Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 759/2021-T
Data da decisão: 2022-03-18  IMI  
Valor do pedido: € 7.359,85
Tema: AIMI - Inutilidade superveniente da lide.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I - Relatório

1. A...Lda., titular do número de identificação de pessoa coletiva..., com sede no ..., ..., ...-... ..., Portimão   (doravante designada por “Requerente”) apresentou, em 19-11-2021, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

2. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante abreviadamente designado de “AIMI”) n.º 2020..., relativo ao ano de 2020, no valor de € 7.359,85 (sete mil, trezentos e cinquenta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos) acrescida ainda de juros indemnizatórios, bem como da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou.

3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (adiante designada por “Requerida”).

4. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

5. A Requerente foi notificada, em 12-01-2022, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 01-02-2022.

7. A Requerida foi notificada através do despacho arbitral, de 02-02-2022, para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.

8. O Requerente, em 03-02-2022, requereu a junção aos autos da notificação da decisão final da reclamação graciosa, referente à liquidação do AIMI de 2020, que está em apreciação nos presentes autos.

9. A Requerida, em 04-02-2022, requereu a declaração da extinção do processo arbitral por inutilidade superveniente da lide.

10. Por despacho arbitral, de 04-02-2022, a Requerente foi notificada para se pronunciar, querendo, sobre o requerimento da AT referido no n.º anterior.

11. A Requerente, em 15-02-2022, requereu que os presentes autos não prossigam e que, em cumprimento do disposto no artigo 100.º da LGT, a AT proceda à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

12. O Tribunal Arbitral por despacho, de 28-03-2022, determinou: (i) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade processuais, de acordo com o disposto nos artigos 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, tendo em conta que não foi invocada matéria de excepção, requerida a produção de prova testemunhal nem outras diligências probatórias adicionais, nem existem questões que obstem ao conhecimento do pedido; (ii) dispensar as partes de proferirem alegações escritas; (iii) indicar o dia 18 de abril  de 2022 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral; (iv) notificar o Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até à data indicada na alínea anterior.

II – Saneamento

12. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O pedido de pronuncia arbitral é tempestivo. 

Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer.

Não se verificam nulidades nem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

III - Matéria de facto

13. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

 

A)           A Requerente é uma sociedade anónima de direito português com sede e direção efetiva em Portugal.

 

B)           A Requerente é proprietária de um terreno para construção urbano inscrito na matriz sob o artigo U-..., da freguesia de ..., concelho de Portimão.

 

C)           A Requerente foi notificada pela AT da liquidação de AIMI, sob o n.º 2020..., referente ao ano de 2020, efetuada em 30-06-2019, no montante de € 14.869,93.

 

D)           A Requerente deduziu, em 22-04-2021, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 54.º da LGT, no artigo 129.º do CIMI e no artigo 68.º e ss. do CPPT, reclamação graciosa contra o ato de liquidação identificado na alínea anterior, ao qual foi atribuído o processo n.º ...2021... .

 

E)            A Requerente apresentou, em 19-11-2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

F)            O Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Faro através de despacho proferido em 20-12-2021, ao abrigo de delegação de competências, deferiu a reclamação graciosa, identificada na alínea anterior, sendo a Requerente notificada, através do ofício da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Faro – ..., datado de 21-12-2021.

 

G)           A informação da Direção de Finanças de Faro que fundamenta o despacho, identificado na alínea anterior, afirma: “Em face das alegações e dos factos verifica-se: - que o lote de terreno para construção teve o apuramento do seu VPT nos termos do artigo 38.º do CIMI; - no dia 1 de janeiro de 2020 o VPT do prédio era de 3.717.482,04; - a última avaliação efetuada foi de € 3.518.950,00, referente ao ano de 2012; - o AIMI da liquidação reclamada foi calculado com base no VPT em vigor no dia 1 de janeiro de 2020, conforme determina o art.º 135º-C/1 do CIMI; - que a avaliação pedida em 2020/12/30, apurou o VPT de € 1.845.070,00; - que as alegações preconizadas pela reclamante ao apuramento do valor tributável do imóvel em causa foram satisfeitas na avaliação pedida e que produz efeitos a partir de 2020/12/30.”

 

14. Factos dados como não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

15. Fundamentação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT e a prova documental, junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou, em qualquer caso, cuja apreciação seria inútil (vd., artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

IV. Matéria de Direito

16. A principal questão decidenda nos presentes autos arbitrais diz respeito a saber se a liquidação do AIMI relativa ao ano de 2020 teve por base um VPT incorretamente determinado tendo, em consequência, determinado um imposto liquidado consideravelmente superior ao legalmente devido.

17. Conforme resulta da matéria provada (vd., alíneas F) e G) do n.º 13 supra) a AT deferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente. Este facto, que ocorreu na pendência do processo arbitral, torna inútil o prosseguimento da lide relativamente ao mérito das pretensões formuladas pela Requerente.

A prática posterior do ato expresso de revogação da liquidação impugnada, nos termos previstos no   artigo 79.º, n.º 1, da LGT, implica que a instância relativamente à apreciação da legalidade dessas liquidações se extingue por inutilidade superveniente da lide. Efetivamente, dado que foram eliminados os efeitos do ato de liquidação de AIMI pela revogação anulatória, perde utilidade a apreciação, em relação a tal liquidação, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objeto a pretensão impugnatória contra ele deduzida nos presentes autos arbitrais.

A inutilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC. Sendo o CPC de aplicação subsidiária em relação ao processo arbitral tributário, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Nestes termos, este Tribunal julga verificar-se a inutilidade superveniente da lide no que respeita ao pedido de anulação dos atos tributários objeto do presente processo, o que implica a extinção da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

18. O Requerente solicita que lhe seja restituído o montante pago e que também seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

As liquidações de AIMI resultaram de erro imputável aos Serviços.

O nascimento do direito a juros indemnizatórios ocorre se revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT .

Ora, a AT demorou menos de um ano a rever – mediante anulação administrativa – o ato tributário em causa nos presentes autos (vd. alíneas D) e F) do n.º 13 supra).

Nestes termos, improcede a pretensão da Requerente a juros indemnizatórios, à face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

19.  Importa, por fim, analisar a questão da responsabilidade pelas custas do presente processo arbitral.

De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

Nos termos do artigo 536.º, n.º 3, do CPC, de aplicação subsidiária em relação ao processo arbitral tributário nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, no caso de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, “(…) a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”. De acordo com o disposto no n.º 4 do mesmo artigo “Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente (…)”.

Dos presentes autos arbitrais resulta que a liquidação de AIMI objeto do presente pedido de pronúncia arbitral só foi revogada pela Requerida, através do despacho datado de 20-12-2021, ou seja, após a entrada no CAAD do pedido de constituição do tribunal arbitral, que ocorreu em 19-11-2021 (vd. alíneas E) e F) do n.º 13 supra).. Assim, o presente pedido de pronuncia arbitral foi, de forma causalmente adequada, consequência do ato de liquidação que constitui o seu objeto, ato esse revogado pela própria AT, que, ao fazê-lo, deu igualmente causa à extinção da lide. Em consequência, entende-se que é a Requerida quem deve ser responsabilizada pelas correspondentes custas, nos termos do artigo 536.º, n.ºs 3 e 4 do CPC.

Atendendo ao exposto, deve ser imputada à Requerida a responsabilidade pelas custas, na sua totalidade, para efeitos do disposto no artigo 12.º, n.º 2, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

V – Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, absolvendo a Requerida da instância;

b)           Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo no montante abaixo indicado.

 

VI - Valor do Processo

Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 7.359,85 (sete mil, trezentos e cinquenta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos).

 

VII - Custas

O montante das custas é fixado em € 612,00 (seiscentos e doze euros) a cargo da Requerida, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 18 de abril de 2022

 

O Árbitro

(Olívio Mota Amador)