Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 631/2021-T
Data da decisão: 2022-03-31  IRC  
Valor do pedido: € 595.552,41
Tema: IRC - RETGS, Indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa, irrepetibilidade de IT.
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SUMÁRIO:

I – O Tribunal Arbitral é competente para conhecer do presente pedido apresentado na sequência de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa fundamentado em ilegalidade da tributação por caducidade do direito à liquidação e violação do princípio da irrepetibilidade da inspeção externa (artigos 45º, nº 1 e 63º, nº 4 da LGT.)

II – Tratando-se, neste caso, de um grupo de sociedades tributado pelo RETGS, as inspeções externas ocorridas não tiveram o mesmo objeto, uma incidiu apenas sobre a sociedade mãe - que só veio a apresentar a declaração modelo 1 de IRC, individual, no final de período em que decorreu a inspeção – e a outra incidiu sobre a situação tributária do Grupo constituído pela sociedade mãe e sociedades dominadas. Não se verificou, portanto, violação do princípio de irrepetibilidade de inspeção externa, consagrado, em geral, no artigo 63.º, nº. 4, da LGT.

III – Tendo-se verificado através de inspeção interna - realizada no período entre as duas inspeções externas incidentes sobre pessoas jurídicas distintas - o reiterado incumprimento de obrigações da sociedade mãe e respetivas empresas dominadas, e irregularidade na dedução de prejuízos, configura-se justificado que essa inspeção, interna, tenha sido ainda seguida de uma inspeção externa para averiguação da situação do grupo, quanto a essa e a outras eventuais irregularidades. Não sendo com o com detalhe que seria expectável, os objetivos visados e as ações empreendidas, o que pode configurar insuficiência de fundamentação, tratar-se-á de um vício formal, insuscetível de fundamentar pedido de revisão do ato tributário de liquidação na medida em que o conceito de erro imputável aos serviços previsto na segunda parte nº 2 do artigo 78º da LGT não abrange os vícios de forma ou procedimentais.

IV - Não se confirmando a ilegalidade da qualificação como externa da última inspeção, incidente sobre o grupo, a liquidação adicional de IRC dela decorrente foi realizada no prazo de caducidade do direito à liquidação, sem violação do artigo 45.º, nº. 1, da LGT.    

  

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

A..., S.A., com o NIPC ... com sede na Rua ..., ...-... Lisboa (designada adiante por A... ou Requerente), invocando o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, apresentado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada “AT” ou Requerida) nos termos do art. 78.º da LGT, veio, ao abrigo do artigo 57.º n.ºs 1 e 5 da LGT, do artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT e do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do RJAT, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral em Matéria Tributária, visando a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) n.º 2020..., de 29/04/2020, referente ao exercício de 2015 e da correspondente demonstração de acerto de contas (documento n.º 2020..., de 04/05/2020) no valor a pagar de 595.552,41 euros.

 

1. Com o Requerimento inicial foram juntos, para além da procuração e comprovativo de pagamento da taxa de arbitragem inicial, cinco documentos.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 6 de outubro de 2021 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Requerida.

 

3. No pedido de pronúncia arbitral (PPA), o Requerente optou por não designar árbitro tendo sido por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do artigo 6.º n.º 2 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, designados os árbitros signatários, que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.

 

4. As Partes foram notificadas em 25 de novembro de 2021 da designação dos árbitros e não manifestaram intenção de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

5. Nos termos do disposto no artigo 11.º do RJAT, n.º 1, alínea c), o Tribunal Arbitral ficou constituído em 16 de dezembro de 2021.

 

6. Notificada para o efeito, a Requerida enviou, em 2 de fevereiro de 2022, o processo administrativo (PA) e a Resposta.

 

7. Em 3 de fevereiro de 2022, foi emitido despacho arbitral que, considerando não ter sido requerida prova testemunhal e a inutilidade de realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, assim como o facto de a resposta às exceções poder ser incluída nas alegações, determinou, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), dispensar a realização daquela reunião, marcando prazo de dez dias, sucessivo, para alegações.

 

8. No dia 17-02-2022 a Requerente apresentou as alegações escritas mantendo o alegado no PPA e respondeu às exceções invocadas.

 

9. No dia 04-03-2022 a Requerida apresentou as alegações escritas mantendo o alegado na reposta.

 

II - Do Pedido de Pronúncia Arbitral

 

A Requerente defende, em síntese:

 

1. Questões prévias

 

1.1. Tempestividade do pedido

 

O pedido é idóneo, porque está em causa a presunção de indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objeto um ato tributário de liquidação, situação para cuja solução contenciosa é, segundo jurisprudência uniforme do STA, adequado o processo de impugnação judicial ou, em alternativa, a impugnação arbitral.

 O pedido de revisão oficiosa da liquidação, apresentado à AT em 05/03/2021, é tempestivo porque, respeitando a uma liquidação de IRC de 04/05/2020, pode, nos termos do disposto no art.º 78.º, nº 1, da LGT, ser efetuado no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

1. 2. Quanto à caducidade do direito à liquidação (artigo 45.º, n.º 1, da LGT)

 

No período entre 2018 e 2020 a Requerente foi alvo de três inspeções ao exercício de 2015: a 1.ª (ordem de serviço n.º OI2018..., de 16/02/2018) concluída em 13/02/2019, cujo RIT foi enviado a 22/2/2019, a 2.ª (ordem de serviço n.º OI2018..., de 10/08/2018), cujo RIT foi enviado a 18/04/2019, e a 3.ª (ordem de serviço n.º OI2019..., de 29/11/2019), cujo RIT foi enviado em 11/05/2020;

 

A terceira inspeção - que deu origem à liquidação objecto do pedido de revisão oficiosa - limitou-se à análise da modelo 22 RETGS, o que já decorria de inspeção interna realizada anteriormente nos serviços;

 

Naquela inspeção externa não foram realizados nas instalações do sujeito passivo, ora Requerente, quaisquer atos ou diligências inspetivas, que, de resto, seriam inúteis e desnecessárias;

 

A dedução dos prejuízos fiscais referentes ao exercício de 2010, objecto de correção na 3.ª inspeção, já havia sido analisada pela AT, no decurso da 2.ª ação inspetiva ao exercício de 2015, sem ter sido posta em causa;

 

A 3.ª ação inspetiva é materialmente interna, e os atos inspetivos iniciados em 03/12/2019 (em violação do art.º 49.º, n.º 1 do RCPIT, por desrespeito do prazo de 5 dias após os avisos da inspeção de 29/11/2019,) não eram necessários;

 

Foi classificada pela AT como ação externa para obviar à caducidade do direito à liquidação em dezembro de 2015, já que a liquidação adicional apenas veio a ser realizada em 29/04/2020, e notificada em 04/05/2020, muito para além do prazo legal de caducidade que terminou em 31/12/2019, o que viola o disposto no art.º 45.º, n.º 1, da LGT.

 

1. 3. Quanto à irrepetibilidade da Inspeção externa e seus efeitos (artigo 63.º, n.º 4, da LGT)

 

E, ainda que o procedimento inspetivo tivesse sido uma inspeção externa, ter-se-ia tratado de uma segunda inspeção desse tipo ao mesmo exercício de 2015, sem a necessária fundamentação com base em factos novos, em clara violação do princípio da irrepetibilidade do procedimento inspetivo, consagrado no art.º 63.º, nº 4, da LGT;

 

Em ambas as inspeções, o sujeito passivo é o mesmo (a Requerente), o imposto é o mesmo (IRC) e o exercício inspecionado é o mesmo (2015), em violação do art.º 63.º, n.º 4, da LGT, que veda que o mesmo sujeito passivo seja sujeito a mais de um procedimento externo de fiscalização;

 

E, a tratar-se de uma ação externa, a 3.ª inspeção seria uma duplicação, sujeita às condições do artigo 49.º, n.º 1, do RCPITA e do artigo 63.º, n.º 4, da LGT, o que claramente não se verificou por não ter sido precedida de uma decisão do dirigente máximo do serviço, nem fundamentada em factos novos;

 

Aliás, o valor dos prejuízos em causa (referentes a 2010) já havia sido antes analisado pela AT no decurso da 2.ª ação inspetiva ao exercício de 2015 – ordem de serviço n.º OI2018..., de 10/08/2018 - não tendo sido então questionada a respetiva dedutibilidade.

 

1. 4. Assim, a liquidação notificada em maio de 2020 é ilegal em qualquer dos casos porque:

  1. Se resulta de uma inspeção interna, foi ultrapassado o prazo legal de liquidação (art.º 45º, n.º 1, da LGT);
  2. Se resulta de uma (segunda) inspeção externa, houve violação do art.º 63º, n.º 4, da LGT. 

 

Pelo que a Requerente pede que a liquidação adicional seja declarada ilegal e anulada.

 

III - Resposta da Requerida

 

1. Por exceção, diz, em síntese:

 

1.1. Inexistência de objeto

 

Face à vigência da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03 (e respetivas alterações), o prazo de decisão do pedido de revisão oficiosa encontrou-se suspenso entre 22/01/21 e 06/04/21 pelo que a Requerente não podia em 05/07/2021, presumir o indeferimento tácito do pedido de revisão apresentado em 05/03/2021, carecendo o Pedido de Pronúncia Arbitral de objeto, o que implica absolvição da instância.

 

1.2. Incompetência do Tribunal Arbitral

 

Pretende-se condenar a AT a rever o pedido de revisão oficiosa, anulando a liquidação de IRC de 2015 por ilegalidade, mas o n.º 1 do artigo 2.º do RJAT abrange a apreciação de actos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos;

 

Neste caso, o objeto imediato do Pedido de Pronúncia Arbitral é o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, mas, como não houve qualquer decisão sobre a legalidade do ato de liquidação, não existe ato impugnável;

 

E o fundamento invocado de “erro imputável aos serviços”, previsto no art.º 78.º da LGT, não compreende todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros” quanto aos pressupostos de facto e de direito;

 

A jurisprudência tem concluído que quando o ato, ficionado, de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa depende da apreciação da tempestividade do próprio pedido de revisão, o mesmo não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação e “o meio de impugnação adequado será a ação administrativa especial”, ocorrendo então incompetência material do tribunal arbitral, exceção dilatória que determina a absolvição da entidade Requerida da instância (artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

2. Por impugnação, diz, em síntese:

 

2.1. Sobre a caducidade do direito de liquidação (art.º 45º, n.º 1, da LGT)

 

A Requerente não ataca a legalidade da correção efetuada à matéria coletável do grupo de sociedades na 3.ª e última ação dos serviços de IT referente ao exercício de 2015, apenas invoca que a mesma inspeção não suspendeu o prazo de caducidade por não se caracterizar realmente como externa, derivando a correção nela efetuada de mera análise interna dos valores constantes da declaração Mod. 2;

 

Mas, relativamente ao período de tributação de 2015 e em sede de IRC, não foram efetuados três procedimentos inspetivos tendo em vista o apuramento da mesma situação tributária da A...: a primeira inspeção (externa) foi sobre a A... enquanto sociedade individualmente considerada, a segunda inspeção (interna) e terceira inspeção (externa) tiveram por objecto o Grupo de Sociedades, com opção pelo RETGS, de que a A... é sociedade dominante e representante;

 

A primeira inspeção conduziu à regularização da situação declarativa reiteradamente faltosa da A..., em sede de IRC, com a entrega em 23 de novembro de 2018 da respetiva declaração Mod. 22, individual, apresentando um lucro tributável de € 23.233.518,14;

 

A segunda inspeção, levou à apresentação, em 25 de março de 2019, da declaração periódica de rendimentos modelo 22, referente a 2015, do grupo de sociedades, sendo a soma algébrica dos lucros tributáveis apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, de € 22.915.495,61, que após a dedução de prejuízos fiscais de € 16.040.846,93, levou ao apuramento da matéria coletável do Grupo de € 6.874.648,68, coleta total no montante de € 2.410.352,13 e imposto a pagar de € 2.540.005,895, não tendo, face à regularização voluntária da situação de incumprimento declarativo em que se encontrava o Grupo, sido efetuadas correções;

 

A terceira inspeção, também sobre o IRC 2015 do Grupo de sociedades tributado pelo RETGS, pretendeu “verificar a observância dos requisitos para aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), bem como das condições para a permanência no Grupo” e “proceder a uma análise, no âmbito da modelo 22 RETGS, dos prejuízos fiscais dedutíveis e o valor inscrito no campo referente à dedução dos prejuízos fiscais, porquanto se identificou que foram deduzidos, indevidamente, prejuízos respeitantes ao exercício de 2010”;

 

Nessa inspeção foi corrigido o valor da matéria coletável do Grupo de sociedades declarado, no montante de € 6.874.648,68, para o valor de € 9.328.486,22, por o montante de prejuízo de € 2.453.837,54, referente a 2010, não ser já passível de dedução, passando assim o valor de prejuízos dedutíveis nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 71.º do CIRC a ser não de € 16.040.846,93 constante da autoliquidação mas de € 13.587.009,39;

 

Esta redução do valor dos prejuízos fiscais dedutíveis nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 71.º do CIRC (€2.453.837,54), não resulta da “mera análise interna dos valores constantes quer da declaração Mod. 22 quer do sistema informático da Autoridade Tributária” dada a necessidade de verificação da aplicação do regime especifico de dedução de prejuízos fiscais nos Grupos de sociedades que impõe o cumprimento de diversas regras e condições de dedutibilidade previstas por exemplo nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 71.º do CIRC, exigindo dos serviços de inspeção um criterioso escrutínio na sua validação e verificação para além de poderem, eventualmente, verificar-se outras condições especiais de dedutibilidade de prejuízos fiscais (p. ex. benefícios fiscais), apuramento dificilmente praticável de forma cabal e devidamente alicerçada mediante uma inspeção exclusivamente interna;

 

As diligências desenvolvidas junto do SP e nos seus escritórios com um dos seus administradores, não se cingiram a uma mera formalidade, como refere a Requerente, porque no âmbito da reunião havida, e atento ao motivo que alicerçou o procedimento inspetivo, recolheram necessária documentação de suporte à validação da composição do Grupo, mormente incidindo sobre o cumprimento dos requisitos plasmados no art. 69º do CIRC e bem assim, dos resultados do Grupo, tendo havido acompanhamento pelo contabilista certificado;

 

A AT procedeu ao aviso desta ação de inspeção, tendo o administrador da requerente assinado a credencial, em 03 de dezembro de 2019 (art. 46.º do RCPIT), com suspensão do prazo de caducidade que, em caso contrário, terminaria em 31/12/2019;

 

O relatório final de inspeção tributária foi notificado em 14 de maio de 2020, e a notificação da liquidação adicional impugnada deu-se por transmissão eletrónica de dados no dia 24 de maio de 2020, dentro do prazo de caducidade (atendendo à suspensão por seis meses prevista no art. 39.º do RCPITA).

 

2.2. Quanto à irrepetibilidade do procedimento inspetivo, previsto no art.º 63.º, n.º 4, da LGT:

 

- Não se verificou a alegada violação do art.º 63.º, n.º 4, da LGT porque os dois processos de inspeção externa realizados tiveram objetos distintos, referentes a contribuintes distintos, um foi dirigido à situação tributária da A..., individualmente considerada, e o outro à situação fiscal do Grupo de sociedades relativamente ao qual a A... é a sociedade dominante;

 

- A realidade documental analisada no âmbito do RETGS - apuramento do lucro tributável do Grupo, da determinação da matéria coletável e cálculo do imposto no âmbito da aplicação do RETGS, realizado na égide da Requerente na sua intrínseca qualidade de sociedade dominante do Grupo - não é a mesma de um procedimento inspetivo aos resultados individuais.

 

- Assim, no caso de não absolvição da instância, por reconhecimento da incompetência material do Tribunal Arbitral (artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), a entidade Requerida pede a absolvição de todos os pedidos por improcedência.

 

IV - Questões jurídicas a decidir

 

O presente Tribunal Arbitral é solicitado a apreciar e decidir:

  1. Quanto ao objeto do PPA, se se formou indeferimento tácito do pedido de revisão do ato tributário;
  2. Competência do tribunal para apreciar o PPA, na sequência de pedido de revisão apresentado do ato de liquidação de IRC 2015 com base no seu indeferimento tácito;
  3. Caso o tribunal seja competente para apreciar o PPA, e no caso de ter havido indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, há que decidir sobre a procedência dos fundamentos invocados no pedido de revisão da liquidação adicional de IRC 2015 sobre o Grupo de Sociedades de que a Requerente é empresa dominante. Ou seja, se a liquidação adicional é ilegal por violação do artigo 45.º da LGT (prazo de caducidade) ou, em alternativa, por violação do art. 63.º, n.º 4 da LGT (proibição de repetição de inspeção externa à mesma entidade e imposto, e mesmo período).
  4. Em caso de reconhecimento da ilegalidade, pede-se a anulação da liquidação. 

 

V - Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

O processo não padece de qualquer nulidade.

 

Há que conhecer previamente das exceções suscitadas, iniciando pela exceção da incompetência do Tribunal Arbitral que deve preceder o conhecimento de qualquer outra matéria, conforme dispõe o artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que é aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

Assim, a exceção relativa à incompetência do Tribunal Arbitral será apreciada prioritariamente na parte VII infra.

 

VI - Matéria de facto

 

1. Factos provados

 

  1. A Requerente, A... SA, com o NIPC..., foi constituída em 1 de fevereiro de 1980 e tem por objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades, com o código de atividade empresarial (CAE) principal 64202 ACT. SOCIEDADES GESTORAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS NÃO FINANCEIRAS, cf. Processo administrativo (PA), nos diversos Relatórios da Inspeção Tributária (RIT) e Resposta, art.º 40.º);
  2. A A... é a sociedade dominante de um Grupo de empresas sujeito a tributação em IRC pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS, cf. artigos 69.º e segs. do Código do IRC), integrando no período de 2015, além da sociedade dominante, as sociedades B..., SGPS, NIF ... e C... SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, SA, NIF ... . (cf. PA e Resposta, art. 41);
  3. A Requerida, através dos Serviços de Inspeção Tributária, realizou três inspeções relativamente ao exercício de 2015 em que a A... foi a entidade notificada quer do início quer do final e resultados das ações inspetivas.
  4. Na sequência da ordem de serviço n.º OI2018..., de 16/02/2018 e de aviso enviado em 18/02/2018, foi iniciada em 28 de fevereiro de 2018 na A..., com assinatura de um dos seus administradores, uma inspeção tributária externa ao exercício de 2015, tendo por causa a falta de entrega da modelo 22 do IRC assim como da declaração anual IES (cf. PA, RIT de 14/02/2019, p. 6, e Resposta, art.º 2);
  5. Em 28 de fevereiro de 2018, a Requerente foi notificada para entregar as declarações em falta no prazo de 15 dias assim como para, a seguir a essa entrega e até 19 de março de 2018, pelas dez horas, proceder à apresentação, na morada da sede da sociedade, da escrita (livros de registo obrigatório, inventários, registos contabilísticos e correspondentes documentos de suporte), referentes à atividade desenvolvida no exercício de 2015 (cf. RIT, pp. 9 e 10);

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  1. Em 19 de março de 2018, a Requerente apresentou os livros e documentos pedidos, mas não as declarações em falta (cf. RIT, p. 10);
  2. Já após a 1.ª prorrogação da ação inspetiva, em 23 de agosto de 2018, a Requerente foi notificada novamente, em 31 de outubro de 2018, para apresentar a declaração Modelo 22 IRC e a declaração IES, ambas referentes a 2015 (cf. PA, RIT, p. 10 e anexo V);

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  1.  Após segunda prorrogação, em 19 de novembro de 2018, do prazo da ação inspetiva, a Requerente entregou, em 23 de novembro de 2018, a declaração Modelo 22 respeitante aos resultados individuais da A... que, após deteção central de erros, veio a ser corrigida pela empresa em 22 de janeiro de 2019 (cf. RIT p. 10);
  2. A referida ação permitiu a regularização de situações em IRC e IVA, resultando, para efeitos de IRC, no apuramento do valor de lucro tributável de € 23.233.618,14, validado pela AT, em conformidade com o balancete e documentos de suporte à contabilidade (cf. RIT, p. 12);
  3. O relatório final foi concluído em 13 de fevereiro de 2019, sem que tivesse havido notificação para audição atendendo a que o sujeito passivo havia regularizado as faltas (cf. RIT, p. 20);
  4. Até à finalização do relatório final não tinha sido entregue a declaração IES (cf. RIT de respectivo, p. 11);  
  5. O RIT referiu ainda que a empresa objeto de análise tinha dívidas fiscais no montante de € 1.567.162,45, registando-se, em 01/02/2019, 67 processos ativos e 12 processos suspensos (cf. RIT, pp. 10 e 11);
  6. O RIT foi notificado ao sujeito passivo, pelo ofício n.º..., de 21 de fevereiro de 2019 (cf. Doc. 3, entregue com PPA e PA);
  7. A designada 2.ª ação de inspeção foi realizada pela DF de Lisboa, ao abrigo da ordem de serviço nº OI2018..., de 10 de agosto de 2018, ao resultado do Grupo declarado para efeitos do RETGS em 2015, por se ter verificado que a A... não tinha, enquanto sociedade dominante e nos termos da alínea a) do n.º 6 do artigo 120.º do CIRC, entregue a declaração Modelo 22 de IRC, relativa aos resultados do Grupo no exercício de 2015 (cf. PA, RIT de 10/04/2019, p. 6);
  8. Nesta ação inspetiva, a Requerente foi notificada em 18 de fevereiro de 2019 para e nos termos da alínea b) do n.º 1, do artigo 117.º do CIRC, entregar no prazo de dez dias a declaração Modelo 22 IRC respeitante aos resultados do Grupo em 2015 (cf. Doc. nº 4 com PPA, e RIT de 10/04/2019, ponto II.2.);  

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  1. Na sequência da referida notificação, a Requerente entregou em 25 de março de 2019, a declaração Modelo 22 de IRC, respeitante aos resultados do Grupo em 2015, declarando um lucro tributável de € 22.915.495,61, que incluía as somas algébricas de lucros e prejuízos das três sociedades do Grupo, sendo que a A... apresentava resultado positivo de € 23.233.518,14 - já identificado na declaração individual entregue na sequência da inspeção referida supra, alíneas d) a g) - e a B... e a C... apresentavam resultados negativos, respetivamente de € 277.529,15 e de € 40.493,38 (cf. RIT de 10/04/2019, II, 3.4. e VI.1., p. 10);
  2. A declaração incluía também cálculo de imposto relativo a derrama estadual de € 966.675,91 e imposto relativo a tributações autónomas, de € 150,99 (cf. RIT de 10/04/2019, VI.1., p. 10);
  3. O Relatório final da inspeção foi notificado ao sujeito passivo, pelo ofício n.º ..., de 18 de abril de 2019, aí se dizendo que «Após a entrega da declaração, a Administração Fiscal verificou, validou e confirmou os valores declarados pelo sujeito passivo» (cf. RIT de 10/04/2019, VI.1, p. 10);
  4. Na análise efetuada pelo RIT incluía-se a referência aos prejuízos fiscais inscritos no exercício de 2015 gerados no seio do Grupo de Sociedades A... e suas dominadas e não deduzidos em anos anteriores, com o valor de € 16.245.185,96, sendo a importância de € 2.658.176,57 referente ao exercício de 2010 (cf. RIT de 10/04/2019, VI.2, p. 11);
  5. E que, sendo o montante total de prejuízos dedutível apenas em 70% ao lucro tributável apurado no Grupo, de € 22.915.495,61, deu lugar à inscrição no campo 309 do quadro 09 da declaração modelo 22 de IRC do valor de € 16.040.846,93 (cf. RIT de 10/04/2019, VI.2);
  6. Desta forma, a matéria coletável do Grupo no exercício de 2015 totalizou o montante de € 6.874.648,68 (€22.915.495,61 - 16.040.846,93) (cf. RIT de 10/04/2019, VI.2);
  7. Em 3 de dezembro de 2019, na sequência da Ordem de Serviço n.º OI2019... de 29 de novembro de 2019, teve início na A... uma inspeção, designada como externa, declarando que visava verificar a observância dos requisitos para aplicação do RETGS, e condições de permanência no Grupo, e em especial, no âmbito da declaração Modelo 22 do Grupo no âmbito do RETGS, analisar os prejuízos fiscais deduzidos por se ter identificado, na declaração entregue em 25/3/2019, uma indevida dedução em 2015 de prejuízos fiscais respeitantes a 2010. (cf. ponto I. 4. do PPA e RIT de 24/04/2020, II.2.);
  8. O respectivo Relatório final, datado de 24/04/2020 (referindo o não exercício pela A... do direito de audição relativamente ao projeto de RIT enviado em 3/04/2020), e notificado à Requerente pelo ofício n.º ..., de 11/05/2020 (cf. doc.5 junto com PPA), corrigiu o montante de prejuízos para € 13.578.009,39, por abatimento ao valor antes declarado de € 16.040.846,93, do montante de € 2.658.176,57, referente a 2010 (RIT, pp. 11 e 12) e a matéria coletável para € 9.328.486,22 (€ 22.915.495,61 - € 13.587.009,39) em vez do resultado declarado de € 6.874.648,68 (cf. RIT de 24/04/2020, III.1.a III. 3);
  9. Fundamentando esta correção, escreveu-se no Relatório: «De acordo com a Lei nº 3-B/2010, de 28/04, o artigo 52º do CIRC passou a ter a seguinte redação: “Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos quatro exercícios fiscais posteriores”. Desta forma, em 2015, os prejuízos fiscais gerados em 2010 estavam caducados» (cf. RIT, III.2).
  10. Na sequência desta correção, a AT emitiu a liquidação de IRC respeitante ao período de tributação de 2015 do Grupo de sociedades, no valor de € 3.429.55,69 e demonstração de acerto de contas n.º..., na qual foi apurado um total a pagar no montante de € 595.552,41. (cf. PPA, Documento 1 e Resposta, art. 2);
  11. A liquidação de IRC n.º 2020..., de 29/04/2020 e a correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2020..., de 04/05/2020, foram notificadas à Requerente por transmissão eletrónica de dados para pagamento de € 595.552,41 até 22/06/2020 (cf. PPA, Documento 1);
  12. Na sequência da referida liquidação, a Requerente, ao abrigo do disposto no art. 78.º, nº 1, da LGT, requereu “revisão do acto tributário”, dirigindo o pedido ao Diretor de Finanças de Lisboa, em 05/03/2021, por correio com registo RH...PT (cf. PPA, doc. 2).
  13.  Sem ter recebido resposta ao referido pedido de revisão oficiosa, a Requerente, apresentou em 1 de outubro de 2021, o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

2. Factos não provados

 

Não ficou provado:

 

Que procedimentos da inspeção iniciada em 3 de dezembro de 2019, designada como externa, foram desenvolvidos “para, atento o regime específico de dedução de prejuízos fiscais nos Grupos de sociedades, designadamente verificar a existência de outras condições especiais de dedutibilidade de prejuízos fiscais (p.e. benefícios fiscais), ou outras questões dificilmente verificáveis por uma inspeção exclusivamente interna”;

 

Que a IT não tenha desenvolvido diligências complementares junto da Requerente, mormente nas suas instalações, envolvendo designadamente o diálogo com o contabilista certificado designado por um administrador da Requerente, e a análise de elementos confirmativos da origem e temporalidade dos prejuízos identificados na 2.ª inspeção, interna, como incorretamente deduzidos. 

 

3. Motivação

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Assim, e no que concerne à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo sim o dever de selecionar a matéria que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta (m) o pedido formulado pelo autor.

 

De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cf. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

Assim, no tocante à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente o processo administrativo e os documentos juntos pela Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

VII - MATÉRIA DE DIREITO

 

A. Análise das exceções invocadas

 

1. Da competência do Tribunal Arbitral para apreciar atos de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa.

 

No presente caso, o objeto do pedido da Requerente é o ato presumido de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que foi apresentado pela Requerente com vista à anulação da liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2015, liquidação nº. 2020..., de 29/04/2020, apresentada em 05/03/2021, sob o registo postal RH ... PT.

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD está limitada às matérias elencadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT):

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;

 

Para além da apreciação direta da legalidade de atos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas), aos “actos susceptíveis de impugnação autónoma” e à “decisão do recurso hierárquico”.

 

Não restam dúvidas, conforme adiante melhor se esclarecerá, que hoje em dia, a jurisprudência do CAAD não coloca qualquer dúvida sobre a competência dos Tribunais Arbitrais constituídos nesta sede para a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.

Assim continuará a ser mesmo que se trate de atos de indeferimento tácito e não expresso.

 

2. Da tempestividade e idoneidade do PPA

 

A Requerente apresentou o atual Pedido de Pronúncia Arbitral em 1 de outubro de 2021, na sequência da apresentação em 5 de março de 2021, de um pedido de revisão oficiosa da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2015, datada de 29 de abril de 2020 e notificada em maio de 2020.

 

E entende que o pedido de revisão, não tendo sido objecto de qualquer decisão no prazo de 4 meses, é de considerar tacitamente indeferido em 5 de julho de 2021, para efeitos da sua impugnação, nos termos do disposto no art.º 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT.

 

Defende também a tempestividade do Pedido de revisão oficiosa apresentado em 5 de março de 2021 porquanto, tratando-se de uma liquidação de IRC notificada em 4 de maio de 2020, a revisão oficiosa do ato tributário, seja por iniciativa da administração tributária ou a pedido do contribuinte, pode ser efectuada no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do disposto no art.º 78.º, nº 1, da LGT, e que foi o fundamento por si invocado.

 

A Requerida na sua Resposta considera que quando foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, estava em vigor a Lei nº 1-A/2020, de 19/03, com a redação introduzida pela Lei 4-B/2021, de 1/02, derivando do seu artigo 6.º-C a suspensão, entre 22/01/21 e 06/04/21, dos prazos de procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares, no que se refere aos atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como dos atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.

 

Assim, também se encontrava suspenso o prazo para o exercício de qualquer direito, como o de audiência prévia, no âmbito dos referidos procedimentos, bem como o de decisão dos mesmos procedimentos e a requerente não podia em 05/07/2021, presumir o indeferimento tácito do pedido de revisão apresentado em 05/03/2021, carecendo o Pedido de Pronúncia Arbitral de objeto, o que implica absolvição da instância.

 

Sobre esta questão, o tribunal verifica que o Pedido de Pronúncia Arbitral foi apresentado em 1 de outubro de 2020 pelo que, ainda que se considerasse aplicável a suspensão prevista na Lei n.º 1-A/2020, na redação da Lei nº 4-B/2021, de 1/2, o prazo para aplicação ao caso da presunção de indeferimento tácito teria começado a correr a partir de 6 de abril de 2021, estando já decorridos 4 meses em 1 de outubro de 2021, quando é apresentado o PPA.

 

3. Do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa

 

Na sequência da referida liquidação, a Requerente, ao abrigo do disposto no art. 78.º, nº 1, da LGT, requereu “revisão do acto tributário”, dirigindo o pedido ao Diretor de Finanças de Lisboa, em 05/03/2021.

 

O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 01-10-2021, data em que a Requerente apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

É entendimento dos Tribunais que a falta de decisão expressa de um ato de indeferimento tácito, não retira só por si o objeto ao pedido de revisão oficiosa, antes se devendo assumir que o mesmo põe em causa em absoluto a legalidade do ato tributário de liquidação que se pretende anular. Ou seja, presume-se que foi dada resposta negativa a todos os vícios de ilegalidade invocados. (Vd Procº. 696/2019-T do CAAD abaixo transcrito).

Assim, carece de razão a Requerida quando invoca a falta de objecto de Pedido por falta de formação de indeferimento tácito[1].

 

Quanto aos argumentos aduzidos sobre a tempestividade do PPA reconduzem-se à questão da viabilidade de invocação, no presente caso, do artigo 78.º da LGT, questão a tratar posteriormente.

 

3.1. da presunção do indeferimento tácito

 

A Requerente (invocando jurisprudência do STA - Acórdãos de 02-02-2005, Proc. n.º 01171/04; de 08-07-2009, Proc. n.º O306/09; de 23-09-2009, Proc. n.º 0420/09; de 12-11-2009, Proc. n.º 0681/09; e decisão do CAAD em 12/03/2020, Proc. n.º 696/2019-T - defende que o Pedido de Pronúncia Arbitral é o meio processual idóneo porque está em causa “a presunção de indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objeto um ato tributário de liquidação”.

 

A Requerida opõe que, tendo o Pedido de Pronúncia Arbitral como seu objeto imediato o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, não há qualquer decisão sobre a legalidade do ato de liquidação que possa ser alvo de impugnação, pelo que a falta de objecto conduz à absolvição da instância.

 

E, cita diversa jurisprudência, nalguns casos situações em que a decisão em apreciação, constituindo um ato de indeferimento, recusara apreciar a legalidade de um ato com fundamento em intempestividade do pedido.

 

Noutra linha argumentativa, a Requerida, embora admitindo que “a competência dos tribunais arbitrais abrange para além da apreciação direta da legalidade dos atos de liquidação, atos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos” realça que há muito que o STA sufraga o entendimento, de que quando os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício procedimental ou falta de fundamentação, para referir alguns exemplos) não fica demonstrado que tenha sido exigida ao sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas apenas que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais.

 

Frisando que o conceito de “erro imputável aos serviços” (2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT) não abrange todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, quanto aos pressupostos de facto e de direito, considera que o atual pedido reclamaria a apreciação por parte do Tribunal Arbitral de uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do art.º 78.º da LGT tendo em vista determinar da sua tempestividade, carecendo de competência para apreciar e decidir a questão de saber se estão reunidos os pressupostos de aplicação do mecanismo de revisão oficiosa. Por isso, considera a presente ação meio processual inadequado, devendo conduzir a absolvição da instância.[2]

 

Analisando:

Subscreve-se a posição defendida, de acordo com jurisprudência dominante, no processo do CAAD n.º 696/2019-T: «Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de ato de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de ato destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado. No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do ato de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais(sublinhados nossos).[3]

 

Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que o ato ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um ato que comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados pela Requerente, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.

 

Note-se, porém, que esta posição aceita a impugnação em caso de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação, rejeitando-a nos casos em que o objeto do próprio pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação não tinha por base razões substantivas mas apenas razões formais.

 

Ou seja, a pretensão de absolvição da instância da Requerida não pode ser avaliada apenas com o fundamento de o PPA se basear num indeferimento tácito, sem se identificar o objeto do próprio pedido de revisão oficiosa, cuja natureza é que poderá ser uma causa da negação de admissibilidade da ação. E que será então uma questão de verificar apenas a final.

 

Passemos então a identificar o objecto do pedido de revisão oficiosa.  

 

O pedido de revisão oficiosa - seu objeto e fundamento

 

3.2. A pretensão da requerente

 

No pedido de revisão, entregue nos serviços da AT em 5 de março de 2021, a A... requereu ao abrigo do disposto no art.º 78º, nº 1, da LGT, a revisão de ato tributário por erro imputável aos serviços.

 

Este erro consistiria em que a liquidação de IRC referente a 2015, datada de 29 de abril de 2020, e a demonstração de acerto de contas de 4 de maio de 2020, derivarem de correção à matéria tributável do Grupo de Sociedades de que a Requerente é sociedade dominante, constante de um relatório de inspeção tributária insuscetível de suspender o prazo de caducidade da liquidação previsto no art.º 45.º da LGT por não ser qualificável como ação externa mas sim apenas interna.

 

Apesar de ter já decorrido o prazo legal de apresentação da reclamação graciosa e de impugnação judicial, o pedido dirigido à AT em 5 de março de 2021 requeria que fosse autorizada a revisão oficiosa da liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2015 por se tratar de um erro imputável aos serviços, o que pode ocorrer, seja por iniciativa da administração tributária ou a pedido do contribuinte, dentro do prazo de 4 anos posteriores à liquidação, nos termos do art.º 78º, n.º 1 da LGT. (cf. pontos 27 a 29 do pedido).

 

Este pedido de revisão não teve resposta da AT, o que originou o indeferimento tácito invocado no presente PPA.

 

3.3. O regime de revisão de actos tributários previsto no artigo 78.º da LGT

 

O artigo 78.º da LGT dispõe no n.º 1: “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

 

O regime de revisão previsto neste n.º 1 do art.º 78.º da LGT distingue os casos de invocação de qualquer ilegalidade e de erro imputável aos serviços.

 

No primeiro caso, a revisão é admissível no prazo de reclamação administrativa (ou seja, 120 dias segundo o art.º 70.º, n.º 1, do CPPT) e é da iniciativa do contribuinte.

No segundo caso, a lei prevê a iniciativa da Administração Tributária no prazo de 4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo não estiver pago.

 

Mas quanto à segunda hipótese de pedido de revisão vem sendo entendido pacificamente que a norma também admite a revisão suscitada por iniciativa do contribuinte, como indicia a previsão do art.º 78.º, n.º 7, de que o pedido do contribuinte interrompe o prazo de prescrição da revisão oficiosa.

 

3.4. Erro imputável aos serviços

 

Não se pode dizer que o conceito de “erro imputável aos serviços” seja de evidente e fácil aplicação, surgindo desde logo a dúvida pertinente suscitada por uma aparente oposição, consagrada no nº 1 do art.º 78º da LGT, entre dois tipos de fundamentos: “qualquer ilegalidade”, a utilizar por iniciativa do sujeito passivo, e “erro imputável aos serviços”, a utilizar por iniciativa da Administração Tributária.

 

Atualmente, não suscita controvérsia a interpretação de que:

- A revisão com fundamento em erro dos serviços, no prazo de 4 anos, pode ser desencadeada pelos contribuintes[4].

- E que o erro dos serviços abrange erros materiais e de direito [5].

 

Reconhece-se porém que “não ficam abrangidos quaisquer vícios (formais) como por exemplo, a falta de fundamentação (art.º 77.º da LGT) ou a falta de audição prévia do contribuinte (artigo 60.º, da LGT)” [6]

 

Neste sentido, refira-se, por todos, o Acórdão do STA, de 06/02/2013 (Proc. n.º 0839/11): “E embora o conceito de “erro imputável aos serviços” aludido na 2ª parte do n.º 1 do 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem não só o erro material e o erro de facto, como, também, o erro de direito ou erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afetado pelo erro - Cf. a jurisprudência consolidada no STA e que se encontra plasmada, entre outros, nos Acórdãos de 06/02/2002, no Proc. n.º 26.690; de 05/06/2002, no Proc. n.º 392/02; de 12/12/2001, no Proc. n.º 26.233; de 16/01/2002, no Proc. n.º 26.391; de 30/01/2002, no Proc. n.º 26231; de 12/11/2009, no Proc. n.º 681/09; de 22/03/2011, no Proc. n.º 1009/10; de 14/06/2012, no Proc. n.º 842/11; e de 14/03/2012, no Proc. n.º 1007/11” (sublinhado nosso).

 

3.5. Ainda sobre o objecto do PPA e do pedido de revisão

 

No presente caso, o objeto do pedido da Requerente é o ato (presumido) de indeferimento da sua pretensão, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, de revisão da liquidação adicional de IRC 2015 do Grupo de Sociedades, alegando que o ato de liquidação adicional de IRC, resultante de uma inspeção tributária deve ser declarado ilegal, por vício de violação de lei:

- por violação do prazo legal de caducidade, previsto no art.º 45.º, nº 1, da LGT,

ou

- por violação do disposto no art.º 63.º, nº 4 da LGT (irrepetibilidade de uma inspeção externa).

 

A apreciação do pedido pressupõe então a análise das seguintes questões:

- Inspeção tributária a sociedades abrangidas pelo RETGS;

- Caracterização de uma inspeção tributária como interna ou externa;

- A correção resultante de inspeção e a liquidação resultante;

- Efeito dos resultados das Inspeções.

 

3.6. Inspeção Tributária a sociedades abrangidas pelo RETGS

 

3.6.1. O regime legal aplicável

 

A Requerente é a sociedade dominante do Grupo abrangido pelo RETGS no período de 2015, que integrava outras duas sociedades B..., SGPS e a C... SGPS. 

 

O que significa que as referidas sociedades optaram pela aplicação do regime previsto artigos 69.º a 71.º do CIRC que permite que entidades residentes pertencentes a um Grupo, e que preencham os demais requisitos legalmente previstos, sejam tributadas pelo resultado fiscal do Grupo.

 

Para esse efeito, nos termos do artigo 120.º, n.º 6, alínea a) do CIRC, devem entregar uma Declaração Modelo 22 de IRC global e a sociedade dominante calcula, relativamente a cada um dos períodos abrangidos, a soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao Grupo (art.º 70.º do CIRC).

 

Mas “cada sociedade do grupo não perde a sua personalidade jurídica e individualidade jurídico-organizativa e patrimonial nem deixa de ser sujeito de relações tributárias próprias pelo facto de passar a integrar o grupo de sociedades” e se a tributação incide, em cada exercício, sobre a “soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais das sociedades do perímetro do grupo de sociedades constante da declaração periódica apresentada pela sociedade dominante, cada uma das sociedades incluídas no perímetro deve apresentar também uma declaração periódica de rendimentos, que todavia não é objecto de liquidação” (cf. Acórdão do TCAS, de 30/04/2014, proc. 05376/12).

 

Assim, é possível e admissível a ocorrência de inspeção apenas numa das sociedades de um Grupo de sociedades, em regime REGTS, embora os efeitos se repercutam em todo o Grupo.

 

É evidente que mais eficiente e lógico será uma actividade inspetiva que incidindo sobre uma sociedade dominante, possa, se necessário, apurar os elementos em falta não apenas quanto ao resultado dessa sociedade mas de todo o Grupo, naturalmente no caso de não se suscitarem dúvidas sobre as demais sociedades do Grupo.

 

Acontece que, neste caso, a sociedade dominante do Grupo manteve, até 2019, uma situação de incumprimento das obrigações de natureza contabilística e declarativa referentes ao exercício de 2015, que só se regularizou após ter sido instada a fazê-lo por via de ações inspetivas, externa e interna, promovidas para esse efeito.

 

Configura-se como razoável admitir que a iniciativa da AT de desencadear uma ação inspetiva externa dirigida exclusivamente a confirmar o preenchimento dos requisitos e condições de aplicação do RETGS por parte de todas as sociedades integrantes do Grupo, bem como a certificação dos prejuízos de reporte atribuídos ao exercício de 2010, possa ter sido determinada pelas dúvidas suscitadas pela prolongada situação de incumprimento, arrastada até ao ano da caducidade, 2019.

 

3.7. Violação da proibição de irrepetibilidade da inspeção externa?

 

Porém, resulta da factualidade provada no caso sub judice que a primeira inspeção, ocorrida entre fevereiro de 2018 e fevereiro de 2019, incidiu exclusivamente sobre a Requerente, apenas alcançando a elaboração das demonstrações financeiras e apresentação da sua declaração individual de IRC 2015.

 

E, nestas circunstâncias concretas, a que voltaremos, não parece que a primeira inspeção realizada sobre a Requerente, e que resultou na apresentação e correção da Declaração Modelo 22 IRC referente apenas à A..., individualmente considerada, possa impedir uma posterior inspeção externa, visando, então, o Grupo de que a requerente é sociedade dominante.

 

Ou seja, não está comprovada a violação do princípio da irrepetibilidade da inspeção, decorrente do artigo 63.º, n.º 4, da LGT que dispõe: «O procedimento da inspeção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objetivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se o procedimento visar apenas a consulta, recolha de documentos ou elementos ou a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspeção ou inspeções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas». (Redação da Lei n.º 114/2017, de 29/12)

 

É que a Inspeção (designada pela Requerente como 3ª inspeção), cujo resultado subjaz à liquidação impugnada, incidiu sobre a Requerente enquanto empresa dominante de um Grupo constituído por três sociedades, ou seja, do ponto de vista tributário, sobre uma realidade tributária distinta daquela cujo resultado foi apurado na primeira inspeção, a A..., S.A., em si.

 

4. A classificação legal de inspeções como externa e interna

 

4.1. Regime legal

 

O RCPITA, classifica o procedimento quanto ao lugar da realização, distinguindo no artigo 13.º: “o procedimento pode classificar-se em: a) Interno, quando os actos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos; b) Externo, quando os actos de inspeção se efetuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso”.

 

Nos actos de inspeção, os funcionários em serviço de inspeção tributária, têm direito, designadamente: “a livre acesso às instalações e dependências da entidade inspecionada pelo período de tempo necessário ao exercício das suas funções”  e “ao exame, requisição e reprodução de documentos, mesmo quando em suporte informático, em poder dos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários, para consulta, apoio ou junção aos relatórios, processos ou autos”; “à troca de correspondência, em serviço, com quaisquer entidades públicas ou privadas sobre questões relacionadas com o desenvolvimento da sua atuação”; “ao esclarecimento, pelos técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, da situação tributária das entidades a quem prestem ou tenham prestado serviço” (cf. alíneas a), c), e) e f) do artigo 28.º do RCPITA).

 

“Para que possa ser classificado como interno, o procedimento deve materializar-se em atos, todos eles, praticados exclusivamente nos serviços, instalações ou dependências da Administração, designadamente através da análise formal e de coerência dos documentos. Caso contrário (isto é, caso existam actos praticados fora, ainda que diminutos) estaremos perante um procedimento externo” (Acórdão do TCAS de 1 de outubro de 2014, no Proc. n.º 04817/11).

 

A doutrina tem levantado a questão de saber se, em certas circunstâncias se está perante uma ação de inspeção externa ou se se trata apenas de uma situação apresentada sob essa forma, mas destinada apenas a alongar o prazo da caducidade. Seria o caso de deslocação dos serviços de inspeção tributária a estabelecimento do sujeito passivo apenas para obter uma assinatura através da notificação prévia, mas sem ocorrer a prática de atos materiais de inspeção, como o exame de elementos do inspecionado com capacidade de revelar a sua situação tributária) ou recolhas de documentos (cf. artigos 29.º, 55.º e 56.º, do RCPITA).

 

4.2. As inspeções incidentes sobre o Grupo dominado pela A...

 

Alega a Requerente, aliás como fundamento principal, que a última inspeção realizada nem seria qualificável como externa porque apenas visara um facto que era identificável por simples verificações em documentação em poder da AT, sendo injustificável que a liquidação tenha ocorrido apenas em maio de 2020 e não até 31 de dezembro de 2019, em violação do prazo de 4 anos previsto no art.º 45.º da LGT para exercício do direito à liquidação do IRC referente a 2015. 

 

Já a Requerida defende que na inspeção efetuada a partir de 3 de dezembro de 2019 realizou diligências junto do SP e nos seus escritórios, com um dos seus administradores, que não se cingiram a uma mera formalidade tendo no âmbito da reunião recolhido a necessária documentação de suporte à validação da composição do Grupo, e bem assim, dos resultados do Grupo, tudo com acompanhamento pelo contabilista certificado.

 

Trata-se de versões opostas - e o tribunal não tem meios de saber qual a verdadeira - mas é de realçar que a Requerente:

- Não exerceu o direito de audiência prévia, quando notificada do projeto de RIT em abril de 2020, onde poderia ter contestado o comportamento da AT;

- Não apresentou reclamação graciosa nem impugnação judicial no prazo normal;

- Apenas em março de 2021 apresentou um pedido de revisão de acto tributário ao abrigo do artigo 78.º da LGT e, com base no respetivo indeferimento, apresentou o presente Pedido de Pronúncia Arbitral;

 

4.3. A correção resultante da inspeção externa ao Grupo

 

Falando agora da correção efectuada na declaração de IRC 2015 do Grupo, apresentada em 25 de março de 2019 pela Requerente, de dedução de prejuízos referentes a 2010.

 

4.4. O regime legal de reporte de prejuízos

 

A aplicação ao exercício de 2015 do artigo 52.º do CIRC que prevê a dedução de prejuízos verificados em exercícios anteriores[7] terá que ter em conta a coexistência de sucessivos regimes:

- para os prejuízos de 2014, o prazo é de 12 anos (redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC)

- para os prejuízos de 2012 e 2013, o prazo é de 5 anos. (Redacção dada pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

- para os prejuízos nos períodos entre 1 de janeiro de 2010 e 1 de janeiro de 2012, o prazo é de 4 anos. (redação dada pela Lei n.º 3-B/2010 de 28 de abril)

- nos períodos iniciados antes de 1 de Janeiro de 2010, o prazo é de 6 anos (art.º 47º do CIRC anterior à redação republicada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07).

 

4.5. A aplicação da lei no caso do Grupo de que a Requerente é sociedade dominante

 

Verifica-se que no caso em apreciação nestes autos que os prejuízos de 2010 não podiam efetivamente ser deduzidos no exercício de 2015.

 

No RIT, concluído em Abril de 2019, menos de um mês depois da entrega da declaração do Grupo referente a 2015, considerou-se: Importa desde já referir que os valores apresentados relativos aos resultados do grupo já contemplam as correções efetuadas pela Inspeção Tributária, em sede de IRC, aos resultados individuais da A... no montante de € 23.233.518,14 em termos de matéria tributável e € 966.797,55 de imposto em falta, no âmbito da ordem de serviço n.º OI2018..., desta Direção de Finanças Após a entrega da declaração, a Administração Fiscal verificou, validou e confirmou os valores declarados pelo sujeito passivo. Da análise efetuada verificou-se que no exercício de 2015 o sujeito passivo tem prejuízos fiscais dedutíveis gerados no seio do grupo A... no montante de € 16.245.185,96 (ver anexo II), conforme quadro resumo abaixo apresentado. Não foi remetido o projeto de relatório por no decurso do procedimento Inspetivo o sujeito passivo ter regularizado as situações em falta. Face ao exposto nos pontos anteriores, atendendo à regularização voluntária do contribuinte, não se verificam correções de índole fiscal”.

 

5. Efeitos jurídicos das inspeções

 

5.1. Eficácia dos Relatórios

 

Na verdade, o que a Requerente imputa implicitamente à Autoridade Tributária é esta não ter identificado um erro da declaração numa anterior inspeção interna, só vindo a considerá-lo na inspeção ordenada em data posterior. Defende que esta última inspeção terá sido indevidamente classificada como externa, e, por isso, fundamenta o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação não numa errada interpretação da lei (neste caso o artigo 52.º do CIRC) que conduzisse a um imposto indevido, mas sim no facto de essa última inspeção ter tido como único objetivo corrigir um erro que já deveria ter sido identificado antes, permitindo com isso a caducidade do direito à liquidação.

 

Sendo verdade que os serviços da IT não identificaram no Relatório de 10 abril de 2019 a incorreção cometida pela Requerente na declaração apresentada em 23 de março de 2019 e referente a IRC 2015, em que aplicou indevidamente o artigo 52.º do CIRC ao deduzir indevidamente prejuízos do exercício de 2010, será que a AT ficou impossibilitada de corrigir posteriormente o referido erro?[8].

 

Com efeito, o Relatório, ao validar a declaração, não lhe encontrando erros, terminava dizendo: «a matéria coletável do Grupo no exercício de 2015 totalizou o montante de € 6.874.648,68 (€22.915.495,61 - 16.040.846,93) (cf. RIT de 10/04/2019. VI.2)».

 

Contudo, não se lhe seguiu a liquidação do imposto e respetiva notificação, antes terá sido entretanto detetado o erro pela AT e, a crer na fundamentação da Requerida não desmentida pelo histórico fiscal do Grupo, teriam surgido outras desconfianças que conduziram a abertura de nova inspeção.  

 

5.2. A relação entre as duas inspeções interna e externa no presente caso

 

Mas, repete-se, até que ponto as conclusões de validade na inspeção interna terminada em abril de 2019 impediam uma ação inspetiva posterior, como a que foi desencadeada por Ordem de Serviço OI 2019... de 29/11/2019 e iniciada na sede da Requerente em 6 de dezembro de 2019 e alteração de dados anteriormente não considerados incorretos?[9]

                                                                                           

A Requerida sustenta que a ordem de nova inspeção visou “verificar a observância dos requisitos para aplicação do RETGS, e condições de permanência no grupo, e em especial, no âmbito da modelo 22RETGS, analisar os prejuízos fiscais dedutíveis por se ter identificado, na declaração entregue em 25/3/2019, uma indevida dedução em 2015 de prejuízos fiscais respeitantes a 2010”.

 

Por outro lado, não parece que as conclusões ou afirmações contidas no relatório daquela anterior inspeção interna se tivessem tornado inalteráveis ou impeditivas de uma ação externa complementar, estando-se ainda a tempo de liquidação adicional.

 

Claro que a sucessão ocorrida também pode originar a suspeita de criação de “falsa” inspeção externa para emendar um erro antes não detetado, neste caso, a dedução em 2015 dos prejuízos de 2010.

 

Contudo, é igualmente pertinente a dúvida: se era o único problema por que não se avançou rapidamente para a correção e liquidação, sem abrir uma nova inspeção com a ordem de serviço de 29 de novembro?

 

Configura-se como lógica e admissível a hipótese de que, tendo sido detetado após o relatório de abril de 2019, que a declaração Mod. 22 continha uma errada aplicação da lei, tenham surgido desconfianças - o erro constava de declaração referente a 2015, mas apresentada pela Requerente em março de 2019 - de que havia que recolher e analisar mais elementos sobre a regularidade de funcionamento do Grupo.

 

Ou seja, tratando-se de um Grupo de sociedades que revelava um montante bastante elevado de lucro tributável referente ao exercício inspecionado, acompanhado de montante considerável de dívidas fiscais, um passado de forte grau de incumprimento - quer pelo montante de dívidas fiscais quer de infrações acumuladas - não se configura ilegítima a opção tomada de prosseguir com uma ação externa sobre o Grupo.

 

É certo que o Relatório da Inspeção não esclarece que diligências terão sido realizadas para clarificar as desconfianças que levaram a uma nova inspeção, à beira do fim do prazo de caducidade da liquidação e a única preocupação em abril de 2020 parece ser corrigir a questão da indevida dedução dos prejuízos. Apenas é dito que as condições de funcionamento do RETGS se mantinham. Mesmo verificando que nessa altura a pandemia já se encontrava a produzir efeitos consideráveis nos serviços[10], justificar-se-ia uma fundamentação mais extensa do Relatório. 

 

Contudo, apesar de as conclusões da inspeção externa serem lacónicas e se restringirem à matéria passível de correção com elementos já detetados internamente, nem o histórico da Requerente nem a configuração temporal permitem concluir que foi apenas um procedimento utilizado pela AT para poder liquidar imposto após o decurso do prazo legal

 

6. Conclusões quanto às questões analisadas

 

6.1. Quanto aos factos apurados e sua qualificação

  • A (designada 1ª) inspeção, realizada entre 28 de fevereiro de 2018 (data de assinatura de representante da Requerente da ordem de serviço OI2018...) e 21 de fevereiro de 2019 data de envio da notificação do RIT) foi uma inspeção externa, restrita a obtenção de resultados na Requerente enquanto sociedade individualmente considerada;

 

  • A Inspeção realizada ao abrigo da Ordem de serviço OI2018..., de 10 de agosto de 2018 e notificada por ofício de 18 de abril 2019 foi uma inspeção interna realizada para obtenção de declaração de IRC 2015 do Grupo;

 

  • De realçar que a Ordem de serviço OI2018... (2.ª inspeção) tem data anterior à primeira prorrogação da 1.ª inspeção, em 23 de agosto de 2018 - altura em que a Requerente ainda não havia apresentado as declarações Mod. 22 IRC individual e IES, e apenas veio a apresentar nesse período a Mod. 22, individual, em 23 de novembro de 2018;

 

-          Na inspeção interna, contudo, segundo o RIT, apenas terão sido realizados procedimentos após 18 de fevereiro de 2019, ou seja, em data posterior à alteração pela Requerente, em 22 de janeiro de 2019 da declaração Mod. 22 IRC, após deteção, pelo sistema central, de incorreções na declaração individual apresentada em 23 de novembro de 2018;

 

-          Nessa data de 18 de fevereiro de 2019, deu-se a notificação para entrega da declaração Mod. 22 do Grupo, que veio a ser entregue em março de 2019, com envio do RIT em abril de 2019; 

 

- A AT desencadeou em 29 de novembro de 2019 (OI2019...) a ação externa dirigida ao Grupo, para obtenção de elementos complementares, que decorreu a partir de 06 de dezembro de 2019 (data de assinatura do aviso) com envio do RIT em 11 de maio de 2020;

 

- No RIT apesar de mencionar que a ação inspetiva visara verificar a observância dos requisitos para aplicação do RETGS e condições de permanência no Grupo procedeu-se apenas a uma correção relativa ao reporte do montante de prejuízos referente a 2010 (que era apresentado como apenas um dos objetivos da ação, que referia a deteção desse erro na declaração entregue em 25/3/2019).

 

6.2. Valoração dos factos e sua apreciação jurídica

 

Da análise dos factos, sua interligação e da apreciação das questões jurídicas supra analisadas, conclui-se que a designada terceira inspeção não constituiu uma segunda inspeção externa sobre os resultados do GRUPO porque:

 

Ainda que a averiguação de todas as questões referentes ao Grupo de Sociedades numa única inspeção - a primeira - pudesse constituir a forma mais rápida e eficiente de resolver todas as questões sobre a respetiva tributação, viu-se que a Requerente demorou quase um ano a entregar a declaração modelo 22 apenas referente ao seu resultado individual e ainda aquando da elaboração do respectivo relatório, em 14 de fevereiro de 2019, não tinha sido apresentada a declaração IES;

 

É razoável supor que tenha sido essa a razão pela qual a IT se preparou, logo em agosto de 2018, com uma Ordem de Serviço para procedimentos internos relativamente ao Grupo e, ainda antes de findar o relatório da dita primeira inspeção - que já se prolongava quase há um ano, aparentemente por falta de colaboração da Requerente - e que ao abrigo dessa Ordem de Serviço, tenha iniciado procedimentos, notificando a A... para entrega de declaração Mod. 22 IRC do Grupo. Foi na sequência dessa notificação que a Requerente entregou a Declaração Mod. 22 IRC do Grupo.

 

É certo, que, tal como a Requerente invoca, o RIT desta inspeção apenas contém uma correção do reporte de prejuízos e nada esclarece sobre diligências que terão sido desenvolvidas para apreciação complementar da situação do Grupo (Requerente e dominadas). E que no RIT da inspeção interna, no âmbito da qual ocorrera a entrega da declaração agora corrigida, se afirmara que tal declaração fora validada.

 

Mas, como concluído acima, as afirmações contidas no relatório, que nem dera ainda origem a liquidação, não podem considerar-se inalteráveis nem impeditivas de uma ação externa complementar.

 

Tratando-se de um Grupo de sociedades que revelava um montante bastante elevado de lucro tributável referente ao exercício inspecionado, acompanhado de montante considerável de dívidas fiscais, um passado de forte grau de incumprimento - quer pelo montante de dívidas fiscais quer de infrações acumuladas - não se configura descabida a opção tomada de prosseguir com uma ação externa sobre o Grupo, dado que ainda decorria o prazo de caducidade.

 

 O facto de o Relatório da inspeção externa omitir referência a diligências sobre questões diversas da que deu origem à única correção efetuada poderá quando muito constituir um vício de insuficiente fundamentação, mas não afeta a legalidade da liquidação;

 

A correção efetuada quanto ao reporte de prejuízos referentes a 2010 e não dedutíveis ao exercício de 2015 é correta, de acordo com a redação do artigo 52.º do CIRC aplicável aos exercícios em causa.

 

6.3. Revisão do acto por erro dos serviços

 

Face às conclusões anteriores, vejamos agora qual a viabilidade e procedência:

 

6.3.1. Do Pedido de revisão de acto tributário indeferido

 

A Requerente requereu, em 5 de março de 2020, ao abrigo do disposto no art.º 78.º, nº 1, da LGT, “revisão do acto tributário”, dirigindo o Pedido ao Diretor de Finanças de Lisboa, invocando erro imputável aos serviços.

 

Esse erro seria a notificação de liquidação de IRC de 2015, devido pelo Grupo de que a A... é a sociedade dominante, após decurso do prazo de exercício do direito à liquidação, ou seja, até 31 de dezembro de 2019.

 

A caducidade dever-se-ia ao facto de a inspeção realizada entre 3 de dezembro de 2019 e maio de 2020 não ser suscetível de suspender o prazo de caducidade.

 

Ou seja, o erro não é da própria liquidação, mas da inspeção realizada, que não seria externa como classificada pela AT. 

 

Como já referido, o circunstancialismo envolvente permite admitir como verosímeis os objetivos e natureza apontados à referida inspeção, não conseguindo a Requerente pelas mesmas razões, provar o contrário.

 

E, a haver irregularidade, consistiria numa fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária que peca por minimalismo, insuficiente desenvolvimento, na medida em que não tendo procedido a quaisquer outras correcções omitiu a descrição de diligências realizadas, no prosseguimento do objecto definido na Ordem de Serviço, para além das referentes aos prejuízos de 2010 indevidamente deduzidos ao exercício de 2015.

 

O artigo 78.º da LGT para além de pedidos com fundamento em qualquer ilegalidade, no prazo de reclamação, permite pedidos num prazo bem mais alargado, de 4 anos, com fundamento em erros de facto e de direito, mas não abrange vícios de forma ou procedimentais.

 

6.3.2. Improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral

 

Assim, e face ao já anteriormente considerado, pode concluir-se que, apreciando o Pedido que pretende, invocando a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão, a declaração de ilegalidade da Liquidação:

a). O pedido de revisão oficiosa da liquidação é tempestivo e a pedido arbitral impugnando o indeferimento tácito daquele também, sendo este Tribunal competente para a sua apreciação; O pedido de revisão do ato tem por objeto direto atos de liquidação que se baseiam em razões substantivas e não meramente formais, ou seja o indeferimento tácito do pedido e revisão oficiosa comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação cuja revisão foi pedida, sendo este processo de impugnação arbitral (ou judicial) o meio próprio para a sua anulação;

b). Não se deu a caducidade do direito à impugnação por parte da Requerente, não havendo violação do disposto no artº. 45º., nº. 1 da LGT;

c). Não há qualquer inspeção externa repetida à mesma entidade na mesma qualidade e com o mesmo objeto, não havendo violação do disposto no artº. 63. nº.4 da LGT; 

 

Assim, a inspeção efetuada entre dezembro de 2019 e maio de 2020 foi uma inspeção externa realizada à A... enquanto sociedade dominante do Grupo, distinta portanto da inspeção incidente sobre a A... mas enquanto sujeito passivo autónomo, para obtenção da sua declaração individual de IRC 2015 e declaração IES;

 

A inspeção externa efectuada entre dezembro de 2019 e maio de 2020 fundamentou-se na necessidade de recolha de elementos complementares para apreciação da situação tributária do Grupo, e essa fundamentação apresenta-se justificada objetivamente pela situação reiteradamente incumpridora da Requerente que não alcançou (nem procurou fazê-lo) juntar elementos que destruíssem essa aparência; 

 

As afirmações contidas no RIT da inspeção interna realizada entre fevereiro e abril de 2019, não impediam posterior deteção de erros com influência na aplicação da lei;

 

A liquidação cuja anulação se requer assenta em resultados obtidos numa inspeção que não foi indevidamente classificada como externa;

 

Assim, tal inspeção e a liquidação consequente, não foram realizadas e concluídas fora do prazo previsto no art.º 45.º, n.º 1, da LGT, não procedendo os argumentos no sentido de caducidade do direito á liquidação consagrado na referida norma;

 

 E, porque a 1.ª inspeção incidente sobre a A... enquanto sujeito passivo autónomo, não se confunde com a realizada à A... enquanto sociedade dominante do Grupo, também não houve violação do princípio da irrepetibilidade de inspeção externa (artigo 63.º, n.º 4, da LGT);

 

Quanto à possível imputação de insuficiência do RIT na descrição de diligências realizadas, designadamente sobre a clarificação de relações no grupo de sociedades, tratar-se-ia de vício formal, insuscetível de fundamentar pedido de revisão do acto tributário de liquidação no momento de apresentação do pedido.

 

A correção efectuada pela IT, relativa à não aceitação dos prejuízos verificados no ano de 2010 está conforme à lei (art. 52.º do CIRC) na redação aplicável aos exercícios em causa.

 

Assim, o Pedido de Pronúncia Arbitral é de considerar improcedente.

 

VIII - Decisão

 

Com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Nestes termos, julga-se improcedente o pedido de anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa e declaração de ilegalidade da liquidação do IRC relativa ao ano de 2015 com o n.º 2020 ..., no montante de € 595.552,41.
  2. Condenar a Requerente em custas.

 

IX - Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 595.552,41.

 

X - Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 8.874,00 nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de março de 2022

 

Os árbitros

 

 

Regina de Almeida Monteiro 

(Árbitro Presidente)

 

 

Manuela Roseiro

(Árbitro Adjunta)

 

 

Jorge Carita

(Árbitro Adjunto)



[1] De resto, recorde-se o decidido pelo Acórdão do STA de 28/10/2009, no Proc. n.º 0595/09: “Assim, mesmo que se considere necessária a existência de um indeferimento tácito para possibilitar a impugnação até esta data de 10-10-2005, teria de concluir-se que ela, apesar de não ser possível no momento em que a impugnação foi apresentada, se tornou viável posteriormente, antes de ser proferida a decisão judicial que apreciou a caducidade do direito de ação. Ora, esta formação de indeferimento tácito posterior ao momento da apresentação da impugnação poderia e deveria ser tida em conta para apreciar a caducidade da impugnação, pois as decisões judiciais devem «tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão» (art.º 663.º do CPC impugnação judicial resultante da apresentação da reclamação graciosa e da falta da sua decisão já podia ser utilizado. Por outro lado, este Supremo Tribunal Administrativo já decidiu que, quando é apresentada uma reclamação administrativa de um acto de liquidação, o interessado pode optar por não esperar que seja proferida a respetiva decisão, podendo deduzir impugnação contenciosa do acto administrativamente impugnado, mesmo antes de estar expirado o prazo legal para ser decidida a reclamação, com base no princípio «de que os prazos, não podendo ser excedidos, podem, em regra, ser antecipados», desde que já esteja praticado o acto que é objecto de impugnação. (Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 31-5-1995, recurso n.º 18789)”.

[2] Refere que a jurisprudência tem concluído que quando o ato ficcionado de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa depende da apreciação da tempestividade do próprio pedido de revisão, o mesmo não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação e “o meio de impugnação adequado será a ação administrativa especial”, ocorrendo então incompetência material do tribunal arbitral, exceção dilatória que determina a absolvição da entidade Requerida da instância (artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

[3] Diferente é a situação nos casos em que se está perante o indeferimento tácito de um recurso hierárquico, pois este não tem por objeto directo um ato de liquidação, mas sim um anterior ato de indeferimento da impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa). Se o ato expresso proferido na impugnação administrativa não conheceu da legalidade de ato de liquidação (por ter entendido existirem obstáculos formais, como a ilegitimidade ou a intempestividade), o indeferimento tácito presume-se ter mantido o acto anterior e, por isso, se este não comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação, o indeferimento tácito do recurso hierárquico também não a comporta, sendo o meio próprio a ação administrativa e não impugnação (cf. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, II vol. p.152).

[4] “É hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento» (cf. Acórdão do STA de 04-05-2016, proc. 0407/15).

[5] O n.º 3 do artigo 78.º da LGT passou a dispor: A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior” (redação dada pela Lei 55-B/2004, de 30/12).

[6] Paulo Marque, A Revisão do Acto Tributário, Cadernos IDEF, nº 19, p. 236, Almedina 2015, com remissão para José Casalta Nabais, A Revisão dos actos tributários, Por um Estado Fiscal Suportável – estudos de Direito fiscal, III, Almedina, Coimbra, 2010, p. 236.

[7] Atualmente, o artigo 52.º, n.º 1, do CIRC, aplicável nos termos do artigo 71.º do mesmo Código às sociedades em regime especial de tributação dos grupos de sociedades, dispõe: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores, à exceção dos sujeitos passivos que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial ou industrial e que estejam abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, os quais podem fazê-lo em um ou mais dos doze períodos de tributação posteriores”. (redação dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, aplicando-se aos prejuízos fiscais apurados em períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2017).

[8] O RCPITA dispõe quanto à eficácia vinculativa do relatório no artigo 64.º, prevendo que os sujeitos passivos podem por razões de certeza e segurança, solicitar ao Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que sancione as conclusões do relatório da inspeção relativas aos factos relatados. Esta previsão confirma a ideia que o Relatório não é em si um ato administrativo, impugnável em si, mas um dos atos preparatórios de verdadeiros atos tributários como a liquidação a que possam dar lugar.

[9] A Requerente também refere, embora não retire daí consequências, a inobservância do artigo 49.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, que dispõe “O procedimento externo de inspeção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início”. Sobre a questão Joaquim Freitas da Rocha e João Caldeira comentam em anotações ao RCPITA, Almedina, ed. 2021, pp. 352 e 353: “A falta de comunicação do início do procedimento só deverá no entanto gerar invalidade se se demonstrar que o interessado não teve conhecimento do procedimento e do respectivo objecto, e, que por força dessa ausência de conhecimento não pode nele intervir tempestivamente. Assim, se o contribuinte inspecionado foi notificado da ordem de serviço/despacho que marca o início do procedimento, se foi notificado do projeto de conclusões do relatório de inspeção, a eventual falta de notificação da carta aviso degrada-se numa mera irregularidade, sem efeitos invalidantes”. Ver também os Acórdãos do STA de 5/11/2014 no Proc. 0914/13, e de 29/06/ 2016 no Proc. 01095/15.

[10] Cf. Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março.