SUMÁRIO:
i.Por força da revogação do acto tributário impugnado operada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), resulta a impossibilidade da lide por perda de objecto, de conformidade ao estatuído na alínea e) do artigo 277º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT);
ii. Verificando-se a revogação para além do prazo de trinta dias, previsto no nº 1do artigo 13º do RJAT, as custas impendem sobre a AT, por lhe ser imputável a impossibilidade da lide, por força do disposto nos artigos 527º e 536º nºs. 3 e 4 do Código de Processo Civil aplicável (artigo 29º, nº 1 alínea e) do RJAT.
DECISÃO ARBITRAL
I.RELATÓRIO
1. A..., contribuinte fiscal nº..., com sede no ..., sita à Rua ..., ...-... ..., (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo) apresentou em 2021-08-23,pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1,dos artigos 2º, 5º, nº 2 alínea a), 6º,nº 1e 10º, nºs 1 e 2, todos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria 112-A/2011, de 2 em Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa dirigida ao Serviço de Finanças de ... em 14 de Janeiro de 2021 e, em consequência a anulação dos actos de liquidação de IVA auto liquidados em 3 de Abril de 2020, respeitantes aos anos de 2017, 2018 e 2019, no valor global de 36.895,92 €.
2.O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 2021-08-25 e nessa mesma data notificado à Requerida nos termos legais, que confirmou tal notificação em 2021-08-31
3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJTA, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro da Arbitragem Administrativa.
4. Em 2021-10-15 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 3, alíneas a) e b) na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5. O tribunal arbitral singular ficou constituído em 2021-11-03, de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2021-11-03 a Requerida apresentou em 2021-12-09, a sua resposta, tendo nessa mesma data procedido à junção do processo administrativo (PA)
7. Por despacho proferido em 2021-12-14. foi a Requerente interpelada no sentido de vir aos autos informar se mantinha o interesse na produção da prova testemunhal a cuja resposta procedeu em 2021-12-22.
8. Em 2022-01-05, foi pelo tribunal sugerida data e hora para inquirição da testemunha indicada pela Requerente.
9.Com data de 2022-01-12 veio a Requerente juntar aos autos o despacho proferido em 2021-12-15, pelo Exmo. Senhor Subdiretor Geral que deu conta da revogação dos actos impugnados.
10. Notificada para se pronunciar, veio a AT em 2022-01-14 afirmar não ter nada “a opor a que seja julgada procedente a inutilidade superveniente da lide.”
11. Através de despacho proferido em 2022-02-25 foi definida a tramitação processual subsequente e indicada prazo para a prolação da decisão e sua notificação às partes.
12. As partes não apresentaram alegações escritas.
13. O tribunal arbitral singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos, 2º, nº1, alínea a), 5º e 6º do RJTA.
14. partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º,6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributária, ex vi, artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT).
15. O tribunal singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.
16. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º,6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi, artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT)
15. Não foram suscitadas excepções de que deva conhecer-se,
II-FUNDAMENTAÇÃO
A.MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
Com relevo e pertinência para a apreciação e decisão da questão dirimenda, dão-se como provados e assentes os seguintes factos:
1.A Requerente apresentou em 2021-08-23, junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral,
2. O pedido foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 2021-08-25,
3. A AT foi notificada de tal pedido em 2021-08-25, tendo em 2021-08-31 confirmado tal notificação,
4. O tribunal arbitral ficou constituído em 2021-11-03,
5. Por despacho proferido em 2021-12-15, pela Exmo. Senhor Subdiretor Geral foi revogado o acto impugnado,
6. Em 2022-01-05, a Requerente procedeu à junção aos autos do despacho revogatório supra referido,
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devem considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.
Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º, nº 3 do CPCivil, ex vi artigo 29º, nº 2, alíneas a) e e) do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídico, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis, da(s) questão (ões) de Direito (cfr., artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJATdecisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo, e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr., artº 670º, nº 3 do CPCivil, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 42/2013, de 26 de Junho).
Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida por lei (vg., força probatória dos documentos autênticos) (cfr., artigo 371º,nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº7 do CPPT, e a prova documental carreada para os autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supre elencados.
Não se deram como provados, nem como não provados, as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.
B. DO DIREITO
- Inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de anulação
O objecto dos presentes autos, e como já supra sinalizado, é constituído pelos actos de autoliquidação de IVA adicional, respeitantes aos anos de 2017,2018 e 2019, no valor de 36.895,92 €, auto liquidados em 3 de Abril de 2020.
Conforme resulta dos factos provados, por despacho proferido pela AT, de e explicitação posterior solicitada pelo tribunal, foram revogados todos os actos tributários de liquidação que eram objecto do presente processo.
Face ao ocorrido torna-se inútil o prosseguimento da presente lide, na medida em que, do prosseguimento da mesma, não resultará qualquer efeito sobre a relação jurídico material controvertida, no que as partes, estão, de resto, de acordo.
Com efeito, verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe se ter interesse e utilidade, o que justifica a sua extinção (cfr., artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil).
Como é salientado por Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto,[1] a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar- além ????? por impossibilidade de atingir o resultado visado: aqui por ele já ter atingido por outro meio.”
Assim, se, por virtude de factos novos decorridos na pendência do processo, o escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingido por outro meio, então a decisão a proferir não envolve efeito útil, pelo que ocorre, nesse âmbito, inutilidade superveniente da lide.
Decorre da actuação administrativa dada como provada que a pretensão formulada pela Requerente, que tinha como finalidade a declaração de ilegalidade e anulação por este tribunal dos actos sindicados, ficou prejudicada, porquanto a supressão desses actos e seus efeitos na ordem jurídica foi conseguida por outra via, depois de iniciada a instância.
Na verdade, a prática posterior do acto expresso de revogação das liquidações impugnadas (cfr., artº 79º, nº 1 da LGT) implica que a instância se extingue por inutilidade superveniente da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos pela revogação anulatória, perde utilidade a apreciação, em relação a tais liquidações, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objecto a pretensão impugnatória contra elas deduzida.
Neste sentido, de entre outros, e ainda que de modo exemplificativo, poderão consultar-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 02/07/2014, e de 29/03/2017, relatado, respectivamente pelos Conselheiros Pedro Delgado e Francisco Rothes, no âmbito dos processos 0713/14 e 0229/16, de onde se extrai: ”I. A inutilidade superveniente da lide ocorre quando por facto ocorrido na pendenciada instância, a solução do litígio deixe de ter todo o interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância (artº 287º al, e) do Código de Processo Civil)”.
Conforme resulta dos factos dados como provados, e para o que aqui releva, a AT em 2021-12-15, procedeu à revogação dos actos tributários, de autoliquidação que constituíam o objecto impugnatório verificam-se, consequentemente, a inutilidade superveniente da lide no que concerne, ao pedido de o que determina a extinção da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277º, alínea c) doCPCivil ex vi artigo 29º, nº1, alína e) do RJAT.
III. DECISÃO
Em face do que vem de se expor, decide este Tribunal Arbitral Singular em:
-
Julgar extinta a instância, no que respeita ao pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto nos artigos 277º, alínea e) do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT,
-
Absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira,
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
IV.VALOR DO PROCESSO
De conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do CPCivil, aprovado pela Lei nº 43/201, de 26 de Junho, 97º-A, nº 1, alínea do Código de Procedimento e de Processo Tribuário, e artigo 3º, nº2 do Regulamento de Custas nos processos de arbitragem tributária, fixa-se ao processo o valor de 36.895,92 € (trinta e seis mil oitocentos e noventa e cinco euros e noventa e dois cêntimos)
V.CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigo 12º, nº 2, 22º, nº4 do RJAT, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em 1.836,00 € (mil oitocentos e trinta e seis euros)
NOTIFIQUE as partes, bem assim como o Ministério Público.
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.
[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas]
Vinte e quatro de Março de dois mil e vinte e dois
O árbitro
(j.coutinho pires)
[1] Código de Processo Civil, anotado, volume 1º, 2º edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555.