SUMÁRIO:
I – A competência dos tribunais arbitrais é definida tendo em consideração o tipo de atos que são objeto de impugnação, não resultando da lei vigente qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a benefícios fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos atos referidos no artigo 2.º do RJAT.
II - Tendo a AT conhecimento dentro do decurso do prazo de caducidade da liquidação do imposto de novos elementos que lhe permitam apurar o rendimento real, compete-lhe, ao abrigo dos princípios da legalidade e do inquisitório, efetuar as diligências necessárias, nomeadamente de caráter inspetivo, para esse efeito.
III – os atos tributários em matéria tributária que resultem dos atos administrativos da ação inspetiva, como os atos de liquidação, atos de revogação de benefícios fiscais, os atos de fixação da matéria coletável por métodos indiretos ou mesmo os atos de aplicação de coimas são impugnáveis nos termos gerais.
IV - Para beneficiar dos incentivos estabelecidos no RFAI, é necessário que a atividade da Requerente se enquadre no âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios do n.º 2 do artigo 2 do CIF e, subsidiariamente, tenha um dos CAE previsto na Portaria.
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
O árbitro, Cristina Coisinha, designado pelo Conselho do Centro de Arbitragem Administrativa para constituir o Tribunal Arbitral, profere a seguinte decisão:
I – RELATÓRIO
A..., pessoa coletiva com o número ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, com sede na ..., doravante designada por “...” ou “Requerente, veio, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, n.º 2, do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem (RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral pedindo que seja declarada a anulabilidade da liquidação de IRC n.º ... e respetivos juros compensatórios no montante global de € 36.431,48 (trinta e seis mil quatrocentos e trinta e um euros e quarenta e oito cêntimos, relativa ao exercício de 2017, com fundamento em ilegalidade, bem assim como o pagamento de juros indemnizatórios e o montante de € 837,49 a título de indemnização pela prestação de garantia indevida.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-06-2021.
A Requerente não procedeu à nomeação do árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 08-11-2021, as partes foram notificadas dessa designação. Não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 26 de novembro de 2021.
Notificada para apresentar resposta ao abrigo do artigo 17.º do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT, apresentou a sua resposta em 17-01-2022, onde por impugnação pugnou pela improcedência do pedido arbitral e pela sua absolvição do mesmo e por exceção suscitou a incompetência material do Tribunal Arbitral.
Notificada para exercer o direito ao contraditório a Requerente sustentou a competência do Tribunal Arbitral para conhecer do objeto da ação.
Por ter sido requerida pela Requerente e ser considerada necessária, o Tribunal marcou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para o dia 14-02-2022, finda a qual notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações, mantendo-se ambas silentes.
II – DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
1. A Requerente é uma sociedade comercial que tem como atividade principal o arrendamento de bens imobiliários, e como atividade secundária a promoção imobiliária, confeção e outro vestuário exterior por medida, comércio a retalho de vestuário para adultos, Estab. Espec. e a prestação de serviços de alojamento turistas e registo na AT com o CAE 55202.
2. Entre 2014 e 2015 a Requerente adquiriu imóveis em Lisboa, pelo valor total de € 1.019.350,00 com vista à sua reabilitação e posterior afetação à prestação de serviços de alojamento local.
3. Estes investimentos são ilegíveis para o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), cumprindo os pressupostos exigidos pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro (RFAI) e estando a atividade de prestação de serviços de alojamento a turistas prevista na Portaria n.º 282/2014 de 30 de dezembro.
4. No seguimento da OI 2019..., em 15-09-2019 a AT iniciou uma ação inspetiva de âmbito geral ao ano fiscal de 2017, tendo efetuado uma correção aritmética ao resultado tributável declarado pela Requerente relativamente ao período de tributação de 2017, no montante de € 201.799,63.
5. Notificada para exercer o direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção tributária a Requerente arguiu que, os serviços de inspeção deviam ter considerado uma correção de imposto favorável à Requerente decorrente de erro praticado na autoliquidação de IRC relativa ao período de tributação de 2017 por não ter procedido à dedução à coleta do mesmo período do crédito de imposto (benefício fiscal) correspondente a 10% do investimento realizado nesse ano no montante de € 35.606,57.
6. Para a AT a liquidação controvertida respeitante ao período de 2017 não integra qualquer correção, efetuada pelos SIT, relativamente ao benefício fiscal RFAI, divergindo da autoliquidação efetuada pela Requerente apenas quanto ao segmento corrigido pelos SIT (desconsideração de gastos para efeitos de apuramento do resultado tributável de 2017), por isso, à data do exercício de audição prévia pela Requerente, em 2020, relativamente à revisão da autoliquidação de 2017, já se encontrava ultrapassado o prazo legal para a Requerente reclamar da autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2017.
7. A AT defende que os imóveis objeto de investimento estão numa área de contenção absoluta nos termos do Regulamento Municipal de alojamento local do município de Lisboa, não se encontrando registados como estabelecimentos de alojamento local.
8. O Relatório de Inspeção Tributária manteve o disposto no Projeto de Relatório de Inspeção Tributária essencialmente fundado em dois argumentos:
a. O sujeito passivo já não pode proceder à reclamação ou impugnação da autoliquidação de 2017, por já ter sido ultrapassado o prazo de dois anos após a apresentação da declaração, conforme prevê o nº 2 do artigo 137º do CIRC e o nº 1 do artigo 131º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). (conforme pág. 20 do RIT);
b. Tendo acrescentado ainda que, “mesmo que o peticionado fosse atempadamente apresentado, o sujeito passivo deve ter presente que para utilização deste benefício fiscal deverá cumprir com as condições impostas pelo citado regime, artigos 22º a 26º do CFI. Ora, para este regime, está excluído na consideração de aplicações relevantes, o investimento em edifícios, salvo se estiverem afetos a atividade turística. Portanto, só quando o sujeito passivo estiver na posse de elementos objetivos de que o imóvel está afeto a atividade turística (alojamento local por exemplo) é que está em condições de poder utilizar este benefício. “
9. A Requerente, notificada da liquidação adicional de IRC n.º ... no montante de € 33.476,20, dos quais € 30.831,64 de imposto, € 2.625,18 de juros compensatórios e € 19,47 de juros de mora, apresentou reclamação graciosa que foi indeferida pela Requerida.
III - SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
A Autoridade Tributária e aduaneira suscitou a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral que cumpre apreciar prioritariamente uma vez que constitui um possível obstáculo ao conhecimento do mérito da causa.
III.1 Exceção da incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do indeferimento de benefícios fiscais
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
A competência dos tribunais arbitrais é definida tendo em atenção o tipo de atos que são objeto de impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a benefícios fiscais e/ou isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos atos referidos no artigo 2.º do RJAT.
Quanto a esta matéria já se pronunciou o TCAN por acórdão proferido no processo n.º 09156/15, de 09-06-2016 conforme extrato do sumário que se transcreve abaixo:
I – (…) a pretensão in judicio tem em vista a anulação da liquidação de IMT em causa, com base na sua ilegalidade, integrando a causa de pedir a invocação da existência de isenção fiscal (isenção de IMT), associado à transmissão de bens imóveis no âmbito de plano de insolvência.
III - A lei não restringe os fundamentos na base dos quais é formulado o pedido de anulação das liquidações em causa, com vista à delimitação da competência material do tribunal arbitral. Donde resulta que a asserção contida na decisão em apreço da vigência de isenção fiscal que obsta à tributação em causa corresponde à aplicação do parâmetro de legalidade, tarefa que foi atribuída por lei (artigo 2.º, nº 2, do RJAT) aos tribunais arbitrais.
No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal Arbitral na decisão proferida no processo n.º 637/2018-T.
Nos presentes autos, não está em causa o reconhecimento de um benefício fiscal ao investimento, porque o RFAI não pressupõe qualquer ato declarativo de reconhecimento, uma vez que é um benefício fiscal automático.
Assim, estando em causa a apreciação da legalidade do ato de liquidação de IRC, na parte relativa à dedutibilidade do benefício fiscal, o presente Tribunal Arbitral é competente.
IV. – MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Requerente tem como objeto social «o estudo, promoção, gestão e execução de empreendimentos imobiliários e de construção civil, compra e venda de imóveis e revenda de adquiridos para esse fim e seu arrendamento, posse, propriedade e gestão de bens mobiliários e imobiliários. Alojamento mobiliado para turistas. Confeção de artigos de vestuário por medida, designadamente confeção de fatos para homem e peças de vestuário para senhora; comercio a retalho de vestuário para homem e senhora (Cfr. PA e publicação on line de atos societários)"
2. A Requerente exerce a atividade de prestação de alojamento a turistas, a qual consta do seu objeto social e está registada na AT com o CAE 55201.(PA)
3. A Requerente investiu capitais próprios e recorreu a financiamento, não perdeu metade do capital social, não está em processo de insolvência, nem era devedora do Estado, pelo que não é considerada uma empresa em dificuldade na aceção das Orientações relativas aos auxílios estatais.
4. A requerente não beneficiou de quaisquer benefícios fiscais da mesma natureza, incluindo benefícios fiscais de natureza contratual.
5. Em 2014 e 2015 a Requerente adquiriu dois edifícios sitos na Rua de ... e na Rua ..., Lisboa, com o intuito de proceder à sua reabilitação e, ulteriormente, neles exercer a atividade de serviços de alojamento local. (prova testemunhal)
6. A Requerente em 2017 iniciou o projeto de reabilitação dos referidos edifícios, tendo, com esse intuito, incorrido em gastos no montante de € 356.965,73 (trezentos e cinquenta e seis mil novecentos e sessenta e cinco euros e setenta e três cêntimos) (Cfr. Doc. n.º 5 junto com o PPA e prova testemunhal)
7. A reabilitação dos edifícios foi, desde o seu início, idealizada, projetada e concebida com o intuito de neles ser exercida a atividade de prestação de serviços de alojamento a turistas. (cfr. Documentos n.ºs 8, 9, 10 e 11 bem como prova testemunhal)
8. Posteriormente, em reunião de 5 de outubro de 2019, a Assembleia Municipal de Lisboa deliberou, aprovar o Regulamento Municipal de Alojamento Local do município de Lisboa, e determinou a inadmissibilidade de alojamento local nas áreas onde estão implantados os edifícios, definindo-a como área de contenção absoluta. (Aviso n.º 17706-D/2019, de 7 de novembro, publicado no Diário da República n.º 214/2019, 1º Suplemento, Série II de 2019-11-07)
9. A Requerente submeteu um pedido de informação prévia em 21-02-2020, já na pendência do processo inspetivo, sobre a viabilidade de emissão de uma autorização excecional do registo como alojamento local dos imóveis localizados na Rua ... n.º ... a ... e Rua ... n.º ... e ..., em Lisboa, o qual foi indeferido. (Cfr. Artigo 18.º da Resposta e prova documental)
10. Face ao teor do aviso e indeferimento do pedido para explorar os edifícios como alojamento local a Requerente teve de reiniciar um projeto para Alojamento turístico, tendo pedido as respetivas licenças junto das entidades competentes e alterado os projetos iniciais. (prova testemunhal)
11. A configuração do imóvel permite a sua exploração em regime de prestação de serviços de alojamento a turistas, nomeadamente, é dotado de uma receção, zona de bar e restauração, gestão centralizada de hóspedes e sistema de comunicação interna com a receção.(prova testemunhal)
12. O Alojamento turístico abriu ao público em setembro de 2021. (prova testemunhal).
13. No seguimento da OI 2019... a AT iniciou uma ação inspetiva à Requerente de âmbito geral ao ano fiscal de 2017. (Cfr. PA)
14. Finda a ação inspetiva a AT efetuou uma liquidação adicional ao IRC que resultou de uma mera correção aritmética, ao resultado tributável declarado pela Requerente relativamente ao período de tributação de 2017, resumida no seguinte quadro:
15. Durante a inspeção a Requerente verificou que não incluiu o benefício fiscal decorrente do Regime Fiscal do Apoio ao Investimento (RFAI) na modelo 22 de 2017.(prova por confissão)
10. Notificada para exercer o direito de audição prévia, a Requerente arguiu que, os serviços de inspeção deviam ter considerado uma correção de imposto favorável à Requerente decorrente de erro praticado na autoliquidação de IRC relativa ao período de tributação de 2017 por não ter procedido à dedução à coleta do mesmo período do crédito de imposto (benefício fiscal) correspondente a 10% do investimento realizado nesse ano no montante de € 35.606,57.(Cfr. PA)
16. A AT efetuou a correspondente liquidação adicional de IRC com o n.º..., que deu lugar ao acerto de contas de 09-20-2020, tendo sido emitida a Demonstração de Acerto de Contas e a Nota de Cobrança, referentes ao ano de 2017, no montante de € 33.476,29 já com os juros compensatórios incluídos. (cfr. Documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o PA).
17. A Requerida não considerou a dedução à coleta referente ao beneficio fiscal.(cfr. PA)
18. A Requerente não pagou o montante liquidado pela Requerida tendo sido prestada garantia bancária mediante a constituição de hipoteca voluntária sobre bens imóveis. (PA e facto não contestado)
IV. 2 – Fundamentação da matéria de factos provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente, nos documentos do Processo administrativo e, nos pontos indicados com base na prova testemunhal.
As testemunhas ouvidas, B..., C..., D..., E... aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados provados com base nos seus depoimentos.
Destaca-se o depoimento da testemunha B..., diretora da A..., que demonstrou ter acompanhado o projeto desde a sua génese e que depôs com conhecimento profundo dos factos, mormente das vicissitudes administrativas que retardaram a execução do projeto de Requente sob escrutínio nos presentes autos.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos e o depoimento das testemunhas, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.
V – DO MÉRITO
Objeto dos autos
São duas as questões essenciais objeto do presente processo:
a. Durante a ação inspetiva deveria a AT ter considerado o benefício fiscal (dedução à coleta), que por erro da Requerente não foi declarado na Modelo 22 referente ao exercício de 2017;
b. Estão reunidos os pressupostos legais para que o investimento realizado pela Requerente seja elegível para efeitos de Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), benefício fiscal consagrado no Decreto-Lei n.º 164/2014, de 31 de outubro .
VI – DO DIREITO
VI.1 Durante a ação inspetiva deveria a AT ter considerado o benefício fiscal (dedução à coleta), que por erro da Requerente não foi declarado na Modelo 22 referente ao exercício de 2017
A Requerente reconheceu ter cometido um erro na autoliquidação de IRC relativamente ao período de 2017 ao não ter procedido à dedução à coleta do mesmo período de tributação do correspondente crédito de imposto no montante de € 35.606,67.
Sucede que, por força desse lapso resultou a liquidação de imposto, por isso, defende a Requerente que a AT deveria ter efetuado a correção do IRC resultante da ação de inspeção levada a cabo, considerando o benefício fiscal não incluído na Modelo 22, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 103.º do CIRC e em obediência aos princípios da justiça e de tributação do rendimento real.
Já a Requerida sustenta que se encontrando decorrido o prazo de reclamação graciosa da autoliquidação do IRC de 2017, previsto no n.º 2 do artigo 137.º do CIRC e n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, “não pode a Requerente pretender, no âmbito do direito de audição, exercer um direito que lhe está vedado, pelo facto de uma eventual reclamação ser extemporânea.
E, efetivamente, a AT desconsiderou o benefício fiscal, que se traduz na dedução à coleta no montante de € 35.606,57, correspondente a 10% do investimento realizado em 2017, não obstante ter sido alertada para o efeito pela Requerente em sede de audição prévia, escudando-se no argumento da extemporaneidade da apreciação da correção de tal erro, por já ter decorrido o prazo de 2 anos que a Requerente dispunha para reclamar graciosamente a liquidação efetuada com base na declaração por si entregue.
Adicionalmente a AT, em conformidade com o anteriormente decidido no RIT, estribou a sua decisão no facto de o Sujeito Passivo, aqui, Requerente, não estar na posse de elementos objetivos de que o imóvel está a afeto à atividade turística e que, por conseguinte, está em condições de utilizar o benefício RFAI.
Elementos que a Requerente carreou para os presentes autos, fazendo deles prova documental e testemunhal.
Resulta da prova feita nos presentes autos que, o projeto de reabilitação concebido para os imóveis era destinado a alojamento turístico, inicialmente destinado a alojamento local e só posteriormente, por força do Aviso da Câmara Municipal de Lisboa, e da delimitação da zona de implantação dos edifícios como área de contenção , foi convertido em alojamento turístico do tipo unidade hoteleira, e, contabilisticamente, os imóveis estiveram sempre afetos a atividades turísticas.
À data da publicação do aviso da Câmara, em novembro de 2019, encontrando-se requeridas as licenças necessárias para a execução das obras, bem como para a afetação do imóvel a Alojamento Local, por isso, a Requerente viu-se compelida a iniciar todo um novo processo que obrigou à alteração dos projetos, dos licenciamentos e da obra o que atrasou a abertura ao público do estabelecimento hoteleiro.
Não sendo ainda de descurar, no desenrolar do processo administrativo conduzido pela Requerente junto das entidades públicas e na execução das obras de reabilitação, o impacto da pandemia provocada pelo Covid 19, o decretamento pelo Presidente da República do estado de emergência com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, que o Governo regulamentou através do Decreto n.º 2-A/2020 de 20 de março.
Refira-se a este propósito que, a AT ao efetuar uma liquidação adicional está a agir ao abrigo de uma competência vinculada por força do estatuído no artigo 266.º da CRP.
Ademais, o princípio a legalidade , preceitua que “os órgãos da administração Pública devem atuar em obediência á lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.”
Face à formulação positiva do princípio da legalidade, numa situação em que é potencialmente aplicável uma isenção ou desagravamento fiscal, a Administração Tributária está obrigada a aplicá-los sob pena de ilegalidade da sua atuação.
Portanto, quer pela via da subordinação da AT ao princípio da legalidade, quer por força dos princípios do inquisitório e da tributação pelo rendimento real, estava a Requerida obrigada a apurar o rendimento real da Requerente considerando o benefício fiscal, desde que, naturalmente, se encontrassem preenchidos os pressupostos do RFAI.
Acresce que, como é consabido, a Administração Tributária em sede de procedimento tributário, com vista à liquidação de impostos, tem por incumbência a descoberta da verdade material, pautando-se por critérios objetivos, apurar os factos, independentemente de os mesmos lhe serem ou não desfavoráveis.
Assim, no caso em apreço, tendo a Requerente pedido, que fosse considerado o benefício fiscal previsto no RFAI, se se estiver perante uma situação em que a isenção requerida devesse ser aplicada, haverá ilegalidade dos atos de liquidação que não o aplicaram.
Pese embora, a Requerida tenha sustentado no despacho de indeferimento da reclamação graciosa que a Requerente teria de fazer prova da afetação do imóvel e de que o mesmo estava em condições de poder utilizar para esse fim, sem o que não poderia utilizar para esse fim, resultava dos documentos referentes ao projeto, aos pedidos de licenciamento, investimentos realizados, objeto, CAE e contabilidade da Requerente que os imóveis se destinavam a ser explorados como unidades de prestação de serviços de alojamento a turistas.
Posto isto, importa ter presente que o artigo 90.º, n.º 10 do CIRC estatui (por remissão direta para o artigo 101.º do mesmo diploma e indireta para os artigos 45.º e 46.º da LGT) que as liquidações efetuadas ao abrigo do n.º 1 do artigo 90º do CIRC (incluindo pois as liquidações oficiosas), poderão ser corrigidas dentro do prazo de caducidade (isto é, em princípio, 4 anos após a notificação do ato), cobrando ou anulando a diferença apurada. Esta correção assume carácter oficioso, conforme artigo 103º do CIRC.
Ou seja, tendo a AT conhecimento, dentro do decurso do prazo de caducidade (isto é, até 31 de dezembro 2021 por força do estatuído no artigo 45.º n.º 4 da LGT), de novos elementos que lhe permitem apurar o rendimento real, compete-lhe, de acordo com o princípio do inquisitório, efetuar as diligências necessárias, nomeadamente de caráter inspetivo, para esse efeito.
Não o tendo feito agiu ao arrepio da lei vigente e em clara violação dos deveres a que está sujeita a sua atividade.
De resto, os atos tributários em matéria tributária que resultem dos atos administrativos da ação inspetiva, como os atos de liquidação, atos de revogação de benefícios fiscais, os atos de fixação da matéria coletável por métodos indiretos ou mesmo os atos de aplicação de coimas são impugnáveis nos termos gerais.
Ou seja, dos atos tributários que resultaram da inspeção tributária, sob escrutínio nos presentes autos, podia a Requerente reclamar graciosamente e impugnar nos termos gerais e prazos legais.
VI.2. Enquadramento legal do benefício fiscal ao investimento
O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) é um benefício fiscal, previsto no Decreto-Lei nº 162/2014 de 31 de Outubro, que permite às empresas deduzir à coleta apurada uma percentagem do investimento realizado em ativos não correntes (tangíveis e intangíveis).
O n.º 2 do artigo 2.º do CFI estatui o seguinte:
Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:
(…)
a) (…)
b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;
(…)
O artigo 2.º do CFI admitia a concessão de benefícios fiscais, em regime contratual, com um período de vigência até 10 anos a contar da conclusão do projeto de investimento de montante igual ou superior a 3 milhões de euros.
Para tanto, os projetos devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas atividades económicas elencadas nas alíneas do n.º 2, onde se inclui a atividade de Turismo e atividades com interesse para o turismo.
E o n.º 3 do artigo 2.º do CFI dispõe que cabe aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia definir, por Portaria, os códigos de atividade económica referentes às atividades referidas no n.º 2.
Por seu turno o n.º 1 do artigo 22.º do CFI, determina que: O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
O Governo português, no artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 , de 30 de dezembro, definiu o âmbito setorial de aplicação do RFAI e determina que, sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior , as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:
(…)
c) Alojamento – divisão 5;
(…)
Chegados aqui, é necessário verificar se a atividade da Requerente e o investimento realizado são elegíveis.
De acordo com a decisão CAAD Processo n.º 545/2018-T: “elegibilidade fica dependente, em concreto, do respeito pelo âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC, e da aprovação, por Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia, dos CAE correspondentes às atividades referidas”
Mais nos diz: “Com efeito, para beneficiar dos incentivos estabelecidos no RFAI é necessário que os CAE que venham a ser especificados por Portaria respeitem o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para\ o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC”.
Neste sentido, para beneficiar dos incentivos estabelecidos no RFAI, é necessário que a atividade da Requerente se enquadre no âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios do n.º 2 do artigo 2 do CIF e, subsidiariamente, tenha um dos CAE previsto na Portaria.
Da análise dos factos, infere-se que a Requerente exerce a atividade de prestação de alojamento a turistas, a qual consta do seu objeto social e está registada na AT com o CAE 55201, uma das atividades previstas na Portaria n.º 282/2014 de 30 de dezembro, adquiriu imóveis com vista à sua reabilitação para afetação a alojamento turístico – projetou e licenciou os edifícios para o efeito - e abriu ao público uma unidade de alojamento para turismo.
Face quanto tudo acima se disse, impõe-se, pois, concluir pela elegibilidade do investimento realizado pela Requerente e, consequentemente, pela ilegalidade da liquidação de IRC por vício de violação de lei, procedendo in totum, o pedido da Requerente, nomeadamente, quanto ao reembolso dos juros compensatórios.
Com efeito, nos termos do artigo 35.º, n.º 1 da LGT, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente . Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a atuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa atuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.
A procedência do pedido arbitral torna necessariamente exigível o pagamento de juros compensatórios, pelo que também nesse ponto o pedido é procedente.
VII – Restituição de encargo suportado com a prestação indevida de garantia
A Requerente formulou, acessoriamente, pedido de pagamento dos encargos suportados com a prestação de garantia bancária, ou seja, o direito a indemnização por garantia indevida, bem assim como um pedido de pagamento dos juros indemnizatórios.
A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do art.º 24.º do RJAT.
Esta norma contida no RJAT é coerente com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que “ A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
Como se referiu na decisão proferida no Processo nº 28/2013-T “é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
No entanto, é também manifesto, perante o teor dos artigos 53.º da LGT e artigo 171.º do CPPT, que para efeitos indemnizatórios aí previstos apenas são consideradas as “garantias bancárias ou equivalentes”.
É hoje entendimento jurisprudencial e doutrinal unânime que quer o artigo 53.º, n.º 1, da LGT, quer o artigo 171.º, n.º 1, do CPPT ao aludirem a “garantia bancária ou equivalente” estão a excluir outro tipo de garantias do seu âmbito de aplicação, nomeadamente, a hipoteca.
Como refere Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume III, 6ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 242), “equivalente à garantia bancária”, para efeitos do artigo 171.º do CPPT, “serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida”, apontando, como exemplo, o “seguro- caução”; neste mesmo sentido, tendo por referência a fiança, decidiu recentemente o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão, de 04.11.2020, proferido no processo n.º 018/20.7BALSB, assim sumariado: “Para os efeitos indemnizatórios previstos no artigo 53.º da L.G.T., não é de considerar a fiança entre as garantias (“bancária ou equivalente”) de que depende a sua aplicação.”.
Nesta conformidade, tendo a Requerente prestado garantia sob a forma de hipoteca, tal significa a improcedência do pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, pois, como decorre do aresto do Supremo Tribunal Administrativo, de 24-10-2012, proferido no processo n.º 0528/12, no que respeita à garantia na modalidade de hipoteca não foi tida por equivalente à garantia bancária.
Como é salientado no acórdão do STA, proferido no processo n.º 017/19.1 BALSB , tal “não significa que o lesado nos seus direitos patrimoniais pela prestação desta garantia (ou de outras, como a hipoteca e penhor), não possa exigir a reparação dos prejuízos que efectivamente sofreu, por se tratar de direito que lhe é assegurado não só pelo art. 22.º da Constituição como pela Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (Lei n.º 67/2007, de 31.12). Terá, porém, de intentar para o efeito acção judicial para efectivar essa responsabilidade civil da administração tributária, onde terá de invocar e provar todos os danos que sofreu”
VIII – Dos Juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
De acordo com o prevenido no artigo 24 do RJAT que “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso, cabendo-lhe “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.”
Por seu turno o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT estabelece a obrigação do pagamento de juros, qualquer que seja a respetiva natureza, nos termos previstos na LGT e CPPT.
Os juros indemnizatórios a favor do sujeito passivo destinam-se a cumprir a ressarcir um dano presumido pelo legislador, que consiste na privação ou indisponibilidade de quantias em dinheiro, traduzindo-se numa indemnização objetivamente fixada, correspondente ao rendimento do capital em causa (o valor dos juros legais), à semelhança do regime previsto na lei civil, privativo da mora no cumprimento de obrigações pecuniárias (art. 806°, nº l do Código Civil).
Os juros indemnizatórios correspondem assim uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário.
Por seu turno o n.º 1 do artigo 43.º da LGT estatui que os juros indemnizatórios são devidos quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Neste sentido, o acórdão do STA, de 10-07-2012, prolatado no processo 026688, em que foi relator o Sr, Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e onde se lê: “ (…) v – Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios (…), havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.”
In casu, a AT procedeu às correções e liquidações adicionais de IRC com base numa interpretação da lei que entende ser a correta, não obstante entendeu este tribunal que a AT incorreu em vício de violação de lei, sendo tal erro imputável aos serviços da AT, que tem de considerar-se imputável aos serviços, pois foram estes que emitiram a liquidação revogada, tendo a Requerente direito aos juros indemnizatórios.
XIX - Decisão
Nestes termos, em conformidade com o acima exposto, decide-se, julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência:
a. Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de tributação adicional de IRC relativo ao exercício de 2017 e da respetiva liquidação de juros compensatórios, com a consequente anulação das mesmas;
b. Condenar a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios.
X - Valor do processo:
Fixa-se ao processo o valor de € 36.431,48 (trinta e seis mil quatrocentos e trinta e um euros e quarenta e oito cêntimos), indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 315.º do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT bem assim como do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
XI – Custas
O pedido de condenação da AT ao pagamento da indemnização por garantia indevida e juros indemnizatórios é improcedente, pelo que, nesta parte, é a Requerente responsável pelas custas, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Assim, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante da taxa de arbitragem é fixado em € € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerente e da Requerida, respetivamente, na proporção de 5% e de 95%.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de maio de 2022
O Árbitro
Cristina Coisinha