SUMÁRIO:
I - A indústria transformadora enquadra-se no artigo 2.º, n.º 2, do CFI, não integrando qualquer das «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», para efeitos do artigo 22.º, n.º 1, do CFI.
II - Á luz do §10 (e respectiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, a actividade de produção e comercialização de “snacks” de frutos secos não está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR 2014-2020, sendo, aliás, abrangida por tal instrumento.
III - Por força do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, só não é permitida a concessão de auxílios estatais à actividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, «sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa» ou «sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários», o que não acontece na situação sub judice.
IV - O artigo 13.º, alínea b), do RGIC, que define o «âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional», confirma a sua aplicação à actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, ao excluir do seu âmbito de aplicação os «auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica», mas esclarecendo que não é como tal considerada «a transformação de produtos agrícolas».
V - Pressupondo o entendimento de que a actividade principal da Requerente, de transformação de frutos secos e produção de aperitivos (“snacks”) de frutos secos, não era elegível para benefício do RFAI, as liquidações impugnadas enfermam de vício, por erro sobre os pressupostos de direito.
VI - Como se evidencia do teor do n.º 3 do artigo 2.º do CFI, o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos «códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior» e não a definição dessas actividades.
VII - A Portaria n.º 282/2014, não pode validamente afastar a aplicação de benefícios previstos em diplomas de natureza legislativa: sendo patente que a intenção legislativa subjacente ao RFAI, na versão do CFI, foi a de «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional», enunciada na alínea c) do n.º 3 do artigo da Lei de autorização legislativa n.º 44/2014, de 11 de Julho, a Portaria, como instrumento de execução dessas regras, sempre teria de ser interpretada de forma a concretizá-las e não a afastá-las, em face da supremacia do Direito de União sobre o Direito Nacional, que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), A. Sérgio de Matos e Rui Duarte Morais, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 1 de Junho de 2021, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A…, LDA., doravante “Requerente”, pessoa coletiva com o número …, com sede na …, Torres Novas, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“CIRC”) e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.ºs 2020 …, de 23 de Novembro de 2020, 2020 …, de 26 de Novembro de 2020, e 2021 …, de 18 de Janeiro de 2021, referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018, e correspondentes liquidações adicionais de juros compensatórios, no montante global de EUR 273.470,17, pedindo a devolução de tal quantia, acrescida de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais.
Em 23 de Março de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, automaticamente, notificado à AT.
Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar (v. artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 1 de Junho de 2021.
Em 5 de Julho de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”). Conclui que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, com as legais consequências.
Em 7 de Julho de 2021, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais (arts. 16.º, al. c), e 29.º, n.º 2, do RJAT). Dispensada foi também a apresentação de alegações, por se considerar que a questão é apenas de Direito e que as partes expuseram de forma exaustiva as posições respectivas nos articulados (art. 18, n.º 2, RJAT) – dispensas às quais as Partes não se opuseram.
Por despachos de 12 de Novembro de 2021, de 12 de Janeiro e de 14 de Março de 2022, o Tribunal Arbitral determinou a prorrogação, por sucessivos períodos de dois meses, do prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, derivada da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das liquidações de IRC, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
A. As liquidações de IRC impugnadas pela Requerente foram emitidas na sequência de uma ação de inspeção tributária interna levada a cabo pela Direção de Finanças de …, ao abrigo das ordens de serviço nºs OI2020…, OI2020… e OI2020…, aos períodos de tributação de 2016, 2017 e 2018, respetivamente – cf. Relatório da Inspecção Tributária (RIT).
B. A AT determinou correcções ao imposto devido pela Requerente, nos valores de EUR 56.736,77, EUR 178.385,32 e EUR 13.103,45, relativas aos exercícios de 2016, 2017 e 2018, por não aceitação de deduções à colecta feitas ao abrigo do Regime Fiscal do Investimento (“RFAI”), previsto nos artigos 22.º e 23.º do Código Fiscal do Investimento (“CFI”) – (RIT).
C. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, enquadrada no regime geral para efeitos de IRC, cuja actividade principal assenta na transformação, embalamento e comercialização de frutos secos e de produção e comercialização de aperitivos (“snacks”), com o CAE Principal 10395 – Preparação e conservação de frutos e produtos hortícolas por outros processos; inscreve-se também no CAE Secundário 46382 – Comércio por grosso de outros produtos alimentares, N.E. (RIT).
D. Desde o início da sua atividade, em 25.07.2001, e até 2014, a atividade comercial da Requerente consistia na compra e comercialização de frutos secos, tendo durante o ano de 2014, com o crescimento do mercado de “snacks”, começado a adquirir a fornecedores externos lotes de frutos secos já transformados e, também, serviços de transformação de frutos secos (RIT).
E. No ano de 2016, considerando o sucesso das vendas de “snacks”, a Requerente decidiu investir no aumento da produção própria desses produtos, tendo adquirido máquinas e outros activos fixos tangíveis e ampliado as suas instalações fabris, de forma a garantir a separação entre as matérias-primas, os produtos intermédios e os produtos finais, bem como admitiu novos trabalhadores, tendo duplicado o número destes entre Janeiro de 2016 e Dezembro de 2018 (RIT).
F. Os processos produtivos aplicados pela Requerente na elaboração dos “snacks” são os seguintes:
Snack Matéria-prima
adquirida pela
Exponente Descrição da transformação efectuada
pela Exponente à matéria-prima
adquirida
Amêndoa
caramelizada Amêndoa sem pele Fritura a uma temperatura elevada;
envolvimento do produto em açúcar e aroma de baunilha; aplicação de método de tratamento caramelização.
Amêndoa
transformada
condimentada Amêndoa sem pele Colocação em salmoura com diversas especiarias; exposição a temperatura de torrefacção.
Amendoim
transformado
condimentado Amendoim sem casca cru Exposição a temperaturas de torrefacção e fritura; adição de um ou mais dos seguintes
subprodutos: farinha de milho, amido, dextrina, xarope de glucose, bicarbonato de sódio, água, açúcar, sal, óleo de girassol, vários aromas para potenciar o sabor, especiarias e aromas de fumo.
Avelã
transformada Avelã com pele Exposição a alta temperatura; aplicação de técnicas para a retirada da pele; envolvimento do produto obtido em banho de açúcar e aroma de chocolate.
Castanha Caju
transformado Castanha caju cru Exposição a alta temperatura em torrefacção; fritura com óleos; envolvimento do produto obtido num banho de sal, aroma de baunilha e açúcar.
Castanha Caju
transformado
condimentado Castanha caju cru Exposição a alta temperatura em torrefacção; fritura com óleos; envolvimento do produto obtido num banho de sal, piripiri e pimentão.
Granola Aveia e outros Exposição de flocos de aveia a altas temperaturas de torrefacção e adição de vários dos seguintes subprodutos: mel, óleo de coco, arroz tufado, emulsificante, xarope de açúcar e caramelizado em pó.
Milho
transformado Milho seco Exposição a temperaturas de fritura com óleo de girassol; aplicação de técnica de arrefecimento.
Milho
transformado
condimentado Milho seco Exposição a temperaturas de fritura; adição de um ou mais dos seguintes subprodutos: óleo de girassol, maltudextrina de milho, especiarias, cebola, glumato, monosódico, tomate, alho, sal.
Mix Vários produtos, depende
do mix Misturas de vários produtos e adição de outros como frutas desidratadas envolvidas em açúcar, ácido cítrico e sulfitos.
Mix Aperitivos Vários produtos, depende
do mix Misturas de vários produtos.
Pistachio transformado
condimentado Pistachio com casca e sem
casca Colocação em salmoura com especiarias;
exposição a temperatura de torrefacção.
Soja transformada Feijão Imersão do feijão em água e posterior exposição a temperaturas elevadas de
torrefacção.
- (item 10 do PPA e RIT).
G. Nos períodos de tributação de 2016, 2017 e 2018 a Requerente deduziu à sua coleta de IRC, ao abrigo do RFAI e nos termos dos artigos 22.º e 23.º do CFI, importâncias despendidas em investimentos realizados no contexto da sua atividade de produção e comercialização de “snacks” de frutos secos, as quais ascenderam a 56.736,77 €, 178.385,32 € e a 13.103,45 €, respetivamente (RIT).
H. A Requerente não relevou no contexto do RFAI quaisquer investimentos por si realizados neste período na sua actividade relativa à simples compra e revenda de frutos secos ao natural – provado por acordo.
I. A 12 de Outubro de 2020, a Requerente foi notificada do projecto de correcções do relatório de inspecção tributária através do Ofício n.º …, de 7 de Outubro de 2020 (Doc. n.º 4, junto com o PPA) do qual resulta, entre o mais, o seguinte:
III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
1. Analise de Código de Actividade Económica (CAE)
De acordo com o n.º 1 do artigo 22.º do CFI:
"O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referído artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR [Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020] e do RGIC [Regulamento Geral de Isenção por Categoria]».
De entre as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC destacamos a produção agrícola primária e a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante TFUE ou Tratado).
A portaria para a qual o n.º 1 do art.° 22.º do CFI remete é a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que definiu os códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE- Rev. 3) elegíveis para efeitos de RFAI.
O sujeito passivo encontra-se inscrito com 2 CAE´s:
- Principal: 10 395 - PREP. E CONSER. FRUTOS E PROD. HORTÍCOLAS POR OUT. PROC, que se encontra incluído no âmbito sectorial referido na alínea b) do art.° 2° da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, ao referir "indústrias transformadoras" - divisão 10 a 33";
- Secundário: 46 382 - COMÉRCIO POR GROSSO DE OUTROS PRODUTOS ALIMENTARES, N.E, não incluído no art.° 2° da referida portaria.
A possibilidade de uma das atividades previstas no artigo 2º da Portaria n° 282/2014 ser considerada elegível para efeitos de RFAI, está condicionada ao facto de a mesma não ser excluída nos termos do artigo 1° da mesma Portaria, uma vez que no início do disposto naquele artigo 2° se refere: "Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior”.
O artigo 1.º, da Portaria nº 282/2014, dispõe que:
"... não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas." (negrito e sublinhado nosso).
Por definição, considera-se :
- «Transformação de produtos agrícolas» - qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda;
- «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013.
Ora, de entre os produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia incluem-se, entre outros, os incluídos nos capítulos, "Capítulo 8 — Frutas, cascas de citrinos e melões", "Capitulo 10 – Cereais”, "Capitulo 12 - Sementes e frutos oleaginosos...", e "Capitulo 20 - Preparados de produtos hortícolas, de frutas e de outras plantas ou partes de plantas".
Concretizando:
O sujeito passivo evoca que os investimentos foram realizados para a produção/transformação dos seguintes produtos, de acordo com o Quadro 1, referido no ponto I.3.3:
- Amêndoa Caramelizada;
- Amêndoa transformada condimentada;
- Amendoim transformado condimentado;
- Avela transformada;
- Castanha Caju transformado;
- Castanha Caju transformado condimentado;
- Granola;
- Milho transformado;
- Milho transformado condimentado;
- Mix;
- Mix Aperitivos;
- Pistachio transformado condimentado:
- Soja transformada.
Na Nomenclatura Combinada de Bruxelas (Regulamento (CEE) n.º 2658/87, de 23/07 e Regulamento de Execução (EU) 2017/1925, da Comissão, de 22/10/2017 e publicaçeos da Instituto Nacional de Estatística (INE), ressalvando a "granola" e, eventualmente, a "soja transformada", que representam um valor muito marginal no volume de vendas dos produtos “novos", no cômputo dos 3 exercícios em análise (0,034%), os restantes produtos, sem transformação, encontram-se classificados nos seguintes capítulos:
• Capítulo 8 (Frutas, cascas de citrinos e melões);
• Capítulo 10 (Cereais); e,
• Capítulo 12 (Sementes e frutos oleaginosos...).
Por exemplo:
Amêndoa: 08.02.1#
Avelã: 08.02.2#
Pistácios: 08.02.5#
Castanha de caju: 08,01.3#
Milho: 10.05
Amendoins: 12.02.4#
A transformação operada nestes produtos pelo sujeito passivo coloca-os no Capítulo 20 — "Preparados de produtos hortícolas, de frutas e de outras plantas ou partes de plantas", do Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,
Atente-se, por exemplo, na posição 20.08, da Nomenclatura Combinada de Bruxelas (cfr. Regulamento (CEE) n° 2658/87, de 23/07 e Regulamento de Execução (EU) 2017/1925, da Comissão, de 22/01/2017 e publicações do Instituto Nacional de Estatística (INE):
20.08 - Frutas e outras partes comestíveis de plantas, preparadas ou conservadas de outro modo, com ou sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes ou álcool, não especificadas nem compreendidas noutras posições.
- Frutas de casca rija, amendoins e e outras sementes, mesmo misturados entre. si:
20.08.11 - Amendoins
20.08.19 - Outros, incluindo as misturas
20.08.20 - Ananases (abacaxis)
20.08.30 - Citrinos (frutos cítricos*)
20.08.40 - Pêras
20.08.50 - Damascos
20.08.60 - Cerejas
20.05.70 - Pêssegos, incluindo as nectarinas
20.03.80 - Morangos
Outras, incluindo as misturas, com exclusão das da subposição 2008.19:
20.08.91 - Palmitos
20.08.93 - Airelas vermelhas (Vaccinium macrocarpon, Vaccinium oxycoccos, Vaccinium vitis-idaea)
20.08.97 - Misturas
20.03.99 - Outras
Segundo as Notas Explicativas do Sistema Harmonizado, da Organização Mundial das Alfandegas, esta posição abrange:
"(...) frutas e outras partes comestíveis de plantas, incluindo as misturas destes produtos, inteiras, em pedaços ou esmagadas, preparadas ou conservadas por processos não especificados em outros Capítulos nem nas posições anteriores do presente Capítulo.
Compreende, nomeadamente:
1) As amêndoas, amendoins, nozes-de-areca (ou de betel), e outras frutas de casca rija, torrados em atmosfera seca, em óleo ou em gordura, mesmo que contenham ou estejam revestidos de óleo vegetal, sal, aromatizantes, especiarias ou outros aditivos.”
Assim, em face ao exposto, e como exemplo, os produtos indicados estão colocados nas seguintes posições:
• Amêndoa caramelizada: 20.08.19#;
• Amêndoa transformada condimentada: 20.08.19#
• Amendoim transformado condimentado: 20.08.11#
• Avelã transformada: 20.08.19”
• Castanha Caju transformado: 20.08.19#
• Castanha Caju transformado condimentado: 20.05.19#
• Milho transformado: 20.08.99#
• Milho transformado condimentado: 20.08.99#
• Mix: 20.08.19#
• Pistácio transformado condimentado: 20.08.19#
Daqui se constata que os produtos indicados não mudam, no essencial, a natureza dos produtos que lhes deram origem, mantendo assim, com a transformação operada pelo sujeito passivo, a natureza de produtos agrícolas. Deste modo, uma vez que as atividades de transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado se encontram excluídas do âmbito do RFAI, por força do disposto no n.° 1 do art.° 22.° do CFI e do artigo 1.° da Portaria n.° 282/2014, de 30 de dezembro, conclui-se que os investimentos efetuados pelo sujeito passivo não são elegíveis para efeitos deste benefício fiscal.”
J. A Requerente exerceu o direito de audição prévia, manifestando a sua discordância com a posição da Administração Tributária (Doc. n.º 5, junto com o PPA).
K. Através do Ofício n.º …, de 10 de Novembro de 2020, dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de …, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária (Doc. n.º 3, junto com o PPA), no qual a AT manteve o entendimento já expresso no Projecto ante referido, ainda que aditado, em síntese, do seguinte:
“Assim, e em resumo, será de referir que:
No ponto 2 de direito de audição apresentado foram descritos os argumentos apresentados no Projecto de Relatório por estes Serviços de inspecção:
«O sujeito passivo evoca que os investimentos foram realizados para a produção/transformação dos seguintes produtos, de acordo com o Quadro 1, referido no ponto 1. 3.3: amêndoa caramelizada; amêndoa transformada condimentada; amendoim transformado condimentado; avelã transformada; castanho caju transformado; castanha caju transformado condimentado; granola; milho transformado; milho transformado condimentado; mix; mix aperitivos; pistachio transformado condimentado; soja transformada.
[...]os produtos indicados não mudam, no essencial, a natureza dos produtos que lhes deram origem, mantendo assim, com a transformação operada pelo sujeito passivo, a natureza de produtos agrícolas. Deste modo, uma vez que as actividades de transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado se encontram excluídas do âmbito do RFAI, por força do disposto no n.° 1 do artigo 22º do CFI e do artigo 1.° da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, conclui-se que os investimentos efectuados pelo sujeito passivo não são elegíveis para efeitos deste benefício fiscal»
No ponto 3. o sujeito passivo questiona o facto da administração tributária (AT) considerar que o sujeito passivo não pode beneficiar do RFAI, uma vez que apôs a "transformação" dos produtos que comercializa, os mesmos mantêm as características de “produtos agrícolas''.
No ponto 4 é refutado o alegado pela AT, pelo facto de o sujeito passivo considerar que os processos produtivos alteram significativamente as matérias-primas utilizadas, não os considerando como "produtos agrícolas".
No ponto 5, são descritas, pelo sujeito passivo, as "transformações" efectuadas, nomeadamente, operações de "fritura', "adição de açúcar'', "adição de aromas" e "condimentação", entre outras.
No ponto 6, o sujeito passivo limita-se a contrariar o referido no Projecto de Relatório indicando que "...a produção de snacks através da aplicação à matéria-prima de diversas técnicas de transformação mais ou menos complexas e muitas vezes incluindo a adição de várias substâncias que alteram significatívamente o seu sabor original, as mesmas são inequivocamente dedutíveis ao abrigo do RFAI...”
No ponto 7, o sujeito passivo refere a consideração, exposta no Projecto de Relatório, da exclusão da actividade exercida face à parte final do nº 1 do artigo 22° do CFI.
No ponto 8, o sujeito passivo sublinha que:
- a actividade exercida não pode ser classificada como de "produção agrícola primária”, face a não se dedicar à agricultura e aos processos de transformação inerentes;
- a natureza da aplicação das OAR's à transformação de produtos agrícolas em não agrícolas;
- a sujeição às OAR's dos auxílios de estado à transformação de produtos agrícolas.
No ponto 9, o sujeito passivo, conclui pela não existência de fundamentos da não aplicação do RFAI.
Por fim, no ponto 10, o sujeito passivo refere que os investimentos efectuados não respeitam aos produtos abrangidos pelo anexo 1 ao TFUE, e defende a não aplicabildade das notas explicativas do sistema harmonizado.
Em face do alegado, pelo sujeito passivo no exercício do direito de audição, será que referir o seguinte:
(...)
Constata-se da análise dos argumentos apresentados que está em causa a classificação de "produto agrícola".
O Anexo l do Tratado de Funcionamento da União Europeia define, por capítulos e subcapítulos da Nomenclatura Combinada, quais os produtos, neles inseridos, que são considerados "produtos agrícolas". incluindo os que mantêm essa natureza de "produto agrícola”, mesmo após "transformação".
Em resumo, atente-se, mais uma vez, às seguintes definições:
- «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) nº 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013.
- «Transformação de produtos agrícolas» qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continue a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda;
Assim, a definição de "produto agrícola", que deve ser acolhida, é a contextualizada nas definições existentes neste anexo e na legislação comunitária.
De acordo com o demonstrado no Projecto de Relatório, a generalidade de produtos gerados após transformação, continuam, nesta acepção, a ser classificados em capítulos e subcapítulos que lhe dão a natureza de “produto agrícola”.
A título de exemplo, refira-se o "Capítulo 20 - Preparados de produtos hortícolas, de frutas e de outras plantas ou partes de plantas".
Neste capítulo, conforme se descreveu no Capítulo III do Projecto de Relatório, e agora no presente Relatório Final, e para o qual se remete, estão incluídos a maioria dos produtos comercializados pelo sujeito passivo, resultantes das transformações indicadas pelo mesmo no exercício do direito de audição, tais como:
• Amêndoa caramelizada: 20.08.19#;
• Amêndoa transformada condimentada: 20.08.19#
• Amendoim transformado condimentado: 20.08.11#
• Avelã transformada: 20.08.19#
• Castanha Caju transformado: 20.08.19#
• Castanha Caju transformado condimentado: 20.08.19#
• 5 Milho transformado: 20.08.99#
• Milho transformado condimentado: 20.08.99#
• Mix: 20.08.19#
• Pistácio transformado condimentado: 20.08.19#
Neste sentido, e uma vez que, na sua génese, se tratam de posições relativas a classificações pautais, foram acolhidos os conceitos que as permitiam enquadrar (nomeadamente, das notas explicativas do Sistema Harmonizado).
Neste âmbito, o sujeito passivo, apenas refutando a sua aceitação, não apresenta qualquer outra classificação fundamentada que permitisse posicionar os produtos transformados que comercializa noutros capítulos/subcapítulos, e que os pudessem excluir da natureza de "produtos agrícolas”, como definidos no anexo I ao TFUE.
Assim, tendo em conta o nº 1 do artigo 22° do CFI, o artigo 1° da Portaria n° 282/2014, e a sua subordinação à legislação comunitária e a todos os conceitos por esta plasmada, uma vez que as atividades de “transformação de produtos agrícolas" de que resulte um "produto agrícola", enumerado no Anexo I do TFUE, se encontram excluídas do âmbito do RFAI, mantêm-se as conclusões e correções descritas no Projecto de Relatório.”
L. Face às correcções decorrentes do referido Relatório Final de Inspecção Tributária, foram emitidas as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios n.ºs 2020 …, de 23 de Novembro de 2020, 2020 …, de 26 de Novembro de 2020, e 2021 …, de 18 de Janeiro de 2021, referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018, respectivamente, no montante total de EUR 273.470,17 (Docs n.º 1 e 2, juntos com o PPA).
M. Dentro do respectivo prazo, a Requerente procedeu ao pagamento integral das referidas liquidações de imposto e juros compensatórios (Doc. n.º 6, junto com o PPA, aceite por acordo).
N. Inconformada com as liquidações acima identificadas, a Requerente apresentou, em 22-03-2021, o presente pedido de pronúncia arbitral.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela
Requerente e pela Requerida.
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
A convicção dos árbitros fundou-se unicamente na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
1. QUESTÕES A DECIDIR
A questão essencial a dirimir consiste em saber se a atividade da Requerente no sector da produção / transformação e comercialização de “snacks” de frutos secos se enquadra no âmbito de aplicação do RFAI, podendo os investimentos realizados no contexto de tal atividade ser relevados como deduções à coleta em sede de IRC, em face da interpretação dos artigos 2º e 22º do Código Fiscal ao Investimento (CFI) e demais legislação aplicável.
Na decorrência desta se aferirá da legalidade das correcções de IRC determinadas pela Administração Tributária na inspecção tributária dos exercícios de 2016, 2017 e 2018 da Requerente, respeitantes aos valores deduzidos à colecta ao abrigo do RFAI, e, por via disso, da legalidade das liquidações de imposto e juros compensatórios acima identificadas.
2. POSIÇÕES DAS PARTES
A Administração Tributária (AT) efectuou as correcções aqui postas em crise, não aceitando as deduções à colecta a título do RFAI, relativamente a investimentos feitos pela Requerente, nos exercícios dos anos 2016, 2017 e 2018, argumentando, em síntese, o seguinte:
- “... a AT defende que a atividade desenvolvida pela Requerente se reconduz à transformação de produtos agrícolas em outros produtos agrícolas, e, como tal, não se enquadra no âmbito de aplicação do RFAI, face ao disposto nos artigos 22º, nº 1, e 2º, nº 2, alínea a), do CFI, e 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, e no âmbito sectorial de aplicação das Orientações Relativas aos Auxílios com Finalidade Regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, nº C 209, de 23 de Julho de 2013 (OAR 2014-2020) e do Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho 2014 (RGIC).”;
- “Como tal, os valores investidos pela Requerente em 2016, 2017 e 2018 no âmbito da sua atividade de produção e comercialização de “snacks” de frutos secos não são dedutíveis à coleta de IRC ao abrigo do RFAI.”;
- “De acordo com o nº 1 do artigo 22º do CFI: “O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do art.º 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR [Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020] e do RGIC [Regulamento Geral de Isenção por Categoria]”;
- “A portaria para a qual o nº 1 do artigo 22º do CFI remete é a Portaria nº 282/2014, de 30 de dezembro, que definiu os códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE- Rev. 3) elegíveis para efeitos de RFAI.”;
- “O artigo 1.º da referida Portaria determina que, em conformidade com as OAR e o RGIC, não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores (entre outros) da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado. E, embora a alínea b) do artigo 2.º da mesma Portaria refira que as atividades económicas correspondentes a indústrias transformadoras com o código CAE compreendido nas divisões 10 a 33 podem beneficiar do RFAI, o corpo do artigo é bem explícito quando refere "Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior".;
- “... pela sua direta ligação com o presente caso, releva sobretudo o disposto no artigo 1º, n.º 3, alínea c) do RGIC, em que se consigna o seguinte:
“3. O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios
[…]
c) Auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas nos seguintes casos:
(i) sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa;
(ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.”;
- “...o artigo 2º do RGIC dispõe que para efeitos deste diploma deve entender-se por “Transformação de produtos agrícolas”, qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda.”;
- “E, por “Produto agrícola” deve entender-se que, é um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos de pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (EU) nº 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013.”;
- “...recorde-se que a Requerente se encontra inscrita com o CAE principal “10 395 - PREP. E CONSER. FRUTOS E PROD. HORTÍCOLAS POR OUT. PROC”, que se encontra incluído no âmbito sectorial referido na alínea b) do art.º 2º da Portaria nº 282/2014, de 30 de Dezembro, ao referir “indústrias transformadoras” - divisão 10 a 33”, e com o CAE secundário 46 382 - COMÉRCIO POR GROSSO DE OUTROS PRODUTOS ALIMENTARES, N.E, não incluído no art.º 2º da referida portaria.”;
- “...a Requerente invoca que os investimentos foram realizados para a transformação dos seguintes produtos, de acordo com os quadros por si elaborados nos parágrafos 10º e 32º do pedido arbitral: - Amêndoa Caramelizada, - Amêndoa transformada condimentada, - Amendoim transformado condimentado, - Avelã transformada, - Castanha Caju transformado,
- Castanha Caju transformado condimentado, - Granola, - Milho transformado, - Milho transformado condimentado, - Mix, - Mix Aperitivos, - Pistacho transformado condimentado, e, - Soja transformada.”;
- “...a transformação operada nestes produtos pela Requerente coloca-os no Capítulo 20 – “Preparados de produtos hortícolas, de frutas e de outras plantas ou partes de plantas”, do Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. [...]os produtos indicados não mudam, no essencial, a natureza dos produtos que lhes deram origem, mantendo assim, com a transformação operada pelo sujeito passivo, a natureza de produtos agrícolas. Deste modo, uma vez que as actividades de transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado se encontram excluídas do âmbito do RFAI, por força do disposto no n.° 1 do artigo 22º do CFI e do artigo 1. ° da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, conclui-se que os investimentos efectuados pelo sujeito passivo não são elegíveis para efeitos deste benefício fiscal»
Por seu turno, a Requerente defende um entendimento que assim se resume:
- “...o fundamento das correcções em causa assenta, tão-só, na alegada falta de enquadramento da actividade da Requerente no âmbito de aplicação do RFAI, não contestando a Administração Tributária a verificação de qualquer um dos demais requisitos legais das deduções em questão, designadamente a elegibilidade, realização efectiva e valores dos investimentos levados a cabo pela Requerente.”;
- “Neste contexto, importa desde logo sublinhar que a produção de snacks implica a aplicação à matéria-prima de diversas técnicas de transformação mais ou menos complexas e muitas vezes incluindo a adição de várias substâncias que alteram significativamente o seu sabor original. Ou seja, o facto de terem produtos agrícolas como ingrediente principal não implica que os snacks produzidos e comercializados pela Requerente devam ser considerados também eles como produtos agrícolas, muito menos que a actividade de produção e comercialização dos mesmos pela Requerente deva ser considerada uma actividade agrícola.
- “Com efeito, os processos produtivos levados a cabo pela Requerente alteram de forma muito significativa as matérias-primas utilizadas, sendo os produtos finais produzidos comercializados enquanto snacks e como tal percepcionados pelo mercado – e não como produtos agrícolas.”;
- “Subsidiariamente, caso esse Douto Tribunal entenda estar em causa o desenvolvimento de uma actividade de transformação de produtos agrícolas em produtos que mantêm a natureza agrícola – no que não se concede e apenas por dever de patrocínio se concebe –, a dedutibilidade à colecta das quantias em causa não estará em todo o caso prejudicada, uma vez que ainda assim a actividade da Requerente se enquadrará no âmbito de aplicação do RFAI ,...”;
- “...a actividade da Requerente enquadra-se no sector da produção e comercialização de snacks com denominação de origem e marcas próprias e não na produção agrícola primária. Neste contexto, a actividade principal da Requerente reconduz-se, quanto muito, à transformação de produtos agrícolas (não primários) com vista à produção e comercialização de produtos agrícolas, em concreto, de snacks de frutos secos.”;
- “...o §33 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 2014, de 1 de Julho de 2014, dispõe:
«Em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020(27). Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.
[…]
(27) JO C 209 de 23.7.2013 p.1»”
- “Ou seja, face ao disposto nas Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, a actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas (onde no limite se enquadrará a produção de comercialização de snacks de frutos secos) encontra-se efectivamente abrangida pelas OAR 2014-2020.”;
- “Neste contexto, como expressamente previsto na Secção das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola relativa aos auxílios a investimentos relacionados com a transformação e comercialização de produtos agrícolas:
«(168) Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:
(a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado;
(b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020;
(c) As condições estabelecidas na presente secção».;
- “Em suma, as Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola complementam as OAR 2014-2020, integrando no âmbito sectorial deste instrumento a actividade de transformação e comercialização de snacks de frutos secos.”;
- “Tudo ponderado, à luz do §10 (e respectiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola – e ao contrário do entendimento perfilhado pela Administração Tributária –, a actividade de produção e comercialização de snacks de frutos secos não está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR 2014-2020, uma vez que a mesma se reconduzirá no limite à transformação de produtos agrícolas e não à respectiva produção.”;
- “Finalmente, no que respeita ao enquadramento da actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas no RGIC, cumpre desde logo salientar que este regulamento visa, em síntese, estabelecer as condições em que certas categorias de auxílios de estado podem ser concedidos pelos Estados-Membros sem prévia notificação à Comissão Europeia.
Conforme expresso nos considerandos 10 e 11 do RGIC:
«(10) O presente regulamento deve aplicar-se, em princípio, à maioria dos setores económicos. No entanto, em alguns setores, como a pesca e a aquicultura e a produção agrícola primária, o âmbito de aplicação deve ser limitado à luz das regras especiais aplicáveis.
(11) O presente regulamento deve aplicar-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas, desde que se encontrem reunidas determinadas condições. Para efeitos do presente regulamento, nem as atividades de preparação dos produtos para a primeira venda efetuadas nas explorações agrícolas, nem a primeira venda por um produtor primário a revendedores ou a transformadores, nem qualquer atividade que prepare um produto para uma primeira venda devem ser consideradas atividades de transformação ou de comercialização».;
- “Neste contexto, concretamente no que respeita à actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, o artigo 1.º, n.º 3, do RGIC, determina o seguinte:
«3 − O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:
[…]
c) Auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos:
i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou
ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários»”;
- “Ou seja, a contrario, a actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas é abrangida pelo RGCI na medida em que não estejam em causa auxílios de estado fixados com base no preço ou na quantidade dos produtos ou subordinados à condição de serem repercutidos nos produtores primários.”;
- “Relativamente à actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, cumpre ainda destacar o disposto no artigo 13.º, alínea b), do RGIC, quanto ao âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional:
«A presente secção não é aplicável aos seguintes auxílios:
[…]
b) Auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica; os regimes destinados a atividades turísticas, infraestruturas de banda larga ou comercialização e transformação de produtos agrícolas não são considerados orientados para setores específicos da atividade económica»;
- “Em todo o caso, persistindo dúvidas quanto à inclusão da actividade de produção e comercialização de snacks de frutos secos no âmbito sectorial das OAR e do RGIC, ... deverá esse Douto Tribunal Arbitral promover a interpretação por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia do §10, nota de rodapé 11, das OAR 2014-2020, dos §§33 e 168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, e dos artigos 1.º, n.os 1 e 3, e 13.º, alínea b), do RGIC.”;
- “...aplicação do RFAI à actividade da Requerente não pode ser afastada com fundamento no disposto no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro... as normas que criam benefícios fiscais assumem a natureza de normas excepcionais – como expressamente decorre do artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) –, permitindo quanto muito e à luz do artigo 10.º do EBF uma interpretação extensiva mas não uma interpretação restritiva para a qual não existe suporte legal.”;
- “Por outro lado, tendo em conta o princípio da legalidade fiscal e a regra da proibição do reenvio normativo, previstos, respectivamente, nos artigos 103.º e 165, n.º 1, alínea i) e 112.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), prevendo um Decreto-Lei autorizado – o Decreto-Lei n.º 162/2014 – que um determinado benefício fiscal – o RFAI – é aplicável a sujeitos passivos – como a Requerente – que exerçam a sua atividade num setor específico – a indústria transformadora – não pode a Administração Tributária, com fundamento numa norma regulamentar, deixar de reconhecer a aplicação do referido benefício fiscal a empresas desse setor que cumpram os requisitos de acesso ao benefício.”;
- “o artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, é inconstitucional por violação do princípio da legalidade fiscal, consagrado nos artigos 103.° e 165.°, n.° 1, alínea i), da CRP, e da proibição do reenvio normativo, consagrada no artigo 112.°, n.° 5, da CRP, na interpretação de que a Administração Tributária pode restringir o âmbito de aplicação sectorial do RFAI tal como este se encontra definido pelos artigos 22.º e 2.º do CFI, com fundamento nessa norma regulamentar.”.
3. APRECIAÇÃO
Resulta da matéria de facto provada, que a Requerente é uma sociedade comercial por quotas, cuja actividade principal assenta na transformação, embalamento e comercialização de frutos secos e de produção e comercialização de aperitivos (“snacks”), com o CAE Principal 10395 (facto provado C), estando em causa apurar se tal actividade se enquadra no âmbito de aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI).
O Decreto-Lei n.º 162/2014 aprovou um novo CFI nele incluindo uma revisão do RFAI, ao abrigo da autorização legislativa concedida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho, que tinha o seguinte sentido e extensão, definidos no n.º 3 do mesmo artigo 2.º nestes termos:
3 - A autorização prevista na alínea c) do n.º 1 tem como sentido e extensão:
a) Adaptar o regime às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente:
i) Às disposições constantes do Regulamento geral de isenção por categoria, que define as condições sob as quais certas categorias de auxílios podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno;
ii) Às regras previstas no mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;
b) Prorrogar a vigência do regime até 31 de dezembro de 2020;
c) Definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;
(...)
As actividades económicas relativamente às quais podem ser concedidos benefícios fiscais no âmbito do RFAI são indicadas no artigo 2.º do CFI, por remissão do seu artigo 22.º, n.º 1, que estabelecem o seguinte:
Artigo 2.º
Âmbito objetivo
1 - Até 31 de dezembro de 2020, podem ser concedidos benefícios fiscais, em regime contratual, com um período de vigência até 10 anos a contar da conclusão do projeto de investimento, aos projetos de investimento, tal como são caracterizados no presente capítulo, cujas aplicações relevantes sejam de montante igual ou superior a (euro) 3 000 000,00.
2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:
a) Indústria extrativa e indústria transformadora;
b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;
c) Atividades e serviços informáticos e conexos;
d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;
e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;
f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;
g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;
h) Atividades de centros de serviços partilhados.
3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.
Artigo 22.º
Âmbito de aplicação e definições
1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
3.1. Do afastamento do benefício fiscal com fundamento no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro
A portaria para que remete o n.º 3 do artigo 2.º do CFI veio a ser a Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, que refere no seu Preâmbulo o seguinte:
Atendendo à necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.
Concretizando, os artigos 1.º e 2.º desta Portaria estabelecem o seguinte:
Artigo 1.º
Enquadramento comunitário
Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.
Artigo 2.º
Âmbito setorial
Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:
a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;
b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;
c) Alojamento - divisão 55;
d) Restauração e similares - divisão 56;
e) Atividades de edição - divisão 58;
f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;
g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;
h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;
i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;
j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;
k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.
Ora, como se evidencia do teor do n.º 3 do artigo 2.º do CFI, o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos «códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior» e não a definição dessas actividades. Aliás, nem seria constitucionalmente admissível a definição do âmbito objectivo de benefícios fiscais por tal via, uma vez que se trata de matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, só podendo ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, como decorre do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b) da CRP.
Enquanto tal, e sendo que, por força do disposto no n.º 5 do artigo 112.º da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos», o n.º 3 do artigo 2.º do CFI não deve ser interpretado como permitindo aos membros do Governo a definição do âmbito de aplicação dos benefícios através de diploma regulamentar. Na verdade, «é a Constituição e não a lei que estabelece a hierarquia normativa. São por isso inconstitucionais as normas legais que infrinjam a proibição de delegação, sendo consequentemente ilegais os regulamentos que porventura sejam emitidos ao abrigo dessa delegação» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição RP anotada, 4ª edição, volume II, pág. 69).
Assim, e como se referiu já na Decisão Arbitral proferida no Proc. n.º 220/2020-T do CAAD, aquele n.º 3 do artigo 2.º do CFI deve ser interpretado com o alcance, que é o que resulta do seu teor literal, de permitir que fossem definidos por portaria os «códigos de atividade económica» que se reportam às actividades que nele se indicam poderem beneficiar do RFAI e não que pudessem ser alteradas, para menos, as actividades abrangidas.
Por isso, «o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional» que o Governo foi autorizado a esclarecer foi definido pelos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, e 22.º, n.º 1, do CFI e o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos códigos das actividades que se indicaram incluir-se nesse âmbito.
Sendo assim, a Portaria n.º 282/2014 não encontra norma habilitante no n.º 3 do artigo 2.º do CFI para estabelecer, restringindo, o âmbito definido no n.º 2 do mesmo artigo, que «não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas».
Na verdade, o estabelecimento destas inelegibilidades, reportadas a determinadas actividades elencadas no artigo 2.º, n.º 2, do CFI, reconduz-se ao afastamento da aplicabilidade do benefício fiscal a essas actividades, extravasando a competência objectiva que foi atribuída aos membros do Governo pelo n.º 3 do artigo 2.º do CFI, que se restringia à indicação dos Códigos das actividades definidas no n.º 2 do mesmo artigo.
É certo que os diplomas de Direito da União que são invocados no Preâmbulo da Portaria n.º 282/2014, e a «necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais» aí referida, poderiam constituir «um fundamento constitucional e uma habilitação legal prévia da emanação de regulamentos internos» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anot., 4ª edição, volume II, pág. 78), mas tal habilitação não é admissível quando «seja incompatível com a ordem material de competências constitucionalmente estabelecida (excluem-se, pois, regulamentos de actuação de directivas em matérias de reserva de lei)» (obra e local citados), o que sucede neste caso, pois a definição do âmbito dos benefícios é matéria que a lei constitucional portuguesa integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos citados artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP (vide a ante citada Decisão Arbitral).
Assim, não pode basear-se no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, o afastamento do benefício fiscal, por falta de habilitação legal e validade constitucional para restringir o âmbito do benefício fiscal definido no artigo 2.º, n.º 2, do CFI.
No entanto, do vício de que enferma este artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014 não decorre necessariamente a anulação das liquidações impugnadas, pois é invocado também como seu fundamento para exclusão do benefício fiscal «o próprio número 1 do artigo 22º deste diploma que, na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC».
Com efeito, quando um acto tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a sua legalidade, é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto." (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10-05-2000, P. 039073, publicado em apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, pág. 4229, e Acórdão do Pleno do STA, de 28-10-2004, P. 028055).
3.2 Do afastamento do benefício fiscal com fundamento em se tratar de actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC
Emerge da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho (autorização legislativa), que se visou com o RFAI «definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional».
O artigo 2.º do CFI elenca as actividades que podem usufruir de benefícios fiscais, entre as quais inclui a «indústria transformadora»[alínea a) do n.º 2], mas reafirmando o respeito do «âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC».
O artigo 22.º, n.º 1, do CFI estabelece que «o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC».
É pacifíco entre Requerente e Requerida que a primeira não relevou para efeitos da aplicação do RFAI quaisquer investimentos por si realizados na sua actividade relativa à simples compra e revenda de frutos secos ao natural (facto provado H), mas tão só investimentos feitos na sua actividade mais recente (desde 2016) de transformação, embalamento e comercialização de frutos secos e de produção e comercialização de aperitivos (“snacks”), com o CAE Principal 10395 - Preparação e conservação de frutos e produtos hortícolas por outros processos (Facto provado C), investimentos esses que consistiram na adquisição de máquinas e outros activos fixos tangíveis e na ampliação das suas instalações fabris, de forma a garantir a separação entre as matérias-primas, os produtos intermédios e os produtos finais, bem como na admissão de novos trabalhadores, tendo duplicado o número destes entre Janeiro de 2016 e Dezembro de 2018 (facto provado E).
Contudo, a Administração Tributária defende que a actividade da Requerente é excluída do âmbito de aplicação do RFAI, porque as actividades de «transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo l do Tratado» são «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», a que se refere a parte final daquele n.º 1 do artigo 22.º do CFI.
Coloca-se, portanto, a questão de saber se a actividade da Requerente está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR (Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013), e do RGIC (Regulamento Geral de Isenção por Categoria, aprovado pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de Junho de 2014.
3.2.1. Da exclusão do benefício fiscal pela aplicação das OAR
No que concerne às OAR, a Administração Tributária entendeu que a exclusão decorre do seu ponto 10 em que se estabelece o seguinte:
10. A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura ( 10 ), da agricultura ( 11) e dos transportes ( 12 ), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.º do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.
Na nota de rodapé (11), relativa à agricultura, refere-se o seguinte:
«Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola».
Ora, como se viu, a AT entende que os produtos transformados e comercializados pela Requerente (facto provado F) não mudam, no essencial, a natureza dos produtos que lhes deram origem, mantendo assim, não obstante a transformação operada pelo sujeito passivo, a natureza de produtos agrícolas. Daí, e considerando as normas que antecedem, uma vez que as actividades de transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado se encontram excluídas do âmbito do RFAI, conclui pela ineligibilidade dos investimentos feitos pela Requerente (e aqui postos em crise), para efeitos desse benefício fiscal.
Contrapõe a Requerente que as "transformações" efectuadas no decurso do seu processo produtivo, nomeadamente, operações de "fritura', "adição de açúcar'', "adição de aromas" e "condimentação", entre outras, alteram significativamente as matérias primas utilizadas, não podendo o resultado final continuar a considerar-se como "produtos agrícolas". Adita que "...a produção de snacks através da aplicação à matéria-prima de diversas técnicas de transformação mais ou menos complexas e muitas vezes incluindo a adição de várias substâncias que alteram significatívamente o seu sabor original, as mesmas são inequivocamente dedutíveis ao abrigo do RFAI...”.
Por útimo, salienta a Requerente que “...à luz do §10 (e respectiva nota de rodapé 11) das OAR 2014-2020 e dos §33 e §168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola – e ao contrário do entendimento perfilhado pela Administração Tributária –, a actividade de produção e comercialização de “snacks” de frutos secos não está excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR 2014-2020, uma vez que a mesma se reconduzirá no limite à transformação de produtos agrícolas e não à respectiva produção.”
Aqui chegados, é de notar que na fundamentação que consta do Relatório da Inspecção Tributária não se encontra qualquer referência a estas especiais «Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola», que, como se diz no ponto 10 das OAR, são susceptíveis de derrogar total ou parcialmente estas Orientações.
De novo seguindo o prolatado na mencionada Decisão Arbitral, em tribunal colectivo presidido pelo Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, tal significa, desde logo, que as liquidações enfermam de um erro de direito, quanto à invocação das OAR como obstáculo à aplicação do benefício fiscal, pois era primacialmente com base nas específicas «Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola» que a questão tinha de ser apreciada e só se se concluísse que estas não derrogam, total ou parcialmente as OAR se poderia concluir pela exclusão do benefício fiscal com base nestas.
Efectivamente, nas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020», publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204/1, de 01-07-2014, refere-se no ponto 33:
(33)
Em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (27). Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.
Como resulta do teor expresso desta segunda parte do ponto (33), as OAR não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários, mas aplicam-se à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações relativas aos setores agrícola e florestal.
Além do que, na secção 1.1.1.4., ponto (168), das mesmas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020» estabelece-se que
(168) Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:
a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado;
(b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020; (c) As condições estabelecidas na presente secção.
Donde se conclui que a actividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente “snacks” de frutos secos, não é uma das «actividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais.
3.2.2. Da exclusão do benefício fiscal pela aplicação do RGIC
A Administração Tributária entendeu que actividade da Requerente se integra no conceito de «transformação de produtos agrícolas» e, como o produto final desta actividade é um produto agrícola, porque enumerado no Anexo l do Tratado, esta actividade encontra-se excluída do RGIC, de acordo com o seu Considerando (11).
Por força do preceituado no artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do RGIC, este diploma é aplicável, além do mais, aos auxílios com finalidade regional, como são os previstos no CFI, à face do preceituado no n.º 2 do seu artigo 2.º.
Relativamente aos auxílios concedidos no sector de transformação e comercialização de produtos agrícolas, o afastamento da aplicação do RGIC é estabelecido nos seguintes termos:
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
(...)
3. O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:
(...)
c) Auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos:
i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou
ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários;
Depreende-se desta limitação dos auxílios excluídos do âmbito de aplicação do RGIC, que este diploma é aplicável aos auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas em todos os outros casos cuja exclusão não está prevista.
No caso em apreço, as Partes estão de acordo em que a actividade da Requerente é de «transformação de produtos agrícolas», que é definida na alínea 10) do artigo 2.º do RGIC ; como «transformação de produtos agrícolas», entende-se, para este efeito, «qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda». E por «Produto agrícola» entende-se «um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013» [definição 11) que consta do artigo 2.º do RGIC].
Pelo que, mesmo considerando que os frutos secos transformados e os “snacks” de frutos secos comercializados pela Requerente pudessem enquadrar-se no Capítulo 20 do Anexo I do TFUE [Preparados de produtos hortículas, de frutas e outras plantas ou partes de plantas] e na posição 20.08, da Nomenclatura Combinada de Bruxelas [Regulamento (CEE) n° 2658/87, de 23/07 e Regulamento de Execução (EU) 2017/1925, da Comissão, de 22/01/2017 e publicações do Instituto Nacional de Estatística (INE): 20.08 - Frutas e outras partes comestíveis de plantas, preparadas ou conservadas de outro modo, com ou sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes ou álcool, não especificadas nem compreendidas noutras posições] , como se sustentou no RIT, ainda assim os investimentos e a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo não estariam excluídos do RFAI.
Na verdade, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, só não é permitida a concessão de auxílios estatais à actividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, «sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa» ou «sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários».
Consequentemente, não se verificando qualquer destas situações no caso em apreço, tem de se concluir que a aplicação do benefício fiscal do RFAI também não é afastada pelo RGIC.
O artigo 13.º, alínea b), do RGIC, que define o «âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional», confirma a sua aplicação à actividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, ao excluir do seu âmbito de aplicação os «auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica», mas esclarecendo que não é como tal considerada «a transformação de produtos agrícolas», nestes termos:
Artigo 13.º
Âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional
A presente secção não é aplicável aos seguintes auxílios:
(...)
b) Auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica; os regimes destinados a atividades turísticas, infraestruturas de banda larga ou comercialização e transformação de produtos agrícolas não são considerados orientados para setores específicos da atividade económica;
(...)
Pelo exposto, conclui-se que a actividade da Requerente se inclui no âmbito de aplicação do RGIC, pelo que a exceção de aplicação do RFAI às actividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação do RGIC, que se prevê na parte final do artigo 22.º, não afasta a aplicação do benefício fiscal do RFAI àquela actividade.
Consequentemente, há que reconhecer e declarar a ilegalidade das liquidações impugnadas, por vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.3. Desnecessidade de reenvio prejudicial
A Requerente sugere o reenvio prejudicial para o TJUE quanto à interpretação do §10, nota de rodapé 11, das OAR 2014-2020, dos §§33 e 168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, e dos artigos 1.º, n.ºs 1 e 3, e 13.º, alínea b), do RGIC.
No artigo 19.º, n.º 3, alínea b), do Tratado da União Europeia e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia prevê-se o reenvio prejudicial para o TJUE, que é obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.
No entanto, quando a lei comunitária seja clara ou quando já haja um precedente na jurisprudência europeia não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.
Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro).
«Compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE Acórdão de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018, processo C-207/16).
Afigura-se a este Tribunal Arbitral que a interpretação das normas de Direito Europeu que é necessária para apreciação da legalidade das liquidações impugnadas é clara, pelo que não há necessidade de efectuar o reenvio sugerido.
3.4. Juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas
As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as respectivas liquidações de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam estas, justificando-se também a sua anulação.
4. Restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios
Dentro do respectivo prazo, a Requerente procedeu ao pagamento integral das referidas liquidações de imposto e juros compensatórios no montante global de 273.470,17€, aqui impugnadas, pedindo a sua restituição com juros indemnizatórios.
Atento o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º, n.º 1, da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» - cfr. nº 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Como os juros indemnizatórios dependem da existência de um montante a reembolsar, insere-se também na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD determinar a restituição de quantias indevidamente pagas, como consequência da anulação de actos de liquidação.
Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios.
4.1. Restituição de quantias pagas
Dado que procede o pedido de pronúncia arbitral, as liquidações devem ser anuladas, sendo a restituição das quantias indevidamente pagas é uma consequência da sua eliminação jurídica. Enquanto tal, tem a Requerente o direito a ser restituída da quantia global de € 273.470,17€.
4.2. Juros indemnizatórios
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Os erros que afectam as liquidações são imputáveis à Administração Tributária, que as efectuou por sua iniciativa.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
Os juros indemnizatórios são calculados à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 4 e 5, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde as datas do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.
V. DECISÃO
De harmonia com o supra exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular as liquidações adicionais de IRC n.ºs 2020 …, de 23 de Novembro de 2020, 2020 …, de 26 de Novembro de 2020, e 2021 …, de 18 de Janeiro de 2021, referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018, e correspondentes liquidações adicionais de juros compensatórios, no montante global de 273.470,17€.
c) Julgar procedente o pedido de restituição das quantias pagas e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o pagamento à Requerente da quantia de 273.470,17€;
d) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, calculados à taxa legal supletiva, desde as datas do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.
e) Em face do seu total decaímento, condenar a Requerida na totalidade das custas do processo arbitral.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 273.470,17 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. CUSTAS
Custas no montante de 4.896,00 €, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VIII. Comunicação ao Ministério Público
Notifique-se o Ministério Público, nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, para efeitos de eventual recurso, previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, se for caso disso.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de Abril de 2022.
Os Árbitros,
(Alexandra Coelho Martins)
(A. Sérgio de Matos, relator)
(Rui Duarte Morais)