Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 66/2021-T
Data da decisão: 2022-05-09  IVA  
Valor do pedido: € 79.951,76
Tema: IVA – Prestações de Serviços de Nutrição – Isenção – Art. 9.º, 1) CIVA
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Fernando Miranda Ferreira e José Coutinho Pires (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 21 de maio de 2021, acordam no seguinte:

 

 

  1. Relatório

 

A..., S.A., pessoa coletiva número..., com sede em ..., ...-... ..., sucessora (na qualidade de sociedade incorporante) da B...– Unipessoal, Lda., adiante designada por “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na redação vigente. 

 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e a anulação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e juros compensatórios emitidas sob os números 2020 ..., 2020 ..., 2020 ..., 2020 ..., no montante total de € 79.951,76 (dos quais € 7.912,66 relativos a juros), referentes a 2017, com o consequente reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.

 É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

Em 28 de janeiro de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD do que foi notificada a AT.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 21 de maio de 2021.

 

            Em 25 de junho de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, na qual se defende por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”). Pugna pela improcedência do pedido arbitral.

 

Por despacho de 28 de junho de 2021, o Tribunal dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).

 

As Partes foram notificadas para apresentarem alegações, por despacho de 20 de julho de 2021.

 

A Requerente apresentou alegações, em 30 de junho de 2021. Além da posição anteriormente assumida, vem acrescentar que, na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de março de 2021, proferido no processo C-581/19, Frenetikexito, a Requerida vem alicerçar as liquidações impugnadas em fundamentos novos, nomeadamente no facto de os serviços de nutrição prestados não evidenciarem uma finalidade terapêutica, o que não é admissível num contencioso de legalidade.

 

A Requerida contra-alegou, em 13 de setembro de 2021, e conclui pela correta aplicação do Direito, em linha com a jurisprudência do Tribunal de Justiça no acórdão citado.

 

Por despachos de 12 de novembro de 2021, 10 de janeiro e 14 de março de 2022, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

Posição da Requerente

 

Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega que as prestações de serviços de aconselhamento nutricional são enquadráveis no âmbito das atividades paramédicas, isentas de IVA ao abrigo do artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA e do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006).

 

Para este efeito, sustenta um conceito não restritivo de finalidade terapêutica, abrangendo as vertentes de prevenção e proteção da saúde numa conceção holística.

 

Argumenta, por outro lado, que a sua não inscrição na Entidade Reguladora da Saúde não constitui um requisito essencial de aplicação da isenção e que apesar de os formulários de adesão dos clientes não mencionarem a disponibilização dos serviços de nutrição, o Regulamento de utilização facultado conjuntamente com aqueles formulários contém essa referência.

 

Sobre a inexistência de gastos com pessoal ou outros subjacentes à prestação de serviços de nutrição aduz que os serviços foram prestados por uma nutricionista com contrato de trabalho com uma outra sociedade que faz parte do grupo J... e que os gastos de estrutura (recursos humanos, marketing e instalações) beneficiam todas as atividades, incluindo as de nutrição. Sobre o facto de os serviços não serem sempre utilizados afirma não comprometer a aplicabilidade da isenção.

 

Rejeita a falta de racionalidade económica dos preços apontada pela AT e conclui que a prestação de serviços de nutrição é complementar à prática da atividade física e desportiva, mas não é acessória desta.

 

Na sequência da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-581/19, Frenetikexito, a Requerente vem ainda alegar que a AT suscitou fundamentos novos, não invocados quando da emissão dos atos tributários impugnados, em concreto, relativos à não comprovação de finalidade terapêutica dos serviços de nutrição, sendo esta fundamentação a posteriori inadmissível no quadro do contencioso tributário. 

 

Posição da Requerida

 

Segundo a Requerida a isenção do artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA é inaplicável, porquanto:

 

  1. A Requerente não tinha ao seu dispor quaisquer meios humanos para realizar as 33.013 prestações de serviços faturadas como serviços de nutrição, sendo condição da isenção que o sejam por profissionais habilitados, não tendo sido demonstrada qualquer cedência de pessoal de uma outra entidade do grupo;
  2. As importâncias faturadas pela Requerente não correspondem a efetivas prestações de serviços, antes ao direito à sua execução;
  3. A Requerente não estava registada para a prestação de cuidados de saúde na Entidade Reguladora de Saúde, nem tinha o CAE da atividade de nutrição;
  4. Constata-se a falta de racionalidade económica dos preços praticados;
  5. Os clientes não eram informados da disponibilidade do serviço, pois nos formulários de adesão e nas tabelas de preços não há menção aos serviços de nutrição. Acresce que não obstante o Regulamento de utilização referir os serviços de nutrição, este Regulamento indica que o pagamento da mensalidade se reporta à utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercício;
  6. Nos serviços como os em apreço, não se verifica a finalidade terapêutica, condição indispensável da isenção de IVA, nem a Requerente alega factos suscetíveis de consubstanciar essa finalidade;
  7. De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, no citado processo C-581/19, com contornos idênticos aos da Requerente, só são isentos os serviços que demonstrem a finalidade terapêutica, conceito que deve ser interpretado de forma restrita. O Tribunal esclarece que a promoção da saúde em geral e a prevenção, de forma indireta, de patologias, não constitui um fim terapêutico, para o qual é necessário que o serviço seja prestado para fins de prevenção, diagnóstico ou tratamento de uma doença e regeneração da saúde;
  8. Dado princípio do primado (do Direito da União sobre o Direito nacional) e o caráter vinculativo da jurisprudência do Tribunal de Justiça para os Tribunais nacionais (v. artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), este entendimento tem de ser aplicado aos presentes autos, sob pena, além do mais, do princípio da neutralidade do IVA;
  9. O referido entendimento tem efeitos ex-tunc, não tendo o acórdão limitado no tempo os seus efeitos, pelo que tem de ser acatado, sob pena de violação do direito da União Europeia, do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição.

 

Em sede de alegações, a Requerida procedeu ainda à junção do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de outubro de 2021, prolatado no processo n.º 77/20.2BALSB, que, em linha com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos:

 

“Os serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios e como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva não têm finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, 1), do Código do IVA.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação de atos de liquidação de IVA e juros compensatórios inerentes (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), tendo em conta que a data limite de pagamento dos atos tributários impugnados era de 29 de outubro de 2020 e que a ação arbitral foi deduzida em 27 de janeiro de 2021.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

  1. Fundamentação

 

  1. Matéria de Facto

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. A..., S.A., aqui Requerente, é a sociedade que sucedeu, por fusão por incorporação,
    à B..., Unipessoal, Lda., constituída em dezembro de 2015. O objeto social desta última, à data dos factos, era o seguinte: “Exercício da atividade de gestão e consultoria de instalações desportivas e de health clubs, bem como a gestão e exploração de ginásio, educação física, fisioterapia, estética, massagens, tratamentos de beleza e saúde, acupuntura, restauração, formação, realização de estudos de mercado e viabilidade económica e atividades acessórias e/ou conexas, investimentos.” – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).
  2. O capital social da B..., Unipessoal, Lda., de € 5.000,00, correspondia a uma única quota pertencente à sociedade C..., SGPS, S.A., que atualmente assume a designação de A..., S.A. – cf. RIT.
  3. Em setembro de 2016, o objeto social da B...Unipessoal, Lda. foi alterado para passar a incluir o nutricionismo – cf. RIT.
  4. A Requerente estava enquadrada no regime normal de IVA com periodicidade trimestral – cf. RIT.
  5. Em 2017, a B..., Unipessoal, Lda. explorava um dos ginásios conhecidos no mercado com a designação comercial “D...”, localizado no ... . Nesse mesmo ano, o grupo “D...” integrava mais oito ginásios, explorados por outras cinco entidades todas detidas pela C... SGPS S.A., localizados em ..., ..., ..., Lisboa –..., Lisboa –..., Lisboa – ..., ... – cf. RIT.
  6. Ainda com referência a 2017, a B..., Unipessoal, Lda. não se encontrava registada na Entidade Reguladora da Saúde como entidade prestadora de cuidados de saúde – cf. RIT.
  7. Em 18 de abril de 2018, cessou atividade a B..., Unipessoal, Lda., na sequência da operação de fusão por incorporação efetuada nos termos dos n.ºs 1 e 4, alínea a), do artigo 97.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”), com a transferência global do seu património para a sociedade incorporante, a A..., S.A. (à data denominada C..., SGPS, S.A.) – cf. RIT.
  8. A Requerente proporciona aos seus sócios o uso e fruição dos seus ginásios, para a prática de exercício físico, mas também outro tipo de serviços – cf. RIT.
  9. Aos clientes do ginásio a Requerente emite uma fatura em que discrimina dois serviços, o de ginásio, correspondente à parte desportiva, a que aplica a taxa normal de IVA (23%) e o de nutrição, que considera estar isento de IVA – cf. RIT.
  10. A Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo externo, inicialmente de âmbito parcial (IVA e IRC), alterado, posteriormente, para geral, com incidência no exercício de 2017, ao abrigo da Ordem de Serviço OI2019..., de 19 de fevereiro de 2019, com vista à análise da situação tributária do contribuinte identificado no âmbito de ação de controlo aos sujeitos passivos que se dedicam à prática das atividades Gestão de Instalações Desportivas (CAE 93110) e Atividades de Ginásio (FITNESS) (CAE 93130) – cf. RIT.
  11. Em resultado deste procedimento de inspeção, foram efetuadas correções meramente aritméticas de IVA, referentes a imposto não liquidado pela Requerente, no montante de Euro 72.039,04 – cf. RIT.
  12. Como fundamento destas correções, fundamenta o Relatório de Inspeção Tributária, nos seguintes moldes – cf. RIT:

“[…]

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas ao imposto e matéria coletável

111.1 IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO

111.1.1 Serviços de nutrição I aconselhamento nutricional

- Aplicação indevida de isenção de IVA

111.1.1.1 Atividade declarada

[…]

111.1.1.2 Da isenção de IVA nos serviços de saúde

- Enquadramento Tributário

As isenções de IVA para os serviços de saúde em vigor em território nacional encontram-se previstas nas alíneas 1) e 2) do artigo 9.º do CIVA e resultam da transposição das alíneas b) e c) do artigo 132.º incluído no capítulo 2, designado «Isenções em benefício de certas atividades de interesse geral» da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006, que deu origem ao Sistema Comum sobre o Valor Acrescentado.

De acordo com as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da referida Diretiva, os Estados-Membros isentam deste imposto:

«…

b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;

c) As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas tal como definidas pelo Estado-Membro em causa;

…»

As isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva Comunitária atrás identificada são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio geral de tributação do IVA, pelo que não visam isentar qualquer atividade de interesse geral, mas unicamente as que aí são enumeradas e detalhadamente descritas.

 Para o caso presente, e sendo clara a não aplicação da isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva, atentemos na norma prevista na alínea c) do n.º 1 do mesmo normativo.

Antes de mais referir que a isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º é aplicável independentemente da forma jurídica - pessoa singular ou pessoa coletiva - do sujeito passivo que presta os serviços médicos ou paramédicos.

O acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. 1-6833, n.º 26) afirma, a respeito da disposição comunitária em análise, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados sem qualquer imposição quanto à forma jurídica do prestador, bastando estar-se perante serviços médicos e paramédicos que sejam prestados por pessoas que possuam qualificações para o efeito.

Por sua vez, a diversa jurisprudência emanada pelo TJUE vai no sentido de que os serviços de assistência a que se refere a isenção em análise tenham como finalidade diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde, ou seja, terem finalidade terapêutica. O mesmo é dizer que uma determinada prestação de serviço que não é conduzida com o objetivo de diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou quaisquer anomalias de saúde, ainda que na mesma intervenham um médico ou paramédico, não se pode considerar como uma prestação de serviços de assistência para efeitos da aplicação da isenção de IVA em análise.

Apresenta-se de seguida a redação da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA que resultou da transposição da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva:

«…

Artigo 9.º

Estão isentas do imposto:

1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.

…»

No que respeita às profissões paramédicas estão as mesmas reguladas na legislação nacional através do Decreto-Lei n.º 261/93, de 24-07, compreendendo, nos termos do artigo 1.º deste diploma «...a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação...». Este diploma dispõe em anexo de uma lista das atividades que podem ser consideradas como profissões paramédicas, incluindo no seu ponto 5 a atividade de dietética, definindo-a como sendo a «... aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares …».

Para o exercício destas atividades paramédicas são condições obrigatórias a titularidade de curso reconhecido nos termos legais e de carteira profissional (Cf. artigo 2.º do DL n.º 261/93 de 24-07). No caso da atividade de dietética é obrigatório o respetivo curso ministrado em estabelecimento do ensino público, particular ou cooperativo, devidamente reconhecido, e, bem assim, a inscrição na Ordem dos Nutricionistas.

Em face do que antecede, assumindo-se a entidade inspecionada como prestador de serviços de nutrição [aconselhamento nutricional, para o efeito, terá forçosamente de adquirir esses serviços a profissionais devidamente credenciados para o efeito (com curso reconhecido e inscritos na Ordem dos Nutricionistas) (Cf. n.º 4 do artigo 4.º do CIVA).

Por último referir que, de acordo com o previsto no Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22-08, referente à adaptação dos estatutos da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) ao regime estabelecido na lei-quadro das entidades reguladoras, aprovada em anexo à Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, a inscrição/registo válido na ERS constitui condição obrigatória de abertura e funcionamento do estabelecimento prestador de cuidados de saúde.

[…]

111.1.1.3 Da atividade efetivamente exercida

111-1.1.3.1 "Manual de Operações das Atividades Desportivas" — Informações relevantes

[…]

Relativamente a este «Manual de Operações das Atividades Desportivas» da B..., cabe desde logo salientar que o mesmo se refere às "atividades desportivas" e não às "atividades desportivas e de aconselhamento nutricional / nutrição" - como até seria de esperar dado o peso desta última no volume de negócios declarado.

Mas não, estamos perante um manual que regula as atividades desportivas oferecidas por um ginásio cujo core business será esse mesmo - a disponibilização de instalações, equipamentos e profissionais para apoio à prática de exercício físico pelos seus clientes -, no qual o serviço de aconselhamento nutricional aparece na fase intermédia, imediatamente posterior à receção do cliente - ao mesmo nível da orientação de treino (inicial e subsequente) que, ao contrário do aconselhamento nutricional, é apresentada como opcional para o cliente - efetivando-se, alegadamente, à distância (supostamente, o primeiro contacto com o serviço de nutrição é efetuado através de e-mail), e de modo prévio ao serviço principal que é o de permitir e facilitar a prática de exercício físico. A partir dessa fase, o serviço de nutrição engloba apenas a resposta a dúvidas colocadas pelos clientes via e-mail e em sessões presenciais que, segundo o manual, deveriam ocorrer de dois em dois meses.

Por fim, uma pergunta se impõe.

Que razões justificam que a orientação de treino seja apresentada ao cliente como um serviço opcional, pelo qual é cobrado um valor fixo e independente da mensalidade contratada faturado para além desta última e o aconselhamento nutricional não o seja?

111.1.1.3.2 Formulário de adesão e "Regulamento de utilização — Ginásio A..."

[...]

Em resposta o contribuinte apresentou um documento denominado «Formulário de Adesão», que, mais uma vez se constatou, era de utilização transversal a todos os ginásios da marca A... (Cf. Anexo 2).

[…]

Relativamente aos elementos analisados neste ponto salienta-se:

  • O facto de, na única descrição dos planos de frequência/treino oferecidos pelos ginásios A..., a que tivemos acesso, não se encontrar qualquer menção aos serviços de nutrição alegadamente incluídos nesses planos;
  • Mais, em momento algum, é dado ao cliente conhecimento de que uma parte do valor da mensalidade contratada está associada ao serviço de nutrição alegadamente incluído na mensalidade. Pelo contrário. O «Regulamento de utilização – Ginásios A..." refere expressamente no ponto 6.7 «O pagamento da mensalidade é referente à utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercício mediante o perfil escolhido na sua adesão.», não fazendo qualquer referência a serviços de nutrição; e,
  • Além do mais, não consta que ao cliente tenha sido dada a possibilidade de não incluir no seu pacote os serviços de nutrição e, com isso, de pagar uma mensalidade de menor valor, ao contrário do que acontece com o serviço opcional de «orientação de treino».

111.1.1.3.3 Tabelas de preços em vigor em 2017

[…] o contribuinte inspecionado disponibilizou as tabelas de preço em vigor no ano de 2017, relativas aos «planos» em vigor e a «merchandizing e alugueres»  […]

Neste ponto, e, mais uma vez, salienta-se a inexistência de qualquer informação ao cliente no sentido de que qualquer dos planos contratados inclui um valor associado ao serviço de nutrição alegadamente prestado, não lhe sendo dada a possibilidade de não beneficiar desse serviço a troco de uma mensalidade de valor inferior.

[…]

Entre outras dúvidas que adiante se formularão, a IT não percebe, por exemplo:

  • Como é que existindo a referência expressa no ponto 6.7 do «Regulamento de utilização – Ginásios A...» de que «O pagamento da mensalidade é referente à utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercício mediante o perfil escolhido na sua adesão.»(não fazendo qualquer referência a serviços de nutrição) e não tendo sido detetado qualquer elemento onde fosse transmitido ao cliente o contrário, a B... se permite repartir, no momento da faturação, o valor da mensalidade entre serviços de ginásio e serviços de nutrição; e, 
  • Qual a racionalidade que legitima a B... a cobrar, alegadamente pelos mesmos serviços de nutrição prestados ou disponibilizados, valores diferentes aos seus clientes em função da modalidade de treino por estes escolhida... Tanto quanto foi possível concluir, os serviços de nutrição a que, alegadamente, todos os clientes da B... teriam direito eram exatamente os mesmos, envolvendo exatamente os mesmos procedimentos, ou seja, independentemente da modalidade de treino pelos mesmos escolhida - «Shot (15€)», «Basic (25€)» ou «Plus (35€)» ou uma outra modalidade disponível — os serviços de nutrição oferecidos não variavam. Então o que justifica que tenham sido cobrados valores diferentes para o mesmo serviço prestado?

À semelhança do «Manual de Operações das Atividades Desportivas» e do «Formulário de adesão e respetivo regulamento», também o conteúdo da tabela de preços, dá força à IT na formação da convicção de que os "Serviços de nutrição" faturados e alegadamente prestados pela B... (e pelas demais entidades do grupo, na medida em que os procedimentos que vigoraram são transversais a todos os ginásios A...). a terem existido, apenas lhes poderá ter sido atribuído uma natureza residual relativamente à atividade principal desenvolvida. Essa natureza residual é corroborada pelo facto de nos principais elementos de contacto e abordagem ao cliente – como tabelas de preços, descrição dos planos e formulários de adesão – tais serviços nunca lhe serem formalmente comunicados, e mesmo quando há uma breve referência aos serviços de nutrição, aos mesmos nunca é atribuída uma valorização no âmbito dos serviços disponibilizados.

É por demais evidente que, em circunstância alguma, os serviços de nutrição faturados e alegadamente prestados pela B... constituíram para os seus clientes um fim em si mesmo, mas antes, eventualmente, e quando muito, um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal prestado por aquela. 

Indo mais longe – dado o conteúdo dos elementos analisados nos pontos 111.1.1.3.1, 111.1.1.3.2 e 111.1 .1.3.3 –,será que os clientes quando contrataram o plano de treino que melhor lhes convinha tinham consciência de que o valor que lhes ia ser cobrado correspondia em mais de 35% a serviços de nutrição? Ter-lhes-á sido dada a alternativa de não incluir esse serviço em troca de uma mensalidade de valor inferior? Todos os elementos a que tivemos acesso apontam no sentido de que ambas as questões têm a mesma resposta, ou seja, «Não». Na verdade o que terá pesado na decisão final do cliente terá sido a convicção de que o preço praticado pela B... era apelativo ainda que este tivesse como objetivo, apenas e só, usufruir das instalações desportivas para fazer exercício físico.

 Do exposto. resulta que a B... terá cobrado aos seus clientes um valor mensal único e fixo que terá englobado, simultaneamente. a prática da atividade física/desportiva e a mera disponibilização de serviços de nutrição, e, se assim for, considera a IT. que não há lugar a isenção de IVA, uma vez que não estaremos perante dois serviços distintos e autónomos entre si, mas sim face a um sujeito passivo misto que terá prestado um serviço principal (atividade física e desportiva) e um acessório (nutrição). A comprovar-se esta situação, nada obsta a que o contribuinte discriminasse as prestações de serviços efetuadas na respetiva fatura mas deveria ter liquidado o IVA à taxa normal pelo valor total.

Contudo não é apenas esta natureza residual e caráter acessório dos serviços em análise, alegadamente  prestados, que a IT pretende demonstrar. Como se verá de seguida, o que está em causa é mais do que isso, é a própria capacidade para prestar os serviços de nutrição faturados, e, consequentemente a sua efetividade.

111.1.1.3.4 Pessoal ao serviço da B... e a sua afetação às atividades desenvolvidas

 - Inexistência de gastos com pessoal ou de outra natureza subjacentes aos «Serviços de nutrição» alegadamente prestados

No ano de 2017 a B... incorreu em gastos com pessoal no montante global de € 121.745,55.

De acordo com as Declarações Mensais de Remuneração (DMR), contou nesse ano com 13 colaboradores.

Por sua vez, de acordo com a contabilidade exibida e através da declaração Modelo 10, constatamos que a B... contou, em 2017, com a colaboração de 59 trabalhadores a título independente, tendo com os mesmos incorrido em gastos no montante de € 143.253,22.

[…]

Em resposta, o contribuinte informou:

«

3. Relativamente aos serviços de nutrição faturados:

 1. O contrato de nutrição celebrado com a colaboradora que exerceu as funções de nutricionista na B... em 2017 era com a empresa E... (detida a 100% pelo grupo) que previa a prestação de serviços em todos os «Clubes». Acrescentamos que quando se passou a oferecer o serviço de uma consulta mensal de nutrição ainda não se sabia de quantas nutricionistas a empresa iria necessitar. A empresa começou por contratar uma, que teria de dar todas as consultas presenciais que lhe fossem solicitadas (no máximo uma por sócio/cliente) nos vários ginásios e responder a todos os mails de pedidos de esclarecimentos enviados pelos sócios/clientes (também no máximo um por sócio/cliente, caso não tivesse tido a consulta). Até ao final de 2017 a nutricionista F... conseguiu cumprir esse objetivo — Anexo III;

2. Não há registos relativos ao n.º de horas que a nutricionista do grupo «J...» foi afeta aos ginásios explorados pelo Clube A... B...;

[…]

4.         Os documentos de suporte aos gastos incorridos indispensáveis e subjacentes aos serviços de nutrição prestados em 2017:

Os ginásios A... disponibilizam aos seus sócios de consultas de nutrição, que consistem na prestação de um serviço autónomo.

Contudo, por razões de operacionalidade de relação com o cliente, é emitida uma única fatura para os vários tipos de serviços.

O proveito associado a este serviço é o valor pago pelos sócios relativo aos serviços de acompanhamento nutricional.

No que respeita aos gastos incorridos, elencamos os seguintes:

• Recursos humanos: as consultas são agendadas por Clube do Grupo, tentando agrupar o máximo número de consultas por Clube, por forma a rentabilizar as horas de trabalho da profissional especializada em nutrição ao máximo.

• Marketing: o Grupo J... desenvolve várias iniciativas de marketing nas suas instalações e no Website do Grupo J..., onde era partilhado um vasto conjunto de conteúdos, inclusive de caráter nutricional, com o objetivo de acrescentar valor ao serviço, fidelizar a relação com os clientes antigos e angariar novos clientes.

As ações de marketing associadas aos serviços de acompanhamento nutricional levadas a cabo através website tinham uma regularidade, pelo menos, mensal e versavam sobre conteúdo relativo a alimentação e nutrição.

Tais ações de marketing publicadas no site reencaminhavam os sócios para os contactos (nomeadamente endereço de e-mail) da nutricionista que prestava os serviços de acompanhamento nutricional nos Clubes do Grupo. Através deste contacto, os sócios poderiam levantar questões, solicitar acompanhamento nutricional por e-mail e/ou solicitar o agendamento de consultas de acompanhamento nutricional presencial a realizar no Clube A... de que fossem sócios.

As ações promocionais realizadas pelo Grupo J... na rua, tiveram uma periodicidade, no mínimo, mensal, com recurso a cartazes publicitários e a promotores, que interagiam com potenciais clientes, em empresas, às quais os funcionários do Grupo J... se deslocavam para efeitos de promoção, por forma a apresentar os seus serviços a potenciais clientes, incluindo os serviços de nutrição.

• Instalações: as consultas de acompanhamento nutricional ocorrem nas instalações fixas do Clube A... a que o sócio consultado está associado. Cada um dos Clubes dispõe de um gabinete equipado, que dedica ao acompanhamento nutricional, onde decorrem as consultas.

O serviço de acompanhamento nutricional, por integrar o leque de serviços disponibilizado pelo Grupo J..., aos seus sócios, consegue abranger um maior número de clientes.

De facto, o ginásio é um local, por natureza, frequentado por pessoas que têm mais cuidados com o corpo, com a saúde e com o bem-estar. Os clientes são propensos a maiores preocupações com a alimentação e com questões nutricionais e, por isso, procuram mais frequentemente acompanhamento especializado nessas áreas.

Assim, existe uma estrutura criada pelo Grupo J... que permite rentabilizar os recursos de uma forma eficiente e que reúne esforços para atrair o máximo de clientes para todos os serviços prestados pelo Clube.

Com efeito, embora as prestações de serviços das diversas áreas sejam autonomizáveis e existam independentemente umas das outras, por razões de gestão, beneficiam da estrutura do Grupo. 

            Os valores inerentes aos gastos acima referidos estão identificados nas contas do Grupo.;

…»

Antes de prosseguir impõe-se concluir, sem margem de dúvidas, que a B... não contratou diretamente, qualquer profissional – a título dependente ou independente – na área da nutrição. Mais, e não obstante alegar gastos adicionais imputáveis à atividade da nutrição, nomeadamente, com marketing e instalações, a verdade é que o contribuinte não apresentou quaisquer elementos que os demonstrassem, sendo certo que, não dispondo de nutricionista, a demonstração da efetividade de tais gastos tornar-se-ia, para o efeito que aqui nos move – o benefício da isenção de IVA a que se refere o artigo 9, al. 1) do CIVA - inócua.

Ainda assim, atentemos na coerência do alegado pelo contribuinte quanto aos recursos humanos utilizados para prestar os serviços de nutrição faturados em 2017 e os demais gastos imputados a essa mesma atividade.

Assim, segundo o mesmo, o grupo J..., por intermédio de entidade que o integra – a E... Unipessoal, Lda — terá contratado uma Nutricionista –F...– para prestar serviços de nutrição em todos os ginásios do grupo.

De acordo com a base de dados da AT, F...- licenciada em Ciências da Nutrição e detentora da cédula profissional n.º ... – foi, desde setembro de 2016, trabalhadora dependente da entidade E... Unipessoal, Lda (E...), NIF..., a qual, como referenciado atrás neste relatório integrava o grupo J..., explorando o clube de ..., em Lisboa.

Constatamos ainda que, em 2015 e 2016, a mesma profissional prestou serviços enquanto trabalhadora independente naquela e noutras entidades do Grupo J... .

[…]

O contribuinte disponibilizou cópia do contrato de trabalho celebrado em 2016-09-02, entre a E... e F..., do qual se extraem, entre outras, as seguintes informações:

«Cláusula l.ª

1. A primeira contraente [E...] é uma empresa que tem como atividades, entre outras o exercício da atividade de gestão e consultoria de instalações desportivas e de health clubs, bem como a gestão e exploração de ginásios, e vai agora iniciar uma nova atividade ainda de duração incerta de prestação de serviços de nutricionismo.

2. A primeira outorgante integra o denominado «Grupo J...» constituído por diversas sociedades todas pertencentes à sociedade «C..., SGPS, SA» que são titulares e exploram uma rede de estabelecimentos de ginásio e health club que giram no comércio sob a marca e nome «D... » ou simplesmente «A...», uns pertencentes à l.ª outorgante e outros a outras entidades do mesmo referido grupo societário.

 3. Ainda para efeitos dos números anteriores...declara-se que a E... representa aqui as demais sociedades do «grupo» relativamente às quais a trabalhadora prestará, igualmente, o seu trabalho, vinculando-se também tais sociedades através dos representantes legais da E..., comuns a todas, sendo a identificação dessas empresas a seguinte:

-          G..., Unipessoal, Lda, ...

 -         H..., Unipessoal, Lda...

-          I..., Unipessoal, Lda...

-          B..., Unipessoal, Lda...

4.         A segunda contraente [F...] é admitida ao serviço da 1.ª contraente, para desempenhar (em regime de exclusividade no que respeita à atividade de Fitness/Ginásio) as funções inerentes à categoria profissional de NUTRICIONISTA, cujo conteúdo funcional é, nomeadamente, o de aconselhamento alimentar pessoal ou on-line aos sócios dos Clubes A..., ..., obtendo um conhecimento alargado dos sócios, das suas necessidades e objetivos,…; elaborará em conjunto com a gerência ou quem esta indicar projeto on line de aconselhamento nutricional; elaboração de questionários de hábitos alimentares que permitam o envio de uma sugestão de plano alimentar, efetuar o acompanhamento dos clientes online ou via email diariamente; realizar sessões presenciais nos diversos Clubes A... para dar apoio e retirar dúvidas aos sócios.

[…]

Cláusula 5.ª

 Atendendo às necessidades temporárias e natureza das funções para que está a ser contratada, a trabalhadora cumprirá um horário semanal de trabalho de 20 (vinte) horas, de 2.ª a 6.ª […]

Cláusula 6.ª

A atividade da segunda outorgante será exercida na sede da empresa e em qualquer outro estabelecimento ou ginásio A... (atual ou futuro) acima referido do território nacional…devendo efetuar assim todas as deslocações que se mostrem necessárias ou convenientes ao exercício da sua atividade profissional.

…»

 

Em resumo e de acordo com o contrato de trabalho disponibilizado à IT:

  1.  F..., foi contratada pela E..., em seu nome, em nome de todas as sociedades que integravam, à data, o grupo J..., mas também em nome daquelas que o viessem a integrar no futuro, para prestar serviços de nutricionista em todos os ginásios que as mesmas exploravam ou viessem a explorar;
  2. O conteúdo funcional para que foi contratada revela-se bastante abrangente - «… aconselhamento alimentar pessoal ou on-line aos sócios dos Clubes A..., …, obtendo um conhecimento alargado dos sócios, das suas necessidades e objetivos elaborará em conjunto com a gerência ou quem esta indicar projeto on line de aconselhamento nutricional; elaboração de questionários de hábitos alimentares que permitam o envio de uma sugestão de plano alimentar, efetuar o acompanhamento dos clientes online ou via email diariamente; realizar sessões presenciais nos diversos Clubes A... para dar apoio e retirar dúvidas aos sócios.» - destacando-se, em particular, que, em teoria a Nutricionista deveria adquirir um conhecimento alargado dos sócios, das suas necessidades e objetivos.
  3. O horário de trabalho definido no respetivo contrato é de 20 horas semanais, tendo o mesmo sido definido em função das necessidades temporárias e natureza das funções para a qual estava a nutricionista a ser contratada.

Aqui chegados, impõe-se referir que a contabilidade disponibilizada pela B...não espelha tal cenário. Efetivamente, para além do contrato de trabalho analisado, não foi reunida qualquer evidência de que a E... tenha cedido à B... pessoal especializado nesta área da nutrição ou noutra área qualquer. Não existe qualquer débito desse tipo de serviços entre essas duas entidades.

Assim sendo, não resta outra alternativa à IT, que não a de concluir que em 2017 a B... não incorreu em quaisquer gastos com pessoal com qualificações necessárias para prestar os serviços de nutrição que faturou como isentos de IVA, nem foram demonstrados quaisquer outros gastos subjacentes à referida atividade.

[…]

Todavia, não podemos encerrar este ponto sem dar conta do seguinte:

[…]

  • Interpelado para o efeito, o contribuinte alegou mas não demonstrou e muito menos quantificou quaisquer outros gastos subjacentes ou diretamente relacionados com a atividade nutricional, designadamente, com as instalações (arrendamento, água, luz, equipamento, limpeza, etc) — que, existindo uma única nutricionista, corresponderiam a um único gabinete, o qual, atendendo à dimensão dos ginásios e das áreas afetas à prática desportiva, representaria uma pequena fração dos mesmos -, com publicidade ou até com comunicação (utilização da internet, por exemplo). Não o terá feito, por os mesmos assumirem uma natureza meramente residual, ou, eventualmente, por efetivamente não ter tido qualquer encargo com essa atividade;
  • Mas sabemos que o setor económico da prestação de cuidados de saúde, no qual se incluem os serviços de nutrição, é caracterizado por ser mão de obra intensivo, mão de obra essa altamente especializada e por isso também dispendiosa, pelo que é expetável que o valor dos outros gastos, que não com pessoal, subjacentes aos serviços de nutrição alegadamente prestados, a terem existido, tenham tido pouca expressão;
  • O que não se espera é que o gasto com a mão de obra especializada contratada para prestar tais serviços nas áreas da saúde também o seja, como acontece, quando analisamos os serviços de nutrição prestados pelo grupo J... como um todo. Menosprezando os tais «outros gastos», por meramente residuais, concluímos que, para prestar serviços de nutrição em 2017, no montante de € 2.464.553,55, o Grupo J... despendeu com mão-de-obra especializada menos de € 25.000,00 (já incluídos os descontos para a Segurança Social a cargo da entidade patronal);
  • Mas o cenário ainda piora se passarmos para a esfera individual da B..., é que a mesma não despendeu para prestação dos serviços de nutrição faturados, um único euro com a contratação de profissionais habilitados para o efeito com curso ministrado em estabelecimento do ensino público, particular ou cooperativo, devidamente reconhecido, e, bem assim, com inscrição na Ordem dos Nutricionistas, condição sem a qual, não pode beneficiar da aplicação da isenção a que se refere a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA. Não obstante, pelos referidos serviços cobrou aos clientes o montante de € 310.885,89. valor que considerou isento de IVA ao abrigo daquele normativo legal;
  • Por outro lado, foram necessários 13 colaboradores dependentes e 59 colaboradores independentes a prestar serviços à B... em 2017, com os quais incorreu em gastos no montante global  de € 264.998,77, para efetuar as vendas realizadas e prestar os serviços inerentes à prática de  exercício físico no valor de € 553.253,59 - ainda que, entre estes, mas em pequeno número, se incluam os responsáveis pela gestão, coordenação e manutenção das atividades dos clubes;
  • Concebendo, neste momento, já por mera hipótese, a verdade das declarações fiscais apresentadas, da contabilidade exibida e dos esclarecimentos prestados pelo contribuinte, no que respeita à efetividade e grandeza dos serviços de nutrição efetivamente prestados, seriamos levados a concluir que, sem os rendimentos associados aos serviços alegadamente prestados nessa área da nutrição, o resultado antes de impostos da B... passaria de € 206.848,24 para - € 104.037,65 € 206.848,24- € 310.885,89);
  • E aqui reside a outra grande dúvida da IT em matéria de fixação de preços pelo Grupo J... . É que, ainda que a Autoridade Tributária saiba de antemão que não se deve imiscuir nos atos de gestão dos operadores económicos, é incontornável que se questione pela racionalidade económica que subjaz à repartição do valor da mensalidade entre serviços de ginásio e serviços de nutrição levada a efeito pelo grupo J... como um todo (os preços praticados são idênticos em todas as entidades do grupo) quando se conclui que da mesma resulta uma margem de 100% na atividade de nutrição e uma margem negativa na atividade de ginásio.

Face ao exposto até se impõe a pergunta:

  • Qual a racionalidade económica de manter a prestação de serviços inerentes à prática de exercício físico quando o valor acrescentado se concentra na prestação de serviços de nutrição?

No caso em epígrafe a resposta é simples, ninguém procuraria num ginásio os serviços de nutrição por si só sem que lhe fossem prestados os serviços que efetivamente procura, isto é, os serviços inerentes à prática de desporto e exercício físico.

Assim, impõe-se a conclusão:

Ainda que a B... tenha prestado serviços de nutrição, para o que não existe prova, tal poderá ter ocorrido a título meramente residual e apenas como um upgrade do serviço principal, um pequeno acréscimo na oferta de serviços, que não provocando um aumento nos gastos incorridos também não implicou uma variação no preço cobrado. A entidade inspecionada não dispunha de estrutura que permitisse que tal tivesse ocorrido de outro modo.

Aliás a entidade inspecionada não consegue sequer provar que dispunha do recurso – profissional com as habilitações exigidas na área da nutrição – sem o qual não podia prestar serviços de nutrição isentos de IVA ao abrigo da al. 1) do artigo 9.º do CIVA.

Aqui chegados, considera a IT ter já reunido prova suficiente para demonstrar que a B... (e, bem assim, as demais entidades do grupo) procedeu, no momento da faturação (e apenas neste, pois é o único momento detetado pela IT em que tal ocorre), a uma discriminação artificial das mensalidades, desde logo, pela sobrevalorização evidente dos serviços de nutrição prestados em detrimento da prática de exercício físico, mas principalmente, porque as evidências recolhidas apontam no sentido de que tais serviços, na maior parte dos casos não são efetivos, pois a estrutura existente não o permitia.

Essa é a conclusão que decorre da exposição no ponto que se segue, relativo à capacidade da nutricionista contratada pelo Grupo J... para prestar os serviços em crise.

A análise que se segue é feita no pressuposto de que o trabalho da nutricionista não foi debitado pela E... às demais entidades do grupo J... apenas por lapso, ou então, que essa cedência possa ter ocorrido a título gratuito.

Se assim não fosse, era até irrelevante dar seguimento à análise pois a conclusão era óbvia.

111.1.1.3.5 Capacidade para realização dos serviços de nutrição faturados. Impossibilidade da efetiva realização da quantidade de serviços de nutrição faturados.

Se apenas levássemos em consideração, os factos provados no âmbito da presente ação inspetiva, que, no final serão apenas aqueles que importam, encerraríamos o presente ponto, quase sem o começar.

 Efetivamente, a B... não espelhou através da sua contabilidade e também não cuidou de, por outros meios, o demonstrar, ter tido ao seu serviço qualquer profissional que reúna as condições legalmente exigidas para a prestação de cuidados de saúde humana, nomeadamente, na área da nutrição, e, portanto, sem mais, conclui-se, de forma categórica, pela impossibilidade de ter prestado quaisquer serviços de nutrição, pelo menos, do ponto de vista que nos prende, ou seja, serviços que pudessem beneficiar da isenção de IVA a que se refere a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.

No entanto o contribuinte alega que a nutricionista contratada pela B...- entidade inserida no grupo J... e que explora o ginásio A...  ... - o foi para prestar serviço em todos os ginásios do grupo, ainda que não tenha sido efetuado o respetivo redébito pela alegada cedência da trabalhadora em questão.

Assim, concedendo, por mera hipótese, que tal tenha acontecido - na realidade a IT só pode basear as suas conclusões em factos provados - serve a exposição que se segue para demonstrar que é manifesta a incapacidade da B... (e também do grupo como um todo) de realizar o número de serviços de nutrição prestados na forma como são descritos, nomeadamente, no «Manual de Operações das Atividades Desportivas». De referir aliás que a conclusão seria a mesma ainda que a nutricionista tivesse sido contratada pela B... para lhe prestar serviços em regime de exclusividade.

[…]

Como vimos atrás, em resposta o contribuinte informou:

«…

2. Não há registos relativos ao n.º de horas que a nutricionista do grupo «J... » foi afeta aos ginásios explorados pelo Clube A... B...;

[…]»

Mas afinal qual é a magnitude dos serviços de nutrição faturados pela B...?

Através da informação extraída do ficheiro SAF-T(PT) de faturação constatamos que foram faturados em 2017, 33.013 «serviços de nutrição», na totalidade, associados aos diferentes planos de treino em vigor, cuja faturação e pagamento apresenta uma regularidade mensal – Cf. Anexo 6.

Consideremos então os seguintes cenários hipotéticos:

1.º Cenário

Vamos começar por considerar o cenário que mais beneficiaria a entidade inspecionada:

  1. Que a nutricionista do grupo J... apenas exerceu funções na B...;
  2. Que prestou as 20 horas de trabalho semanais, sem horas extraordinárias, visto que o rendimento pago à colaboradora é exatamente o que foi contratado;
  3. Que não teve férias ou faltas e, portanto, trabalhou as 52 semanas (arredondadas) no ano de 2017.

Mediante estes pressupostos a nutricionista teria prestado:

20 horas * 52 semanas = 1040 horas de trabalho

correspondentes a:

1040 horas * 60 minutos = 62.400 minutos de trabalho.

Em face do exposto, concluímos que, nas condições apresentadas, as mais favoráveis ao contribuinte, a nutricionista do Grupo apenas dispunha de:

62.400 minutos / 33.013 serviços de nutrição faturados = 1 ,89 minutos

por serviço de nutrição faturado.

2.º cenário

Consideremos agora que os serviços da nutricionista haviam sido repartidos entre todos os ginásios de acordo com o peso dos serviços de nutrição faturados por cada uma delas.

Neste caso a B... teria direito a 12,61% (Cf. Quadro 8) do tempo de trabalho prestado pela nutricionista. A saber:

62.400 minutos * 12,61% = 7.871,32 minutos

disponíveis para a B....

Neste caso para cada serviço de nutrição faturado a nutricionista dispunha de:

7.871 ,32 minutos / 33.013 serviços de nutrição faturados = 0,24 minutos  o

ou seja, menos de um quarto de minuto, por serviço de nutrição faturado.

[…]

No mínimo, pode a Inspeção Tributária afirmar que o contribuinte faturou consultas de nutrição que garantidamente não foram realizadas, ou, pelo menos. não o foram por profissionais credenciados para o efeito.

O sujeito passivo não faturou serviços de nutrição efetivamente prestados. A referência nas faturas a «serviço de nutrição» terá correspondido na realidade a uma disponibilização do direito de usufruir de uma consulta de aconselhamento nutricional de dois em dois meses, presencial ou via email, e, bem assim, a esclarecimentos nesta área, por esta última via, mas nunca a servi os efetivamente realizados. O contribuinte não demonstrou ter qualquer capacidade para tal. Mais, o contribuinte não demonstrou. sequer, que reunia os requisitos necessários para beneficiar da isencão da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA. Muito longe disso, como se provou.

 

111.1.1.4 CONCLUSÕES E APURAMENTO DO IVA EM FALTA

A B... declarou para efeitos de IVA que, em 2017, 35,98% da sua atividade total se encontrava isenta ao abrigo da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, por se tratar da prestação de cuidados de saúde.

De acordo com o TJUE considera-se estar perante prestação de cuidados de saúde na aceção da isenção em questão quando os serviços efetuados visaram a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento de doenças ou outra qualquer anomalia de saúde.

Através da análise efetuada à atividade efetivamente exercida pelo contribuinte inspecionado, aferida com base na afetação dos investimentos e gastos incorridos, nomeadamente e de forma mais expressiva, através da mão-de-obra que o sujeito passivo tinha ao seu dispor, concluímos que a estrutura existente tinha como objetivo último e principal a oferta de serviços de ginásio, proporcionando aos seus clientes condições para a prática desportiva acompanhada de monitor ou não.

A B... não tinha então ao seu dispor quaisquer meios humanos, necessários à realização das prestações de serviços faturadas como serviços de nutrição. É condição indispensável para a aplicação da isenção de IVA prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, que as prestações de serviços sejam efetivamente realizadas por profissionais legalmente habilitados para o efeito. Logo, não dispondo de Nutricionista, os serviços faturados como serviços de nutrição não poderiam ter sido considerados isentos, nos termos em que o foram.

Não esquecemos que o contribuinte alegou o facto do grupo J..., por intermédio de uma das entidades que o integra, ter contratado uma nutricionista para prestar 20 horas semanais de serviços de nutrição em todos os ginásios do grupo, 7 em Lisboa e 1 em Faro, sendo efetivamente nesses termos que o contrato de trabalho foi exibido.

Contudo, essa cedência de pessoal não foi demonstrada. A contabilidade não o espelha. Não houve qualquer redébito, por parte da entidade que contratou a nutricionista, a cada uma das entidades que alegadamente dos seus serviços beneficiou.

Ainda assim, procedemos à análise da capacidade da B... para, nas circunstâncias que alegou, poder ter prestado os serviços de nutrição faturados. A conclusão resulta bem patente na exposição feita no ponto 111.1.1.3.5 deste relatório, onde se demonstra que ainda que a nutricionista tivesse sido contratada em regime de exclusividade pela B..., a mesma não teria mais do que 1 minutos por serviço de nutrição faturado, e, ainda assim não teria tido direito a férias. Não restam assim dúvidas de que em quaisquer circunstâncias a maior parte dos serviços de nutrição faturados não foram efetivamente prestados.

Não correspondendo as importâncias faturadas a efetivas prestações de serviços, antes sim, ao direito à sua eventual execução (ainda assim um direito que não poderia ser exercido pelos clientes, como resulta do que vimos referindo), tais verbas continuam a não preencher os requisitos para serem consideradas como cuidados de saúde. A alínea 1) do artigo 9.º do CIVA refere «prestações de serviços efetuadas...» não comtemplando figuras conexas como o direito à eventual realização dessas prestações de serviços.

Impõe-se ainda referir que o contribuinte não cumpria em 2017 outras exigências legais para o exercício de atividades relacionadas com a prestação de cuidados de saúde. Não se encontrava registado para esse efeito na ERS, nem cadastrado na AT para o exercício dessa atividade, ainda que como atividade secundária. Não obstante, constatamos que, com efeitos a partir de 2017-01-01, o contribuinte declarou à AT (através da apresentação, em 2017-02-17, da declaração de alterações a que se refere o artigo 32.º do CIVA) que passaria a sujeito passivo «misto com afetação real de todos os bens», ainda que, da análise efetuada, apenas se conclua que a B... só não deduziu o IVA suportado excluído desse direito face ao disposto no artigo 21.º do CIVA.

Para além do já invocado, nomeadamente:

  • O facto de não dispor de profissional legalmente habilitado para o exercício da atividade de nutrição;
  • As horas de serviços de nutrição que lhe poderão ter sido, eventualmente (e a título gratuito?), cedidas por entidade do mesmo grupo, serem manifestamente insuficientes para realizar os serviços de nutrição faturados; e,
  • Até ausência de registo na ERS como prestador de cuidados de saúde;

que, só por si, já seria suficiente para extrair a conclusão essencial, à mesma conclusão conduz a falta de racionalidade económica dos preços alegadamente praticados.

Essa falta de racionalidade económica resulta desde logo evidente através de uma análise do resultado apurado pela B..., por atividade. De acordo com a referida análise, a discriminação efetuada do valor da mensalidade entre serviços de nutrição e serviços de ginásio, a qual decorre da faturação declarada em 2017, permitiu à  B... nos primeiros, uma rentabilidade de 100%, e, nos segundos, uma rentabilidade negativa.

As informações recolhidas no âmbito da ação inspetiva demonstram que o aconselhamento nutricional, ou os «Serviços de nutrição» (respeitando a descrição aposta nas faturas), nunca foram apresentados como um fim em si mesmo.

O «Manual de operações das atividades desportivas» coloca-os numa fase intermédia, entre a receção do cliente e o «Acompanhamento no ginásio e aulas por técnicos de exercício físico, no ginásio identificado como coach», a par da orientação de treino, neste caso, e ao contrário do que sucede com os «serviços de nutrição», apenas se o cliente manifestar essa vontade, sendo, à parte da mensalidade objeto de faturação.

Nos formulários de adesão aos ginásios A...– documentos tipificados que se caracterizam pela inexistência de discussão do clausulado –, e bem assim, nas tabelas de preços disponibilizadas à IT, não há qualquer menção aos serviços de nutrição alegadamente incluídos nos planos de treino e muito menos ao peso que os mesmos representam no valor da mensalidade. Também não consta que ao cliente fosse dada a alternativa de utilização das instalações dos ginásios A... apenas para a prática desportiva a troco de uma mensalidade de menor valor. Efetivamente, todas as mensalidades faturadas em 2017, sem exceção, têm incluído os mesmos «Serviços de nutrição», e, inexplicavelmente, com diferentes valores cobrados consoante a modalidade.

Mais, o «Regulamento de utilização - Ginásios A...», para o qual remete o Formulário de Adesão, apesar de mencionar a oferta de serviços de aconselhamento nutricional (sendo omisso quanto às condições em que o mesmo é prestado) também refere, expressamente, que o «pagamento da mensalidade é referente à utilização dos balneários, das aulas de grupo e da sala de exercício mediante o perfil escolhido na sua adesão.» [negrito nosso]», não obstante na fatura o mesmo valor contratado é discriminado entre estes e o serviço de nutrição.

Atendendo à evidente falta de informação transmitida aos clientes na contratação dos serviços e, bem assim à falta de coerência entre aquilo que é contratado e os serviços faturados, só podemos concluir que os valores faturados pela B... aos seus clientes não estão alicerçados em verdadeiras opções de compra de duas prestações de serviços distintas, por parte destes.

Mais, não nos parece provável que os mais de 5.500 clientes da B... tenham genuinamente desejado adquirir estas duas prestações de serviços. Pelo menos uma parte (a maior) desses clientes adquiriu o pack de serviços porque entendeu que o preço deste ainda assim era competitivo, mesmo que referido a uma só prestação de serviços.

Os preços fixados pela entidade inspecionada para os dois tipos de prestações de serviços apresentam-se totalmente destituídos de racionalidade económica e contrários às práticas de mercado generalizadas, chegando-se ao ponto de fazer variar o preço de um cuidado de saúde em função da hora em que o respetivo beneficiário vai ao ginásio, da frequência com que o faz ou da sua atividade ocupacional/profissional (estudante/colaborador de empresas com protocolo).

Os preços fixados pela B... para cada um dos planos de treino não foram determinados numa  lógica de mercado, são antes, atos arbitrários da entidade inspecionada destituídos de racionalidade económica, verdadeiras manipulações de preços, que põem em causa o princípio da neutralidade do IVA, distorcendo, por esta via, a concorrência.

Esta arbitrariedade na fixação de preços não tendo racional económico é ainda assim muito conveniente, pois propicia resultados e níveis de entrega de imposto, que de outra forma não existiriam.

Em face do exposto fica demonstrado que a B... isentou indevidamente uma parte do valor dos serviços que prestou, mais precisamente a parte correspondente ao que a entidade inspecionada designou por serviços de nutrição.

Esta isenção indevida originou a falta de liquidação de IVA, à taxa de 23%, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, assim como a consequentemente falta de pagamento desse mesmo imposto.

Com base na fundamentação exposta, propõe-se as liquidações adicionais, nos termos previstos no artigo 87.º do CIVA, no montante global de € 71.503,75,

[…]

 111.1.2 Venda de produtos de nutrição desportiva e suplementos alimentares

- Aplicação indevida da taxa de IVA reduzida

O contribuinte inspecionado declarou vendas de produtos à taxa reduzida no montante de € 3.148,68 (valor sem IVA).

Da análise efetuada constatamos que as vendas incidem sobre produtos relacionados com a área da nutrição desportiva e suplementos alimentares (Cf. Anexo 7).

Os produtos em questão não se enquadram em nenhuma das verbas constantes da Lista I anexa ao CIVA e portanto, a B... não deveria ter aplicado sobre estas operações ativas a taxa reduzida mas sim a taxa normal a que se refere a alínea c) do artigo 18.º do CIVA.

Face ao exposto, propõe-se a correção do IVA a entregar ao Estado pela B... em 2017, resultante da liquidação de IVA à taxa normal nas operações em que a mesma aplicou a taxa reduzida, no montante de € 535,29 […]”

  1. A Requerente foi notificada dos atos tributários discriminados na tabela infra, no montante global de € 79.951,76, com data limite de pagamento de 29 de outubro de 2020 – cf. documento 1 junto pela Requerente:

Período – 2017

IVA

Juros Comp.

1.º Trimestre

15 999,86

2 086,55

2.º Trimestre

19 221,00

2 306,51

3.º Trimestre

17 573,40

1 768,32

4.º Trimestre

19 244,84

1 751,28

Totais

72 039,10

7 912,66

 

 

  1. Em discordância com as liquidações de IVA e de juros compensatórios, identificadas supra, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 27 de junho de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

Motivação

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.

           

            Factos não Provados

 

Com relevo para a decisão não se demonstrou, por não terem sido apresentadas provas, documentais ou de outra natureza, a prestação ou disponibilização de serviços de aconselhamento nutricional aos clientes. O único elemento documental que contém uma referência genérica à nutrição é o “Regulamento de utilização” que, porém, no ponto relativo ao pagamento, expressamente menciona que este se reporta unicamente a “utilização de balneários, das aulas de grupo e da sala de exercício”, omitindo, portanto, a nutrição.

 

Também não ficou provado que, em 2017, a Requerente tenha contratado profissionais qualificados [nutricionistas] para prestar aos seus sócios serviços de nutrição e aconselhamento nutricional. Diversamente, o que se demonstrou foi que o grupo empresarial em que a Requerente se insere apenas contratou uma nutricionista para servir os 8 ginásios existentes (à data) e que foi uma outra empresa do grupo que procedeu a essa contratação e não a Requerente. Não resultou, de igual modo, provado que a referida nutricionista tenha efetivamente prestado serviços de consultas de nutrição aos clientes da Requerente (artigos 17.º, 18.º e 19.º do ppa). Esta conclusão é reforçada pela constatação de que a Requerente não suportou quaisquer gastos diretos identificáveis relativos aos alegados serviços de nutrição, como sejam pagamentos à nutricionista ou redébitos associados à cedência da nutricionista por parte da empresa do grupo que celebrou o contrato laboral com esta.

 

Por outro lado, também não se provou que a Requerente dispusesse, em 2017, de espaço nas suas instalações destinado à prestação de serviços/consultas de nutrição (v. artigo 18.º do ppa).

 

Não se provou que a Requerente tenha procedido ao pagamento integral das liquidações de IVA e juros compensatórios impugnadas, não tendo sido junto qualquer elemento de prova para este efeito (artigo 28.º do ppa).

 

Não existem outros factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.

 

  1. Do Direito

 

2.1.      Isenção das Prestações de Serviços de Nutrição - Regime

 

A questão essencial a dirimir prende-se com a aplicabilidade da isenção de IVA, prevista no artigo 9.º, 1) do Código deste imposto, aos serviços de nutrição prestados pela Requerente no período de 2017.

 

Dispõe a norma citada que são isentas de IVA as “prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, psicólogo, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”. Em sentido idêntico, rege o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, enquadrado no capítulo referente às isenções em benefício de atividades de interesse geral:

            “1. Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:

[…]

c) As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa; […]”

 

            A matéria em apreço foi objeto de apreciação no recente processo de reenvio prejudicial Frenetikexito, C-581/19, com acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 4 de março de 2021, que se pronunciou sobre as questões de saber: (i) se um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas e eventualmente no âmbito de planos que incluem serviços de manutenção e bem-estar físico constitui uma prestação de serviços independente; e (ii) se o direito à isenção de IVA previsto no artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA pressupõe a prestação efetiva do serviço ou se a mera disponibilização é suficiente para esse efeito.

 

Neste âmbito, o Tribunal de Justiça começa por observar que a resposta às questões assinaladas pressupõe o enquadramento prévio do serviço de acompanhamento nutricional na norma de isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva, indicando, para esse efeito, os seguintes parâmetros de análise:

  1. Os termos utilizados para designar as isenções do citado artigo 132.º devem ser interpretados restritivamente, embora devam respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal e não devam privá-las dos seus efeitos[1];
  2. A isenção em causa deve ser interpretada à luz do contexto em que se insere e das finalidades e economia da Diretiva IVA, não visando as prestações efetuadas em meio hospitalar ou similar (isentas em aplicação da alínea b)), mas as prestações médicas e paramédicas fornecidas fora desse âmbito[2];
  3. O conceito de “prestações de serviços de assistência” que consta do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA visa “prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde[3];
  4. Por conseguinte, as “prestações de serviços de assistência”, na aceção da norma de isenção do IVA em causa, devem imperativamente ter uma finalidade terapêutica, uma vez que é esta que determina se uma prestação médica ou paramédica deve ser isenta de IVA[4];
  5. A qualificação profissional habilitante para o exercício das atividades em causa [o acompanhamento nutricional] é definida pelos Estados-Membros e cabe ao tribunal nacional verificá-la[5];
  6. Verificado este requisito, a prestação de serviços apenas deve ser isenta, por derrogação ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo, se cumprir a finalidade de interesse geral comum ao conjunto de isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva IVA[6];
  7. É pacífico que um serviço de acompanhamento nutricional prestado pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, “ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade. Todavia, cumpre notar que o mesmo se aplica à própria prática desportiva, cujo papel é reconhecido, a título de exemplo, para limitar a ocorrência de doenças cardiovasculares. Tal serviço apresenta, portanto, em princípio, uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica[7]. Uma ligação incerta com uma patologia, sem risco concreto de prejuízo para a saúde, não é suficiente a este respeito[8];
  8. Pelo que, na falta de indicação de que é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, i.e., com uma finalidade terapêutica, um serviço de acompanhamento nutricional “não preenche o critério da atividade de interesse geral comum a todas as isenções previstas no artigo 132.º da Diretiva 2006/112 e, por conseguinte, não é abrangido pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c) desta diretiva, de modo que está, em princípio, sujeito a IVA[9];
  9. Esta interpretação não viola o princípio da neutralidade, uma vez que serviços de acompanhamento nutricional com finalidade terapêutica e desprovidos de tal finalidade não podem ser considerados iguais ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e não satisfazem as mesmas necessidades deste último[10].

 

O Tribunal de Justiça formula ainda algumas considerações sobre a temática da acessoriedade ou independência dos serviços de acompanhamento nutricional em relação aos serviços de índole desportiva (frequência do ginásio), num quadro fático semelhante, nos seus contornos essenciais, ao fixado na presente ação arbitral[11]. Conclui aquele Tribunal europeu, a este respeito, que, sob reserva de verificação do órgão jurisdicional nacional, em princípio, se estará perante uma prestação de serviços distinta e independente.

 

            Na sequência da jurisprudência do acórdão Frenetikexito (C-581/19), o Supremo Tribunal Administrativo proferiu acórdão de uniformização de jurisprudência, concluindo, em termos similares, o seguinte:

 

“Os serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios e como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva não têm finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, 1), do Código do IVA.” – v. acórdão de uniformização de jurisprudência de 20 de outubro de 2021, processo n.º 77/20.2BALSB.

 

2.2.      Análise Concreta

 

Compulsados os factos, constata-se que uma parte do IVA liquidado, na importância de € 535,29, respeita à venda de produtos de nutrição desportiva e suplementos alimentares, pelo esta componente não é enquadrável como prestação de serviços efetuada no exercício de profissões paramédicas, improcedendo, quanto a este segmento, a pretensão deduzida.

 

Em relação ao valor de IVA liquidado remanescente, respeitante aos alegados serviços de nutrição prestados, a Requerente não logrou fazer prova da realização desses serviços [consultas de aconselhamento nutricional], ou, sequer, da sua disponibilização, nem, por conseguinte, da respetiva finalidade terapêutica.  Com efeito, não ficou demonstrado nos autos, nem, aliás, foi alegado pela Requerente, que as prestações de serviços de nutrição eram conexas com o tratamento ou prevenção de patologias específicas dos clientes, com um risco concreto de prejuízo para a saúde destes.

 

Assim, tendo em conta a interpretação do Tribunal de Justiça sobre o sentido da isenção contemplada no artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, transposta pelo artigo 9.º, 1) do Código do IVA, e a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo, conclui-se que não se encontram preenchidos os pressupostos constitutivos do regime de isenção de IVA, por falta de prova da prestação ou disponibilização de serviços de nutrição, e, bem assim, da respetiva finalidade terapêutica essencial à satisfação do critério de atividade de “interesse geral” que preside à norma de isenção em apreço.

 

Interessa relembrar que a interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa, com a necessária repercussão no sentido das normas de transposição de direito interno (aqui o artigo 9.º, 1) do Código do IVA) e sua aplicação pelos órgãos nacionais. 

 

O Tribunal de Justiça é o órgão competente para decidir, a título prejudicial sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (v. artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – “TFUE”), sendo a Diretiva um desses atos com caráter vinculativo para o Estado-Membro quanto ao resultado a alcançar[12] (v. artigo 288.º do TFUE). Acresce que a Constituição determina no seu artigo 8.º, n.º 4 que “[a]s disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

 

Impõe-se, nestes termos, aos órgãos jurisdicionais nacionais fazer observar e aplicar a Diretiva IVA conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, o que na situação vertente implica exigir a demonstração da prestação de serviços de nutrição através de profissionais qualificados e da finalidade terapêutica dos mesmos.

 

Na situação sub iudice, verifica-se que só existia uma nutricionista, com vínculo a uma sociedade que não é a Requerente, que acompanhava todo o grupo empresarial J..., que operava 8 ginásios (incluindo o da Requerente), pelo que seria impossível que as dezenas de milhares de serviços de nutrição debitados tivessem sido prestados e assegurados apenas por uma profissional[13]. De notar que não existe qualquer evidência na contabilidade da Requerente de encargos suportados com o pagamento a nutricionistas ou, sequer, uma parcela da remuneração da nutricionista do grupo, por serviços de nutrição prestados.

 

Não foram, desta forma, demonstrados os pressupostos de aplicação da isenção do artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA, ónus que, de acordo com o regime de repartição estabelecido no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, cabia à Requerente[14].

 

Por outro lado, mesmo que se tivesse demonstrado nos autos (que não se demonstrou) a prestação de serviços de aconselhamento nutricional, tal não implicaria, por si só, que esse aconselhamento tivesse uma específica finalidade terapêutica, o que depende, antes, de um elemento distinto, referente à ligação desse aconselhamento com uma concreta patologia ou com um concreto risco de prejuízo para a saúde dos clientes em causa.

 

Tratando-se da aplicação de uma norma de isenção, é sobre o sujeito passivo que pretende da mesma beneficiar que recai o ónus de alegação e prova de uma prestação de serviços de assistência, efetuada no exercício da profissão paramédica de nutricionista, com finalidade terapêutica. Neste sentido, v. a respeito da distribuição do ónus probandi relativo a normas de isenção de IVA o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de novembro de 2020, proferido no processo n.º 02571/08.4BEPRT, que chega a idêntica conclusão, “uma vez que a operação em causa está, em regra, sujeita a tributação”.

 

Concluindo-se pela insusceptibilidade de aplicação do regime de isenção de IVA e consequente tributação dos serviços de acompanhamento nutricional, a questão da acessoriedade ou independência destes, face à prestação de serviços de ginásio, não é decisiva, pois, sendo-lhes aplicável o mesmo regime e taxa de IVA, são, em qualquer caso sujeitos a IVA, conforme materializado pelos atos de liquidação controvertidos. Assim, mesmo na tese da Requerente (de não verificação da dita acessoriedade entre os dois tipos de serviços), o IVA sobre os serviços de nutrição continua a ser devido por aplicação do artigo 4.º, n.º 1 do Código do IVA (prestação de serviços a títulos oneroso), dado que não foi afastada a “incidência” deste imposto por via da reunião dos pressupostos da norma de isenção prevista no artigo 9.º, 1) do mencionado Código. 

 

Acresce assinalar que, dada a falta de demonstração do fim terapêutico, essencial à aplicação da norma de isenção em apreço, resulta prejudicada, por ser inútil, a apreciação da questão de saber se a mera disponibilização do serviço seria suficiente para esse efeito, ou se o preço dos serviços obedece a critérios de racionalidade económica.

 

  1.   A Questão da Finalidade Terapêutica não Configura uma Questão Nova

 

A Requerente argui nas suas alegações que o enquadramento preconizado pelo Tribunal de Justiça, só conhecido na pendência da presente ação, nomeadamente a questão da finalidade terapêutica, constitui um fundamento novo invocado pela Requerida na Resposta, pois o RIT “não coloca em causa a aplicação da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 1, do CIVA aos serviços de nutrição, nem invoca a natureza terapêutica para aplicação da isenção aos serviços de nutrição”.

 

Não se pode, porém, concordar com a Requerente, pois, o RIT explicitamente faz referência, no âmbito da aplicação da isenção do artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA ao caso da Requerente, e, sem prejuízo de outros fundamentos, à indispensável finalidade terapêutica que tem de presidir aos serviços de nutrição isentos. Veja-se, a título de exemplo, o seguinte excerto do RIT:

 

“Por sua vez, a diversa jurisprudência emanada pelo TJUE vai no sentido de que os serviços de assistência a que se refere a isenção em análise tenham como finalidade diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde, ou seja, terem finalidade terapêutica. O mesmo é dizer que uma determinada prestação de serviço que não é conduzida com o objetivo de diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou quaisquer anomalias de saúde, ainda que na mesma intervenham um médico ou paramédico, não se pode considerar como uma prestação de serviços de assistência para efeitos da aplicação da isenção de IVA em análise.”

 

Convém, ainda, notar que, contrariamente à posição expressa pela Requerente, a interpretação do Tribunal de Justiça no processo C-581/19 não vem afastar a possibilidade de os serviços nutricionais serem isentos de IVA. Esse pressuposto mantém-se, pois o ponto 31 do acórdão contempla a hipótese desses serviços serem indicados como prestados “para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde”, caso em que serão isentos de IVA. Todavia, não sendo dada essa indicação, não se pode assumir ou presumir, à partida, que tenham finalidade terapêutica, impondo-se a sua demonstração.

 

Como é sabido, as isenções de IVA são delimitadas por conceitos autónomos do direito europeu, que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro. E no que respeita à isenção em análise, aplicável aos serviços efetuados no exercício de profissões paramédicas, importa atender a que, segundo a jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça, já se considerava que estes teriam de ser configurados como serviços de assistência com uma finalidade terapêutica, i.e. de “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde” – v. Acórdãos Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005; Dornier, C-45/01; Kugler, C-141/00; e D. e W., C-384/98, de 14 de setembro de 2000.

 

Deste modo, não se conclui pelo caráter inovatório da pronúncia do Tribunal de Justiça nem o Tribunal impôs qualquer limitação no tempo aos efeitos do acórdão. Assim, vigora o princípio geral que o Tribunal de Justiça tem sistematicamente defendido nos processos de reenvio, de que as suas decisões a título prejudicial sobre interpretação definem o significado e o âmbito de uma regra comunitária tal como deveria ter sido interpretada e aplicada desde a sua entrada em vigor, i.e., com efeitos ex tunc[15].

 

Importa ainda notar que, sem prejuízo de outros fundamentos invocados pela AT para justificar os atos de liquidação de IVA, o RIT contém elementos suficientes para concluir que a Requerida colocou em crise os pressupostos da isenção do artigo 9.º, 1) do Código do IVA e que a Requerente não alegou, nem provou ter preenchido, no todo ou em parte, esses pressupostos.

 

Nestes termos, os atos de liquidação de IVA em crise fundamentam-se na falta de preenchimento dos pressupostos do artigo 9.º, 1) do Código deste imposto, tendo em conta o recorte de atividades paramédicas constante do artigo 1.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 261/83, que contém uma definição similar àquela que o Tribunal de Justiça emprega para delimitar a finalidade terapêutica.

 

Deste modo, a Requerente teria de demonstrar, num primeiro patamar, a disponibilização e realização dos serviços de nutrição. E, após, num segundo nível, que esses serviços serviram, em concreto, fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença ou reabilitação. Só a verificação cumulativa destes requisitos permitiria a aplicação da isenção que se arroga. O RIT menciona as duas vertentes assinaladas. Porém, é menos incisivo na segunda (finalidade terapêutica), pois, não tendo ficado sequer provada a prestação de serviços de nutrição, a solução é alcançada logo no primeiro patamar referido.

 

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras (v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

            Em Síntese

 

            Não se verificam os vícios, substantivos e formais, suscitados pela Requerente em relação aos atos tributários de liquidação de IVA e juros compensatórios de que a Requerente foi alvo em relação ao ano 2017, acima identificados, que, nessa medida, se mantêm na ordem jurídica, com as legais consequências, nomeadamente de improcedência dos pedidos dependentes de restituição das importâncias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios, por não estarem, quanto a estes, reunidas as condições previstas no artigo 43.º da LGT.

 

 

  1.  Decisão

 

            Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios supra identificados, com as legais consequências.

 

 

  1. Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 79.951,76 relativo às liquidações de IVA e juros compensatórios cuja anulação é peticionada pela Requerente – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do RCPAT.

 

 

  1. Custas

 

            Custas no montante de € 2.448,00, a cargo da Requerente, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT; 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

           

Lisboa, 9 de maio de 2022

           

Notifique-se

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, relatora

 

 

Fernando Miranda Ferreira

 

 

 

José Coutinho Pires



[1] Ponto 22 do acórdão Frenetikexito, C-581/19, que cita o acórdão Finanzamt D, C-657/19, de 8 de outubro de 2020 e jurisprudência aí referida.

[2] Ponto 23 do acórdão Frenetikexito, C-581/19, que cita os acórdãos ATP PensionService, C-464/12, de 13 de março de 2014, e jurisprudência aí referida, Kügler, C-141/00, de 19 de setembro de 2002, Future Health Technologies, C-86/09, de 10 de junho de 2010.

[3] Ponto 24 do acórdão Frenetikexito, C-581/19, que cita o acórdão já referido Future Health Technologies, C-86/09, e o acórdão Peters, C-700/17, de 18 de setembro de 2019, e jurisprudência aí referida. 

[4] Ponto 25 do acórdão Frenetikexito, C-581/19, que cita os acórdãos X, C-48/19, de 5 de março de 2020, PFC Clinic, C-91/12, de 21 de março de 2013 e o acima referido Future Health Technologies, C-86/09. 

[5] Ponto 28 do acórdão Frenetikexito, C-581/19, que cita o acórdão Belgisch Syndicaat van Chiropraxie, C-597/17, de 27 de junho de 2019 e a jurisprudência aí referida. 

[6] Ponto 29 do acórdão Frenetikexito, C-581/19, que cita o acórdão Comissão/Alemanha, C-616/15, de 21 de setembro de 2017 e o acima referido PFC Clinic, C-91/12.

[7] Ponto 30 do acórdão Frenetikexito, C-581/19. 

[8] Ponto 33 do acórdão Frenetikexito, C-581/19, que remete para o ponto 61 das conclusões da advogada-geral. 

[9] Ponto 31 do acórdão Frenetikexito, C-581/19. 

[10] Ponto 32 do acórdão Frenetikexito, C-581/19, que cita o acórdão WEG TevesstraBe, C-449/19, de 17 de dezembro de 2020. 

[11] V. a este respeito os pontos 35 a 50 do acórdão Frenetikexito.

[12] Sem prejuízo de deixar às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.

[13] Relevância distinta tem a circunstância de a Requerente não se encontrar registada na ERS em 2017, uma vez que não se trata de um pressuposto de aplicação da isenção (nem no Código do IVA, nem na Diretiva) – v. acórdão do Tribunal de Justiça, de 27 de junho de 2019, processo n.º C-597/17.

[14]  Dispõe esta norma, em linha com a regra geral contida no artigo 342.º do Código Civil, que “1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”

[15] V. sobre esta matéria a excelente resenha constante das Conclusões da advogada-geral Christine Stix‑Hackl, apresentadas em 14 de março de 2006, no processo Banca Popolare di Cremona, C-475/03.