora em análise, a al. b) do n.º 2 do art.º 5.º estipula que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto: “Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.”

62.   Por sua vez, a al. a) do n.º 1 do art.º 6.º da Diretiva vem derrogar parcialmente o esta[be]lecido no número anterior, uma vez que, “permite aos os Estados-Membros a cobrança dos seguintes impostos e direitos:

a) Impostos sobre a transmissão de valores mobiliários, cobrados forfetariamente ou não,

b) Direitos de transmissão, incluindo os encargos de registo de propriedade que incidem sobre a entrada, numa sociedade de capitais, de bens imóveis ou de estabelecimentos comerciais sitos no respetivo território;

c) Direitos de transmissão sobre ativos de qualquer natureza que constituam entradas de capital numa sociedade de capitais, na medida em que a transmissão dos referidos ativos não seja remunerada através de partes sociais;”

66.   In verbis, caso o legislador comunitário quisesse de facto não sujeitar, a tributação em sede de imposto de selo dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e papel comercial cobradas pelas instituições de crédito, enquanto intermediários financeiros, bastaria que tivesse feito essa menção na al. b) do n.º 2 do art.º 5.º da Diretiva 2008/7/CE, e não o fez.

67.   Entende a ora Reclamante que não existe no direito interno, norma de incidência em sede de IS, sobre os encargos decorrentes de contratos de emissão de papel comercial, e ou das comissões por serviços financeiros de colocação de valores imobiliários, porquanto o legislador nacional estaria ciente que uma eventual norma dessa natureza e com esse conteúdo traduziria uma violação do Direito da União Europeia em vigor, mais concretamente da Diretiva 2008/7/CE.

68.   Mais entende, que estando assente a não sujeição a imposto de selo das ditas operações financeiras, o texto do art.º 5, n.º 2 alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, incorpora a proibição de sujeição a imposto de selo dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, máxime, as comissões cobradas pelos bancos na vigência dos referidos contratos, por revestirem a natureza de “formalidades conexas” com estes mesmos contratos.

69.   Pelo que conclui, que estes encargos devem ser equiparados à noção de formalidades conexas, previstas no art.º 5.º n.º 2 alínea b) da Diretiva 2008/7/CE. Mais invocou neste mesmo sentido, um acórdão do TJUE, mormente o acórdão de 19-10-2017, processo C-573/16 “Air Berlin”.

70.   Se no que concerne ao assunto vertente, é meridianamente claro, quer pela doutrina e pela jurisprudência, que a emissão das obrigações e bem assim, de papel comercial, não está sujeita a IS, na medida em que a verba 17.1, da TGIS não tributa tais operações.

71.   Tal realidade de resto, decorre da já referida Diretiva 2008/7/CE, através da qual, o legislador europeu pretendeu, de forma clara e inequívoca, colocar em pé de igualdade todos os operadores que decorram a mercados primários para a obtenção de financiamento. Tal resulta entre outros, do segundo e terceiro considerandos da predita Diretiva, que explicitam esse mesmo desiderato.

72.   In rectius, a Diretiva dispõe que os Estados- Membros não possam tributar através de impostos indiretos, nomeadamente em sede de imposto de selo, inter alia operações de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis.

73.   No seguimento, a referida Diretiva não identifica os sujeitos passivos que estão abrangidos por essa exigência de não incidência de tributação indireta, nem podia ser dessa forma.

74.   Na verdade, determina a Diretiva 2008/7/CE, que os Estados-membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto, entre outras, a emissão de papel comercial (independentemente de quem os emitiu).

75.   Consabido é que a emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, como papel comercial, pode ser realizada por diversas entidades. Note-se que em Portugal, a possibilidade de uma sociedade comercial proceder à emissão de obrigações, encontra-se prevista no quadro do art.º 348.º do Cód. Sociedades Comerciais, sendo a emissão de papel comercial disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 29/2014 de 25 de fevereiro.

76.   Face ao exposto, as várias sociedades comerciais, melhor elencadas no ponto 9 da PI pelo ora Reclamante, e que recorreram aos serviços do mesmo, não se encontravam impedidas por si só, de proceder diretamente à emissão de papel comercial, beneficiando nesse caso, de forma inequívoca da não tributação em sede de imposto de selo.

77.   Reitera-se que tal resulta de forma clara (sendo a única sujeição com interesse para o caso sub judice que se pode efetivamente retirar) do disposto no art.º 5 n.º 2 da Diretiva em questão, quando determina que os Estados- Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto os empréstimos contraídos sob a forma de emissão das obrigações ou outros títulos negociáveis “independentemente de quem os emitiu (…)”.

78.   Caso os terceiros repercutidos de IS, mormente as sociedades comerciais elencadas no ponto 9 da PI, tivessem optado por proceder diretamente à emissão de obrigações, beneficiariam da não sujeição de IS, não apenas sobre a emissão, strictu sensu, mas igualmente sobre as formalidades conexas como, verbi gratia, o registo da emissão no livro de registo, o registo dos titulares das obrigações, eventuais autentificações de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão pela sociedade.

79.   É justamente a parte final do art.º 5.º n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE que corrobora, este entendimento, quando se refere à admissão à cotação em bolsa da emissão ou à colocação em circulação da emissão no mercado primário ou secundário, por exemplo através da colocação junto do público.

80.   No caso sub judice, a ora Reclamante mediante a solicitação das instituições financeiras referidas, participou como intermediário financeiro, em várias operações de emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis, tendo nesse âmbito, prestado serviços de colocação dos títulos em mercado, prestações de serviços essas, pelas quais cobrou comissões de colocação, e sobre as quais foi liquidado o imposto de selo devido.

81.   Destila se assim, que as referidas instituições financeiras, optaram por não proceder diretamente à emissão de obrigações ou papel comercial – apesar de, conforme acima se referiu, o Cód. das Soc Comerciais o permitir – tendo contratado para o efeito, no âmbito de um contrato de prestações de serviços, verbi gratia serviços de intermediação financeira, a ora Reclamante.

82.   A ser como é, não se poderá por isso considerar-se, que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, máxime as comissões cobradas pela ora Reclamante, se encontram abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE, uma vez que a ora Reclamante prestou o serviço e colocação dos títulos em mercado, tendo por isso, cobrado as comissões de colocação.

83.   Pelo que se conclui, que os encargos decorrentes dos contratos de intermediação financeira, nas várias operações de emissão de valores mobiliários, sob a forma de títulos negociáveis, e no âmbito dos quais o ora Reclamante prestou o serviço de colocação dos títulos em mercado, tendo por isso cobrado as ditas comissões de colocação, são tributados em sede de imposto uma vez que preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva previstos na Verba 17.3.4 da TGIS, e, em conformidade, estão sujeitas a imposto do selo por força do disposto no nº 1 do artigo 1º do CIS.

84.   Neste conspecto, cabe a liquidação, cobrança e entrega do imposto apurado nos cofres do Estado à ora Reclamante, na qualidade de sujeito passivo, de acordo com o disposto no art.º 2º do CIS, sendo encargo das instituições financeiras referidas, enquanto titulares do interesse económico.

167. Assim, entendemos que as autoliquidações efetuadas em matéria de imposto do selo não padecem de qualquer vício de violação da lei por errónea interpretação, nem de qualquer outra ilegalidade, devendo as mesmas manterem-se na sua plenitude.

[…]

172. No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, enquanto garantia dos contribuintes, atualmente previsto no art.º 43º da LGT, tem na sua origem o facto de a contribuinte ter pago indevidamente impostos em virtude de erros imputáveis aos serviços que no caso em apreço não se verificam, pois a AT atuou dentro dos limites legais, não sendo assim devidos juros indemnizatórios. […]”

  1. Inconformado com a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, o Requerente apresentou no CAAD, em 12 de abril de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.

 

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta a posição consensual assumida pelas Partes em relação à matéria de facto.

 

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

 

V.        Do Direito

 

  1. Enquadramento da Questão

 

Como atrás assinalado, discute-se na presente ação a incidência de Imposto do Selo relativamente a comissões de colocação (“agency feebond placement”) cobradas pelo Requerente, instituição de crédito (Banco) com sede em Portugal.

 

Estas comissões respeitam aos serviços prestados pelo Requerente, como intermediário financeiro, em operações associadas à emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis – obrigações e papel comercial – emitidos por diversas sociedades comerciais (“Emitentes”) para obtenção, junto do mercado de capitais, de meios financeiros destinados à sua atividade.

 

Os serviços em causa consubstanciam-se na colocação desses títulos em mercado, compreendendo a obrigação de o Requerente desenvolver os seus melhores esforços de modo a distribuir os valores mobiliários, recebendo ordens de subscrição ou de aquisição, podendo também, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta, obrigando-se, nesse caso, a colocá-los por sua conta e risco, nos termos e nos prazos acordados com os emitentes ou alienantes. Esta prestação de serviços de colocação envolve ainda a identificação e o contacto com os investidores, muitos deles internacionais.

 

A Requerida entende ser devida a tributação em Imposto do Selo das comissões em apreço, cobradas pelo Requerente, ao abrigo do disposto na verba 17.3.4 da Tabela Geral e no artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo. Considera, ainda, que a incidência deste imposto não viola a Diretiva de Reunião de Capitais, por falta de enquadramento na proibição constante do seu artigo 5.º, n.º 2, alínea b), pois defende que a comercialização efetuada por uma entidade bancária, externa à entidade emitente dos títulos negociáveis, não pode ser qualificada como uma operação de entradas de capital, atribuindo relevância ao facto de o recurso a intermediários financeiros não resultar de imposição legal, constituindo uma faculdade das entidades emitentes. Por fim, a Requerida defende que, ainda que, caso as mencionadas comissões fossem subsumíveis ao disposto no citado artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva, a situação podia ser abrangida pela derrogação prevista no artigo 6.º, n.º 1, alínea f) da Diretiva de Reuniões de Capitais.

 

Do ponto de vista do Requerente a questão que se suscita é a da desconformidade da tributação em Imposto do Selo, que resulta da interpretação literal do regime interno, à luz do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva de Reuniões de Capitais, dada a respetiva amplitude e a interpretação do Tribunal de Justiça no acórdão Air Berlin, de 19 de outubro de 2017, processo C-573/16.

 

Neste contexto, o Requerente sustenta que as comissões de colocação aqui em discussão devem beneficiar do mesmo tratamento de não sujeição a imposto, aplicável à emissão dos títulos de dívida, incluindo os respetivos juros, sob pena de incongruência ao nível da aplicação da Diretiva da Reunião de Capitais.

 

  1. Quadro Legal

 

Para apreciar a questão a decidir importa atender ao disposto nas normas aplicáveis de direito interno e da União Europeia, que infra se transcrevem na parte relevante:

 

Código do Imposto do Selo

Capítulo I - Incidência

Artigo 1.º

Incidência objectiva

1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

 

Tabela Geral do Imposto do Selo

17 Operações financeiras

[…]

17.3     Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:

17.3.1  Juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação  4%

17.3.2  Prémios e juros por letras tomadas, de letras a receber por conta alheia, de saques emitidos sobre praças nacionais ou de quaisquer transferências  4%  

17.3.3  Comissões por garantias prestadas  3%      

17.3.4 Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões  4%

           

Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008,

relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais

Artigo 5.º

Operações não sujeitas a impostos indirectos

1.   Os Estados-Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indirecto sobre:

  1. Entradas de capital;
  2. Empréstimos ou prestações de serviços, efectuadas no âmbito das entradas de capital;
  3. Registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade de capitais esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica;
  4. Alterações do acto constitutivo ou dos estatutos de uma sociedade de capitais, designadamente as seguintes:
  1. a transformação de uma sociedade de capitais numa sociedade de capitais de tipo diferente,
  2. a transferência de um Estado-Membro para outro Estado-Membro da sede de direcção efectiva ou da sede estatutária de uma sociedade de capitais,
  3. a alteração do objecto social de uma sociedade de capitais,
  4. a extensão do período de duração de uma sociedade de capitais;
  1. As operações de reestruturação referidas no artigo 4.º

2.   Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:

  1. A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;
  2. Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

Artigo 6.º

Impostos e direitos

  1. Em derrogação ao disposto no artigo 5.º, os Estados-Membros podem cobrar os seguintes impostos e direitos:

[…]

            f)     Imposto sobre o valor acrescentado.”

 

  1. Análise Concreta: Proibição do Artigo 5.º, n.º 2, al. b) da Diretiva de Reunião de Capitais

 

            Resulta do exposto que a questão controvertida se reconduz à aplicação do direito da União Europeia/Diretiva de Reunião de Capitais. Importa aferir se o artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do diploma europeu inclui na sua previsão as operações em presença, proibindo a sua tributação, com a consequente incompatibilidade da incidência do Imposto do Selo sobre as mesmas resultante da aplicação literal das normas de direito interno.

 

            Neste contexto, interessa salientar que o acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-573/16, Air Berlin, já mencionado, se pronunciou sobre a interpretação do artigo 5.º, n.º 2, no sentido de que “a proibição da imposição das operações de reunião de capitais se aplica igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais” (§32), não sendo “necessário que exista uma obrigação legal quando se trata de determinar se uma operação é um fim em si mesma ou deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais” (§37).

 

            Porém, apesar da considerável amplitude conferida pelo Tribunal ao artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva, as operações visadas no processo Air Berlin respeitam à transmissão de ações (artigo 5.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea a) da Diretiva) e são distintas das que constituem o objeto destes autos, relativas a serviços de intermediação financeira de colocação de instrumentos de dívida, obrigações e papel comercial (artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva).

 

            Assim, apesar de o teor do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva e a jurisprudência referida permitirem alcançar a conclusão segura de que a proibição de tributar compreende as situações em que os títulos são emitidos, quer pelas próprias sociedades, quer por terceiros, subsistiam dúvidas sobre a interpretação dos conceitos de “formalidades conexas” e de “colocação em circulação” dos títulos[2] à luz da Diretiva.

 

            O Tribunal de Justiça, no processo de reenvio enxertado nos presentes autos arbitrais, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, que correu termos sob o n.º C-335/22, clarificou, em acórdão proferido em 19 de julho de 2023, a interpretação a conferir ao artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva de Reunião de Capitais, no sentido de que esta norma veda a tributação em Imposto do Selo das comissões cobradas por uma entidade bancária [o Requerente] pela colocação no mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial.

 

            Veio entender o Tribunal de Justiça que a Diretiva em apreço visa excluir qualquer imposto indireto sobre as reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. Refere que o considerando 9 da Diretiva “precisa que, em especial, não deve ser aplicado imposto do selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência” (p. 20, processo C-335/22).

 

            De acordo com o Tribunal de Justiça, a proibição de incidência de impostos indiretos (in casu, de Imposto do Selo) sobre os títulos, consagrada no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da citada Diretiva, é independente de quem os emitiu e abrange todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis, como expresso no texto legal (p. 21, processo C-335/22). Acrescenta que este artigo 5.º deve ser objeto de uma interpretação lato sensu, para evitar que as proibições que prevê não fiquem privadas de efeito útil, pelo que se aplica igualmente a operações que nele não estão expressamente previstas, “uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21 […])” (p. 22, processo C-335/22).

.

            Prossegue o Tribunal de Justiça com os seguintes fundamentos:

 

            “23      Assim, já resulta em substância, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, uma vez que a emissão de títulos negociáveis só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição de títulos efetuada no âmbito da sua emissão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21 […].

            24        Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já esclareceu que o artigo 11.º, alínea b), da Diretiva 69/335, disposição cuja redação era idêntica à do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, que revogou a Diretiva 69/335, devia ser interpretado no sentido de que a proibição de sujeitar um empréstimo obrigacionista ao imposto se opõe igualmente à tributação de todas as formalidades conexas, incluindo o ato notarial obrigatório para registar o reembolso desse empréstimo (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C-31/97 e C-32/97 […]).

            25        Ora, uma vez que os serviços de colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, apresentam, à semelhança das operações e das formalidades referidas pela jurisprudência recordada nos n.os 23 e 24 do presente despacho, uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos, na aceção do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais em causa (v., por analogia Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21 […].

            26        Por conseguinte, o facto de dar a conhecer junto do público ofertas de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial, e de desenvolver todos os seus melhores esforços para os distribuir de modo que promova a respetiva subscrição e aquisição ou de os adquirir por sua conta para efeitos de revenda junto do público constitui uma diligência comercial necessária e que, nessa medida, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos (v., por analogia Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21 […].

            27        Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de colocação em mercado com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de colocação em mercado a terceiros em vez de as efetuar diretamente (v., por analogia Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21 […].

            28        A este respeito, há que recordar que, por um lado, essa disposição não faz depender a obrigação de os Estados-Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C-656/21 […].”

 

            À face do exposto, conclui-se que:

  • Atenta a pronúncia do Tribunal de Justiça, declarativa da incompatibilidade com o disposto no artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, da incidência de Imposto do Selo sobre comissões de colocação em mercado de obrigações e papel comercial ou outros títulos de dívida, cobradas por numa entidade bancária, como o aqui Requerente, na qualidade de intermediário financeiro; e
  • Atento o princípio do primado do direito da União Europeia e o disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição,

            são inválidas as autoliquidações de Imposto do Selo impugnadas nos autos, porque contrárias ao direito da União Europeia (violação de lei), pelo que as mesmas vão anuladas, por ilegalidade substantiva, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

  1. Juros Indemnizatórios

 

            Sobre o pedido de juros indemnizatórios deduzido pelo Requerente, a jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT. 

 

            Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

 

            Na situação vertente, os atos de autoliquidação controvertidos enfermam de errada interpretação e aplicação do direito que, ao não ser reconhecida em fase de reclamação graciosa, configuram erro imputável à AT. São, desta forma, devidos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e 100 da LGT, contados a partir do dia 29 de dezembro de 2020, tendo em conta que o despacho de indeferimento daquela reclamação data de 28 de dezembro de 2020.

 

 

           

 

 

            VI.      Decisão

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente a presente ação e, em consequência:

  1. Anular das (auto)liquidações de Imposto de Selo objeto dos autos, referentes a 2018 (setembro a dezembro), no valor de € 499.491,30;
  2. Anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que confirmou tais atos;
  3. Determinar o pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o valor de € 499.491,30, contados, nos termos legais, a partir do dia seguinte ao do indeferimento da referida Reclamação Graciosa, i.e., com início em 29 de dezembro de 2020.

 

 

VII.     Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 499.491,30, indicado pelo Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido, i.e., ao valor das liquidações de Imposto do Selo cuja anulação se pretende – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VIII.   Custas

 

            Custas no montante de € 7.650,00 (sete mil e seiscentos e cinquenta euros) a cargo da Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de julho de 2023

 

Os árbitros,

 

 

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

 

 

Carla Castelo Trindade

 

 

 

António Pragal Colaço



[1] A guia de IS relativa a setembro de 2018 (guia n.º...) contém um valor de IS inferior ao montante constante da fatura ZFB 1/0090002313, aqui impugnado, dado que o Requerente, nesse período, efetuou movimentos de compensação de imposto indevidamente liquidado em guias anteriores, ao abrigo do artigo 51.º do Código do Imposto do Selo.

[2] Estas dúvidas não se estendem à resposta, que é negativa, a dar à questão, levantada pela Requerida, da aplicabilidade da derrogação prevista no artigo 6.º, n.º 1, alínea f) da Diretiva de Reunião de Capitais, pois esta alínea respeita à cobrança do imposto sobre o valor acrescentado, matéria alheia ao objeto da presente ação.