Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 461/2021-T
Data da decisão: 2022-03-14   
Valor do pedido: € 8.165,13
Tema: IRS - Residência (artigo 16.º, n.º 1 do CIRS); Convenção sobre dupla tributação entre Portugal e França.
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Sumário:

Não se verificando, no ano a que os rendimentos respeitam, qualquer dos requisitos de que o art.º 16.º do CIRS faz depender a qualificação de Residente das pessoas singulares, não pode a pessoa em causa qualificar como Residente fiscal em Portugal.

 

Decisão arbitral:

 

1 - Relatório

  1. – A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ..., Proença-a-Nova, doravante designada por «Requerente», vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

  1. - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 28 de julho de 2021, tem por objeto o despacho de indeferimento da reclamação graciosa (Processo n.º ...2021...) proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., em 21 de junho de 2021, ao abrigo de delegação de competências, bem como a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2020..., efetuada pela “AT” com referência ao ano de 2016, no montante 7 178,62 € e respetivos juros compensatórios de 986,51 €, no montante global de 8 165,13 €, com data limite de pagamento em 23 de dezembro de 2020. 

 

  1. – Com o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente juntou dezanove documentos; o comprovativo de pagamento da taxa de arbitragem inicial; e a respetiva procuração forense.

 

1.4 - O Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 30 de julho de 2021.

 

1.6 - O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 - Em 13 de setembro de 2021, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 1 de outubro de 2021.

 

1.9 - A AT foi notificada, por despacho arbitral de 6 do mesmo mês de outubro, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.11 – Em 5 de dezembro de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência, por não provada, do pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação, com a consequente absolvição do pedido, protestando juntar o PA, o que fez em 5 de janeiro de 2022.

 

1.12 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 11 de janeiro de 2022, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, determinando que o processo prosseguisse com alegações escritas, simultâneas, a apresentar pelas Partes, querendo, no prazo de 20 dias, o que as mesmas optaram por não fazer. 

 

1.13 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até 14 de março de 2022, devendo até essa data o Requerente efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Posição das Partes

Do Requerente -

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

Que é cidadão de nacionalidade portuguesa, tendo o seu domicílio fiscal desde junho de 2018 na Rua ..., n.º ..., ..., ..., distrito de Castelo Branco. Anteriormente tinha o domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ..., também no concelho de Proença-a-Nova, onde moram, como sempre moraram, os seus pais.

O Requerente, que é engenheiro de formação e profissão, no período compreendido entre os meses de outubro de 2015 e fevereiro de 2017, exerceu a sua atividade profissional em França. Primeiro, no período compreendido entre 21-09-2015 e 16-09-2016, prestou serviço para a sociedade B..., SA, SIRET ..., com sede em ..., ... ..., ... Valence, com a categoria profissional de engenheiro. Depois, no período de 19-09-2016 a fevereiro de 2017, prestou serviço para a sociedade C..., SA, SIRET ..., com sede em ..., ..., Lyon, França, com a categoria profissional de responsável de trabalhos.

No período antes referido, que atravessa todo o ano de 2016, trabalhou exclusivamente em França, onde residiu, primeiro, em ..., França e, depois (até ao final de dezembro de 2016), em ..., Rue ..., ... Laval, em residências cedidas pelas sociedades empregadoras.

Que as suas deslocações a Portugal foram pontuais e, apenas, para visitar a família.

Aos rendimentos do trabalho auferidos eram efetuados os respetivos descontos para a segurança social francesa, a qual lhe atribuiu o número ... .

O Requerente tinha uma conta aberta em seu nome numa instituição bancária (D...) onde as sociedades empregadoras creditavam o salário, sendo dessa conta que o Requerente fazia o pagamento de bens e serviços de cariz pessoal.

Era proprietário de um veículo automóvel que utilizava nas suas deslocações de e para o trabalho bem como para lazer.

No ano de 2016 auferiu rendimentos de trabalho dependente, no montante de 22 341,00 €, pagos pelas citadas sociedades B..., SA e C..., SA.

Foi-lhe atribuído o número de contribuinte francês ...N, tendo apresentado, em França, a declaração de rendimentos (Impôt sur les Revenus) relativamente à totalidade dos referidos rendimentos, e notificado pela Direção Geral de Finanças Públicas (Direction Générale des Finances Publiques) da liquidação efetuada, no montante de 1 768,00 €, que o Requerente pagou.

Porque os rendimentos auferidos em 2016 tinham sido declarados e tributados em França e era neste país que tinha fixado a sua vida pessoal e profissional, o Requerente entendeu que não tinha de os declarar também em Portugal, razão pela qual não alterou o domicílio fiscal para França, mantendo o domicílio fiscal português.

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, por provado, e por via disso pela anulação do ato de liquidação do IRS relativo ao exercício de 2016, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

Da Requerida -

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

Conforme se pode ler no articulado do ppa, a questão central prende-se com a residência fiscal do Requerente, que o próprio alega ter-se situado, à data dos factos, em território francês, mas que a AT, em sede do procedimento de reclamação graciosa (processo n.º ...2021...), cujo indeferimento aqui é contestado, entendeu dever ser considerada em Portugal.

Que o conceito de residência fiscal é determinado de acordo com o ordenamento jurídico interno de cada Estado, ou seja, no caso de Portugal, a residência fiscal terá de ser aferida tendo em conta o disposto no artigo 16º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), que concretiza aquele conceito.

Nos termos estabelecidos naquela disposição legal, consideram-se residentes em território português, as pessoas que no ano de obtenção dos rendimentos:

Alínea a) do n.º 1 do art.º 16º do CIRS - Tenham permanecido em território português por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa (critério da permanência);

Alínea b) do n.º 1 do art.º 16º do CIRS - Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual (neste caso a residência assenta na convicção de que a permanência prevista no ponto anterior vai continuar).

Esta última alínea estabelece um critério subjetivo que envolve uma intenção de residência e aplica-se, caso não seja possível a qualificação como residente, pelo critério do tempo de permanência.

Embora a lei não esclareça quais são essas condições, é entendido que devem ser condições objetivas que permitam retirar inequivocamente a conclusão de que se trata de uma habitação própria e permanente ou uma habitação permanente, i.e., não poderá nunca ser uma habitação de férias ou uma habitação secundária.

Consultado o sistema informático da AT, verificou-se que:

a) o Requerente foi sempre considerado como residente em Portugal e nunca alterou o seu domicílio fiscal para França;

b) nas declarações de rendimentos apresentadas pelo Requerente, este sempre se declarou como residente em Portugal;

c) na declaração de rendimentos apresentada no ano de 2016, declarou um período de permanência em França inferior ou igual a 183 dias;

c) é proprietário de dois veículos automóveis e de vários prédios rústicos;

d) a França considerou o Requerente como residente em Portugal no ano de 2016, motivo que determinou a comunicação ao Estado Português dos rendimentos que aquele auferiu, tal como os mesmos se encontram refletidos no ‘Sistema Integrado de Trocas de Informação ‘ (SITI);

f) não foram comunicados em nome do reclamante, rendimentos pagos por entidades sediadas em Portugal.

Assim, nos termos da lei interna, o Requerente é considerado como residente fiscal em Portugal durante a totalidade do ano de 2016, já que tinha o seu domicílio fiscal em Portugal e aqui dispunha de habitação permanente (não provou que se tratasse de uma habitação secundária ou de férias) em conformidade com o disposto nos nºs. 1, alínea a), 3 e 4, do artigo 19º da Lei Geral Tributária (LGT) e na alínea b), do nº. 1 do artigo 16º do CIRS.

Termina pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

 

2. Saneamento

2.1 - As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

                

2.2 - O processo não enferma de nulidades.

 

2.3 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

2.4 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. O Requerente tem a nacionalidade portuguesa, tendo o domicílio fiscal, desde junho de 2018, na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Proença-a-Nova, Portugal, cfr. artigo 12 do pedido de pronúncia arbitral (ppa), não contestado;
  2. Anteriormente, pelo menos no período compreendido entre os meses de outubro de 2015 a fevereiro de 2017, encontrava-se registado nas bases de dados da AT como tendo o domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., concelho de Proença-a-Nova, Portugal, cfr. artigo supra não contestado bem como documento n.º 3 junto pelo Requerente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido
  3. No período de 21 de setembro de 2015 a 16 de setembro de 2016 (sexta-feira), o Requerente trabalhou para a sociedade “B..., SA”, SIRET ..., com sede em ... Rue ...Valence, França, com a categoria profissional de engenheiro, cfr. documento n.º 11 junto pelo Requerente;
  4. No período de 19 de setembro de 2016 (segunda-feira) a fevereiro de 2017, o Requerente trabalhou para a sociedade “C..., SA”, SIRET..., com sede em ..., ..., Lyon, França, com a categoria profissional de responsável de trabalhos, cfr. documento n.º 12 junto pelo Requerente;
  5. O Requerente, durante todo o ano de 2016, residiu em França, tendo ficado instalado, primeiramente, desde outubro de 2015 até setembro de 2016, numa residência em..., ... Valence, França, cedida pela sua empregadora “B..., SA”, cfr. documento n.º 6 junto pelo Requerente;
  6. A partir de setembro de 2016, o Requerente fixou a sua residência em..., Rue ..., França, cedida pela sua empregadora “C..., SA”, cfr. artigo 22 do ppa, não contestado e documento n.º 7 junto pelo Requerente;
  7. Tendo permanecido nesta morada, de modo contínuo e ininterrupto, até ao final de dezembro de 2016, altura em que entregou a casa ao senhorio, cfr. artigo 23 do ppa, não contestado e documentos n.ºs 8 e 9 juntos pelo Requerente;
  8. O Requerente tem o número de contribuinte francês ... N, cfr. documento n.º 16 junto pelo Requerente;
  9. O Requerente tem o número da Segurança Social francesa ..., cfr. documentos n.ºs 11 e 12;
  10. No ano de 2017, o Requerente pagou em França um imposto (taxa de habitação) por aí residir permanentemente, reportado ao ano anterior (2016), cfr. documento n.º 10 junto pelo Requerente;
  11. O Requerente, como contrapartida, do seu trabalho, recebeu da “B..., SA”, entre os meses de janeiro e setembro (até 16.09) de 2016, o salário constante dos recibos de vencimento que constituem o documento n.º 11;
  12. E nos meses de setembro (a partir de 19.09) a dezembro de 2016, recebeu da “ C..., SA”, o salário constante dos recibos de vencimento que constituem o documento n.º 12;
  13. Dos rendimentos de trabalho recebidos foram feitos os correspondentes descontos para a segurança social francesa, cfr. documentos n.ºs 11 e 12;
  14. Em 2016, o Requerente possuía uma conta aberta em seu nome no banco “D...”, na qual os referidos rendimentos do trabalho eram creditados, sendo que toda a correspondência era endereçada para a morada do Requerente em França, mais precisamente para ..., ... Valence, França cfr. documento n.º 13 junto pelo Requerente;
  15. Dessa conta eram pagas despesas pessoais, cfr. documento n.º 14 junto pelo Requerente;
  16.  Em 2016, o Requerente auferiu em França rendimentos de trabalho dependente no montante de 22 341,00 €, pagos pelas referidas “B..., SA” e “C..., SA”, cfr. documento n.º 16;
  17. O Requerente apresentou declaração de rendimentos do ano de 2016 (imposto de renda) em França, tendo declarado a totalidade dos rendimentos recebidos, na sequência da qual foi liquidado imposto no montante de 1 768,00 €, que o Requerente pagou, cfr. documento n.º 16;
  18. Por e-mail de 23 de outubro de 2020, a AT informou o Requerente que deveria proceder à entrega da declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2016, por a mesma não constar da sua base de dados, cfr. documento n.º 17 junto pelo Requerente;
  19. Em 05 de novembro de 2020, o Requerente apresentou a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2016, com o n.º..., juntando o anexo “J” destinado a declarar os rendimentos obtidos no estrangeiro, cfr. documento n.º 18 junto pelo Requerente;
  20. No quadro 8A, campo 01, da referida declaração, referiu ser residente no continente. No anexo “J”, inscreveu no quadro 4A, terceira coluna o rendimento bruto de 35 123,00 €, e na quinta coluna o imposto pago no estrangeiro, no montante de 1 768,00 €.

No quadro 4C do mesmo anexo (informações complementares para a categoria A), segunda coluna, inscreveu o código 250, correspondente ao país onde se situa a sede da entidade pagadora dos rendimentos, ou seja, a França, e na terceira coluna (remunerações privadas) declarou ter permanecido no país onde o trabalho foi prestado o número de 183 dias ou superior; 

  1. Esta declaração foi objeto da liquidação n.º 2020 ..., no montante de 7 178,62 € de IRS e juros compensatórios de 986,51 €, no montante global de 8 165,13 €, com data limite de pagamento em 23 de dezembro de 2020, cfr. documento n.º 1 junto pelo Requerente;
  2. Montante que foi pago em 7 de dezembro de 2020, cfr. documento n.º 19 junto pelo Requerente;
  3. Em 18 de março de 2021 o Requerente apresentou reclamação graciosa (Processo n.º ...2021...) na qual peticionava a anulação da liquidação e a restituição do imposto e juros compensatórios, no montante de 8 165,13 €, acrescido de juros indemnizatórios, cfr. documento n.º 2 junto pelo Requerente;
  4. Pelo ofício n.º ..., de 28 de abril de 2021 (registo n.º RH...PT), o Requerente foi notificado para, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), exercer, querendo, o direito de audição prévia, cfr documento n.º 3 junto pelo Requerente.
  5. O que o Requerente fez em 12 de maio de 2021, pugnando pelo deferimento da reclamação graciosa, cfr. documento n.º 4 junto pelo Requerente.
  6. Por despacho de 21 de junho de 2021 do chefe do serviço de Finanças de..., no uso de competência delegada, a reclamação graciosa foi indeferida, sendo o Requerente notificado pelo ofício n.º ..., de 21 de junho de 2021 (registo c/AR n.º RH...PT), cfr. documento n.º 5 junto pelo Requerente.
  7. Em 28 de julho de 2021 o Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a), número 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que deu origem ao presente processo, peticionando a anulação da liquidação e a restituição do imposto e juros compensatórios, no montante de 8 165,13 €, acrescido de juros indemnizatórios contabilizados desde a data do pagamento (07-12-2020) até à emissão da respetiva nota de crédito.

 

3.2 Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

Objeto do litígio

 

A questão que constitui o thema decidenduum consiste em saber se o Requerente deve, ou não ser considerado residente fiscal em Portugal no ano de 2016, ou seja, se preenche ou não, algum critério legal suscetível de determinar a sua residência fiscal em Portugal no período em causa, face ao previsto no artigo 16º, nº 1, alíneas a) e b) do CIRS e do eventual recurso à CDT celebrada entre Portugal e França, concluindo (ou não) pela manutenção da liquidação de IRS em causa.

 

Questões a decidir:

- Da (i)legalidade da liquidação impugnada; e

- Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

**

4.1 - Da (i)legalidade da liquidação impugnada

 

No ano de 2016 o Requerente constava no cadastro da AT como residente em território português, mais precisamente na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., concelho de Proença-a-Nova.

Em 05 de novembro de 2020, apresentou a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2016, com o n.º..., juntando o anexo “J” destinado a declarar os rendimentos obtidos no estrangeiro.

No quadro 8A, campo 01, da referida declaração, referiu ser residente no continente.

No referido anexo “J”, inscreveu no quadro 4A, terceira coluna o rendimento bruto de 35 123,00 €, e na quinta coluna o imposto pago no estrangeiro, no montante de 1 768,00 €.

No quadro 4C do mesmo anexo (informações complementares para a categoria A), segunda coluna, inscreveu o código 250, correspondente ao país onde se situa a sede da entidades pagadoras dos rendimentos declarados, ou seja, a França, e na terceira coluna (remunerações privadas) declarou ter permanecido no país onde o trabalho foi prestado (França) o número de 183 dias ou superior; 

Não foram declarados quaisquer outros rendimentos.

Porém, antes de entrarmos no caso concreto, mostra-se absolutamente relevante convocar a Convenção entre Portugal e a França para Evitar a Dupla Tributação e Estabelecer Regras de Assistência Administrativa Recíproca em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (CDT), assinada em Paris em 14 de março de 1971 e publicada através do Decreto-Lei n.º 105/71, de 26 de março, e posteriormente alterada pelo Protocolo assinado em 25 de agosto de 2016 e publicado através da Resolução da Assembleia da República n.º 58/2017, uma vez que o conceito de residência, acolhido no artigo 16.° n.º 1 do CIRS, não pode sobrepor-se ao conceito convencional de residência constante das Convenções contra a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e outros Estados, dada a supremacia do direito internacional sobre o direito interno ordinário consagrada nos artigos 8.º da CRP e 1.º, n.º 1 da LGT.

O conceito convencional de residência consta do artigo 4.º, n.º 1 da referida CDT, nos seguintes termos: “Para efeitos desta Convenção, a expressão «residente de um Estado Contratante» significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direção ou a qualquer outro critério de natureza similar”.

Refere, também, o artigo 16.º, n.º 1 da mesma CDT: “(…) os salários, ordenados e remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado”.

Por outro lado, não havendo dupla tributação mostra-se desnecessário convocar a referida CDT uma vez que os critérios de desempate previstos no n.º 2 do seu artigo 4.º não são de aplicar.

Assim, considerando que o conceito convencional de «residente de um Estado Contratante» remete para a legislação desse Estado, passemos a transcrever o quadro normativo aplicável:

O artigo 13.º, n.º 1 do CIRS (redação ao tempo dos factos), relativamente à incidência pessoal, dispunha: "Ficam sujeitos a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que nele não residindo, aqui obtenham rendimento".

Por sua vez o artigo 15.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo código (redação ao tempo), respeitante ao âmbito da sujeição, refere: "1. Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território" e “2. Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”. Estes rendimentos encontram-se elencados no artigo 18.º do CIRS.

O artigo 16.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CIRS (redação ao tempo), relativo à residência, refere: São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos: a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa; b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual.

Constata-se deste modo, desde já, e em uníssono com a doutrina e jurisprudência, que o conceito de residência torna-se fundamental de modo que, a verificar-se relativamente a um qualquer sujeito a imposto, legitima a tributação dos rendimentos numa base mundial, i.e. de todos os rendimentos independentemente do local onde os mesmos sejam obtidos (world income principle)

De acordo com RUI DUARTE MORAIS, in “Sobre o IRS”, Almedina 2006, pp 14 e seguintes, "a residência é hoje, geralmente aceite como constituindo o elemento de conexão que expressa a mais íntima ligação económica entre as pessoas e Estado".

"(...) Ser residente de um determinado Estado implica, normalmente, ser aí sujeito a um imposto sobre a globalidade do rendimento (incluindo) o obtido fora das fronteiras desse Estado."

Contempla ainda o artigo 16.º, para além das convocadas, uma pluralidade de situações que nos dizeres da decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 462/2015-T, de 05/04/2015 "faz surgir o perigo de duplas tributações, em virtude de o elemento de conexão residência, visto aquelas poderem tanto resultar de definições diversas nos espaços fiscais em causa como de definições iguais, desde que integradas por uma pluralidade de critérios que se repetem nas legislações desses espaços fiscais sendo a situação enquadrável em critérios diferentes"

(…) Para evitar os conflitos derivados de aplicação das normas tributárias em caso de situações com ligações a outros territórios assume especial importância a negociação e celebração de Convenções assinadas entre Portugal e outros Estados para Evitar a Dupla Tributação (CDT´S)".

A exigibilidade dos critérios para qualificação de uma pessoa singular como residente, tempo de permanência (corpus) e habitação (animus) de que a doutrina profusamente nos dá conta, afiguram-se nos presentes autos, no nosso entendimento, de fácil perceção e isentos de quaisquer dúvidas razoáveis.

 

Pelo exposto mostra-se absolutamente necessário determinar qual a residência do Requerente no ano de 2016: se no território português; se em França.

Comecemos por referir que, nos termos do artigo 19.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), o domicílio fiscal corresponde, salvo disposição em contrário, ao local da residência habitual do Sujeito Passivo (pessoa singular), sendo que no ano em causa (2016) o domicílio fiscal do Requerente, constante das bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), era na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., concelho de Proença-a-Nova, distrito de Castelo Branco, em Portugal, cfr. alínea b) do probatório.

Porém o domicílio fiscal fazendo presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, nos termos do n.º 10 do artigo 13.º do CIRS, este pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário nos termos previstos no n.º 11 do mesmo artigo, competindo à AT demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova ou das informações neles constantes.

No caso de mudança do domicílio fiscal, que não corresponde à noção de residência, o n.º 4 do artigo 19.º da LGT refere que a mesma é ineficaz enquanto não for comunicada à AT. Porém, como refere o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 08-10-2015 no Processo n.º 06685/13, “Nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal prevista no art. 19.º da LGT pode ser demonstrada a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, e por conseguinte, não obsta ao preenchimento do pressupostos de “habitação permanente” o n.º 5 do art. 10.º do CIRS a não comunicação da alteração do domicílio fiscal”.

No mesmo sentido a decisão arbitral de 11-08-2020, proferida no Processo n.º 434/2019-T, do CAAD: “Retirar porém daí, como consequência, que o contribuinte que não actualizou ou comunicou a alteração do seu domicílio fica por essa razão preso a essa morada inicialmente comunicada para o efeito - como é o caso - de qualificar como Residente fiscal, é ultrapassar o previsto na lei, seja na sua letra, seja no seu espírito”.

No caso dos autos o Requerente não comunicou à AT a mudança de domicílio fiscal, facto que se mostra irrelevante neste processo, em virtude de ter apresentado documentos que provam tal mudança.

A liquidação ora impugnada foi efetuada com base na declaração modelo 3 do IRS, apresentada pelo Requerente em 05-11-2020, na qualidade de residente no território português, mencionando no anexo “J”, quadro 4C, segunda coluna, destinado a declarar os rendimentos obtidos no estrangeiro, ter permanecido no país de exercício do emprego (França) por um período igual ou inferior a 183 dias.  

Porém, não obstante as declarações dos contribuintes se presumirem verdadeiras e de boa-fé, cfr. artigo 75.º, n.º 1 da LGT, competindo à AT dar início ao procedimento de liquidação, nos termos do artigo 59.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), nada impede que o contribuinte deduza impugnação, em caso de erro na declaração de rendimentos, a qual será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa, como no caso dos autos (Processo n.º ...2021...), cfr. artigo 140.º, n.º 2 do CPPT, cabendo-lhe, contudo, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que invocar, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT.

 Referido o facto de o domicílio fiscal do Requerente, segundo o mesmo, se mostrar desatualizado à data dos factos (ano de 2016) nem ter sido comunicada a sua mudança e de a liquidação ter sido efetuada pela AT com base na declaração pelo mesmo apresentada, factos relevantes para determinar a imputabilidade de eventuais erros e a consequente condenação no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, passemos à questão principal, qual seja a de determinar se o Requerente, no ano de 2016, era ou não residente em território português, sendo que, em caso afirmativo estará sujeito a tributação de base mundial, por contraposição com os não residentes que apenas são sujeitos a tributação relativamente aos rendimentos obtidos em Portugal, cfr. artigo 15.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS.

Como consta do probatório, o Requerente, no período de 1 de janeiro de 2016 a 16 de setembro de 2016 (sexta-feira), trabalhou para a sociedade “B..., SA”, SIRET..., com sede em ... Rue..., ... Valence, França, com a categoria profissional de engenheiro, tendo ficado instalado numa residência em ..., ..., ... Valence, França, cedida pela empresa empregadora.

No período de 19 de setembro de 2016 (segunda-feira) a 31 de dezembro de 2016, o Requerente trabalhou para a sociedade “C..., SA”, SIRET ..., com sede em ..., ..., Lyon, França, com a categoria profissional de responsável de trabalhos, tendo ficado instalado numa residência em ..., Rue ..., ..., França, cedida pela empresa empregadora.

Como contrapartida do seu trabalho, o Requerente recebeu das referidas empregadoras “B..., SA” e “C..., SA” o respetivo salário no montante de 22 341,00 €, constante dos recibos de vencimento, aos quais foram feitos os correspondentes descontos para a segurança social francesa, na qual se encontra inscrita com o número ... .

Os referidos rendimentos do trabalho eram creditados pelas empregadoras numa conta que o Requerente possuía, no ano de 2015, numa conta aberta em seu nome no banco “D...”, da qual eram pagas as despesas pessoais, sendo que toda a correspondência era endereçada para a morada do Requerente em França

O Requerente, titular do número de contribuinte francês ... N, apresentou declaração de rendimentos do ano de 2016 (impôt sur ler revenus) em França, tendo declarado a totalidade dos rendimentos recebidos, na sequência da qual foi liquidado imposto no montante de 1 768,00 €, notificado ao Requerente pela Direction Générale des Finances Publiques (Direção Geral de Finanças Públicas) e pago em 07 de dezembro de 2020.

Da declaração modelo 3 de IRS não constam quaisquer outros rendimentos para além dos supra referidos, os seja, os auferidos em França, pagos por entidades que aí têm a respetiva sede.

Constata-se, assim, que o Requerente permaneceu em França, de modo contínuo e ininterrupto, durante todo o ano de 2016, apenas se ausentando pontualmente para visitar a família, pelo que deverá ser considerado, para efeitos do IRS, residente em França e não residente fiscal em Portugal, por não se verificar o elemento objetivo (corpus) previsto na alínea a), n.º 1 do artigo 16.º do CIRS (permanência em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa), incidindo o IRS unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português, cfr. artigo 15.º, n.º 2 do CIRS.

Estes rendimentos encontram-se tipificados no artigo 18.º do mesmo código, constando apenas, no que aos rendimentos do trabalho diz respeito, os decorrentes de atividades exercidas em território português ou devidos por entidades que nele tenham residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento, o que não é o caso sub judice.

Quanto ao elemento subjetivo (animus) previsto na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 16.º do CIRS (tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual), o mesmo é inaplicável no presente caso já que o Requerente permaneceu em França durante o ano completo de 2016. 

 

Assim, considerando que a liquidação impugnada incidiu sobre rendimentos do trabalho dependente auferidos em França, e devidos por entidades aí sediadas, é julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.  

 

4.2 - Do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios -

O Requerente pede que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, tendo provado o pagamento da quantia liquidada.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial).

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado pelo artigo 43.º, n.º 1, da LGT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, nos termos que aqui interessa:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(...)

 

A liquidação ora impugnada foi efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base na declaração modelo 3 de IRS, apresentada voluntariamente pelo Requerente, sendo que este constava nas bases de dados da Requerida como residente em território português, razões pelas quais não se pode considerar que o erro a esta seja imputável.

Deste modo o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios terá necessariamente que improceder.

 

 

***

 

 

5 - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

  1. Julgar procedente o despacho de indeferimento da reclamação graciosa (Processo n.º ...2021...) proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., em 21 de junho de 2021, ao abrigo de competência delegada;
  2. Julgar procedente, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o pedido de anulação da liquidação de IRS n.º 2020..., efetuada pela AT, com referência ao ano de 2016, no montante 7 178,62 € e respetivos juros compensatórios de 986,51 €, no montante global de 8 165,13 €;  
  3. Julgar procedente o pedido de condenação da AT no reembolso do referido montante pago;
  4. Absolver a AT do pedido de pagamento de juros indemnizatórios; e 
  5. Condenar a Requerida nas custas arbitrais.

 

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 8 165,13 € (oito mil, cento e sessenta e cinco euros e treze cêntimos).

 

Custas

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00€ (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, CAAD, 14 de março de 2022.

 

 

 

O Árbitro,

 

 

 

Rui Ferreira Rodrigues