(consultar versão completa no PDF)
SUMÁRIO
I - A atividade das Sociedades Gestoras de Organismos de Investimento Coletivo (SGOIC), encontra-se regulada pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que aprovou o Regime Geral dos organismos de investimento coletivo.
II - As SGOIC prosseguem funções respeitantes à gestão de organismo de investimento coletivo (OIC), competindo-lhes prosseguir as tarefas elencadas no artigo 66.º, n.º 1 do Regime dos OIC.
III - A differentia specifica das SGOIC face a outras sociedades financeiras – como, por exemplo, uma sociedade financeira de corretagem; uma sociedade de locação financeira ou uma sociedade de garantia mútua - reside na circunstância de as primeiras serem responsáveis pela gestão de OIC.
IV - A remuneração das SGOIC baseia-se, nos termos do artigo 67.º do RGOIC, na cobrança de “comissões de gestão”, estabelecidas no regulamento de gestão, que podem assumir uma componente fixa e outra variável.
V - As SGOIC cobram aos OIC comissões de gestão reflectindo, dessa forma, o essencial da atividade de gestão dos OIC: a realização de um conjunto de tarefas que, globalmente consideradas, devem ser tidas como serviços financeiros prestados aos OIC.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Nuno Cunha Rodrigues (árbitro-presidente), Nuno Maldonado Sousa e António Pragal Colaço (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
1 – A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa (doravante designada por “Requerente”), tendo sido notificada, no dia 15.08.2021, da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2021... veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º da alínea a) do nº 2 do artigo 5º e nº1 do artigo 6º todos do RJAT, apresentar um pedido de pronúncia arbitral, com vista à apreciação da legalidade da Decisão final de indeferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2021... e da consequente liquidação indevida de Imposto do Selo (doravante “IS”), no valor total de 305.918,71€, referente a liquidações efetuadas entre janeiro e dezembro de 2019, através das guias n.º ... (janeiro extra), n.º ... (fevereiro 2019); n.º ... (fevereiro 2019 extra); n.º ... (março 2019); n.º ... (março 2019 extra); n.º ... (abril 2019); n.º ... (maio 2019); n.º ... (junho 2019); n.º ... (julho 2019); n.º ... (agosto 2019); n.º ... (setembro 2019); n.º ... (outubro 2019); n.º ... (novembro 2019); e n.º ... (dezembro 2019).
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 16/11/2021.
3 – Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, designou, em 05/01/2022 os árbitros signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo legalmente aplicável.
4 - As partes foram notificadas dessas designações não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas, vindo o Tribunal a ser constituído em 25/01/2022, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 – Com o pedido visa a Requerente a declaração de ilegalidade da decisão final de indeferimento parcial da reclamação graciosa e da consequente liquidação de Imposto do Selo (doravante “IS”), no valor total de 305.918,71€, nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, por entender que os serviços de gestão, administração e comercialização por si prestados aos Organismos de Investimento Coletivo (OIC) não preenchem os requisitos de incidência da verba n.º 17.3.4 da Tabela Geral do IS.
6 – A Requerente suporta o ponto de vista, em síntese, no facto de entender que os serviços de gestão, administração e comercialização por si prestados aos OIC não preenchem os requisitos de incidência da verba n.º 17.3.4 da Tabela Geral do IS e, por outro lado, que a sujeição a IS destes serviços seria contrária à legislação comunitária, em particular à Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (doravante “Diretiva da Reunião de Capitais” ou simplesmente “Diretiva”).
7 – Por sua vez, a Requerida AT, entende, também em síntese, que não se observam quaisquer vícios na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, louvando-se, na resposta, no teor da aludida decisão que considerou reproduzida e integrada nesse articulado.
8 - Por despacho de 5 de março de 2022, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), tendo sido igualmente dispensada a apresentação de alegações por ambas as partes.
9 - Foi fixado o dia 5 de maio de 2022 como data previsível para a prolação da decisão arbitral.
II – SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é abstratamente competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
O processo não enferma de nulidades, não há questões que obstem à apreciação do mérito da causa e consideram-se reunidas as condições, para ser proferida decisão final.
Cumpre apreciar e decidir.
III- FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto
I - Consideram-se provados os seguintes factos:
-
A Requerente é uma Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Coletivo (doravante “SGOIC”), tendo como atividade principal a gestão, administração e comercialização de OIC.
-
A remuneração dos serviços de gestão prestados pelas SGOIC aos OIC decorre da cobrança de comissões de gestão.
-
A função de comercialização das unidades de participação é assegurada, pela Requerente, de forma indireta, na medida em que recorre à colaboração de intermediários financeiros (mormente, bancos).
-
Em 18-02-2021 a Requerente apresentou reclamação graciosa (instaurada sob o n.º ...2021...) requerendo à AT a correção das respetivas liquidações e o correspondente reembolso do Imposto do Selo pago indevidamente, no valor de € 334.811,97.
-
Em 30-07-2021 a AT deferiu parcialmente a reclamação graciosa apresentada, aceitando uma parte do pedido da Requerente relativa ao Imposto do Selo entregue em janeiro de 2019, mas referente a liquidações efetuadas sobre comissões de gestão respeitantes a dezembro 2018 (€ 28.893,26 Euros).
-
A Requerente procedeu à liquidação e entregou ao Estado, em 2019, os seguintes montantes, a título de Imposto do selo:
II - Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. DO DIREITO:
-
A questão decidenda;
Nos presentes autos a questão decidenda diz respeito a saber se as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos fundos de investimento por si geridos devem, ou não, ser sujeitas a IS, por aplicação da norma de incidência consagrada na verba n.º 17.3.4 da TGIS.
A este propósito entende a Requerente, em síntese, ser de excluir a hipótese de o conceito de “serviço financeiro” abranger todo e qualquer serviço prestado por uma “instituição de crédito”, “sociedade financeira” ou “instituição financeira”.
De acordo com a Requerente, será inequívoco que, no único conceito de “serviço financeiro” existente no nosso ordenamento jurídico, não cabem os serviços de gestão, administração e comercialização prestados pelas sociedades gestoras aos OIC.
Acresce ainda, de harmonia com a Requerente, que a mesma conclusão se retira do mero senso comum – ou seja, os serviços de gestão, administração e comercialização por si prestados não podem enquadrar-se no conceito de “serviços financeiros”, na medida em que incorporam diversas componentes que jamais poderiam ser observadas enquanto tal.
Adicionalmente, a Requerente entende que a verba n.º 17.3.4 da TGIS deve ser interpretada restritivamente, em conformidade com as limitações impostas pela Diretiva da Reunião de Capitais, a qual proíbe a aplicação de qualquer tributação indireta sobre as operações de reunião de capitais, nas quais entende a Requerente incluírem-se as comissões de gestão suportadas por OIC.
Na resposta, a Requerida AT veio afirmar que resulta inequivocamente da própria letra da lei que «Serviços financeiros» compreendem qualquer serviço bancário, de crédito, de seguros, de investimento ou de pagamento e os relacionados com a adesão individual a fundos de pensões abertos.
Para a Requerida AT, a atividade de uma SGOIC envolve sempre a prestação de “serviços financeiros” conexos com os OIC que gere, traduzidos, no mínimo, em “serviços de investimento”.
A Requerida AT conclui que as SGOIC prestam serviços materialmente financeiros aos OIC por si geridos.
Por fim, e no que respeita à suposta proteção, invocada pela Requerente, conferida pela Diretiva 2008/7/CE do conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, às comissões de gestão, a Requerida AT afirma que não há qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações, que é aquilo que é vedado pela Diretiva, e a tributação das comissões cobradas pela gestão de OIC, que é a realidade aqui sob apreço, realidade essa completamente distinta das operações abrangidas pela Diretiva, que diz respeito aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.
-
A incidência subjectiva e a incidência objectiva da sub-verba n.º 17.3.4 da TGIS;
Discute-se, nos presentes autos, a sub-verba n.º 17.3.4 da TGIS.
Esta determina a sujeição a Imposto do Selo, à taxa de 4%, de “operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado” de “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.
Esta redação foi introduzida na Tabela Geral na sequência da reforma do Código do Imposto de Selo ocorrida em 1999, que, de harmonia com a Lei nº. 150/99, de 11 de setembro, introduziu a redação “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” à (então) verba 17.2.4 da TGIS (atual 17.3.4).
No caso sub judice, ambas as partes concordam que a Requerente se encontra abrangida pelo âmbito subjectivo daquela verba da TGIS, uma vez que é qualificada como “sociedade financeira” à luz da subalínea iv) da alínea z) do artigo 2.º -A e da subalínea vi), da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), em vigor em 2019, entretanto revogado pelo Decreto‐Lei n.º 144/2019, de 23 de setembro.
O que está em causa nos presentes autos é, portanto, determinar o âmbito objectivo de aplicação da sub-verba n.º 17.3.4. da TGIS ao caso sub judice, relativamente ao qual as partes divergem.
A Requerente é uma Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Coletivo (SGOIC), tendo como atividade principal a gestão, administração e comercialização de OIC.
A atividade destas entidades encontra-se regulada pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que aprovou o Regime Geral dos organismos de investimento coletivo.[1]
A constituição de organismo de investimento coletivo em Portugal, assim como dos respetivos compartimentos patrimoniais autónomos, depende de autorização prévia da CMVM (cfr. artigo 19.º da Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro).
No âmbito da sua atividade de gestão a Requerente cobra comissões de gestão aos OIC por si geridos como decorre, aliás, do artigo 67.º do RGOIC.
A remuneração das SGOIC, como é o caso da Requerente, decorre, portanto, da cobrança das chamadas “comissões de gestão”, as quais são estabelecidas no regulamento de gestão e podem assumir uma componente fixa e outra variável (esta última, quando existente, está geralmente indexada à performance do fundo).
É justamente a propósito destas comissões de gestão que se suscita a dúvida de saber se estão, ou não, sujeitas à verba 17.3.4. da TGIS supra referida.
Vejamos.
O Imposto do Selo é o imposto mais antigo do sistema fiscal português, tendo sido criado por alvará de 24 de dezembro de 1660, incidindo atualmente sobre os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos, previstos na Tabela Geral, ocorridos em Portugal e não sujeitos ou isentos de IVA.
Em ordem a determinar a aplicação do imposto, deve aferir-se a incidência subjetiva e objectiva do facto tributário em apreço.
Como foi referido, nos presentes autos, não há dúvidas quanto à incidência subjectiva do Imposto do Selo, que abrange a Requerente, enquanto SGOIC, questionando-se apenas a incidência objectiva do imposto sobre as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras de OIC.
As dúvidas existem, como é reconhecido por ambas as partes, em torno do conceito, previsto na sub-verba 17.3.4. da TGIS, de “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”.
Essas dúvidas são compreensíveis sabendo-se que a verba em causa vigora desde 1999 e que a generalidade das comissões cobradas a fundos de investimento estava isenta, até 2019, de acordo com os Decreto-Lei n.º 20/86, de 13 de fevereiro e o Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.
Assim, e tornando-se necessário interpretar o conceito em causa, deve convocar-se, prima facie, o disposto no artigo 11.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, de harmonia com o qual, “na determinação do sentido das normas jurídicas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis".
Porém, como é reconhecido por ambas as partes, o conceito de “serviços financeiros” não se encontra expressamente definido no Código do Imposto de Selo (CIS) nem em qualquer outro diploma de natureza fiscal.
Por esse motivo, será de aplicar, in casu, o número 2 do artigo 11.º da LGT, o qual determina que quando, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
-
Da noção de serviços financeiros e do âmbito objectivo da sub-verba 17.3.4. da TGIS;
Não se ignora que a noção de serviços financeiros, prevista em alguma legislação, é bastante ampla.
De forma exemplificativa, de acordo com o artigo 2.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 95/2006, de 29 de maio, que estabelece o regime jurídico aplicável aos contratos à distância relativos a serviços financeiros celebrados com consumidores, consideram-se «serviços financeiros» “qualquer serviço bancário, de crédito, de seguros, de investimento ou de pagamento e os relacionados com a adesão individual a fundos de pensões abertos.”
Esta amplitude encontra-se presente, de forma idêntica, no Direito da União Europeia. A chamada diretiva Mifid II prevê, no artigo 29.º, n.º 1 e a propósito das obrigações das empresas de investimento que nomeiam agentes vinculados, uma noção ampla de serviços financeiros.[2]
As SGOIC, como a Requerente, prosseguem funções respeitantes à gestão de organismo de investimento coletivo, competindo-lhes realizar as tarefas elencadas no artigo 66.º, n.º 1 do Regime dos OIC.
No exercício das funções, a entidade gestora – SGOIC - dispõe ainda de competências para, entre outros, e nos termos do artigo 66.º, n.º 2 do mesmo Regime, (a) prestar os serviços necessários ao cumprimento das suas obrigações fiduciárias; (b) administrar imóveis, gerir instalações e controlar e supervisionar o desenvolvimento dos projetos objeto de promoção imobiliária nas suas respetivas fases e (c) prestar outros serviços relacionados com a gestão do OIA e ativos, incluindo sociedades, em que tenha investido por conta do OIA.
Aqui, coloca-se a dúvida de saber se todas estas competências correspondem a serviços financeiros prestados pelas SGOIC.
Sempre se poderá afirmar que, em teoria, nem todas estas funções correspondem, diretamente e quando entendidas de forma isolada, à prestação de serviços financeiros.
Com efeito, quando entendidas de forma isolada ou segregada, as tarefas de administrar imóveis, gerir instalações e controlar e supervisionar o desenvolvimento dos projetos objeto de promoção imobiliária nas suas respetivas fases poderão não corresponder, necessariamente, a um serviço financeiro.
Porém, a prestação, pelas SGOIC, dessas tarefas aos OIC não é feita de forma isolada ou segregada.
Vejamos.
O núcleo central da atividade das SGOIC corresponde à gestão de OIC.
Com efeito, a differentia specifica das SGOIC face a outras sociedades financeiras – como, por exemplo, uma sociedade financeira de corretagem, uma sociedade de locação financeira ou uma sociedade de garantia mútua, reside na circunstância de as primeiras serem responsáveis pela gestão de OIC.
A gestão de OIC corresponde à atividade principal e constitui o pilar essencial – vulgarmente designado por “core-business” - de uma SGOIC.
Ao realizarem uma actividade de gestão por conta alheia dos OIC, as SGOIC são chamadas a prestar diversos serviços conexos, previstos no artigo 66.º do RGOIC. Essas tarefas devem ser executadas pelos SGOIC, no contexto das obrigações fiduciárias que têm para com os OIC.
É por esse facto que a remuneração das SGOIC pela prestação de todos aqueles serviços baseia-se, nos termos do artigo 67.º do RGOIC, na cobrança de “comissões de gestão”, estabelecidas no regulamento de gestão, que podem assumir uma componente fixa e outra variável (esta última, quando existente, geralmente indexada à performance do fundo).
Note-se que as SGOIC pela sua natureza de sociedades financeiras e por virtude de exercerem uma actividade de gestão por conta alheia, encontram-se impedidas de realizar um conjunto vasto de outras operações financeiras, de harmonia com o artigo 71.º-C do Regime dos OIC.
É por esse motivo que o financiamento das sociedades gestoras ocorre essencialmente por via da cobrança de uma comissão de gestão, a qual constitui um encargo do próprio património autónomo sob gestão e não diretamente dos participantes.
As comissões de gestão, cobradas aos OIC, são, aliás, distintas das comissões de comercialização, cobradas pelos intermediários financeiros às SGOIC, razão pela qual não se pode considerar, neste domínio, a existência de dupla tributação, como alega a Requerente.
O que está em causa nos presentes autos é saber, apenas e só, se as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos OIC por si geridos, estão, ou não, sujeitas a Imposto do Selo.
Ora não foi feita prova que tenham sido pagas, pelos OIC, comissões devidas pela prestação individualizada de específicos serviços de gestão ou de comercialização ou até de administração ou sequer que essa hipotética prestação individualizada e específica de serviços tivesse sido sujeita a Imposto do Selo.
De forma exemplificativa, não foi feita prova de que, nas palavras da Requerente, tivesse sido cobrado Imposto do Selo pela prestação específica e isolada, a OIC, de “serviços jurídicos, de contabilidade, de esclarecimento e análise das questões e das reclamações dos participantes, de avaliação da carteira e determinação do valor das unidades de participação, da emissão de declarações fiscais aos participantes, de controlo da observância das normas aplicáveis, de registo e conservação dos documentos”.
Reitere-se que não foi provado que algum destes serviços tenha sido prestado (ou cobrado) de forma individualizada, segregada e específica, pela Requerente, aos OIC.
Na verdade, dificilmente tal podia ter ocorrido uma vez que o exercício da atividade de gestão de organismo de investimento coletivo – que inclui a prestação de todas as atividades previstas no artigo 66.º do RGOIC - é remunerada, nos termos da lei, através de uma comissão de gestão, nos termos do artigo 67.º do mesmo diploma.
Com efeito, o artigo 66.º, n.ºs 1 e 2 do RGOIC determina que, no exercício das funções respeitantes à gestão de OIC e das suas obrigações fiduciárias, a entidade gestora preste aos ativos do OIC um conjunto global de serviços, nos quais se incluem serviços de gestão; de administração e comercialização.
De forma idêntica, o artigo 289.º, n.º 1, alínea b) do Código dos Valores Mobiliários vigente em 2019, considera serem atividades de intermediação financeira os serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento, tal como descritos no artigo 291.º, estando as SGOIC abrangidas por esta disposição ex vi artigo 293.º, n.º 2, alínea g) do mesmo Código.
Pela globalidade desses serviços prestados, as SGOIC cobram aos OIC comissões de gestão, reflectindo assim o essencial da sua atividade de gestão dos OIC que é a realização de um conjunto de tarefas que, globalmente consideradas, devem ser tidas como serviços financeiros prestados aos OIC, decorrentes da gestão dos ativos, e que são remunerados através de comissões de gestão.
Esta não é, note-se, uma opção voluntária das SGOIC. É o próprio legislador que assim entende quando fixa, no artigo 67.º do RGOIC, a forma de remuneração destas sociedades.
Observe-se que as SGOIC não cobram, aos OIC, comissões individualizadas, específicas ou segregadas por cada um dos serviços que lhes prestam nos termos do artigo 66.º, n.ºs 1 e 2 do RGOIC.
Ora, estando em causa sociedades financeiras, seria absurdo entender-se que as comissões de gestão por estas cobradas, que constituem as suas receitas principais, não decorre da prestação de serviços financeiros. Tal equivaleria a afirmar que estas sociedades financeiras não prestam serviços financeiros, uma vez que estes permitem a cobrança de comissões de gestão, que é a fonte de receita principal das SGOIC.
Note-se ainda que quem suporta o encargo do imposto, enquanto titular do interesse económico, são os OIC, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea g), do CIS, de harmonia com o qual «considera-se titular do interesse económico», «nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas».
A esta luz, as «operações financeiras» a que se reporta a verba 17.3.4 serão, no caso sub judice, as praticadas entre a Requerente e os OIC (seus clientes), sendo estes últimos os titulares do interesse económico que constitui fundamento para imposição do encargo da tributação, nos termos do artigo 3.º do CIS.
A cobrança de uma comissão de gestão, prevista no artigo 67.º do RGOIC, decorre, portanto, da atividade típica ou principal das SGOIC, que não pode deixar de ser qualificada como sendo de prestação de serviços financeiros.
Face ao exposto, a comissão de gestão prevista no artigo 67.º do RGOIC e cobrada por parte das SGOIC, deve entender-se como estando abrangida pelo âmbito objectivo da sub-verba 17.3.4. da TGIS.
Adicionalmente, a Requerente entende ainda que a verba n.º 17.3.4 da TGIS deve ser interpretada restritivamente, em conformidade com as limitações impostas pela Diretiva da Reunião de Capitais, a qual proíbe a aplicação de qualquer tributação indireta sobre as operações de reunião de capitais, nas quais, entende a Requerente, incluem-se as comissões de gestão suportadas por OIC.
Vejamos.
A Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, às comissões de gestão, proíbe a aplicação de qualquer tributação indireta sobre as operações de reunião de capitais, nas quais entende incluírem-se as comissões de gestão suportadas por OIC.
Através desta Diretiva o legislador europeu procurou, com algumas exclusões e derrogações, colocar na mesma situação todos os agentes económicos que recorressem a mercados primários com vista à captação de financiamento ou reunião de capitais.
Ora, não há qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações, vedada pela Diretiva, com a tributação das comissões cobradas pela gestão de OIC, que se aprecia na presente decisão.
A sub-verba 17.3.4. não incide sobre nenhuma das realidades elencadas no artigo 5.º da Diretiva, nomeadamente sobre nenhuma das operações referidas na alínea a) do seu n.º 2.
Consequentemente, inexiste qualquer desconformidade das liquidações de Imposto do Selo, incidentes sobre as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos OIC por si geridos, com o preceituado na Diretiva 2008/7/CE, não padecendo, por esse motivo, as mesmas de qualquer ilegalidade.
Não ocorre, por tudo isto, a violação de lei invocada pela Requerente.
V. DECISÃO
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:
-
Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VI. Valor do processo:
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 305.918,71 (trezentos e cinco mil, novecentos e dezoito euros e setenta e um cêntimos).
VII. Custas:
Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.508,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, onze de março de 2022
O Presidente do Tribunal Arbitral e Relator
(Nuno Cunha Rodrigues)
O Árbitro vogal
(Nuno Maldonado Sousa)
O Árbitro vogal
(António Pragal Colaço)
[1] Esta lei transpôs parcialmente as Diretivas n.ºs 2011/61/UE e 2013/14/UE, procedeu à revisão do regime jurídico dos organismos de investimento coletivo e à alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e ao Código dos Valores Mobiliários.
[2] Cfr. Diretiva 2014/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014, relativa aos mercados de instrumentos financeiros e que altera a Diretiva 2002/92/CE e a Diretiva 2011/61/EU.
O artigo 29.º, n.º 1 dispõe nos seguintes termos:
1. - Os Estados-Membros permitem a uma empresa de investimento nomear agentes vinculados para efeitos da promoção dos serviços da empresa de investimento, da angariação de serviços ou da receção de ordens de clientes ou clientes potenciais e sua transmissão, da colocação de instrumentos financeiros e da prestação de aconselhamento no que diz respeito aos instrumentos ou serviços financeiros oferecidos por essa empresa de investimento.