Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 523/2021-T
Data da decisão: 2022-03-04   
Valor do pedido: € 311.759,20
Tema: IRS - IRC de 2015. Gastos e perdas. Caducidade do direito à liquidação. Artigo 23º-1 do CIRC e artigo 45º-1 da LGT.
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DECISÃO ARBITRAL

 

         1. Relatório

 

A... – SOCIEDADE FARMACÊUTICA, UNIPESSOAL, LDA., anteriormente designada B… – SOCIEDADE FARMACÊUTICA, UNIPESSOAL, LDA., NIPC n.º …, com sede na Avenida …, n.º …, …, … Lisboa, adiante designada simplesmente como “Requerente” veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral (PPA) com vista à declaração de ilegalidade e anulação do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) com o n.º 2020 ..., com data de 13 de maio de 2020, relativo ao exercício de 2015, bem como da correspondente liquidação de juros compensatórios, de onde resulta um montante total a pagar de € 311.759,20 e do despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, de 3 de março de 2021, que indeferiu a reclamação graciosa com o n.º de processo ...2020....

Termina pedindo que o pedido de pronúncia arbitral (PPA) seja considerado totalmente procedente, por provado, e, em consequência:

“a) Ser declarada ilegal e integralmente anulada a liquidação de IRC relativa a 2015 com o n.º 2020 ..., com data de 13 de maio de 2020, bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios, da qual resultou um montante total a pagar de € 311.759,20 (trezentos e onze mil setecentos e cinquenta e nove euros e vinte cêntimos), com fundamento na caducidade do direito à liquidação; 

b) Caso assim não se entenda, ser declarada ilegal e anulada a liquidação de IRC relativa a 2015 com o n.º 2020 ..., com data de 13 de maio de 2020, bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios, na parte em que refletem e concretizam as correções ao lucro tributável do exercício de 2015 no montante total de € 1.154.352,34 (um milhão cento e cinquenta e quatro mil trezentos e cinquenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos) efetuadas no procedimento de inspeção tributária realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2018...; 

c) Caso não se entenda como em a) ou b), ser declarada ilegal e anulada a liquidação de IRC relativa a 2015 com o n.º 2020 ..., com data de 13 de maio de 2020, bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios, na parte em que refletem e concretizam as correções ao lucro tributável do exercício de 2015 no montante total de € 960.060,46 (novecentos e sessenta mil sessenta euros e quarenta e seis cêntimos) efetuadas no procedimento de inspeção tributária realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2018...;

d) Ser anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020..., a qual tinha por objeto a liquidação de IRC de 2015 em referência;

e) Em virtude da anulação total ou parcial da liquidação de imposto e juros compensatórios acima identificada, ser determinada, em conformidade, a restituição à Requerente do montante de IRC e juros compensatórios indevidamente liquidado e pago por referência a 2015; e

f) Ser determinado o pagamento pela Fazenda Pública à Requerente de juros indemnizatórios, à taxa legal anual de 4%, sobre a prestação tributária indevidamente liquidada e paga a título de IRC de 2015, nos termos previstos nos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT e no artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, ex vi artigo 24.º, n.º 5, do RJAT”.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 01-09-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo (TAC) os signatários desta decisão, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 10.11.2021.

A AT apresentou resposta em 11.01.2022 e juntou na mesma data o PA.

Por despacho de 13.01.2022 do Senhor Presidente do tribunal foi considerada dispensável a reunião do artº 18º RJAT e convidou as partes a apresentarem alegações escritas sucessivas.

As partes não apresentaram alegações no prazo fixado.

 

***

 

A Requerente invoca, em primeiro lugar, a caducidade do direito à liquidação, porque

(1) a liquidação de IRC de 2015 ora contestada foi emitida em 13 de maio de 2020; (2) e foi disponibilizada na caixa postal eletrónica (Via CTT) da Requerente em 19 de maio de 2020, pelo que foi notificada em 4 de junho de 2020 (cf. artigo 39.º, n.º 10, do CPPT);

(3) pelo que, de acordo com o artigo 45.º, n.º 1, da LGT, a notificação foi feita fora do prazo de quatro anos que a lei estipula para a AT liquidar o IRC aqui em causa;

(4) pela razão de que, tanto a notificação do RIT, como a da nota de diligência com a conclusão dos atos de inspeção, ocorreram depois de seis meses do início do procedimento de inspeção tributária externa, em 2 de outubro de 2019, o que significa que o efeito suspensivo do prazo de caducidade do direito à liquidação provocado pela notificação da ordem de serviço, cessou;

(5) o que significa que, no que ao exercício de 2015 concerne, o prazo de caducidade do direito à liquidação teve início em 1 de janeiro de 2016 e atingiu o seu termo final em 31 de dezembro de 2019 (anos de 2016, 2017, 2018 e 2019).

 

A dissonância entre a Requerente e a Requerida tem a ver com as correcções meramente aritméticas à matéria colectável de IRC do ano de 2015, resultantes de uma Inspecção Tributária, e que constam

  • Do ponto 3.1.1 do relatório de inspecção – descontos e abatimentos em vendas e despesas de investigação e desenvolvimento (I&D) - acordo Apifarma e provisão Apifarma;
  • Do ponto 3.1.2 do relatório de inspecção – outros acréscimos de custos manuais;
  • Do ponto 3.1.3 do relatório de inspecção – outros acréscimos de custos automáticos.

 

Quanto ao ponto 3.1.1 do RIT

Abatimentos em vendas líquidas – acordo APIFARMA (368 700,86 €)

 

Refere a Requerente, face à fundamentação constante do Relatório de Inspecção Tributária (RIT),  que logo em sede de audição prévia do seu projecto e quanto ao ponto 3.1.1 do PRIT (“Descontos e abatimentos em vendas – Acordo APIFARMA”), quantificados pela AT em € 368.700,86, explicou que “não estavam a ter em conta, por exemplo, um montante de € 93.965,00 respeitante ao acréscimo de gasto para fazer face às obrigações assumidas no âmbito do Acordo C... que também se deveria incluir na conta #718002 (descontos e abatimentos em vendas)”.

Discorda do ponto de vista da AT quando entende que “... os valores da contribuição financeira prevista no Acordo APIFARMA para 2015 ... estimados pela Requerente durante este ano deveriam, forçosamente, ceder perante os valores indicados no Relatório de Gestão do exercício findo em 31 de dezembro de 2015 datado de 30 de junho de 2016, isto é, exatamente seis meses após o termo do período de tributação relevante (cf. p. 21 do RIT)”, uma vez que o Relatório de Gestão ... indica que, a meio de 2016, ainda “exist[ia] uma diferença entre os valores da A... e os valores apresentados pelo Infarmed num total de 109.364€ que se encontra[va] em processo de validação por ambas as entidades”, não tendo base legal para “... desconsiderar como gasto – um montante de € 368.700,86, ou seja, a diferença entre € 2.857.897,86 (valor da contribuição financeira devida nos termos do Acordo APIFARMA estimado pela Requerente no decurso de 2015) e € 2.489.197,00 (valor da contribuição em apreço que consta do Relatório de Gestão da A... do exercício de 2015 datado de 30 de junho de 2016)”.

A Requerente insurge-se contra o raciocínio seguido pela AT de “que aquando do encerramento das contas do ano de 2015 a Requerente já tinha sido comunicada pela APIFARMA do montante total das três primeiras parcelas da contribuição, num total de € 1.654.822,64, pelo que nenhum fundamento haveria para o valor estimado prevalecer em termos contabilísticos e fiscais (cf. pp. 12 e 13 do RIT)”, esquecendo “que o valor final da contribuição financeira relativa a 2015 foi determinado pela APIFARMA somente em 2 de dezembro de 2016, muito depois do encerramento das contas de 2015 e do próprio exercício.” e “a primeira parcela da contribuição relativa a 2015 – a pagar até 31 de março de 2015 – é apurada com base nas vendas de 2014 e, por outro lado, que a confirmação do montante da contribuição com base nas vendas do último trimestre de 2015 só é efetuada pela APIFARMA em 2016”.

 E conclui que “a estimativa de gastos decorrentes do cumprimento do Acordo APIFARMA foi apurada com base em vendas reais ao longo do ano, ... na medida em que as comunicações efetuadas pela APIFARMA entre abril de 2015 e dezembro de 2015 tinham por base vendas efetuadas entre 2014 – ano anterior ao que está em discussão – e o terceiro trimestre de 2015 – cuja informação só é disponibilizada pela APIFARMA em 2016 – e, bem assim, outras variáveis que a Requerente não conhecia, tão-pouco controlava, no momento do vencimento de cada uma das parcelas da contribuição financeira”.

Sucedendo que “a desfasagem temporal entre o momento em que a contribuição é devida e aquele em que o seu quantum se cristaliza decorre da metodologia de cálculo definida pela APIFARMA, que faz com que sejam relevantes montantes que à data do vencimento de cada parcela não está disponível ou não é conhecido pela empresa, o que leva a que sejam efetuados acertos posteriores. Algo que, como já se referiu, sucedeu relativamente a 2015 quase um ano após terminar o exercício”.

Refere em síntese: “os acréscimos de gastos são, por isso, a melhor estimativa possível do valor a pagar, apurado com base na informação disponível à data, pelo que os acertos a valores de estimativas devem ser reconhecidos como gasto do exercício em que são suportados – neste caso, segundo aquilo que fora contratualizado com o Estado, dado que as estimativas da Requerente estão sujeitas a acertos posteriores, através de notas de crédito, esta metodologia de contabilização é a que melhor se coaduna com o princípio da especialização de exercícios ao ter por base a melhor estimativa possível dos gastos quando estes são suportados – i.e. quando ocorre o evento económico relevante”.  

 

Valor de I&D a abater do montante de contribuição apurado– acordo Apifarma (249 499,00 €)

 

Começa por referir a Requerente que  “nos termos do Acordo APIFARMA celebrado com o Estado, admite-se que as despesas de I&D sejam deduzidas à contribuição presuntivamente, em qualquer uma das quatro parcelas, conforme a própria APIFARMA comunicou à Requerente”, sendo que “o valor de despesas I&D dedutíveis à contribuição apenas é reconhecido como rédito após validação pelo INFARMED, sendo efetuados posteriormente os respetivos acertos”, permitindo “uma maior aproximação à realidade e fiabilidade no que toca às despesas a deduzir à contribuição na medida em que é feito um apuramento provisório sujeito, posteriormente, a acertos consoante a validação feita pelo INFARMED”. 

 Discorda a Requerente da Requerida porquanto “a correção efetuada pela AT, porém, foi descurado o facto de a conta #718002 incluir o reconhecimento de parte do proveito associado às despesas de I&D de 2014 e ajustou-se um valor associado às despesas de I&D de 2015”, tendo a  Requerente reconhecido “nesta conta, com impacto no resultado de 2015, um acerto à estimativa de gastos de I&D de 2014 com base na confirmação (validação) dos montantes pelo INFARMED recebida a 11 de março de 2015, no valor de € 249.499,00” e “optou por não reconhecer o rédito correspondente – isto é, o aumento de benefícios económicos, ainda que futuros, possibilitado pela dedução destas despesas ao montante a pagar ao Estado ao abrigo do Acordo APIFARMA – logo em 2015 na medida em que considerou existir um risco de o mesmo não se vir a materializar”, tendo ocorrido que “os valores das despesas de I&D incorridos em 2015 foram validados pelo INFARMED apenas em 18 de outubro de 2019”. 

 Discorda da posição da AT quando “sustenta que o montante das despesas dedutíveis em 2015 era de € 277.414,00, quantia que ... foi apurada pela Requerente em janeiro de 2016 – ano seguinte – e validada pelo INFARMED apenas em outubro de 2019 – praticamente quatro anos após o termo do exercício de 2015”, sendo que se “a AT adiciona um proveito de I&D referente a valores apurados com referência de 2015 e considerados nas notas de crédito de 2015, deveria, simetricamente, deduzir ao lucro tributável do exercício os € 249.499,00 apurados com referência a 2014 e considerados nas notas de crédito emitidas em 2014”.

Conclui a Requerente que a despesas de I&D que contabilizou, “do ponto de vista contabilístico e fiscal no que a essas cifras diz respeito não merece qualquer censura”.

 

Contribuição adicional ao abrigo do “acordo C...” (93 965,00 €)

 

            A Requerente insurge-se contra o facto da AT ignorar “que a conta #718002 incluía os acertos das estimativas da contribuição a que se referia o Acordo APIFARMA, os valores de I&D a abater a essa contribuição e ainda os valores de outras comparticipações que aí não se encontravam previstas, designadamente, a que decorre do Acordo C...”:

 

Refere a Requerente que “com base nestas obrigações de reembolso que a Requerente monitoriza ao longo do exercício fiscal a probabilidade de exceder o nível de encargos com base na trajetória de vendas do produto, isto é, do medicamento.  No final do ano de 2015 – e tendo por base a comparação entre as vendas líquidas e o teto máximo – foi efetuado um acréscimo com impacto na estimativa de contribuições e respetivo gasto exercício no montante de € 93.965,00.”

 Acrescenta: “a confirmação do montante a devolver ao SNS pela Requerente por parte do INFARMED ocorreu apenas em 13 de março de 2017, tendo, então, a primeira sido informada pelo segundo que:

(i)        Para o primeiro período de vendas de agosto de 2014 a julho de 2015, o teto máximo de despesa pública com o medicamento C... não foi atingido; 

(ii)       Para o período de agosto de 2015 a julho de 2016, a Requerente havia atingido um volume de vendas do C... de € 1.044.781,00, ou seja, superior em € 351.998,00 ao limite máximo contratualizado de despesa do SNS com este fármaco (€ 692.783,00) (cf. Anexo 4 ao requerimento escrito para exercício do direito de audição prévia no procedimento de inspeção tributária, constituído por uma carta da Direção de Avaliação de Tecnologias de Saúde datada de 13 de março de 2017)

 E continua: “Em 2017, foram emitidas notas de crédito no valor a reembolsar de € 351.998,00, as quais foram abatidas ao acréscimo de custo em balanço.  A AT, no entanto, desconsiderou o valor estimado das contribuições ao abrigo do Acordo C... e centrou a sua análise ao saldo da conta #718002 nas estimativas das contribuições previstas no Acordo APIFARMA, quiçá influenciada pelo facto de o Relatório de Gestão do exercício de 2015 elaborado em 30 de junho de 2016 fazer referência exclusiva a este último acordo”. Na verdade, o “... montante estimado de comparticipação de € 122.233,14, embora relacionado com o medicamento C..., um dos vários medicamentos que comercializa em território nacional e mais especificamente com o SNS, não dizia respeito ao Acordo C..., mas ... sim, ao Acordo APIFARMA.”

Sendo que “o único montante que a Requerente estimou relativamente ao produto C... e ao ano de 2015 a título de comparticipação no âmbito do Acordo C... foi de € 93.965,00”.

E conclui: “o facto de Relatório de Gestão do exercício de 2015 não se referir diretamente ao Acordo C... não tem, naturalmente, o significado que esse acordo e as obrigações dele decorrentes não existem, tão pouco tem qualquer impacto sobre as quantias inscritas na contabilidade relacionadas com os montantes a pagar pela Requerente ao Estado (SNS) por força deste acordo”.

Pelo que tais gastos, tal como foram contabilizados deverão ser dedutíveis, por se verificarem os pressupostos legais do artigo 23º do CIRC, até porque nem a AT invocou que não tenham sido realizados, não tenham a ver com o objectivo social ou com a prossecução de interesse que não o empresarial.

 

Provisão Apifarma (€ 382 579,38)

 

Insurge-se a Requerente contra o entendimento da AT “pelas razões atrás enunciadas a propósito da correção no montante de € 368.700,86”, ou seja, de que “promovida a diminuição dos gastos fiscais, o saldo da rubrica onde estava registada a Contrapartida destes gastos (#216003 – Provisão APIFARMA) tinha de ser reflexamente ajustado”.

E esclarece que “a AT propugna, em termos simplificados, é que as estimativas de gastos com a contribuição devida nos termos do Acordo APIFARMA relativamente a 2015 efetuadas quando a mesma se tornou exigível deveriam ceder perante informação que, por razões alheias à Requerente, não era conhecida à data e que só se consolidou a posteriori, depois de encerrado o exercício em causa”.

 Em primeiro lugar “apesar da sua designação, a conta #216003 (“Provisão APIFARMA”) não tem a natureza de verdadeira provisão, ou seja, de um passivo de tempestividade ou quantia incerta – e nesse sentido contingente – que, desde que possa ser efetuada uma estimativa fiável, é reconhecida como passivo porque constitui uma obrigação presente e é provável que um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos seja necessário para liquidar essa obrigação (cf. § 8, 12 e 13 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 21, bem como § 63 da Estrutura Conceptual do SNC)”.

Trata-se, isso sim, de um passivo certo, mesmo que respeite sobretudo a responsabilidades da Requerente assumidas com a Contribuição APIFARMA que se materializaram em 2015 ou anteriormente e que ainda serão pagas no futuro, incluindo também outras responsabilidades adicionais contratualizadas com o Estado, como a que decorre do Acordo C...”.

 Por outro lado, “embora corresponda à verdade que, ainda em 2015, a APIFARMA comunicou à Requerente os valores das três primeiras parcelas da contribuição financeira devida ao abrigo do Acordo APIFARMA, este não era o montante final”. “Desde logo, porque a cláusula 5.1 do Acordo APIFARMA previa o pagamento da contribuição em quatro parcelas, sendo que a primeira delas, calculada pela APIFARMA e enviada à Requerente em abril de 2015, embora se vença em 31 de março de 2015, é apurada com base nos valores de faturação ao SNS no ano de 2014 (cf. cláusula 5.1, alínea a), do Acordo APIFARMA), e o fecho de contas pelo qual foi determinado o valor final a pagar a título de contribuição relativamente a 2015 só foi efetuado e enviado pela APIFARMA após o término do ano fiscal aqui em causa, mais concretamente, a 2 de dezembro de 2016.” 

E conclui: “existem acertos de estimativas entre o valor inicialmente estimado em 2014 e o efetivamente suportado em 2015 que impactaram os resultados de 2015 e que não foram considerados pela AT, embora tivesse sido alertada pela Requerente para o efeito ainda no decurso da inspeção. O critério de contabilização de gastos não pode, em virtude dessas circunstâncias, estar desligado do que foi contratualizado com o Estado a este respeito – i.e. Acordo APIFARMA e Acordo C... –, nomeadamente, do reconhecimento da estimativa da contribuição com base numa percentagem pré-definida pela APIFARMA das vendas líquidas (em 2015, foi de 13%). Assim, crê a Requerente que o único entendimento possível era inscrever na rubrica #216003 o gasto apurado em conformidade com o acima exposto, ou seja, o montante de € 2.857.898,00, debitando o valor emitido das notas de crédito deduzidas do remanescente de despesas de I&D de 2014, bem como parte das despesas de I&D de 2015 deduzidas presuntivamente (leia-se, antes da validação dos respetivos montantes pelo INFARMED), o que é permitido pelo Estado.”

A título de conclusão final refere a Requerente: “para além disso, deveria ser ainda considerado nessa rúbrica o desconto – isto é, o acréscimo de gasto estimado pela Requerente em 2015 para fazer face às obrigações assumidas para com o SNS no âmbito do Acordo C... – referente a este medicamento, no valor de € 93.965,00. Os movimentos na conta #216003 que se referem aos gastos dos acordos – i.e. Acordo APIFARMA e C... – devem ser analisados em conjunto com a conta #272210 – i.e. que espelha o saldo reclassificado no final do exercício para a conta #216003.”.

Defende a correcção dos seguintes movimentos contabilísticos:

 

Pela razão de que as estimativas feitas “... impõem-se pela relevância de informação que não está disponível ou perfeitamente consolidada no momento em que as contribuições são exigíveis, e não correspondem, de forma alguma, a uma estratégia fraudulenta ou abusiva de obtenção de vantagens fiscais ou de transferência de resultados entre exercícios.  Essa metodologia legítima de contabilização não pode, pois, resultar numa desvantagem para o sujeito passivo e na sua oneração adicional do ponto de vista tributário. Em última análise, o mesmo Estado – lato sensu – que de um lado promove a adoção dessa metodologia pela forma como contratualmente acorda o cálculo e cobrança das contribuições no âmbito dos Acordos APIFARMA e C... do outro tira partido da situação para exigir imposto a mais sob o pretexto de um putativo ganho – variação patrimonial positiva – na esfera do contribuinte.”

E acrescenta: “A Requerente efetua a melhor estimativa do valor a pagar utilizando a informação disponível à data em que a obrigação se constitui e depois, quando recebe as confirmações por parte das entidades competentes (INFARMED e APIFARMA), promove os acertos às estimativas e reconhece um gasto ou um ganho no exercício em que a despesa se materializa.  Portanto, se a AT ajusta apenas o exercício fiscal de 2015, estará a onerar duplamente o sujeito passivo.  Isso na medida em que a AT está – incorretamente – a imputar uma variação patrimonial positiva – por redução do montante de gastos estimados – ao exercício de 2015 sem ter em consideração que a cristalização desses valores só pode ter lugar em períodos seguintes”.  Ou seja, a AT abstrai-se “de uma lógica de continuidade entre os exercícios que, atentas as particularidades do caso concreto, é imperioso observar. É que aquilo que se estima e contabiliza num dado ano e é ajustado noutro, subsequente, não faz com que o Estado seja indevidamente privado de forma definitiva de receita fiscal.

E conclui “torna-se, assim, claro que a Requerente não utiliza qualquer artificio ardiloso que incremente consideravelmente os gastos, nem alguma vez omitiu voluntariamente quaisquer valores. Nem a AT alega – e bem – tal coisa”.

 

Outros acréscimos de custos manuais e automáticos (€ 403.072,10)

  • custos manuais, registados na conta de balanço #272207, no valor de € 68.874,41; 
  • custos automáticos, registados na conta #272208, no valor de € 334.197,69. 

 

Refere que “a AT vem precisamente contestar o suporte destas despesas, alegando que os valores registados nas rubricas acima não foram devidamente comprovados”. 

A Requerente não se conforma com o facto de ter registado na

  • na rúbrica #272207 (Outros acréscimos de custos manuais), a Requerente registou, no exercício de 2015, o montante de € 168.056,56,” mas a “AT considerou apenas como devidamente suportadas e, portanto, dedutíveis as despesas no montante de € 99.182,15 (cf. p. 13 do RIT)”;
  • na conta #272208 (Outros acréscimos de custos automáticos) no exercício de 2015 o montante de € 578.247,88” mas a “AT considerou apenas como dedutíveis as despesas no montante de € 47.550,00 (cf. p. 14 do RIT)”;

 

Refere que “perante a vastidão da documentação que titula esses gastos, que atinge centenas de faturas, a Requerente selecionou determinados elementos e apresentou aos inspetores uma amostra com o fito de demonstrar a natureza das despesas e a sua relação com a atividade da empresa. Essa amostra foi analisada pelos serviços de inspeção, que, nos contactos com a Requerente, não fizeram menção à necessidade de apresentar documentação adicional e muito menos a totalidade dos documentos. Mais tarde, em sede de audição prévia ao PRIT, para deixar claro que se tratava de um passivo certo relativo a 2015, a Requerente juntou o balancete de 2014 com o saldo final destas contas (cf. Anexo 9 ao respetivo requerimento, que integra o processo administrativo a juntar pela AT), bem como uma listagem representativa – com centenas de páginas – contendo a identificação dos documentos de suporte desses gastos, em adição aos que foram considerados pelos serviços de inspeção e totalizam € 99.182,15 (cf. Anexos 10 ao respetivo requerimento).

 A Requerente teve, então, a oportunidade de explicar que os acréscimos de gastos lançados automaticamente na conta #272208 tinham como suporte ordens de compra emitidas e que eram revertidos quando as faturas a que respeitavam essas ordens eram recebidas.

 O que quer dizer que os registos nessas contas eram por definição temporários, no sentido que representavam realidades que não se esgotavam num único exercício, reconhece-se contabilisticamente um gasto que só se efetiva num momento posterior, ... porque as contas #272 (devedores e credores por acréscimos) “registam a contrapartida dos rendimentos e dos gastos que devam ser reconhecidos no próprio período, ainda que não tenham documentação vinculativa, cuja receita ou despesa só venha a ocorrer em período ou períodos posteriores” (sublinhado da Requerente) (cf. notas de enquadramento ao código de contas do SNC). 

 O que explica, por exemplo, que em relação aos valores registados na conta #272008 (Acréscimos de gastos automáticos) tenham sido apresentadas faturas emitidas em 2016 e 2017, os dois anos imediatamente subsequentes ao que foi objeto da correção, pelo que não se compreende o argumento da AT no RIT que inexistia justificação para a consideração de tais gastos em 2015. Em todo o caso, trata-se de um passivo certo.”

Acrescenta que: “... juntou ao procedimento de inspeção, para o efeito, uma relação das ordens de compra emitidas e para as quais foi reconhecido em 2015 um acréscimo de gastos na conta #272208, bem como uma amostra adicional e representativa de documentos recebidos de fornecedores no exercício seguinte (cf. Anexo 11 ao requerimento de audição prévia no procedimento de inspeção).

E continua a referir: “sem pretender discutir as regras de distribuição do ónus da prova em matéria de dedutibilidade fiscal dos gastos, a realidade é que no decurso do procedimento de inspeção tributária a Requerente prestou os esclarecimentos necessários e apresentou a prova que lhe era possível, atendendo ao elevado número de registos contabilísticos e ao volume da documentação, para comprovar as inscrições efetuadas naquelas duas contas #272207 e #272208” e que “... cooperou com a AT, colaborando com esta para sanar quaisquer dúvidas que pudessem subsistir quanto à existência ou quantificação dos gastos contabilizados”, e conclui referindo que se “... a AT entendia que essa prova era insuficiente, podia – e devia – promover as diligências necessárias e adequadas em cumprimento do princípio do inquisitório, o qual é justificado pela obrigação de prossecução do interesse público que impende sobre a AT e pelo dever de imparcialidade que norteia toda a atividade administrativa (cf. artigo 266.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 55.º da LGT)”.

Do ponto de vista legal seria de aplicar aqui “a regra fundamental de direito tributário enunciada no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT segundo a qual “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”.

Acrescenta que “para além das despesas já aceites pela AT no procedimento inspetivo, a Requerente apresenta ainda, no Anexo 6, um conjunto de despesas tituladas pelos documentos que se juntam como Anexos 7 a 91 e que totalizam € 336.406,00, as quais devem ser reconhecidas na conta #272208 (Outros acréscimos de custos automáticos) e, por conseguinte, como gasto do exercício de 2015. Destas despesas que totalizam € 336.406,00, apenas a documentação que titula as despesas no montante de € 15.079,00, às quais correspondeu um acréscimo automático de € 29.480,00 em 2015, não foi oportunamente apresentada à AT em sede de audição prévia ao RIT (cf. as últimas cinco linhas da listagem constante do Anexo 6, relacionadas com os documentos ora juntos como Anexos 87 a 91)”, sendo que “relativamente a estas últimas, embora o acréscimo de gasto estimado e automaticamente contabilizado na conta #272208 em 2015 (€ 29.480,00) tenha sido superior ao montante efetivamente faturado (€ 15.079,00), nenhuma razão legal existe para que a quantia de € 15.079,00 não seja reconhecida como gasto do exercício de 2015”.

Na mesma situação destas despesas de € 15.079,00 estão as despesas de € 77.146,00, a que corresponderam acréscimos automáticos na conta #272208 de € 114.057,00, identificadas na listagem ora junta como Anexo 6 como “o acréscimo estimado foi superior ao montante efetivamente faturado – considerar como custo real o valor da fatura a qual é referente a uma prestação de 2015”,  pelo que derradeiramente o tratamento fiscal destas despesas de € 77.146,00 não pode ser diverso daquele que foi preconizado supra para as despesas de € 15.079,00.

 “Há, ainda, despesas do exercício de 2015 num total de € 219.551,00 cujo valor efetivamente faturado foi idêntico ao estimado e automaticamente acrescido em 2015, as quais estão identificadas na listagem ora junta como Anexo 6 como “o acréscimo estimado foi igual ao montante efetivamente faturado – considerar como custo real o valor da fatura a qual é referente a uma prestação de 2015”.

Pelo que “ao contrário do que defende a AT, devem considerar-se justificados pelo menos € 383.956,00 dos acréscimos automáticos de gastos contabilizados na conta #272208 e que a 31 de dezembro de 2018 ascendiam a € 578.247,88”, pelo que “do confronto entre o saldo da rubrica #272208 no final de 2015 (€ 578.247,88) e aquele que está documentalmente comprovado e justificado nos autos (€ 383.956,00) resulta que, no limite, e sem conceder, o montante não justificado e tributável em IRC em 2015 será € 194.291,88, ou seja, menos € 139.905,81 que os € 334.197,69 submetidos a tributação em IRC no ano de 2015 como variação patrimonial positiva (cf. pontos 3.2 e 5 do RIT)”.

Assim, em síntese, conclui  a Requerente: “se não for anulada na totalidade, como se requer a título principal, a liquidação adicional ser anulada nesta parte – ou seja, na parte em que concretiza as correções que resultam da diferença entre os € 334.197,69 corrigidos na inspeção tributária e os € 194.291,88 acima identificados – por erro na quantificação do lucro tributável do exercício de 2015 (cf. artigo 99.º, alínea a), do CPPT, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT)”.

 

***

 

Na sua Resposta a AT sustenta, em primeiro lugar, que não ocorreu a alegada caducidade do direito à liquidação tendo em conta o regime especial aplicável em sede de medidas relativas à dispersão pandémica SARS COV 2.

Apresenta o seguinte quadro-resumo relativo à contagem dos prazos relevantes:

 

E conclui pela improcedência da excepção referindo “atento o facto de o RIT se considerar notificado no dia 2020-05-11, sem conceder, ainda que no limite fosse a data propugnada pela requerente de 2020-05-21, foi-o muito anteriormente ao momento disponível para o efeito, pois este terminaria em 2020-06-24. Do mesmo modo, tendo a liquidação sido emitida em 2020-05-13 e considerando-se a requerente validamente notificada em 2020-06-03, a mesma concretizou-se também ela muito anteriormente ao limite para o exercício desse direito por parte da AT, pois este só expirava a 2020-09-22, ... pelo que improcedem os argumentos da requerente neste segmento, pois não se verificou a caducidade do direito que subjaz à liquidação impugnada ...  por estarmos em presença de uma situação de suspensão cujo conhecimento é oficioso, sobre a mesma não carecia, à data de elaboração no RIT, de se lhe fazer qualquer referência”.

 

Abatimentos – acordo Apifarma, despesas de I&D a abater e contribuição adicional relativa ao Acordo “C...”

 

Relativamente às demais situações de desconformidades invocadas pela Requerente, a Requerida refere que:

  • As duas primeiras correcções (acordo Apifarma e provisão Apifarma) têm na sua génese as políticas contabilísticas adoptadas pela Requerente no que contende com o reconhecimento dos efeitos do Acordo Apifarma;
  • ao passo que as correcções dos acréscimos de custos têm ... a ver com a relevação contabilística de gastos cuja documentação de suporte é obtida em exercícios subsequentes”.
  • Discorda do ponto de vista da Requerente quando “entende que as correcções ora contestadas reconduzem-se a diferenças temporárias no reconhecimento contabilístico de gastos e de rendimentos, pelo que, quando se materializarem, darão lugar a acertos nos exercícios seguintes e, por isso, as reputa desnecessárias, adiantando que, a serem efectivadas, originarão situações de dupla tributação”,  “porquanto, as correcções promovidas pelos SIT estão sustentadas na melhor interpretação dos artigos 17.º, 18.º, n.º 1 e  23.º, n.º 1, do Código do IRC, da qual dimana que devem ser imputados ao exercício de 2015 os gastos suportados e dos rendimentos obtidos, à luz do critério de competência económica, i.e. relacionados com factos ocorridos ou com situações jurídicas criadas nesse exercício, bem como a exigência de documentação de suporte comprovativa da sua realização, como requisito legal da dedutibilidade dos gastos”.
  • Refere que a Requerente esquece que “correcções relacionadas com a contribuição financeira devida à APIFARMA, foi baseada nos valores inscritos no Relatório do Órgão de Gestão, no Anexo às Demonstrações Financeiras e na IES de 2015”.
  • Reconhece que o procedimento contabilístico adoptado, tal como descrito pela Requerente no artigo 75º do PPA, em tese não merece censura “porque gizado na aplicação do princípio da periodização, no entanto, o que a Requerente não logra explicar é a diferença de valores, de €368.700,86, existente entre o valor da contribuição financeira APIFARMA deduzido ao valor das vendas e o montante divulgado no Relatório de Gestão e no Anexo às Demonstrações Financeiras e, em especial, que informações adicionais já dispunha o órgão de gestão a 2016-06-30, que não estavam disponíveis ao tempo da entrega da declaração periódica de rendimentos modelo 22 relativa ao exercício de 2015”.
  • Quanto às despesas de I&D a abater, refere a AT que o procedimento levado a efeito pela Requerente “que consiste em as despesas de I&D realizadas em cada exercício serem deduzidas aos valores das notas de créditos emitidas mas só são reconhecidas como rendimento, no ano da sua confirmação pelo INFARMED” e que se traduz “na imputação do efeito negativo sobre a contribuição APIFARMA das despesas de I&D a um exercício diferente daquele em que são realizadas e deduzidas presuntivamente nas notas de crédito emitidas, não colheu a aprovação do revisor oficial de contas que manifestou a sua discordância na reserva expressa na certificação legal de contas e também não está reflectido nos valores declarados nos documentos de prestação de contas.
  • No entanto “os SIT não desconsideraram o valor das despesas de I&D de 2014, de €249.499,00, pela simples razão, de que aceitaram como válido o valor da contribuição financeira APIFARMA declarada nos documentos de prestação de contas, que assume justamente a dedução das despesas de I&D realizadas em 2015
  • Quanto à contribuição adicional relativa ao Acordo “C...”, discorda a AT da afirmação da Requerente de que “os SIT “descuraram na averiguação do saldo da conta #718002 um outro acordo celebrado pela Requerente em que comparticipou um medicamento utilizado pelo SNS, o designado Acordo C...””, uma vez que (1) “como é explicado no RIT, no Relatório de Gestão da Requerente para o ano de 2015, é referido que “o valor global da contribuição da A... foi de 2.489.197,00” e, assim sendo, “entendemos que também terá sido considerada a contribuição adicional do medicamento C...”, (2) “ademais, as comunicações da APIFARMA sobre os valores de cada uma das parcelas da contribuição financeira, incluem nas vendas dos fármacos o D…, E…, F… e o C..., o que leva a crer que a parte da contribuição referente a este último não requer um cálculo autónomo”.
  • Em resumo a AT refere que “a estimativa de um acréscimo com impacto na estimativa de contribuições e respetivo gasto exercício no montante de € 93.965,00 foi desconsiderado pela razão ... de ter sido considerado o valor constante dos documentos de prestação de contas, identificado como “valor global da contribuição da A...”.

 

Provisão Apifarma (€ 382 579,38)

 

  • Refere a AT que “os SIT, em consonância com a descrição do conteúdo desta conta (Ponto 8 do Anexo às Demonstrações Financeiras) segundo o qual “nesta rubrica encontra-se refletida a estimativa para o acerto final do protocolo Apifarma de 2015”, considerou excessivo o saldo, mesmo optando pelo de menor valor, de €1.585.654,00, tendo em conta a estimativa da contribuição APIFARMA de 2015 e os montantes comunicados relativamente aos 1.º, 2.º e 3.º trimestres desse ano”, “sendo tal excesso atribuído quer à sobrevalorizada estimativa da contribuição Apifarma de 2015 (corrigida pelos SIT, para menos, em €368.700,86), quer a eventuais lapsos no registo e apuramento dos acertos relativamente ao excesso da estimativa feita para 2014”.
  • E acrescenta a AT: “aliás, a reserva expressa no ponto 7 da Certificação Legal de Contas revela o seguinte: “com base na informação disponível à data do encerramento das contas, os serviços da Empresa estimaram em 3.549.177 euros, o valor da contribuição a realizar relativamente ao exercício de 2015. No entanto, ao valor final da contribuição, foram deduzidas despesas de investigação e desenvolvimento, tendo ficado a estimativa excessiva em 782.566 euros (2014: estimativa excessiva em 249.499 euros). Desta forma, em 31 de Dezembro de 2015, e excluindo efeitos fiscais, o activo, o resultado líquido e os resultados transitados encontram-se subavaliados, respectivamente, em 782.566 euros, 533.067 euros e 249.499 euros.”
  • E conclui: “ou seja, o excesso da estimativa da contribuição a realizar em 2015 (782.566 euros) compensado com o reconhecimento como rendimento das despesas de I&D de 2014, provocaram, segundo o ROC, uma subavaliação do resultado líquido de €533.067”.  “Na verdade, fazendo o ajustamento da contribuição estimada (€3.549.177) por via da dedução do excedente (€782.566) obtém-se o valor de €2.776.611, que deduzido das despesas de I&D de 2015 (€277.414), conduz a um valor igual ao declarado no Relatório de Gestão (€2.489.197), aceite como válido pelos SIT”.
  • Pelo que, tendo-se verificado “uma sobreavaliação do passivo, em € 382.579,38, dando assim origem a uma correcção, a título de uma variação patrimonial positiva, que concorre para o lucro tributável, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do Código do IRC ... e não tendo a Requerente, trazido novos elementos susceptíveis de explicar cabalmente as responsabilidades incorporadas no saldo da conta #216003, a correcção deve ser mantida, por não se encontrar inquinada de qualquer vício de ilegalidade”.

 

Outros acréscimos de custos manuais e automáticos (€ 336 406,00)

 

A AT começa por referir, citando a posição da Requerente, quanto aos gastos registados nas contas 272 207 -acréscimos de custos manuais e 272 208 – acréscimo de custos automáticos, no valor de 403 072,10 euros, que “de acordo com a explicação da Requerente são gastos imputáveis ao exercício, nos termos dos artigos 17.º e 18.º do Código do IRC, porque economicamente associados a este período, mas cujos documentos de suporte (facturas) só foram recepcionados em anos subsequentes”, sendo que “ao abrigo dos princípios da cooperação e da proporcionalidade, cumpriu as solicitações que lhe foram dirigidas no sentido de apresentação dos documentos de suporte das despesas, reconhecendo que não o fez integralmente mas a título de amostra representativa”.

Relativamente à junção em anexo ao PPA, de documentos com a designação de Anexo 6 - listagem de despesas;  Anexos, 7 a 91 – conjunto dos documentos que titulam as despesas identificadas no Anexo 6, propugnando que do total de EUR 403.072,10, sejam reconhecidos na conta #272208 gastos no montante de EUR 336.406,00, refere que: “... os referidos documentos, verifica-se que os vícios/irregularidades apontados tanto no RIT como na informação que suporta o despacho de indeferimento da RG, fundamento do não reconhecimento dos gastos em causa, se mantêm”,

ou seja:

A maioria desses documentos correspondem a faturas emitidas nos anos de 2016 e 2017, sendo referido nas mesmas que os serviços foram colocados à disposição do adquirente na data da sua emissão, portanto, nos PT de 2016 e 2017; não foram disponibilizados os extratos desta conta relativos aos PT de 2016 e 2017, o que impossibilita que a AT possa proceder à verificação dos registos contabilísticos destes documentos nos anos da sua emissão. Não sendo possível, por esse facto aferir, objetiva e concretamente, que efetivamente foram relevados como gastos apenas em 2015, não o tendo sido nesses PT”.

E aponta as seguintes irregularidades quanto aos referidos documentos: (1) “Muitos documentos correspondem a facturas emitidas por SP de IRC, obrigados, por imposição contida no n.º 6 do art.º 23.º do CIRC, a que as facturas respeitem os requisitos exigidos pelo CIVA. Dispondo o art.º 36.º, deste último diploma, que as faturas têm de ser emitidas «[o] mais tardar no 5.º dia útil seguinte» ao da realização da operação, ficou, ainda, por explicar, as razões que ratificam, em termos legais, que prestações de serviços realizadas em 2015 apenas venham a ser facturadas dois anos após a concretização da operação;  (2) muitos dos documentos não se encontram devidamente assinados pelos respectivos prestadores de serviços; (3) desconhece-se, porque não se encontra evidenciado nos documentos, nem em quaisquer outros auxiliares dos disponibilizados pela requerente, quais os registos contabilísticos efectuados relativamente a cada um desses documentos e, bem assim, o seu momento.”

De seguida a AT extrata alguns documentos para demonstrar as irregularidades de que os mesmos enfermam, impeditivas da aceitação como gastos dos valores que lhes subjazem, e o seu reconhecimento no apuramento dos resultados do PT de 2015, seguindo a seguinte metodologia:

  • identificar o anexo, fazendo corresponder-lhe o NIF do prestador de serviços, especificando o tipo de irregularidade e, por último, 
  • inserir extracto do documento da parte que comprova”.

Pronuncia-se sobre as irregularidades dos documentos juntos como Anexos 7, 8, 9, 10, 11, 13, 15, 16, 19, 21, 25, 26, 27, 28, 32, 33, 35, 39, 40, 44, 46 e 47, sendo resumidamente as seguintes:

  • falta de data da prestação de serviços;
  • junção do original e do duplicado;
  • emissão pelo mesmo prestador de serviços de vários documentos;
  • datas de emissão que não o ano de 2015;
  • falta de assinatura ou autenticação do prestador;
  • dúvidas quanto ao descritivo das operações.

 

Relativamente ao pedido de condenação da AT em juros indemnizatórios refere que não há erro de facto ou de direito imputável à Requerida, referindo: “a liquidação em causa não provém de qualquer erro dos Serviços mas decorre directamente da aplicação da lei”, uma vez que a “AT limitou-se ... a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes à correcção efectuada, pelo que deverá ser, também, julgada improcedente a impugnação quanto aos juros peticionados”.

 E termina referindo que: “deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

***

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas de direito português que exerce a atividade de comércio por grosso de produtos farmacêuticos, à qual corresponde o código CAE 046460, integra o grupo A..., actua na área da neurociência e que se dedica ao estudo, desenvolvimento e comercialização de produtos e terapêuticas no domínio das patologias …, designadamente, a doença de …, a ... e a … – conforme artigo 10º do PPA e ponto 2.3.6 do RIT.
  2.  No exercício da sua atividade, em 25 de agosto de 2014, a Requerente, enquanto titular da autorização de introdução no mercado do fármaco C..., celebrou com o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., um contrato pelo qual foram regulados os termos e condições em que o Serviço Nacional de Saúde (“SNS”) financiaria a utilização no mercado hospitalar daquele medicamento em doentes adultos com ... - “Acordo C...” – conforme artigo 11º do PPA e Anexo 3 junto com o PPA;
  3.  De acordo com as cláusulas 4.1., 4.2. e 7.1 do Acordo C..., com base numa estimativa do número de doentes a tratar, foram estabelecidos limites de encargos máximos a suportar pelo SNS com aquele medicamento por um período de dois anos, sendo que a parte excedente, em caso de ultrapassagem daqueles limites, seria integralmente suportada pela Requerente e reembolsada ao SNS - conforme artigo 12º do PPA e Anexo 3 junto com o PPA;
  4. Nos termos da cláusula 5 do Acordo C..., o cálculo do montante a suportar pela Requerente em cada período seria efetuado pelo INFARMED até ao último dia do quarto mês posterior ao período em questão, considerando, para o efeito, a informação trimestral enviada pela primeira (incluindo, por exemplo, o número mensal de unidades vendidas aos hospitais do SNS no trimestre e o valor mensal de vendas no mesmo período) e também a que é enviada pelos hospitais do SNS no âmbito do código hospitalar nacional do medicamento - conforme artigo 13º do PPA e  Anexo 3 junto com o PPA;
  5. O reembolso ao SNS dos encargos a suportar com este medicamento, por sua vez, deve ser efetuado pela Requerente no prazo de trinta dias contra os documentos de cobrança emitidos pela entidade pública indicada na cláusula 5.1 do Acordo C... - conforme artigo 14º do PPA e Anexo 3 junto com o PPA;
  6.  Em 21 de novembro de 2014, foi celebrado entre os Ministérios das Finanças e da Saúde e a APIFARMA – Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica, em representação da indústria farmacêutica, o “Acordo entre os Ministérios das Finanças e da Saúde e a Indústria Farmacêutica” - “Acordo APIFARMA”, ao qual a Requerente aderiu, conforme a respetiva cláusula 4ª – conforme artigos 15º e 16º do PPA, Anexo 4 junto com o PPA e ponto 3.1.1 do RIT; 
  7. Consta do Acordo APIFARMA:
  1. Conforme cláusula 3.1, para o ano de 2015, um objetivo de despesa pública com medicamentos de € 2.000 milhões e, num esforço de cooperação com o Estado com vista à redução daquela despesa pública no mesmo período, uma contribuição financeira da indústria farmacêutica no valor de € 180 milhões;
  2. Conforme cláusulas 3.2 e 3.5 do Acordo APIFARMA, esta contribuição financeira a efetuar pelas empresas aderentes teria o valor mínimo de € 135 milhões, de acordo com uma fórmula a determinar pela APIFARMA, e ao respetivo montante poderiam ser deduzidas as despesas de investigação e desenvolvimento a que se referiam os n.ºs 3 e 4 do acordo 5.º do Decreto-Lei n.º 23/2004, de 23 de janeiro; 
  3.  Conforme cláusula 5.1 do Acordo APIFARMA, a contribuição das empresas aderentes relativamente a 2015 seria paga, na proporção da respetiva quota de mercado neste ano, da seguinte forma:
  1. 25% do valor em notas de crédito aos hospitais e/ou em pagamento à Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (“ACSS”), até 31 de março de 2015, com base nos valores de faturação de cada aderente no âmbito do SNS no ano de 2014;
  2. 25% do valor em notas de crédito aos hospitais e/ou em pagamento à ACSS, até 30 de junho de 2015, com base na proporção da faturação de cada aderente no âmbito do SNS a 31 de março do mesmo ano;
  3. 25% do valor em notas de crédito aos hospitais e/ou em pagamento à ACSS, até 30 de setembro de 2015, com base na proporção da faturação de cada aderente no âmbito do SNS a 31 de junho do mesmo ano;
  4. 25% do valor em notas de crédito aos hospitais e/ou em pagamento à ACSS, até 31 de dezembro de 2015, com base na proporção da faturação de cada aderente no âmbito do SNS a 31 de setembro do mesmo ano.
  1. Conforme cláusulas 5.2 e 5.3 do Acordo APIFARMA, respectivamente:
  1. As “partes partilharão a informação necessária para a validação dos valores finais da despesa, bem como as informações com o detalhe adequado à aplicação das respetivas fórmulas de contribuição”;
  2. Compete à ACSS o apuramento da quota de mercado de cada empresa aderente, com base nos dados do INFARMED, e respetivas contribuições, bem como a monitorização e comunicação de todo o processo relacionado com o pagamento das mesmas pelas empresas aderentes.

- conforme artigo 18º a 20º do PPA e ponto 3.1.1 do RIT;

  1. A Requerente foi alvo de uma ação inspetiva externa, de âmbito parcial, com incidência sobre IRC e Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e respeitante ao exercício de 2015, efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária – Departamento … – Divisão … – Equipa … da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2018..., com despacho de 11 de janeiro de 2019, cujo início ocorreu em 2019-10-02, no âmbito da qual foi notificada, do RIT final, através de oficio com o registo postal n.º RH...PT, de 2020-05-07, do qual resultam correcções à matéria colectável de IRC do exercício de 2015 no montante de 1 160 192,42 € - conforme artigos 21º e 38º do PPA , artigos 15º e 20º da Resposta da AT e primeiro quadro de páginas 25 do RIT;
  2. Consta no RIT o seguinte:
  • No ponto 2.3.5 – situação da contabilidade: “O sujeito passivo é obrigado a dispor de contabilidade organizada, nos termos do no 1 do artº 123º do Código do IRC. O balancete disponibilizado pelo sujeito passivo, não apresenta os valores acumulados das rubricas (débito e crédito) apresentando apenas os saldos em 31 de dezembro, das rubricas de movimento. Os extratos de conta corrente das rubricas de balanço, que foram disponibilizados, não apresentam os saldos iniciais. A descrição dos movimentos nos extratos de conta corrente, que foram disponibilizados, é evasiva e não está em português”.
  • Nos pontos 3.1.1 a 3.1.3 – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável

3.1.1 — Descontos e abatimentos em vendas — Acordo APIFARMA e Provisão APIFARMA

Os Ministérios das Finanças e da Saúde e a Indústria Farmacêutica, por intermédio da APIFARMA — Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica, acordaram em implementar as medidas previstas no Acordo assinado em 21 de novembro de 2014, com vista a contribuir para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e garantir o acesso ao medicamento. O Acordo faz parte dos papéis de trabalho deste processo.

A Cláusula 3ª refere-se à contribuição financeira da Indústria Farmacêutica relativa ao ano de 2015. O ponto 2 desta Cláusula, refere que a contribuição total das empresas associadas da APIFARMA e aderentes ao Acordo, que corresponde à soma das contribuições de cada empresa, apresenta como mínimo o valor de 135 milhões de euros, cabendo à Apifarma determinar a fórmula de contribuição financeira dos seus associados e aderentes ao Acordo.

No ponto 5 desta Cláusula consta que: “serão deduzidas do montante da contribuição individual das empresas aderentes ao presente acordo as despesas de Investigação e Desenvolvimento a que se referem os números 3 e 4 do artigo 5º do Decreto-Lei no 23/2004, de 23 de janeiro nos termos legais."

A A... — Sociedade Farmacêutica, Unipessoal, Lda., aderiu ao referido Acordo.

A Cláusula 5ª estabelece os prazos para regularização da contribuição da Indústria Farmacêutica relativa ao ano de 2015.

O ponto 2 desta Cláusula, estabelece que: "as partes partilharão a informação necessária para a validação dos valores finais das despesas, bem como as informações com o detalhe adequado à aplicação das respetivas fórmulas de contribuição”.

No Relatório de Gestão relativo ao exercício findo em 31 de dezembro de 2015, consta no ponto 4. que: "Para 2015 0 acordo foi revisto e posteriormente renovado com algumas alterações estruturais que afetara diretamente a A... uma vez que ficou definido que a contribuição passaria a ser calculada por uma percentagem das vendas que no caso foi de 13%. Assim e para o ano de 2015 0 valor global da contribuição da A... foi de 2.489.197,00 (Valor Apifarma — A...) ou seja = 2.766.611,00 - 277.414,00”. Como prova destes valores juntam-se o Relatório e Gestão no Anexo II e a Declaração de Validação emitida pela A... em 29 de janeiro de 2016, na qual consta que o valor total de despesas de Investigação & Desenvolvimento, para efeito de dedução à contribuição do Acordo, é de 277.413,90, no Anexo III.

Consta também do ponto 15. do Anexo às demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2015, que: Para o ano de 2015, o valor apurado na contribuição da Empresa foi de 2.766.611,00, sendo que a Empresa deduziu à contribuição as despesas de investigação e desenvolvimento no valor de 277.414,00. " (Anexo IV).

Não restam, portanto, dúvidas que o valor da contribuição a realizar pela A... no âmbito do Acordo celebrado entre o Governo e a indústria farmacêutica, em 2015, totaliza 2.489.197,00 (2.766.611,00 — 277.414,00), devendo ser este o valor a reconhecer pela A... como gastos do referido exercício.

Para efeitos de concretização da contribuição inerente ao acordo com a Apifarma, esta entidade comunica trimestralmente ao sujeito passivo o valor das referidas contribuições, emitindo este, notas de crédito para efetivação dos "descontos".

Sendo estas comunicações trimestrais, no final do ano de 2015, o sujeito passivo não tem ainda conhecimento do valor total das suas contribuições.

Assim, de forma a registar os gastos do exercício na respetiva contabilidade utiliza 0 método contabilístico do actual, que se traduz em termos genéricos num esquema de acréscimo de gasto, em conformidade com o princípio da especialização presente no artigo 18º do Código do IRC.

Da análise efetuada aos extratos de conta corrente das rubricas utilizadas pelo sujeito passivo para registar os descontos e abatimentos em vendas associados à contribuição em causa, verifica-se que para reconhecer a estimativa da contribuição, o sujeito passivo debita a conta 718002 — Descontos e Abatimentos em Vendas — Acordo APIFARMA (Anexo V) e credita a rubrica 216003 — Provisão APIFARMA (Anexo VI).

Quando tem conhecimento dos valores da contribuição comunicados pela APIFARMA, emite as respetivas Notas de Crédito, as quais deviam ser debitadas na rubrica 216003 — Provisão APIFARMA, mas o sujeito passivo também as debita na rubrica 718002 - Descontos e Abatimentos em Vendas — Acordo APIFARMA, devendo neste caso proceder à anulação/reposição da estimativa registada, o que nem sempre acontece, visto que emitiu Notas de Crédito no valor de 1 521.742,33 e somente debitou, na conta 216003 — Provisão Apifarma, 1.054.724,34.

De acordo com o balancete disponibilizado pelo sujeito passivo (Anexo V), verifica-se que dos valores debitados e creditados na rubrica 713002 — Descontos e Abatimentos em vendas — Acordo APIFARMA, resulta um saldo devedor de 2.857.897,86, o qual é bastante superior ao valor global da contribuição da A... relativa ao ano de 2015, 0 qual, como já foi referido, é de 2.489.197 ,00.

 O nº 3 do art. 17º e no artº 123º, ambos do CIRC dispõem sobre a importância e a obrigatoriedade de a contabilidade estar organizada nos termos legais e estar assente em documentos que permitam conhecer e aferir da relevância fiscal dos registos contabilísticos que a compõem e concorrem para o apuramento do lucro tributável.

Isto é, apesar do sujeito passivo, face aos dados de que dispunha ter estimado que o gasto anual inerente ao acordo da Apifarma ascendia a € 2.489,197 considerou como gasto o valor de € 2.857.897,88.

Conclui-se assim que, não existem razões para o sujeito passivo reconhecer como gastos de 2015, um montante superior ao conhecido para fazer face aos descontos e abatimentos em vendas associados à contribuição em causa, pelo que não pode a diferença no valor de 368.700,86 (2.857.897,86 - 2.489.197,00), ser tido em conta na determinação de um lucro real efetivo do ano de 2015, nos termos do disposto no número 1 do artigo 23º do Código do IRC, visto que não está preenchido o requisito de dedutibilidade fiscal do gasto, por não estar comprovado que os mesmos foram incorridos /suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeito a IRC.

Em consequência da referida correção, deve o saldo da rubrica 216003 — Provisão APIFÂRMA ser ajustado em conformidade. Para o efeito analisou-se o referido extrato de conta corrente, o qual apresenta um saldo credor de (Anexo VI). Porém, o valor indicado no ponto 8 do Anexo às demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2015, relativo aos saldos das rubricas de clientes, consta que a rubrica desta natureza, tem um saldo credor de 1.678.657 (Anexo VII), ou seja, apresenta um saldo credor superior em 93.002,40 (1.676.657 — 1.585.654,60).

Desconhecendo-se as razões de tal divergência, entendemos que o ajustamento deve ser feito em relação ao menor dos referidos saldos, por ser mais vantajoso para o sujeito passivo, pelo que o saldo credor corrigido, referente a 31/12/2015, passa para 1 216.953,74 (1.585.654,60 - 368.700,86).

Até à data do encerramento das contas do ano de 2015, a A... tomou conhecimento da contribuição a realizar no âmbito do referido Acordo, relativo às três primeiras parcelas de 2015, através das comunicações que lhe foram enviadas pela APIFARMA, e que se juntam nos Anexo VIII, IX e X. Nas referidas comunicações consta que o pagamento de contribuição pode ser efetuado por duas formas:

-Através de notas de crédito, emitidas proporcionalmente ao valor faturado a cada hospital, contra faturas, por critério de antiguidade.

-Através de pagamento à ACSS, I.P., por transferência bancária para o NIB ….

Tendo em conta as referidas comunicações efetuadas pela APIFARMA, indicamos a seguir os valores das referidas contribuições, assim como as datas em que lhe foram comunicados:

 

Conforme já foi referido anteriormente, o valor da contribuição a realizar pela A... no âmbito do Acordo celebrado entre o Governo e a indústria farmacêutica, em 2015, totaliza 2.489.197,00. Os valores das contribuições comunicadas ao sujeito passivo até ao final do ano, respeitam ás três primeiras parcelas de 2015, e totalizam 1.654.822,64. Conclui-se assim que, o sujeito passivo à data do encerramento das contas do ano de 2015, disponha de elementos que lhe permitiam ajustar o saldo da rubrica 216003 — Provisão APIFARMA, de forma a que o saldo desta rubrica, fosse igual à diferença entre os valores desta natureza, estimado e conhecido, ou seja 834.374,36 (2.489.197,00 - 1.654.822,64). Mas não o fez, já que em 31/12/2015, a referida rubrica apresenta um saldo credor, no balancete, no valor de (Anexo VI) e nas demonstrações financeiras no valor de 1.678.657,00 (Anexo VII).

Para calcular o excesso da estimativa registada pelo sujeito passivo, vamos considerar o menor saldo da rubrica 216003 — Provisão APIFARMA (1.585.654,60, por ser mais vantajoso para o sujeito passivo), corrigido para 1216.953,74, pelas razões atrás indicadas.

Entre o saldo credor corrigido da rubrica 216003 — Provisão APIFARMA no valor de 1.216.953,74, e o saldo credor que esta rubrica devia ter em 31/12/2015, ou seja, 834.374,36 conforme atrás demonstrado, existe uma diferença no valor 382.579,38 (1.216.953,74 — 834.374,30), para a qual não há evidência de constituir qualquer obrigação, devendo por isso ser refletida nas contas de resultados, de modo a que a informação contabilística seja fiável e forneça uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira da empresa. Trata-se, portanto, de uma ocorrência havida no seu património, trazendo-lhe uma variação quantitativa. O referido valor de 382.579,38 constitui assim uma variação patrimonial positiva, não refletida no Resultado Líquido, a qual não está excecionada no disposto nas alíneas a), b), c), d) e e), do número 1 do artigo 21º do Código do IRC, pelo que deve o referido montante ser tido em conta na determinação para efeitos fiscais de um lucro real efetivo.

  • 3.1.2 – Outros acréscimos de custos manuais

No balancete que foi disponibilizado, o saldo credor da rubrica 272207 - Outros acréscimos de custos manuais, em 31/12/2015 totaliza 168.056,56 (Anexo XI),

De acordo com o SNC (Sistema de Normalização Contabilística): "Nesta conta regista-se, a crédito por contrapartida da respetiva conta de gastos, o montante de gastos ou perdas atribuíveis ao período em curso, mas cujo vencimento efetiv0 ou pagamento ocorram em períodos subsequentes."

Através do ponto 1 do e-mail de 12 de dezembro de 2019 (Anexo XII), solicitou-se ao sujeito passivo para identificar os valores que correspondem ao referido saldo, justificar os registos em causa e apresentar os documentos contabilizados posteriormente que justificam tais acréscimos de gastos, assim como o respetivo extrato de conta corrente.

Na sequência do referido pedido, para justificar tais acréscimos de gastos, o sujeito passivo disponibilizou alguns documentos, mas não comprovou a sua contabilização na rubrica em análise, em 2016. Admitimos, no entanto, que os documentos a seguir indicados, estão relacionados com o referido saldo:

 

Verifica-se assim, que entre o valor do saldo credor desta rubrica em 31/12/2015 e os valores dos documentos que terão sido debitados nesta rubrica em 2016, existe uma diferença no valor 68.874,41 (168.056,56 — 99.182,15), para a qual não há evidência de constituir qualquer obrigação, devendo por isso ser refletida nas contas de resultados, de modo a que a informação contabilística seja fiável e forneça uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira da empresa. Trata-se, portanto, de uma ocorrência havida no seu património, trazendo-lhe uma variação quantitativa. O referido valor de 68.874,41 constitui assim uma variação patrimonial positiva, não refletida no Resultado Líquido, a qual não está excecionada no disposto nas alíneas a), b), c), d) e e), do número 1 do artigo 21º do Código do IRC, pelo que deve o referido montante ser tido em conta na determinação para efeitos fiscais de um lucro real efetivo.

  • 3.1.3 - Outros acréscimos de custos automáticos

No balancete que foi disponibilizado, o saldo credor da rubrica 272208 - Outros acréscimos de custos automáticos, em 31/12/2015 totaliza 578.247,88 (Anexo XI).

De acordo com o SNC (Sistema de Normalização Contabilística): "Nesta conta regista-se, a crédito por contrapartida da respetiva conta de gastos, o montante de gastos ou perdas atribuíveis ao período em curso, mas cujo vencimento efetivo ou pagamento ocorram em períodos subsequentes."

Através do ponto 2 do e-mail de 12 de dezembro de 2019 (Anexo XII), solicitou-se ao sujeito passivo para identificar os valores que correspondem ao referido saldo, justificar os registos em causa e apresentar os documentos contabilizados posteriormente que justificam tais acréscimos de gastos, assim como o respetivo extrato de conta corrente.

Na sequência do referido pedido, para justificar tais acréscimos de gastos, o sujeito passivo disponibilizou oito documentos que se juntam no Anexo XIII, mas só três deles constituem documento de suporte para o efeito, já que os restantes são listagens de documentos e algumas delas ilegíveis, razões pelas quais só os documentos a seguir indicados, justificam acréscimos de gastos, embora não tenha comprovado a sua contabilização na rubrica em análise, em 2016:

 

Verifica-se assim, que entre o valor do saldo credor desta rubrica em 31/12/2015 e os valores dos documentos que terão sido debitados nesta rubrica em 2016, existe uma diferença no valor 530.697,83 (578.247,88 — 47.550,00), para a qual não há evidência de constituir qualquer obrigação, devendo por isso ser refletida nas contas de resultados, de modo a que a informação contabilística seja fiável e forneça uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira da empresa. Trata-se, portanto, de uma ocorrência havida no seu património, trazendo-lhe uma variação quantitativa. O referido valor de 530.697,88 constitui assim uma variação patrimonial positiva, não refletida no Resultado Líquido, a qual não está excecionada no disposto nas alíneas a), b), c), d) e e), do número 1 do artigo 21º do Código do IRC, pelo que deve o referido montante ser tido em conta na determinação para efeitos fiscais de um lucro real efetivo”.

- conforme PA junto pela Requerida em anexo à Resposta;

  1. A correção ao lucro tributável do exercício de 2015, no montante de € 1.160.102,42, foi refletida na liquidação adicional de IRC n.º 2020 ..., emitida em 13 de maio de 2020 e notificada na caixa postal electrónica do ViaCTT no dia 14 de Maio de 2020 à qual a Requerente acedeu em 18 de Maio de 2020, da qual resultou um montante total a pagar de € 311.759,20, quantia que foi paga pela Requerente em 26 de junho de 2020 – conforme 41º e 42º do PPA, artigo 23º da Resposta da AT e Anexos 1 e 5 juntos com o PPA;
  2. Inconformada, a Requerente apresentou reclamação graciosa contestando as correções a que se referem os pontos 3.1.1, 3.1.2 e 3.1.3 do RIT e pediu a anulação parcial da liquidação adicional de IRC de 2015 na parte correspondente, tendo  por ofício da Direção de Finanças de Lisboa n.º …, de 11 de dezembro de 2020, a AT notificado a Requerente da proposta de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, e  por meio de notificação eletrónica disponibilizada na caixa postal eletrónica a 5 de maio de 2021 foi notificada do despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa que convolou em definitivo o projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, mantendo as correcções constantes do RIT – conforme artigos 43º, 44º e 48º do PPA, Anexo 2 junto com o PPA e PA junto pela AT; 
  3. A Requerente, em 2015, realizou 383 956,00 € de gastos contabilizados na conta 272208 - outros acréscimos de custos automáticos, documentalmente comprovados – artigos 304º a 321º do PPA e Anexos 6 a 91 juntos com o PPA;
  4. Foi colocada uma reserva expressa no ponto 7 da Certificação Legal de Contas do exercício de 2015 pelo ROC com o seguinte teor: “com base na informação disponível à data do encerramento das contas, os serviços da Empresa estimaram em 3.549.177 euros, o valor da contribuição a realizar relativamente ao exercício de 2015. No entanto, ao valor final da contribuição, foram deduzidas despesas de investigação e desenvolvimento, tendo ficado a estimativa excessiva em 782.566 euros (2014: estimativa excessiva em 249.499 euros). Desta forma, em 31 de Dezembro de 2015, e excluindo efeitos fiscais, o activo, o resultado líquido e os resultados transitados encontram-se subavaliados, respectivamente, em 782.566 euros, 533.067 euros e 249.499 euros.” – conforme artigo 154º da Resposta da AT e Anexo XIV ao RIT junto com a Resposta da AT;
  5. Consta do Relatório de Gestão da Requerente quanto ao exercício de 2015 o seguinte: “Assim e para o ano de 2015 o valor global da contribuição da A... foi de 2 489 197,00 € (valor Apifarma - A... = 2.766.611 € - 277,414€). Existe uma diferença entre os valores da A... e os valores apresentados pelo Infarmed num total de 109  364,00 € que se encontra em processo de validação por ambas entidades” e no Anexo às demonstrações financeiras em 31.12.2015, página 25, consta: “Para ano de 2015 0 valor apurado na contribuição da Empresa foi de 2 766 611,00 €, sendo que a Empresa deduziu à contribuição as despesas de investigação e desenvolvimento no valor de 277 414,00conforme Anexo II ao RIT junto com a Resposta da AT;
  1. Em 31.08.2020 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral – conforme registo no SGP do CAAD.

 

2.1.  Fundamentação da decisão da matéria de facto. Factos não provados.

 

            Os factos provados basearam-se nos documentos juntos pelas Partes e nos factos articulados que estão em conformidade, de forma expressa ou implícita, com os alegados por ambas. Por cada alínea dos factos provados, são indicados os documentos ou artigos das peças processuais que não mereceram dissentimento especificado das partes e que foram considerados relevantes.

            Relativamente ao referido na alínea L) dos factos provados, o Tribunal baseou-se na documentação junta pela Requerente com o PPA que considerou ser prova suficiente dos factos que visam provar.

            O Tribunal teve em conta, na fixação das datas de notificação do RIT final (alínea J) supra) e da notificação da liquidação aqui impugnada (alínea H) supra) o facto da Requerente não ter apresentado alegações onde poderia infirmar o que consta do quadro que integra o artigo 103º da Resposta da AT.

            Não há outros factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

3.  Matéria de direito

 

  1.  Quanto à caducidade do direito à liquidação invocada pela Requerente.

 

A Requerente invoca a caducidade do direito à liquidação impugnada porque a AT não levou a efeito a acção inspectiva no prazo de 6 meses, resultando que, nos termos do nº 1 do artigo 46º da LGT, foi ultrapassado o prazo legal de duração do procedimento, porque cessaram os efeitos suspensivos quanto à contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação a que alude o nº 1 do artigo 45º da LGT.

 

Refere que não ocorreu qualquer causa de suspensão do prazo para a AT ultimar o procedimento (6 meses) e que o prazo para emitir a liquidação de IRC terminaria em 31.12.2019, logo o direito à liquidação aqui impugnada, emitida com data de 13 de Maio de 2020, teria já caducado.

 

Cumpre verificar que a Requerente, face ao referido nos pontos IV.1 (artigos 67º a 107º da resposta da AT), não veio, em alegações, manifestar ponto de vista contraditório quanto à contagem dos prazos aí especificados e sobretudo quanto à aplicação do regime excepcional e temporário dos nºs 3 e 4 do artigo 7º da Lei 1-A/2020, de 19 de Março (medidas relativas à dispersão pandémica SARS COV 2) e sobretudo quanto ao quadro-resumo que consta do artigo 103º da Resposta da AT.

 

 Da matéria de facto provada resulta que o início do procedimento de inspeção ocorreu em 2019-10-02, no âmbito da qual foi notificada a Requerente, do RIT final, através de ofício com o registo postal n.º RH...PT, de 2020-05-07. Ou seja, segundo os preceitos processuais aplicáveis, considera-se ter sido notificada no dia 2020.05.11.

 

            Tal como o referido pela AT, será de aplicar ao procedimento aqui em causa, o regime excepcional e temporário dos nºs 3 e 4 do artigo 7º da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, ou seja, o procedimento inspectivo esteve suspenso entre 2020-03-12 e 2020-06-02 (83 dias), alargando, na prática, o prazo de 6 meses para o término do mesmo, ou seja, tal como refere a AT, o prazo limite seria 2020.06.24.

 

            A Requerente foi notificada do RIT final no dia 2020.05.11, pelo que não pode este Tribunal acolher a pretensão da Requerente de que a sua notificação ocorreu para além do prazo legal.

 

            Quanto à contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação indicada pela Requerente verifica-se que se provou que

  • A liquidação adicional de IRC n.º 2020 ..., aqui impugnada, foi emitida em 13 de maio de 2020 e
  • Foi notificada por inserção na caixa postal electrónica do ViaCTT, no dia 14 de Maio de 2020, à qual a Requerente acedeu em 18 de Maio de 2020, pelo que se considera notificada no 15º dia posterior ao dia 14.05.2020 (dia 03.06.2020 segundo a AT conforme artigo 106º da Resposta, ou dia 04.06.2020 segundo a Requerente conforme artigo 83º do PPA).

 

Em primeiro lugar, provou-se que a liquidação foi notificada por inserção na caixa postal electrónica do ViaCTT no dia 14 de Maio de 2020, ou seja, em data posterior à data em que a Requerente foi notificada do RIT final, o dia 2020.05.11.

 

Depois, verifica-se que, mesmo considerando o dia 04 de Junho de 2020 (data em que a Requerente considera lhe ter sido notificada da liquidação) haverá que ter em conta que, na contagem do prazo para a AT proceder à liquidação, terá que se considerar os dois períodos de suspensão do prazo de caducidade aplicáveis ao caso (o normal de 6 meses – nº 2 do artigo 36º do RCPITA e o excepcional dos nºs 3 e 4 do artigo 7º da Lei n- 1-A/2020 de 19 de Março que ocorreu entre 2020-03-12 e 2020-06-02 de 83 dias).

 

Não decorreu, pois, o prazo de caducidade do direito à liquidação, pelo que não pode o Tribunal acolher a pretensão da Requerente, que assim improcede.

 

3.2. Questões de fundo a solucionar.

 

A síntese das correcções efectuadas ao resultado fiscal de 2015 da Requerente, pela AT, foram as seguintes, conforme página 16 do RIT:

 

Seguindo de perto a forma como a Requerente e a Requerida estruturaram os seus articulados, são as seguintes as questões a decidir:

  1. Valor dos descontos e abatimentos em vendas líquidas – Acordo Apifarma; Despesas de I&D a abater ao valor da contribuição; Provisão Apifarma;
  2. Contribuição adicional ao abrigo do acordo “C...”;
  3. Acréscimo de custos manuais e automáticos.

3.2.1 - Quanto ao valor dos descontos e abatimentos em vendas líquidas – Acordo Apifarma; Despesas de I&D a abater ao valor da contribuição; Provisão Apifarma.

            Estas três situações estão interligadas como resulta do ponto 3.1.1 do RIT, uma vez que as despesas de I&D são abatidas ao valor da contribuição Apifarma anual estimada e a correcção ao nível da denominada “provisão Apifarma” (que a AT considera variação patrimonial positiva) é consequência da correcção do valor da contribuição anual – saldo da rubrica 216003 – provisão Apifarma - que deve ser ajustado em conformidade (quarto parágrafo - página 12 do RIT).

            Vejamos.

            Da simples leitura do teor do RIT e da Resposta da AT, resulta claro que considerou os valores que constam no Relatório de Gestão de 2015 da Requerente, em detrimento de outros que constam da contabilidade.

            A AT não coloca em causa as “politicas contabilísticas” usadas pela Requerente, conforme v.g. o artigo 109º da Resposta da AT, para além de “algumas deficiências na apresentação da informação contabilística” (artigo 110º da Resposta da AT que se reproduzem na alínea I) dos factos provados). Diga-se, no entanto, que a AT não extrai clara e expressamente consequências invalidantes que afectem a robustez e validade global da contabilidade da Requerente, face às “algumas deficiências” que lhe aponta.

            Como resulta da alínea N) dos factos provados: “Assim e para o ano de 2015 o valor global da contribuição da A... foi de 2 489 197,00 € (valor Apifarma - A... = 2.766.611 € - 277,414€). Existe uma diferença entre os valores da A... e os valores apresentados pelo Infarmed num total de 109 364,00 € que se encontra em processo de validação por ambas entidades” e no Anexo às demonstrações financeiras em 31.12.2015, página 25, consta: “Para ano de 2015 0 valor apurado na contribuição da Empresa foi de 2 766 611,00 €, sendo que a Empresa deduziu à contribuição as despesas de investigação e desenvolvimento no valor de 277 414,00”.

            No RIT a AT, apenas expressa, como se transcreve na alínea I) dos factos provados, o seguinte: “No Relatório de Gestão relativo ao exercício findo em 31 de dezembro de 2015, consta no ponto 4. que: "Para 2015 0 acordo foi revisto e posteriormente renovado com algumas alterações estruturais que afetara diretamente a A... uma vez que ficou definido que a contribuiÇã0 passaria a ser calculada por uma percentagem das vendas que no caso foi de 13%. Assim e para o ano de 2015 0 valor global da contribuição da A... foi de 2.489.197,00 (Valor Apifarma — A...) ou seja = 2.766.611,00 - 277.414,00. Como prova destes valores juntam-se o Relatório de Gestão no Anexo II e a Declaração de Validação emitida pela A... em 29 de janeiro de 2016, na qual consta que o valor total de despesas de Investigação & Desenvolvimento, para efeito de dedução à contribuição do Acordo, é de 277.413,90, no Anexo III”.

Consta também do ponto 15. do Anexo às demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2015, que: Para o ano de 2015, o valor apurado na contribuição da Empresa foi de 2.766.611,00, sendo que a Empresa deduziu à contribuição as despesas de investigação e desenvolvimento no valor de 277.414,00. " (Anexo IV).

            Ou seja, resulta claro que na fundamentação que subjaz ao acto tributário de liquidação aqui em dissonância, a AT não se estribou na parte da informação do Relatório de Gestão da Requerente que refere “Existe uma diferença entre os valores da A... e os valores apresentados pelo Infarmed num total de 109 364,00 € que se encontra em processo de validação por ambas entidades”. Se como se refere o fundamento das correcções ao IRC consta da informação constante do Relatório de Gestão, não poderia depois esta parte deixar de ser considerada. Com efeito,

            Nos primeiros 19 parágrafos do ponto 3.1.1 do RIT configura-se que apenas se raciocina com base na seguinte informação: “Assim e para o ano de 2015 0 valor global da contribuição da A... foi de 2.489.197,00 (Valor Apifarma — A...) ou seja = 2.766.611,00 - 277.414,00”. Como prova destes valores juntam-se o Relatório de Gestão no Anexo II e a Declaração de Validação emitida pela A... em 29 de janeiro de 2016, na qual consta que o valor total de despesas de Investigação & Desenvolvimento, para efeito de dedução à contribuição do Acordo, é de 277.413,90, no Anexo III.”, mas não se debate, pelo menos clara e inequivocamente, com base na seguinte informação do Relatório de Gestão: “existe uma diferença entre os valores da A... e os valores apresentados pelo Infarmed num total de 109 364,00 € que se encontra em processo de validação por ambas entidades”.

            Sendo o Relatório de Gestão datado de 30.06.2016 e sendo certo que a diferença de 109 364,00 € se encontrava em processo de validação à data, ocorre pelo menos a dúvida quanto à existência ou quantificação do facto tributário (artigo 100º- nº 1 do CPPT) no que diz respeito à quantificação deste valor, o qual, face ao que é referido a páginas 12 (7º parágrafo) do RIT, seria a acrescer ao valor indicado no Relatório de Gestão de 2.766.611,00 €, uma vez que nessa data a Requerente apenas tinha validadas as três primeiras parcelas de 2015.

            Este Tribunal não pode deixar de considerar como correcta a posição da AT ao considerar os valores constantes do Relatório de Gestão (em detrimento de outros valores constantes da contabilidade da Requerente) na medida em que discriminam e concretizam os descontos e abatimentos em vendas líquidas – Acordo Apifarma e as Despesas de I&D a abater ao valor da contribuição, quanto a 2015, mas, nessa mesma linha de coerência não  poderá ignorar a parte seguinte, à data de 30.06.2016: “existe uma diferença entre os valores da A... e os valores apresentados pelo Infarmed num total de 109 364,00 € que se encontra em processo de validação por ambas entidades”, daqui extraindo as consequências devidas, partindo, inclusive, da presunção legal de veracidade e boa-fé dos valores registados na contabilidade (artigo 75º-1 da LGT) e considerando o relatório de prestação de contas como integrando a noção ampla de “contabilidade” da empresa.

            Também é de considerar a nota que o ROC expressou, quanto a esta matéria, e que consta na alínea M) dos factos provados.

A fundamentação da liquidação aqui em causa está no RIT, que é a que aqui se pode considerar. De forma que tudo o que constitua alteração da fundamentação do acto recorrido, não pode ser depois acolhido. Por isso, é irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (vidé acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).

Em face do exposto, procede parcialmente o PPA, na parte em que a AT não considerou o valor de 109 364,00 €, valor que deve acrescer ao valor de 2.766.611,00 que consta do Relatório de Gestão da Requerente.

Consequentemente a correcção levada a efeito na “provisão Apifarma (variação patrimonial positiva)” de 382 579,38 € deverá ser ajustada face à procedência parcial do PPA na parte atrás referida.

  1. – Contribuição adicional ao abrigo do “acordo C...”

A AT não coloca em crise a “politica contabilística” da Requerente, mormente quanto à contabilização de estimativas, face às obrigações e direitos, de natureza jurídica-contratual, que resultam dos contratos celebrados pela Requerente com o Estado, mormente o contrato referido nas alíneas B) a E) dos factos provados.    

A Requerente insurge-se contra o facto da AT não ter considerado que “o único montante que a Requerente estimou relativamente ao produto C... e ao ano de 2015 a título de comparticipação no âmbito do Acordo C... foi de € 93.965,00” uma vez que “o facto de Relatório de Gestão do exercício de 2015 não se referir diretamente ao Acordo C... não tem, naturalmente, o significado que esse acordo e as obrigações dele decorrentes não existem, tão pouco tem qualquer impacto sobre as quantias inscritas na contabilidade relacionadas com os montantes a pagar pela Requerente ao Estado (SNS) por força deste acordo”, pugnando no sentido de tais gastos, tal como foram contabilizados serem dedutíveis.

A AT no RIT, em apreciação do alegado pela Requerente em sede de audição prévia, refere o seguinte:

Consta no ponto 4. do Relatório de Gestão relativo ao exercício findo em 31 de dezembro de 2015, que: “Para 2015 o acordo foi revisto e posteriormente renovado com algumas alterações estruturais que afetara diretamente a A... uma vez que ficou definido que a contribuição passaria a ser calculada por uma percentagem das vendas que no caso foi de 13%. Assim e para o ano de 2015 o valor global da contribuição da A... foi de 2.489.197,00 (Valor Apifarma — A...) ou seja = 2.766.611,00 — 277.414,00”. Como prova destes valores juntam-se o Relatório de Gestão no Anexo II e a Declaração de Validação emitida pela A... em 29 de janeiro de 2016, na qual consta que o valor total de despesas de Investigação & Desenvolvimento, para efeito de dedução à contribuição do Acordo, é de 277.413,90, no Anexo III.

Consta também do ponto 15. do Anexo às demonstrações financeiras em 31 de dezembro de 2015, que: “Para o ano de 2015, o valor apurado na contribuição da Empresa foi de 2.766.611,00, sendo que a Empresa deduziu à contribuição as despesas de investigação e desenvolvimento no valor de 277.414,00”. (Anexo IV)

Digamos que, de acordo com os atos de gestão praticados pela Gerência em 2015, o valor global da contribuição do Acordo APIFARMA foi calculado com base em 13% do volume de vendas, foi considerado o total de despesas de Investigação e Desenvolvimento no valor de 277. 413,90, assim como, tendo em conta o que é referido no Relatório de Gestão para o ano de 2015 0 valor global da contribuição da A... foi de 2.489.197,00 entendemos que também terá sido considerada a contribuição adicional do medicamento C....

De facto, de acordo com a análise efetuada à rubrica #718002 — Descontos e abatimentos em vendas — Acordo APIFARMA, verificamos que se encontram registados nesta rubrica os valores ...  referentes ao medicamento C..., no total de 122.233, 14€, o qual corresponde à estimativa da comparticipação deste medicamento”.

Será indiscutível que o “acordo C...” celebrado entre a Requerente e o Infarmed  (alíneas B) a E) dos factos provados) e o “acordo Apifarma” (alíneas F) e G) dos factos provados) são acordos distintos e que são susceptíveis de obrigar a Requerente a procedimentos contabilísticos diferentes e separados, tal como defende.

Na fundamentação das correcções levadas a efeito pela Requerida (pontos 3.1.1 a 3.1.3 do RIT) não se vislumbra que tenha sido realizada uma análise face à situação jurídica diferenciada que resulta de contratos diferenciados.

A AT defende, no fundo, que a contribuição aqui em causa, seria quanto ao medicamento C..., de 122.233, 14€, ou seja, superior ao que a Requerente refere (93.965,00 €).

Como ressalta da posição da Requerida, expressa no RIT e ainda na Resposta ao PPA, a desconsideração do valor indicado pela Requerente, resultou de ter sido considerado o valor constante dos documentos de prestação de contas, face a uma interpretação da expressão “valor global da contribuição da A...”. Aliás no RIT diz-se claramente que se

como no Relatório de Gestão da Requerente para o ano de 2015, é referido que “o valor global da contribuição da A... foi de 2.489.197,00” logo, “entendemos que também terá sido considerada a contribuição adicional do medicamento C...”.

O Tribunal não vê razões para não se considerar como acertado, o valor indicado pela Requerente, tanto mais que (1) é inferior ao que a Requerente defende que resulta da análise efetuada à rubrica #718002 — Descontos e abatimentos em vendas — Acordo APIFARMA; (2) no Relatório de Gestão não há qualquer menção específica a esta contribuição, o que não pode significar a sua inexistência por força de contrato celebrado (3) a desconsideração levada a efeito pela AT resulta apenas de “entendimento” ou seja, da interpretação da expressão “contribuição global” não sustentada, de forma estruturada, noutros elementos verificáveis.

Procede, pois, o PPA nesta parte, devendo considerar-se o valor desta contribuição em termos de liquidação de IRC do ano de 2015.

  1. Outros acréscimos manuais e automáticos

O Tribunal considerou provado o que consta da alínea L) dos factos assentes, ou seja, “A Requerente, em 2015, realizou 383 956,00 € de gastos contabilizados na conta 272208 – outros acréscimos de custos automáticos, documentalmente comprovados”.

A Requerida não coloca em causa a existência da alegada vastidão documental (na expressão da Requerente) que titula estes gastos e que os “os acréscimos de gastos lançados automaticamente na conta #272208 tinham como suporte ordens de compra emitidas e que eram revertidos quando as faturas a que respeitavam essas ordens eram recebidas”.

E acrescentou: “ O que quer dizer que os registos nessas contas eram por definição temporários, no sentido que representavam realidades que não se esgotavam num único exercício, reconhece-se contabilisticamente um gasto que só se efetiva num momento posterior, ... porque as contas #272 (devedores e credores por acréscimos)registam a contrapartida dos rendimentos e dos gastos que devam ser reconhecidos no próprio período, ainda que não tenham documentação vinculativa, cuja receita ou despesa só venha a ocorrer em período ou períodos posteriores” (cf. notas de enquadramento ao código de contas do SNC). 

 O que explica, por exemplo, que em relação aos valores registados na conta #272008 (Acréscimos de gastos automáticos) tenham sido apresentadas faturas emitidas em 2016 e 2017, os dois anos imediatamente subsequentes ao que foi objeto da correção, pelo que não se compreende o argumento da AT no RIT que inexistia justificação para a consideração de tais gastos em 2015. Em todo o caso, trata-se de um passivo certo.”

Acrescenta que: “... juntou ao procedimento de inspeção, para o efeito, uma relação das ordens de compra emitidas e para as quais foi reconhecido em 2015 um acréscimo de gastos na conta #272208, bem como uma amostra adicional e representativa de documentos recebidos de fornecedores no exercício seguinte (cf. Anexo 11 ao requerimento de audição prévia no procedimento de inspeção)”. 

E continua a referir: “sem pretender discutir as regras de distribuição do ónus da prova em matéria de dedutibilidade fiscal dos gastos, a realidade é que no decurso do procedimento de inspeção tributária a Requerente prestou os esclarecimentos necessários e apresentou a prova que lhe era possível, atendendo ao elevado número de registos contabilísticos e ao volume da documentação, para comprovar as inscrições efetuadas naquelas duas contas #272207 e #272208” e que “... cooperou com a AT, colaborando com esta para sanar quaisquer dúvidas que pudessem subsistir quanto à existência ou quantificação dos gastos contabilizados”, e conclui referindo que se “... a AT entendia que essa prova era insuficiente, podia – e devia – promover as diligências necessárias e adequadas em cumprimento do princípio do inquisitório, o qual é justificado pela obrigação de prossecução do interesse público que impende sobre a AT e pelo dever de imparcialidade que norteia toda a atividade administrativa (cf. artigo 266.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 55.º da LGT)”.

A postura da AT perante a situação em causa, consta do ponto 3.1.3 do RIT que acima se transcreveu (alínea J) dos factos provados).

Já verificámos que a AT não colocou em causa a “política contabilística” da Requerente, v.g. quanto aos pontos já atrás apreciados. Também aqui não colocou em crise a forma como a Requerente registou na contabilidade, nomeadamente “as ordens de compra emitidas e para as quais foi reconhecido em 2015 um acréscimo de gastos na conta #272208, bem como uma amostra adicional e representativa de documentos recebidos de fornecedores no exercício seguinte”, tentando explicar porque é que havia documentos com datas de 2016 e 2017.

A AT refere-se à listagem das ordens de compra (na linguagem da Requerente) como “listagens de documentos” (na expressão da AT).

Ora bem,

Os documentos juntos com o PPA como Anexo 6 e anexos 7 a 91, foram aqueles que a Requerente alega ter junto em sede de procedimento de inspecção, (salvo os que titulam as despesas no montante de €15 079,00).

O esforço da AT na busca da verdade material quanto a este desiderato resulta claro do 2º e 3º parágrafos do ponto 3.1.3 do RIT, acima transcrito, a saber:

Através do ponto 2 do e-mail de 12 de dezembro de 2019 (Anexo XII), solicitou-se ao sujeito passivo para identificar os valores que correspondem ao referido saldo, justificar os registos em causa e apresentar os documentos contabilizados posteriormente que justificam tais acréscimos de gastos, assim como o respetivo extrato de conta corrente.

Na sequência do referido pedido, para justificar tais acréscimos de gastos, o sujeito passivo disponibilizou oito documentos que se juntam no Anexo XIII, mas só três deles constituem documento de suporte para o efeito, já que os restantes são listagens de documentos e algumas delas ilegíveis, razões pelas quais só os documentos a seguir indicados, justificam acréscimos de gastos, embora não tenha comprovado a sua contabilização na rubrica em análise”.

Nota-se que após a recepção das “listagens de documentos e algumas delas ilegíveis”, não foi promovida qualquer outra diligência para, v.g. através, quiçá, de outro meio de prova ou melhor prova (face até à sua falta de legibilidade) dirimir as questões em aberto.

Percute-se: não é rebatida pela AT a invocada dificuldade de prova alegada pela Requerente derivada da invocada “vastidão documental” na expressão da Requerente.

Por outro lado, se a AT não anuiu a uma espécie de “prova por amostragem” que parece ser o que a Requerente propunha em sede de inspecção, como processo para que lhe fossem validados os gastos (repete-se, face à alegada e não contestada vastidão documental), não deixa de se notar que foi o que a AT levou a efeito na Resposta ao PPA, uma vez que extratou alguns dos documentos juntos pela Requerente com o PPA, para demonstrar as irregularidades de que os mesmos, na totalidade, enfermam, impeditivas da aceitação como gastos dos valores que lhes subjazem, e o seu reconhecimento no apuramento dos resultados do exercício de 2015, seguindo a seguinte metodologia:

  • identificar o anexo, fazendo corresponder-lhe o NIF do prestador de serviços, especificando o tipo de irregularidade e, por último, 
  • inserir extracto do documento da parte que comprova”.

Nesta conformidade, apenas se pronunciou sobre as irregularidades dos documentos juntos como Anexos 7, 8, 9, 10, 11, 13, 15, 16, 19, 21, 25, 26, 27, 28, 32, 33, 35, 39, 40, 44, 46 e 47, (ou seja 22 dos 84 documentos juntos) sendo resumidamente as seguintes:

  • falta de data da prestação de serviços;
  • junção do original e do duplicado;
  • emissão pelo mesmo prestador de serviços de vários documentos;
  • datas de emissão que não o ano de 2015;
  • falta de assinatura ou autenticação do prestador;
  • dúvidas quanto ao descritivo das operações.

Será de notar que todas as irregularidades apontadas aos documentos poderiam ser corrigidas ou explicadas as eventuais dissonâncias, acrescentando-se que não é colocada em causa a sua genuinidade ou veracidade, nem lhe são assacados vícios que sejam absolutamente invalidantes em termos de força probatória.

Também aqui haverá que fazer apelo à presunção legal de veracidade e boa-fé dos valores registados na contabilidade (artigo 75º-1 da LGT), ou seja, na reconciliação dos registos contabilísticos face aos documentos que os justificam, juntos pela Requerente, ou pelo menos, fazer apelo à regra do nº 1 do artigo 100º do CPPT face à dúvida fundada que a documentação junta e o seu registo contabilístico, gera perante o julgador.

Os tribunais julgam casos concretos, face à concreta verdade material de cada caso, não podendo ser insensível às dificuldades que se colocam, na prática, em produzir uma prova isenta de qualquer dúvida (aplicável ao direito processual criminal). No caso, entendeu o Tribunal que a Requerente, face ao standard da prova aplicável e face às circunstâncias do caso, cumpriu o ónus da prova.

Em face do exposto procede, parcialmente o PPA, na parte resultante da matéria de facto provada.

            4. Restituição do imposto indevidamente pago. Direito a juros indemnizatórios.

 

Foi dado como provado na alínea J) dos factos provados que a Requerente pagou o montante total de € 311.759,20, em 26 de junho de 2020, face às correcções ao lucro tributável em sede de IRC de 2015 que a AT levou a afeito e que aqui foram impugnadas.

 

Na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação controvertido, há lugar a reembolso da parte do imposto pago ilegalmente, por força do disposto nos artigos 24º nº 1, alínea b), do RJAT e 100º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

Procede, pois, o pedido de reembolso parcial do imposto que após nova liquidação, em execução deste julgado, venha a ser levado a afeito, se verifique que foi indevidamente pago.

 

***

 

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que refere «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro)

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

 

Revertendo o que se referiu para o caso concreto deste processo, verifica-se que é de aplicar o nº 1 do artigo 43º da LGT, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios a contar da data do pagamento do imposto em excesso.

 

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data acima referida, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva.

 

            5. Decisão

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar improcedente a invocada caducidade do direito à liquidação invocada pela Requerente;
  2. Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral na parte em que a AT não considerou o valor de 109 364,00 €, a acrescer ao valor de 2.766.611,00 que consta do Relatório de Gestão da Requerente, pelo que, consequentemente, a correcção levada a efeito pela AT na “provisão Apifarma (variação patrimonial positiva)” de 382 579,38 € deverá ser ajustada face à procedência parcial do PPA.
  3. Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral na parte em que a AT não considerou o valor de 93 965,00 € relativo à contribuição adicional do medicamento C....
  4. Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral na parte em que a AT não considerou o valor de 383 956,00 € de gastos contabilizados na conta 272208 – outros acréscimos de custos automáticos, documentalmente comprovados;
  5. Anular parcialmente a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) com o n.º 2020 ..., com data de 13 de maio de 2020, relativa ao exercício de 2015, bem como da correspondente liquidação de juros compensatórios, de onde resulta um montante total a pagar de € 311.759,20 e o despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa de 3 de março de 2021 que indeferiu a reclamação graciosa com o n.º de processo ...2020..., na parte da liquidação que resulta da inconsideração dos valores a que se alude nas alíneas B., C. e D. supra.
  6. Condenar a AT no reembolso do imposto pago em excesso, acrescido dos juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento, nos termos dos artigos 43.º, nº 1, e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 311 759,20.          

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5 508,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo 50% a cargo da Requerida (2 754,00 €) e 50% a cargo da Requerente (2 754,00 €), tendo em conta os respectivos decaimentos (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 122.º, n.º 2, do CPPT).

 

 

Lisboa, 04 de Março de 2022

 

 

Tribunal Arbitral Colectivo

Árbitro Presidente,

 

Manuel Luís Macaísta Malheiros

 

Árbitro Vogal

 

 

(Elísio Brandão)

 

Árbitro Vogal – Relator

 

 

 (Augusto Vieira)