Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 821/2021-T
Data da decisão: 2022-04-26  IRC  
Valor do pedido: € 461.279,11
Tema: IRC - Art. 22º EBF. Fundos de investimento não residentes. Liberdade de circulação de capitais.
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SUMÁRIO

 

O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Nuno Cunha Rodrigues (Árbitro-presidente), Rui Miguel Zeferino Ferreira e Paulo Ferreira Alves (Árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22.02.2022, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

A..., organismo de investimento colectivo em valores mobiliários (“OICVM”) constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo, contribuinte fiscal luxemburguês n.º ... e português n.º..., com sede em ..., ... Luxemburgo (doravante “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente e, bem assim, dos actos de retenção na fonte respeitantes a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) ocorridas em 2018 e 2019, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, frente melhor identificados (docs. 1 e 2 juntos com o pedido arbitral), no montante global de € 461.279,11 (quatrocentos e sessenta e um mil duzentos e setenta e nove euros e onze cêntimos)

A Requerente pede também a restituição do imposto retido indevidamente, o pagamento de juros indemnizatórios, bem como a condenação da Requerida no pagamento das custas de arbitragem.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13.12.2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 02.02.2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 22.02.2022.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido arbitral.

Por despacho de 05.04.2022, e atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de excepção sobre as quais as partes carecessem de se pronunciar, e que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT e a apresentação de alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, sendo o mesmo competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

A)           A Requerente é uma pessoa colectiva de direito luxemburguês, mais concretamente, um Organismo de Investimento Colectivo (OIC) em valores mobiliários, constituído sobre a forma contratual de fundo de investimento (cfr. docs. 4, 5 e 6 juntos com o pedido arbitral);

B)           A Requerente é administrada pela sociedade pela B... S.A., entidade com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo (cfr. documento n.º 6 junto com o pedido arbitral);

C)           No período de 2018, a Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 1.063.573,69, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal, em sede de IRC, sob a aplicação do mecanismo de retenção na fonte, à taxa liberatória de 25%, nos seguintes termos (cfr. doc. 3, junto com o pedido arbitral):

 

 

 

D)           No período de 2019, a Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 2.011.620,20, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal, em sede de IRC, sob a aplicação do mecanismo de retenção na fonte, à taxa liberatória de 25%, nos seguintes termos (cfr. doc. 3, junto com o pedido arbitral):

 

 

 

 

E)            As retenções na fonte de IRC em causa, referentes ao período de 2018, no valor total de EUR 265.893,45, foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.ºs ..., ..., ..., ... e ..., pelo C..., pessoa colectiva titular do número de identificação fiscal em Portugal ..., ao abrigo dos artigos 94.º, n.º 7, do CIRC (cfr. documento n.º 3 junto com o pedido arbitral).

F)            As retenções na fonte de IRC em causa relativas ao período de 2019, no valor total EUR 502.905,14, foram igualmente efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.ºs ..., ..., ..., ... e..., pelo C..., pessoa colectiva titular do número de identificação fiscal em Portugal ..., ao abrigo dos artigos 94.º, n.º 7, do CIRC (cfr. documento n.º 3 junto com o pedido arbitral).

G)           A Requerente solicitou o reembolso do montante correspondente à diferença entre a taxa de retenção na fonte efectuada em Portugal (i.e. 25%) e a taxa reduzida de retenção na fonte prevista no artigo 10.º, n.º 2, da CEDT Portugal/Luxemburgo (i.e. 15%);

H)           Assim, no que diz respeito ao período de 2018, tendo o Requerente já solicitado o referido reembolso, no valor de EUR 106.357,37 a Requerente solicita o remanescente do imposto retido, no montante total de EUR 159.536,08, conforme se discrimina infra:

 

 

 

I)             Relativamente ao período de 2019, tendo a Requerente já solicitado o reembolso, no valor de EUR 201.162,02, no âmbito dos presentes autos o Requerente solicita o remanescente do imposto retido, no montante total de EUR 301.743,12, conforme se discrimina infra:

 

 

 

J)            A Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência, relativo às retenções na fonte objecto dos presentes autos, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Luxemburgo (cfr. cópia de declaração da entidade gestora da Requerente, junta como doc. 7);

K)           No dia 20 de Maio de 2021, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de IRC acima identificadas referentes ao período de 2019, ao abrigo dos artigos 68.º, 102.º, n.º 1, alínea a), e 132.º do CPPT e 137.º do CIRC (cfr. documento n.º 1 do pedido arbitral);

L)            Em 30 de Junho de 2021, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas relativas ao período de 2018, ao abrigo dos artigos 78.º, n.º 1, da LGT, 137.º do CIRC (cfr. documento n.º 2 do pedido arbitral);

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente é uma pessoa colectiva de direito luxemburguês, que está constituída como organismo de investimento colectivo (OIC), sendo sujeito passivo de IRC, não residente, e sem estabelecimento estável em Portugal, sendo residente no Luxemburgo, nos anos de 2018 e 2019.

Nesse período, a Requerente recebeu os dividendos descritos nos factos dados como provados, sobre os quais foram efectuadas retenções na fonte, a título liberatório, de harmonia com o previsto nos artigos 94.º, n.º 1, al. c), n.º 3, al. b), e n.º 5, à taxa de 25%, prevista pelo art.º 87.º n.º 4, ambos do CIRC, em conformidade com o previsto nos artigos 10.º, n.º 2, e 11.º, n.º 2, alínea b), da Convenção entre a República Portuguesa e o Luxemburgo para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, aprovada pela Lei n.º 12/82, de e 3 Junho (doravante “CDT”).

A Requerente solicitou o reembolso do montante correspondente à diferença entre a taxa de retenção na fonte efectuada em Portugal (i.e. 25%) e a taxa reduzida de retenção na fonte prevista no artigo 10.º, n.º 2, da CEDT Portugal/Luxemburgo (15%), pelo que solicita o remanescente do imposto retido, no montante de € 159.536,08 (referente ao período de 2018) e de € 301.743,12 (referente ao período de 2019).

O artigo 87.º do CIRC estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 87.º

Taxas

(...)

4 - Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25 %, exceto relativamente aos seguintes rendimentos:

(...)

 

O artigo 94.º do CIRC, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 94.º

Retenção na fonte

1 - O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:

(...)

c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade;

(...)

3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm caráter definitivo:

(...)

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis;

(...)

 

O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro estabelece o seguinte:

 

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo, no entanto, ser inferior a um ano civil:

a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;

b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo -lhes ainda aplicável o disposto no Decreto -Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

 

Nos termos do artigo 7.º daquele Decreto-Lei n.º 7/2015, «as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015».

No referido n.º 1 do artigo 22.º estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos «fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional».

A Requerente é constituída ao abrigo da lei luxemburguesa e não da lei nacional, sendo por esse motivo que não lhe foi aplicado esse regime.

 

3.1. Posições das Partes

A Requerente defende, em suma, que resulta do regime que se prevê no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que estabelece o seguinte:

 

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

 

No entanto, o artigo 65.º do TFUE limita a aplicação deste princípio, estabelecendo o seguinte:

 

Artigo 65.º

(ex-artigo 58.º TCE)

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

 b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

 2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

 

Alega a Requerente o seguinte, em suma, que:

- Os OIC não residentes são objecto de uma discriminação contrária ao TFUE, na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, é aplicável apenas aos OIC residentes em Portugal, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e. ao abrigo da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a Directiva 2009/65/CE –, não permitindo o Estado português que os OIC não residentes, constituídos e a operar noutro Estado-Membro ao abrigo da Directiva 2009/65/CE acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa;

- Nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, e 87.º, n.º 4, todos do CIRC, os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC estabelecidos noutros Estados-Membros são tributados em sede de IRC, mediante a aplicação do mecanismo da retenção na fonte, à taxa liberatória de 25%, a qual poderá ser reduzida ao abrigo de convenções para evitar a dupla tributação celebradas pelo Estado português;

- Os dividendos auferidos pela Requerente em Portugal nos anos de 2018 e 2019 foram sujeitos a tributação em sede de IRC, através da aplicação do mecanismo da retenção na fonte, à taxa liberatória de 25%, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, e 87.º, n.º 4, todos do CIRC;

- Estando isento do imposto luxemburguês sobre os rendimentos das pessoas colectivas ao abrigo dos artigos 161.º da Lei de 4 de Dezembro de 1967 – «Loi modifiée du 4 décembre 1967 concernant l’impôt sur le revenu» – e 173.º da Lei de 17 de Dezembro de 2010, relativa ao regime dos organismos de investimento colectivo, que transpõe para o ordenamento jurídico luxemburguês a Directiva 2009/65/CE – «Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif» –, não foi possível à Requerente neutralizar a tributação dos referidos dividendos em Portugal, através do crédito de imposto previsto no artigo 24.º, n.º 2, da CEDT Portugal/Luxemburgo;

- Bastaria à Requerente ter a sua residência fiscal em Portugal, para que os referidos dividendos não tivessem sido sujeitos a retenção na fonte nem tão-pouco a tributação em sede de IRC, nos termos do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF;

- O tratamento discriminatório operado pelos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, todos do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, encontra-se em violação do TFUE, ao constituir uma restrição às liberdades fundamentais, designadamente à liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63º, do TFUE, e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, por violação do primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno, facto que deverá determinar a anulação das liquidações de IRC por retenção na fonte acima melhor identificadas, e a consequente restituição do imposto indevidamente liquidado à ora Requerente;

- Na medida em que o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, faz depender a dispensa de retenção na fonte e de tributação em sede de IRC, dos dividendos de fonte portuguesa, auferidos por um OIC, da respectiva residência em território português, os OIC não residentes constituídos e a operar em condições equivalentes, ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, encontram-se numa situação objectivamente comparável à dos OIC residentes em território português, podendo em ambos os casos os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal ser objecto de uma dupla tributação económica ou de uma tributação em cadeia;

- Neste contexto, constata-se que as liquidações de IRC objecto dos presentes autos assentam numa situação de discriminação que viola o princípio da livre circulação de capitais, previsto no artigo 63.º do TFUE;

- De acordo com as regras e princípios de Direito da União Europeia que prevalecem sobre a legislação nacional, nas situações como a ora em análise, impende sobre o Estado Português a obrigação de, no âmbito do exercício da sua soberania tributária sobre os dividendos auferidos pela Requerente, tratar os mesmos de modo equiparável aos dividendos auferidos por um OIC accionista residente em situação análoga – ou seja, de não discriminar entre OIC accionistas residentes e não residentes;

- Essa obrigação de não discriminar implica, necessariamente, que também os benefícios ou vantagens de natureza fiscal atribuídos a residentes devam ser concedidos, nas mesmas condições, a não residentes;

- Estando a Requerente isenta de tributação em sede de imposto luxemburguês sobre os rendimentos das pessoas colectivas, não poderá reclamar tal crédito de imposto no Estado da sua residência;

- Inexistindo um nexo directo entre a vantagem fiscal consagrada no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto sobre os OIC residentes, não poderá a discriminação sub judice ser justificada com a necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal português;

- A partir do momento em que o Estado português optou por não tributar em sede de IRC os dividendos pagos a OIC residentes em Portugal, não poderá justificar a discriminação sub judice com fundamento na salvaguarda da repartição equilibrada do poder de tributação entre Estados-Membros;

- O Estado português não pode justificar a discriminação em referência com a necessidade de evitar a fraude e a evasão fiscal ou de garantir a eficácia de controlos administrativos, na medida em que tal resultaria numa presunção inilidível, e como tal, contrária ao princípio da proporcionalidade, do carácter artificioso das operações em causa e do incumprimento por parte da Requerente, no seu Estado de residência, de exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa;

- O facto tributário subjacente à Verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo não é comparável, em termos materiais e temporais, ao facto tributário subjacente à tributação em sede de IRC de dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC não residentes, não sendo como tal possível justificar que a tributação de OIC não residentes, em sede de IRC, se configura como uma contrapartida da respectiva não tributação em sede de Imposto do Selo;

- Necessariamente se conclui que os dividendos auferidos por um OIC residente numa situação comparável à da ora Requerente, não se encontram sujeitos a tributação autónoma e, como tal, a discriminação dos OIC não residentes não pode considerar-se justificada;

- As liquidações de IRC, pelas retenções na fonte acima identificadas, enfermam do vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais, previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, a qual deverá, nos termos do artigo 163.º do CPA, determinar a anulação das liquidações, pelas retenções na fonte ora em crise, com a consequente restituição do imposto retido na fonte no montante total de € 461.279,11 (€ 159.536,08 referentes ao período de 2018 e € 301.743,12 referentes ao período de 2019), ao abrigo do artigo 100.º, da LGT, e ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma, que:

- O Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), aplicável a rendimentos obtidos a partir de 01.07.2015, e veio alterar, com interesse para o caso em apreço, a redação do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário, bem como a sociedades de investimento mobiliário e imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, conforme resulta do nº 1 do artigo 22.º do EBF, e Circular nº 6/2015, do Gabinete do Director-geral;

- Esta redação, prevê, para estes sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias, referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF e, uma isenção das derramas municipal e estadual, conforme n.º 6 da mencionada norma legal;

- No entanto tal exclusão é aplicável aos fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, não sendo esse o caso da Requerente;

- A administração tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que imediatamente a subordinam e vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada;

- A administração tributária tem de aplicar o disposto nos códigos fiscais, que se encontram em vigor, bem como as disposições deles constantes, que regulam determinada relação jurídico-tributária, de acordo com o artigo 2.º alínea b) da LGT, in casu, as normas constantes do Código do IRC e do EBF acima citadas;

- No que se refere ao quadro fiscal dos OIC, a opção legislativa teve por finalidade “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtracção à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo;

- A tributação em Imposto do Selo apenas recai sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira;

- Os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso da Requerente, não estão sujeitos a tributação autónoma sobre os dividendos;

- Os regimes fiscais aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e dos OIC constituídos e estabelecidos no Luxemburgo não são genericamente comparáveis, uma vez que a tributação dos primeiros compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável, que integra rendimentos marginais e repousa sobretudo no Imposto do Selo, ao passo que os segundos estavam isentos de tributação no imposto sobre o rendimento e, aparentemente, também de outros impostos;

- Para efeitos de comparação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e os OIC constituídos no Luxemburgo, é redutor, e manifestamente insuficiente para extrair conclusões, atender apenas ao imposto retido na fonte e abstrair de outras imposições susceptíveis de onerar fiscalmente os dividendos;

- Para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, e se tal diferenciação é susceptível de afectar o investimento em acções emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos;

- O imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores, questão que a Requerente também omitiu, ou, pelo menos, não esclareceu;

- Não pode afirmar-se que se esteja perante situações objectivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário;

- Para avaliar se da legislação nacional resulta um tratamento discriminatório dos fundos de investimento de outros Estados-Membros contrário ao TFUE, por constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a análise não pode cingir-se à consideração estrita das regras de retenção na fonte, há que atender à carga fiscal a que estão sujeitos os OICs abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, relativamente aos dividendos e às correspondentes acções, pois, só com esta visão global pode concluir-se com um mínimo de segurança que os fundos estrangeiros que investem em acções de sociedades residentes em Portugal são colocados numa situação mais desfavorável;

- A carga fiscal que pode recair sobre os dividendos e as correspondentes acções dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, seja de IRC, tributações autónomas ou de Imposto do Selo, também tem um impacto negativo na capacidade financeira dos mesmos e nas taxas de rendibilidade dos investimentos, que pode exceder o imposto retido na fonte sobre os dividendos auferidos por Fundos de investimento de outros Estados-Membros;

- O que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância;

- A AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia, na apreciação da reclamação graciosa interposta pela Requerente, aplicar de forma directa e automática as decisões do TJUE, proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correcta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada;

- O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros, que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objectivamente comparáveis; - As retenções na fonte efectuadas sobre os dividendos pagos à Requerente respeitam o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e o Luxemburgo, devendo ser mantidas na ordem jurídica, devendo concluir-se pela improcedência do PPA.

 

3.2. Apreciação da questão

 

No caso sub judice está em causa determinar a compatibilidade do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente com o artigo 63.º do TFUE.

Esta questão já foi apreciada, no passado, por outros Tribunais arbitrais, nomeadamente nos processos 90/2019-T; 528/2019-T e 11/2020-T.

Porém, não era claro se se verificava a comparabilidade objectiva entre a situação da Requerente e a situação de um hipotético OICVM residente em Portugal, constituído e a operar em condições equivalentes à Requerente, ao abrigo do regime decorrente da Directiva 2009/65/CE, accionista de sociedades residentes em Portugal, para efeitos de aplicação do princípio da não-discriminação e da liberdade de circulação de capitais previstas no TFUE.

Na verdade, escrutinada a jurisprudência do TJUE até 2021 verificava-se que nenhuma dizia respeito a uma situação similar ao caso sub judice.

De forma exemplificativa, o acórdão do TJUE de 21 de Junho de 2018, proferido no processo C-480/16 (Fidelity Funds) dizia respeito à tributação dos OICVM na Dinamarca e o acórdão do TJUE de 10 de maio de 2012, proferido nos processos C-338/11 a C-347/11 (Santander Asset Management SGIIC, S.A.) dizia respeito à tributação dos OICVM na França.

A novidade que a situação em Portugal subjacente ao caso sub judice representou no contexto da jurisprudência do TJUE ficou, aliás, evidenciada, de forma clara, nas conclusões da advogada-geral Juliane Kokott, apresentadas em 6 de maio de 2021, no processo C-545/19.

Certo é que o TJUE acabou por proferir decisão esclarecedora, no processo C-545/19, que é aplicável, ceteris paribus¸ ao caso sub judice.

Na verdade, no referido acórdão do TJUE, proc. C-545/19, o litígio no processo principal dizia respeito a um pedido de anulação de atos que procederam à retenção na fonte dos dividendos pagos à recorrente no processo principal por sociedades estabelecidas em Portugal bem como à compatibilidade com o direito da União de uma legislação nacional que reserva a possibilidade de beneficiar da isenção dessa retenção na fonte aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa ou cuja entidade gestora opera em Portugal através de um estabelecimento estável (cfr. parágrafo 32 do acórdão).

Nesse acórdão, o TJUE considerou ainda o seguinte:

“38      Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39      Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).”

Importa ainda observar que, de harmonia com o acórdão do TJUE que vimos acompanhando, considerou que os OIC não residentes estavam numa situação comparável com os OIC residente. Assim, afirma-se no parágrafo 67 o seguinte:

“67      Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal” para, mais adiante, concluir da seguinte forma:

“73      Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.” e ainda que, “no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.” (cfr. parágrafo 74).

O acórdão proferido pelo TJUE no processo C-545719 é, como referimos, absolutamente esclarecedor.

Ora se já existir jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto) um órgão jurisdicional nacional pode “decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25.10.2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31.01.2003, p. 3757; de 07.11.2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13.10.2003, p. 2602; de 07.11.2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13.10.2003, p. 2593).

Assim, no citado acórdão do TJUE de 17.03.2022, proferido no processo n.º C-545/19, concluiu-se da seguinte forma:

 

O artigo 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

Deve, por fim, ter-se presente que o primado ou primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Assim, declara-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.

E assim sendo, tem de se concluir que as retenções na fonte e o indeferimento tácito do pedido de reclamação graciosa, enfermam de vício de violação de lei, o que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, com as demais consequências legais, designadamente o reembolso do imposto pago indevidamente.

 

3.3. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios   

 

O Requerente pede reembolso do imposto indevidamente retido na fonte, acrescido de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação das retenções na fonte o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias retidas, o que é consequência da anulação.

No que concerne o direito a juros indemnizatórios, como explanado na decisão proferida no já referido processo nº 133/2021-T do CAAD, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só o direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18.04.2013, processo nº C-565/11 (entre outros), em que se refere:

 

«21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

 

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

 

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida)».

 

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respectiva taxa e o modo de cálculo.

Como tem vido a entender o Supremo Tribunal Administrativo, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT». 

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

No caso em apreço, não tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado no prazo da reclamação graciosa (2 anos a contar da data do pagamento, nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do CIRC), não se está perante uma situação enquadrável na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, em que o pedido de revisão oficiosa é equiparável à reclamação graciosa, como se refere no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.

Consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios com base nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT, que pressupõem a existência de reclamação graciosa ou impugnação judicial tempestiva.

Assim, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Nestes termos, o Requerente só teria direito a juros indemnizatórios a partir de um ano a contar da data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, isto é, a partir de 30.06.2022.

               

4. Decisão          

 

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Declarar ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia;

b)           Julgar procedente o pedido de anulação das retenções na fonte efectuadas e identificadas nas alíneas H) e I) dos factos provados, com as demais consequências legais;

c)            Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia total de € 461.279,11 e condenar a Administração Tributária e Aduaneira a pagar este montante à Requerente;

d)           Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios efetuado pela Requerente;

e)           Condenar a Requerida Administração Tributária e Aduaneira no pagamento das custas.

 

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 461.279,11, indicado pela Requerente e sem oposição da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.344, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se o Ministério Público, representado pela Senhora Procuradora-Geral da República, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional e 185.º-A, n.º 2, do CPTA, subsidiariamente aplicável.

 

Lisboa, 26 de abril de 2022

 

O Árbitro-Presidente

(Nuno Cunha Rodrigues)

 

Os Árbitros-vogais

(Rui Miguel Zeferino Ferreira)

(Paulo Ferreira Alves)