Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 639/2020-T
Data da decisão: 2022-04-18  IVA  
Valor do pedido: € 18.083.434,00
Tema: Isenção do artigo 9.º, 1) do CIVA no conselho nutricional em ginásio.
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SUMÁRIO:

1.         Os serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para este efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva não tem finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, 1) do Código do IVA.

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

 

O Tribunal Arbitral coletivo constituído pelo Árbitro Presidente Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, pelo Vogal Professor Doutor Vasco António Branco Guimarães e Vogal Dra. Sofia Ricardo Borges, árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 03-05-2021, deliberam o seguinte: 

1. Relatório

A..., SA,  id. nos autos, NIPC ..., com morada no Lugar de ..., ...-..., Maia, (de ora avante designada por “Requerente”), apresentou ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a: anulação dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de juros compensatórios com os números 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., no montante total de Euro 162 938,51 (cento e sessenta e dois mil novecentos e trinta e oito euros e cinquenta cêntimos), e de juros compensatórios no montante total de Euro 17.895,83 (dezassete mil oitocentos e noventa e cinco euros e oitenta e três cêntimos), devidamente comunicados à Requerente em 3 de Julho de 2020.

Requer igualmente o reembolso das quantias indevidamente pagas e condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios por pagamento indevido de prestação tributária.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-11-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral os signatários acima indicados, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-01-2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-05-2021.

A Autoridade Tributária e Aduaneira devidamente notificada em 03-05-2021 ao abrigo do artigo 17.º do RJAT apresentou resposta e o processo administrativo em 06-06-2021.

Por despacho de 10-06-2021, foram as partes convidadas a apresentar alegações com vista a garantir o pleno contraditório neste processo.

 As partes apresentaram alegações em 29-06-2021 o SP e em 30-06-2021 a AT.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

 

  1. A Requerente é uma sociedade de direito português que tem como objeto social o exercício da «atividade de gestão e consultoria de instalações desportivas e de health clubs, bem como a gestão e exploração de ginásios, nutricionismo, educação física, fisioterapia, estética, massagens, tratamentos de beleza e saúde, acupunctura, restauração, formação, realização de estudos de mercado e viabilidade económica e atividades acessórias e/ou conexas, investimentos».
  2. A Requerente encontra-se – em sede de IVA - enquadrada no regime normal de tributação, de periodicidade mensal.
  3. Em 2017 a Requerente passou a proporcionar aos seus sócios que utilizavam os seus ginásios serviços facultativos de nutrição e aconselhamento nutricional.
  4. Os serviços, quando realizados, eram prestados por profissional habilitado para o efeito.
  5. Os serviços de nutrição, ainda que não realizados, eram faturados na mensalidade do utente com isenção IVA ao abrigo do artigo 9.º, 1) do CIVA que expressa em Portugal o que dispõe o artigo 132.º, n.º 1 alínea c) da Diretiva 2006/112.
  6. Todas as mensalidades faturadas pela Requerente no ano de 2017 incluem «Serviços de Nutrição».
  7. A pedido da AT a Requerente esclareceu que, para efeitos de IVA em 2017 a percentagem de 36,34% da sua atividade total se encontrava isenta ao abrigo do artigo 9.º, 1) do CIVA.
  8. O Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão n.º 1/2022 emitido pelo Pleno da 2ª Secção uniformizou a Jurisprudência sobre esta matéria nos seguintes termos: «Os serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para este efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva não tem finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, 1) do Código do IVA».
  9. Dão-se como reproduzidos os argumentos e documentos constantes do PPA e da Resposta acima identificadas bem como das Alegações apresentadas.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto.

      H) Não se provou que as consultas nutricionistas faturadas pela Requerente correspondessem a consultas efetuadas aos utentes dos Health Clubs.

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e a Requerida e pela divulgação por publicação do Acórdão do STA n.º 1/2022 emitido pelo Pleno da 2ª Secção.

Não se retiram outros factos relevantes do articulado por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico.

 

3. Matéria de direito

A questão de Direito neste processo é saber se as atividades nutricionistas faturadas num contexto de utilização de um ginásio/health Club têm fins terapêuticos ou meramente sanitários.

 

As questões de mérito que são objeto deste processo são:

1.         Saber se a AT podia ter efetuado a correção das declarações IVA identificadas no RI como fez e liquidado o imposto nos termos em que o fez.

2.         Saber se são devidos juros à Requerente.

 

3.1. Posições das Partes

A Requerente defende o seguinte, em suma:

- Que os serviços de nutrição são atividade paramédica e, em consequência, se inserem no escopo da isenção prevista no artigo 9º, 1) do CIVA;

- Que a faturação e isenção são válidas independentemente da sua efetivação material porquanto os utentes tinham o serviço à sua disposição (componente humana e material) e a emissão da fatura é, em si, uma regra de incidência com previsão normativa na incidência subjetiva IVA – artigo 2.º, n.º 1 alínea c) do CIVA.

- A AT apresentou os seus argumentos tentando demonstrar a impossibilidade física de prestar os serviços faturados aos utentes e a sua finalidade sanitária e não terapêutica e logo não isenta.

 

3.2. Apreciação da questão

 

3.2.1. Objeto do processo no caso de impugnação de autoliquidação.

Em princípio, a fundamentação dos atos tributários a atender nos processos arbitrais é a que consta desses atos, pois está-se perante um contencioso de mera anulação com fundamento em ilegalidade (artigos 99.º e 124.º do CPPT), em que se visa apreciar a legalidade da atuação da Administração Tributária tal como ela ocorreu, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos.

Em sede de IVA, as isenções têm uma dupla restrição: a) a que resulta da natureza de benefício fiscal da isenção que é de interpretação restritiva por força do EBF; b) a que resulta das isenções IVA terem consagração legal tipificada por força de estarmos perante legislação europeia harmonizada (Diretiva e Regulamento) com papel relevante na criação do mercado único europeu.

Aplicando a lógica restritiva ao caso em análise verificamos que a lógica de que fatura com IVA significa incidência não é a mesma coisa que fatura com isenção porquanto:

  1. a primeira implica automaticamente a obrigatoriedade de declaração e entrega do IVA cobrado à AT mesmo pelos não Sujeitos Passivos (SP) mas,
  2. colocar como isenta uma fatura sujeita a IVA constitui eventual infração tipificada e implica sempre correção administrativa com imposição de juros compensatórios.

A situação em análise deverá ser avaliada sob esta ótica cautelar e restritiva o que coloca sob escrutínio a efetividade e qualidade dos serviços isentos prestados. Uma atividade terapêutica não pode ser potencial ou ausente. A definição de terapia pressupõe a realização de atos e práticas dirigidas à cura de uma patologia ou doença. Não há terapia ausente.

A Requerente, ao introduzir no valor da prestação uma componente isenta baixa a taxa real do IVA sobre os serviços prestados. Esta constatação é agravada pelo facto de se ter consciência de que a «prestação isenta» é potencial e eventualmente desproporcional quando comparada com a frequência e carga horária dos serviços sujeitos a IVA prestados. Esta situação cria complementarmente uma violação da concorrência com os prestadores que não souberam ou não puderam introduzir uma prestação isenta nos serviços fornecidos.

As afirmações constantes do PPA e das Alegações da Requerente de que o serviço nutricional pode ser meramente potencial e autojustificado pela emissão da fatura não colhem conforme foi já sustentado e explicado.

Improcedem assim os argumentos expendidos pela Requerente.

Acresce ao analisado que uma situação fáctica idêntica à presente nos autos foi já objeto de decisão no STA em Pleno da 2ª Secção – cfr. Acórdão 1/2022 citado que definiu jurisprudência uniforme para os presentes casos inspirado no acórdão do TJUE Frenetikexito processo C-581/19 que citam.

O CAAD enquanto tribunal de 1ª instância na ordem jurídica portuguesa está tendencialmente obrigado à aplicação da Jurisprudência formulada pelos Tribunais superiores.

Assim, sendo a atividade nutricional exercida no âmbito de uma prestação de serviços de ginásio e health Club de natureza sanitária e não terapêutica como são a dos autos não podia a Requerente ter emitido faturas sem IVA devendo fazê-lo de forma autónoma ou independente mas com o IVA da prestação principal.

Acórdão:

Pelo exposto, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos ou apreciação exaustiva de outros argumentos invocados pela Demandada julgam os Árbitros por unanimidade o pedido arbitral improcedente e, em consequência,

a.  Absolvem a AT do pedido com todas as legais consequências;

b. Condenam a Requerente nas custas processuais por ter dado origem à causa e nela ter decaído.

 

Valor do processo: Euro 180.834,34 Euro (cento e oitenta mil, oitocentos e trinta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos).

Custas processuais no valor de Euro 3672,00 Euro (três mil seiscentos e setenta e dois).

 

Lisboa, 18-04-2022

O Tribunal Arbitral Coletivo

O Árbitro-Presidente

 

(Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros)

O Árbitro- Vogal Relator

 

(Professor Doutor Vasco Branco Guimarães)

 

A Árbitro- Vogal

 

(Sofia Ricardo Borges)