Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 407/2021-T
Data da decisão: 2022-03-10  IMI  
Valor do pedido: € 4.686,62
Tema: IMI – Revisão do ato tributário. Impugnação do valor patrimonial tributário. Ato de fixação da matéria tributável. Tempestividade.
Versão em PDF


SUMÁRIO:

 

  1. Os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.
  2. Não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, cristaliza-se a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que o “imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direção Geral dos Imposto, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita.
  3. Porém, o artigo 78º da LGT, nos seus nºs 4 e 5, prevê a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, no prazo de 3 anos, posteriores ao do ato tributário que termina no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado, com base em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
  4. Não se encontrando esgotado o referido prazo de 3 anos, pode o dirigente máximo do serviço ainda autorizar o pedido de revisão da matéria tributável, e consequentemente, corrigir as respetivas liquidações em conformidade com a revisão autorizada.
  5. O Tribunal é competente para apreciar o pedido de impugnação do indeferimento tácito de uma revisão oficiosa da liquidação de IMI, mesmo que tenha por único fundamento erro na fixação dos valores patrimoniais tributários resultantes da avaliação.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 2 de julho de 2021, A...-Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A. sociedade gestora do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado-B..., NIPC..., com sede na..., ..., ..., ...-... ..., doravante designado por “Requerente”, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 e 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista:
  1. à declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa apresentado junto do Serviço de Finanças contra os atos de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018, no montante global de € 4.686,62 (quatro mil, seiscentos e oitenta e seis euros e sessenta e dois cêntimos), e sua consequente anulação;
  2. à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IMI referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018, refletidas nos documentos n.º 2016..., 2016..., 2016...; 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., no montante global de € 4.686,62 (quatro mil, seiscentos e oitenta e seis euros e sessenta e dois cêntimos), e a sua anulação,
  3. e ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido, alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
  1. Errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” resultante da aplicação ilegal dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, porquanto, segundo entende «os valores patrimoniais tributários destes terrenos foi em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores desta matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI e não segundo a fórmula erroneamente aplicada aos terrenos pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos anos de tributação em discussão».
  2. Inconstitucionalidade do disposto no artigo 45.º do Código do IMI quando interpretado «no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção».

 

  1. A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária, a Dr.ª ..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelas juristas, Dr.ª ... e Dr.ª ....

 

  1. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi, o signatário, designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado, e as partes não se opuseram a tal nomeação.

 

  1. O presente Tribunal foi constituído no dia 10 de setembro de 2021, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral singular que se encontra junta aos presentes autos.

 

  1. A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 19 de outubro de 2021.

 

  1. O Tribunal, por despacho de 22 de outubro de 2021, constatando não existir necessidade de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade das partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo dos princípios de autonomia do Tribunal na condução do processo, da simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT, entendeu ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como, a apresentação de alegações.

 

  1. No despacho referido em 6. supra, o Tribunal determinou que a decisão final seria proferida até ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT e advertiu, por último, a Requerente que, até à data indicada, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, e comunicar tal pagamento ao CAAD.

 

  1. No dia 28 de outubro de 2021, a Requerente, através de requerimento, declarou nada ter a opor quanto à dispensa da reunião do artigo 18.º do RJAT e das alegações.

 

  1. A Requerente pede a cumulação de pedidos, alegando a existência de identidade de circunstâncias de facto e da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, as quais sendo admissíveis, nos termos do artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 3.º do RJAT, devem ser admitidas.

 II. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

 

III. Matéria de Facto

  1. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

  1. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).

 

  1. Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Factos dados como provados
  1. Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
  1. A Requerente é proprietária de diversos prédios urbanos, designadamente, terrenos para construção, os quais – que aqui interessam - se encontram inscritos da seguinte forma:

Artigo matricial

Freguesia

Concelho

Distrito

U-...

...

Oeiras

Lisboa

U-...

...

Oeiras

Lisboa

U-...-

...

Moita

Setúbal

 

 - cfr. Documento n.º 4 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

 

  1. A Requerente foi notificada dos atos de liquidação de IMI n.º 2016..., 2016..., 2016..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018 ..., 2018 ... e 2018... com referência aos anos de 2016, 2017 e 2018, no montante global de € 4.686,62 (quatro mil, seiscentos e oitenta e seis euros e sessenta e dois cêntimos) – cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

 

  1. Os atos de liquidação identificados em B supra tiveram por base os valores patrimoniais tributários (VPT) fixados do seguinte modo:

 

Artigo matricial

Freguesia

Concelho

Data da avaliação

Fórmula utilizada no Cálculo do VPT

VPT

U-...

...

Oeiras

30/12/2013

Vt = Vc x A x Cl x Ca x Cq

1.001.980,22 €

U-...

...

Oeiras

08/10/2013

Vt = Vc x A x Cl x Ca x Cq

1.463.386,40 €

U-...-

...

Moita

11/03/2007

Vt = Vc x A x Cl x Ca x Cq

159.665,60 €

 

 

Sendo que:

«Vt* = valor patrimonial tributário, Vc= valor base dos prédios edificados, A= área bruta de construção mais a área excedente à área de implementação, Ca= coeficiente de afetação, Cl = coeficiente de localização, Cq= coeficiente de qualidade e conforto, Cv = coeficiente de vestutez, sendo A= (Aa +Ab) x Caj x % + Ac + Ad, em que Aa representa a área bruta privativa, Ab represente as áreas brutas dependentes, Ac representa a área do terreno livre até ao limite de duas vezes a área de implantação, Ad representa a área do terreno livre que excede o limite de duas vezes a área de implantação, (Aa + Ab) x Caj = 100 x 1,0 + 0,90 x (500-100) + 0,80 x (Aa + Ab – 1.000,0000).

Tratando-se de terreno para construção, A= área bruta de construção integrada de Ab.»

- cfr. Documento n.º 4 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

 

  1. Nos dias 20 de novembro de 2017, 26 de novembro de 2018 e 26 de novembro de 2019, a Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IMI referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018, respetivamente – cfr. Documento n.º 3 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

 

  1. A Requerente não contestou as avaliações que deram origem ao VPT considerado em C. supra, como sendo o aplicável aos três artigos matriciais em questão. – cfr. acordo das partes - ;

 

  1. Em janeiro de 2021, a Requerente foi notificada, do resultado da avaliação efetuada aos já identificados imóveis, que aponta para o seguinte resultado:

Artigo matricial

Freguesia

Ofício da AT

Ficha n.º

VPT

U-...

...

SF Oeiras ... -...

...

793.440,00 €

U-...

...

SF Oeiras ... - ...

...

1.185.360,00 €

U-...-

...

SF Moita - ...

...

91.220,00 €

 

 - cfr. Documento n.º 5 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

 

  1. No dia 26 de fevereiro de 2021, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI n.º 2016..., 2016..., 2016..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018... e 2018... com referência aos anos de 2016, 2017 e 2018, no montante global de € 4.686,62 (quatro mil, seiscentos e oitenta e seis euros e sessenta e dois cêntimos) - cfr. Documento n.º 1 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;

 

  1. No dia 26 de junho de 2021, presumiu-se o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, nos termos do disposto no artigo 57.º da Lei Geral Tributária. – cfr. acordo das partes - ;

 

  1. No dia 2 de julho de 2021, a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.

 

  1. Factos dados como não provados

Não existem factos dados como não provados, entendendo o presente Tribunal Arbitral que todos os factos dados como provados são os bastantes e relevantes para a apreciação do pedido.

 

 

IV- Do Direito

 

 

- Thema decidendum –

 

A questão de fundo, nos presentes autos, consiste em saber se estamos perante atos tributários de liquidação de IMI dos anos de 2016, 2017 e 2018 ilegais, por suportados em erros advindos da avaliação que fixou os valores patrimoniais tributários sobre os quais recaiu a liquidação, em virtude de, na referida avaliação, a AT ter aplicado indevidamente uma fórmula de cálculo não contemplada no disposto do artigo 45.º do Código do IMI, e ter relevado na mesma coeficientes multiplicadores de VPT não previstos naquele preceito legal.

 

  1. A Requerente impugna os atos de liquidação de IMI dos anos de 2016, 2017 e 2018 sobre os terrenos de construção acima identificados, com fundamento em erro nos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários sobre os quais incidiram os referidos atos tributários, referindo quanto a este aspeto que: « (…) o Código do IMI, de forma clara e expressa, prevê diferentes métodos de avaliação consoante as espécies de prédios urbanos definidas nos termos da classificação estatuída no artigo 6.º deste mesmo Código, a saber:
  1. Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços”, regulamentado no artigo 38.º e seguintes do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea a) e b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 6.º deste Código;
  2. Método de avaliação para “terrenos para construção”, regulamentado no artigo 45.º do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 6.º deste Código;
  3. Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios [urbanos] da espécie «Outros»” regulamentado no artigo 46.º do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código

 

  1. Nesta sequência, defende a Requerente que, «(…) é inegável que os coeficientes de afectação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não são aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI, mas sem prejuízo de este mesmo cálculo poder considerar elementos e características igualmente relevantes para efeitos de determinação estes coeficientes.»

 

  1. Sustenta, ainda, que « (…) conforme o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI, a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação – esta sim um dos elementos legais para efeitos de cálculo dos valores patrimoniais tributários de “terrenos para construção” –  tem em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º, disposição normativa esta que diz respeito à fixação do coeficiente de localização, estipulando que deve ter-se em consideração certas características tais como: a acessibilidade; a proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio; os serviços de transporte públicos; a localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.» e que «[a]tentas as referidas disposições normativas, bem se pode ver que o factor de localização do “terreno para construção” é, já, considerado na percentagem prevista no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI.»

 

  1. Assim sendo, «(…) a consideração do coeficiente de localização aquando do cálculo do valor patrimonial tributário de “terrenos para construção” determina que a mesma realidade fáctica (a localização) seja duplamente tida em consideração – i.e. na determinação da percentagem do valor do “terreno de implantação” – que é a percentagem legalmente prevista para efeitos de cálculo de “terrenos para construção” – e na determinação do valor patrimonial tributário considerando o coeficiente de localização per si – coeficiente este que (e bem!) não se encontra previsto como um dos elementos de cálculo do valor patrimonial tributário destes terrenos.»

 

  1. Suportando-se na jurisprudência dos nossos Tribunais, afere a Requerente que « a fórmula de cálculo / determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” não deve considerar (i) o coeficiente de localização, (ii) o coeficiente de afectação, e (iii) o coeficiente de qualidade e conforto, jurisprudência esta que foi fundamental para a recente alteração do paradigma da fórmula final que deverá ser aplicada para a avaliação dos prédios que integram a espécie de terrenos para construção, introduzida recentemente pela AT.»

 

  1. Nesta sequência, aduz que «no cálculo do correspondente valor patrimonial tributário de “terreno para construção”, deverá ser desconsiderado os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto, e adoptado, em regra geral, a seguinte fórmula de cálculo: Vt = Vc x A x % do valor das edificações autorizadas ou previstasalgo que, segundo refere, «(…)própria AT reconheceu, recentemente, o erro por si cometido ao longo dos últimos anos quanto à determinação (e avaliação) destes valores patrimoniais tributários, tendo alterado o método (ilegal) por si utilizado para estes efeitos, passando a desconsiderar, conforme os termos fixados na lei, os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto.»

 

  1. Mais referindo que, « [t]al demonstra inequivocamente que o erro de consideração dos coeficientes acima mencionados para efeitos de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” resulta única e exclusivamente de uma errónea aplicação das normas legais por parte da AT.»

 

  1. No caso em concreto, aduz a Requerente que «[n]este contexto, os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos pelo Fundo nos anos 2016, 2017 e 2018 ainda consideravam a aplicação (errónea, conforme supra demonstrado) dos coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto, existindo um erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, conforme infra demonstrado, teve repercussões prejudiciais para o Fundo quanto ao IMI devido (e pago) nos anos em apreço.»

 

  1. Menciona, ainda, que «qualquer erro nos pressupostos de facto e / ou de direito do qual resulte um erróneo cálculo dos valores patrimoniais dos imóveis sobre os quais incide o acto tributário de liquidação de IMI e que, consequentemente, faz com que seja determinado um montante de imposto, superior ou inferior ao legalmente devido nos termos das normas do Código de IMI aplicáveis, constitui um vício que fere de anulabilidade este mesmo acto tributário

 

  1. Mais, «nos casos em que sejam determinados valores patrimoniais tributários em montante superior àquele que resultaria da aplicação correcta das normas de determinação daqueles valores, e, subsequentemente, seja liquidado IMI num montante superior àquele que seria legalmente devido, tal liquidação de IMI deverá ser anulada na parte correspondente ao montante de imposto liquidado em excesso, em resultado directo de ter sido considerado, para efeitos de cálculo deste imposto, um valor de matéria tributável superior àquele que deveria ter sido verificado.».

 

  1. Anulação essa que poderá ocorrer pela aplicação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do Código do IMI, através da revisão oficiosa, porquanto « do erro na determinação da matéria tributável para efeitos de IMI – i.e. erro na determinação do(s) valor(es) patrimonial(is) tributário(s) do(s) prédio(s) – resulta, inquestionavelmente, numa colecta de imposto diferente ao legalmente devido, estando assim preenchido o requisito para a revisão oficiosa (e respectiva rectificação / anulação) das liquidações de IMI incorrectamente emitidas.»

 

  1. Refere, complementarmente que «considerando que é a AT a entidade responsável pela determinação concreta dos valores patrimoniais tributários dos prédios, tais erros nesta determinação são “erros imputáveis aos serviços” que justificam plenamente a admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa nos termos gerais do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.»

 

  1. Deste modo, entende que, no caso em concreto, «os valores patrimoniais tributários destes terrenos para construção encontram-se “sobrevalorizados”, e, nesta sequência, a colecta de IMI para cada um destes terrenos foi em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores desta matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI e não segundo a fórmula erroneamente aplicada aos terrenos pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos anos de tributação em discussão.», pelo que « é de concluir que foi efectuada uma liquidação (e pagamento) em excesso de IMI nos seguintes montantes, consoante detalhado nas Tabelas supra:
  1. Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2016, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 1.736,56;
  2. Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2017, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 1.440,42;
  3. Com referência aos actos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2018, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 1.509,63.
  1. Concluindo no sentido de que «devem os actos tributários de liquidação de IMI em apreço ser declarados parcialmente ilegais, impondo-se, em consequência, a devolução dos montantes de imposto indevidamente pagos, que ascende a 4.686,62 com todos os efeitos legais daí decorrentes.»

 

  1. Imputa, ainda, um vício de violação de lei constitucional à liquidação em causa, em virtude de « a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI deve ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP.»
  2. Peticiona a final, não só a declaração de ilegalidade do indeferimento tacitamente presumido da revisão oficiosa, mas, também, dos atos de liquidação sindicados, bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária.

 

  1. Por seu turno, sustenta a Requerida, que a Requerente não aponta qualquer erro concreto e específico aos atos de liquidação sindicados, referindo que apenas questiona o valor patrimonial tributário que os suportou, enquanto ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa do procedimento de liquidação.

 

  1. Com efeito, refere a Requerida que «os actos de fixação do VPT não são actos de liquidação, são actos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis. Aliás, o princípio da impugnação unitária é expressamente afastada neste caso pelo artigo 86.º da Lei Gral Tributária (LGT)».

 

  1. Assim sendo, invocando doutrina aduz que «ao estabelecer a sindicância directa destes actos, qualificando-os como actos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efectividade da liquidação.»

 

  1. Nesta sequência, defende que «não é nem legal nem admissível a apreciação da correção do VPT em impugnação do acto de liquidação, uma vez que nesta sede há-de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação», posição que retira da jurisprudência que enuncia.

 

  1. Sustenta que «[m]esmo que se considerasse que as avaliações em causa podiam ser anuladas com fundamento em invalidade, dado que as avaliações tidas em conta nas liquidações impugnadas tiveram origem em declarações de modelo 1 de IMI anteriores a 01-01-2021 (data da nova redação do artigo 45.º do CIMI), sempre seria de averiguar se estariam reunidos os pressupostos legais para que pudessem ser revogadas nos termos do artigo 79.º, n.º 1 da LGT.», norma legal esta que «não estabelece os pressupostos nem os prazos para proceder à revogação de um acto inválido [pelo que ] é necessário aplicar subsidiariamente as disposições legais do CPA sobre esta matéria, por forma da remissão do artigo 2.º, alínea c) da LGT.»

 

  1. Assim, e nesta sequência defende a Requerida que «a anulação administrativa é o regime adequado para proceder à anulação de um acto inválido com efeitos retroactivos. Por seu turno, o artigo 168.º, n.º 1 do CPA estabelece que os actos administrativos podem ser objecto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, desde que não tenham ocorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão.»

 

  1. Ora, no caso em concreto, afere a Requerida que «no que respeita às avaliações que fixaram os VPT que estiveram na base das liquidações impugnadas, (…) constata-se que foram efectuadas há mais de cinco anos. Deste modo, temos de concluir que foi ultrapassado o prazo legal para anular administrativamente esses actos de avaliação, com fundamento em invalidade, uma vez que já decorreu o prazo limite de cinco anos previsto no artigo 168.º, n.º 1 do CPA.»

 

  1. Conclui, assim, no sentido de que «está consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podendo os actos de liquidação ser anulados com fundamento em alegados erros nas avaliações dos prédios, pelo que a pretensão da Requerente deve ser indeferida.»

 

  1. Complementa a sua posição, mencionando que, «ao abrigo do princípio da imparcialidade e da legalidade previsto no artigo 266.º da Constituição e concretizado nos artigos 55.º LGT e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, a Administração Tributária tem de praticar os actos tributários de acordo com as normas legais aplicáveis ao caso concreto, o que fez na situação sub judice.»

 

  1. No que ao pedido de juros indemnizatórios, afere a Requerida que «atendendo a que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 26.02.2021, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios, um ano após a data da apresentação do pedido de revisão, isto é, 27.02.2022, sobre as importâncias do imposto indevidamente pagas.»

 

  1. Concluindo, assim, que «os actos impugnados não padecem de qualquer ilegalidade pelo que se impugna por infundado todo o alegado no douto pedido de pronúncia arbitral que contrarie o supra exposto, devendo ser considerada como improcedente a pretensão da Requerente e a Requerida absolvida de todos os pedidos.»

 

Questão de fundo

 

Vejamos a quem assiste razão.

 

Face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, na solução da questão em ponderação, iremos acompanhar, com as necessárias adaptações, o entendimento já sufragado na decisão arbitral do Tribunal Coletivo constituído no CAAD, presidido pela Exma. Senhora Conselheira Fernanda Maçãs, proferida no processo n.º 253/2021-T, a qual remete, por seu turno para a decisão arbitral o Acórdão do Tribunal Coletivo, igualmente, constituído no CAAD, presidido pelo Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, proferido no processo do CAAD n.º 487/2020 - T, que, com a devida vénia aqui reproduzimos na parte aplicável.

 

  1. Com efeito, resulta dos referidos arestos que:

 “… Afigura-se correcto este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Na verdade, por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).

 

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

 

Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que:

– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (nº1); e

– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (nº.7)

 

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previsto no procedimento de avaliação.

 

No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo76.º, n.º 1,do CIMI).Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT(artigo77.º,n.º1doCIMI).

 

Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

 

Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes factos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

 

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

 – de 30-06-1999, processo n.º023160;

– de 02-04-2003, processo n.º02007/02;

– de 06-02-2011, processo n.º037/11;

 – de 19-09-2012, processo n.º 0659/12

– de 5-2-2015, processo n.º08/13;

– de 13-7-2016, processo n.º0173/16;

 – de 10-05-2017, processo n.º0885/16.

 

Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI.»

 

  1. Continuam as referidas decisões, com aplicação ao presente caso, no sentido que:

«Os princípios constitucionais invocados pela Requerente, designadamente os princípios da legalidade tributária, da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da igualdade, não contendem com tal regime de impugnação autónoma dos actos de avaliação de valores patrimoniais.

 

Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação o poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS , IRC e Imposto do Selo o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

 

Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

 

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto na lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo102.º do CPPT…)”»

 

  1. Concluindo no sentido que:

«Deste modo, improcede o ponto de vista da Requerente no que respeita à impugnação de atos tributários de avaliação consolidados na ordem jurídica a 31 de Dezembro de cada ano de tributação de IMI (2015, 2016, 2017 e 2018), uma vez que há muito se encontra ultrapassado o prazo de 3 meses concedidos para o efeito.»

 

Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os Tribunais arbitrais obrigados a decidir em consonância com o direito constituído, entende-se que as liquidações de IMI em causa não poderão ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações que fixaram os valores patrimoniais dos terrenos para construção, perfeitamente consolidados à data das liquidações.»

 

  1. Na verdade, apreciando o caso concreto, constatamos que dos factos provados resulta que a Requerente não terá impugnado, nos termos do disposto no artigo 134.º do CPPT, as avaliações que deram origem ao VPT que se encontrava em vigor a 31 de dezembro de 2016, 2017 e 2018 relativamente aos terrenos para construção em apreço.

 

  1. Assim sendo, e porque quanto a estes se formou caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, não poderá vir agora, em princípio, impugnar os vícios resultantes da fixação do VPT nos atos de liquidação que sejam praticados com base nos mesmos.

 

  1. Com efeito, como sustenta doutamente a decisão arbitral do Tribunal singular do CAAD proferida no processo 40/2021 -T, «Não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, cristaliza-se a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que o “imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direção Geral dos Imposto, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita”.»

 

  1. Pelo exposto, não podem os atos de liquidação de IMI ser anulados com base nos vícios dos atos de avaliação invocados pela Requerente, dado que não foram os mesmos, objeto de impugnação tempestiva autónoma, pelo que, improcederia, por estes motivos, o pedido de pronúncia arbitral.

 

Da Revisão oficiosa

 

  1. Sucede que, a Requerente, no dia 26 de fevereiro de 2021 apresentou, nos termos do disposto nos artigos 115.º e 129.º do Código do IMI e do artigo 78.º da LGT, um pedido de revisão oficiosa junto do Serviço de Finanças de Oeiras ..., o qual, não tendo sido decidido no prazo de 4 meses previsto no artigo 57.º do mesmo diploma, presumiu-se o seu indeferimento tácito.

 

  1. Com efeito, resulta do artigo 115.º do Código do IMI sob a epígrafe “Revisão oficiosa da liquidação e anulação” que:

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:

 a) Quando, por atraso na actualização das matrizes, o imposto tenha sido liquidado por valor diverso do legalmente devido ou em nome de outrem que não o sujeito passivo, desde que, neste último caso, não tenha ainda sido pago;

b) Em resultado de nova avaliação;

c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido;

d) Quando, havendo lugar, não tenha sido considerada, concedida ou reconhecida isenção.

2 - A revisão oficiosa das liquidações, prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, é da competência dos serviços de finanças da área da situação dos prédios.

3 - Não há lugar a qualquer anulação sempre que o montante do imposto a restituir seja inferior a (euro) 10.»

 

  1. Ora, reporta-se esta norma, à revisão oficiosa de atos de liquidação de IMI e não a atos de avaliação de valores patrimoniais.

 

  1. Contudo, o artigo 78.º da LGT prevê, por seu turno, que:

«1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 – Revogado

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.  

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. 

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos. 

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.» (negrito nosso)

 

  1. Ora, conforme é referido nas decisões arbitrais do CAAD proferida pelos Tribunais Coletivos acima identificados, e que aqui acompanhamos com maior proximidade o que consta da decisão proferida no processo n.º 253/2021-T:

«Porém, o artigo 78º da LGT, nos seus nºs 4 e 5, prevê a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, com base em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

Veremos de seguida se os condicionalismos previstos nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT estão verificados por forma a admitir a revisão oficiosa, seguindo também aqui a jurisprudência vertida na Decisão arbitral proferida no processo n.º 487/2020-T.

 

Relativamente ao prazo de 3 anos, posteriores ao do ato tributário que terminam no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário, verifica-se, desde já, que relativamente ao ano de 2015 o pedido de revisão da matéria tributável já não poderia ser autorizado, uma vez que a liquidação foi emitida em 26/02/2016 e o pedido de revisão só foi apresentado em 25/11/2020, portanto extemporaneamente uma vez que o prazo para a sua apresentação terminou em 31 de dezembro de 2019.

 

No que concerne às liquidações respeitantes aos anos de 2016, 2017 e 2018, o prazo de 3 anos ainda não estava esgotado e o dirigente máximo do serviço ainda poderia autorizar o pedido de revisão da matéria tributável e consequentemente corrigir as respetivas liquidações em conformidade com a revisão autorizada.

 

Assim sendo, verificada a tempestividade do pedido teremos que apreciar se a fixação dos valores patrimoniais resultam de qualquer informação incorretamente prestada pela Requerente, relativamente à natureza dos prédios, o que não se verifica, uma vez que a avaliação foi realizada pela AT, com base numa fórmula prevista na Lei, sem qualquer intervenção da Requerente. Esta circunstância afasta qualquer comportamento negligente da sua parte.

 

Antes pelo contrário, o erro tem que ser completamente imputável à AT, na medida em que utilizou na avaliação e fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção, as normas legais aplicáveis aos prédios edificados, o que nos permite concluir que os erros apontados pela Requerente na fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção em causa, só poderão ser exclusivamente imputáveis à AT.

 

Tais erros conduziram ao apuramento de valores patrimoniais dos terrenos para construção não correspondentes ao legalmente previsto no artigo 45º do CIMI e consequentemente aos atos de liquidação de IMI desproporcionalmente superiores aos legalmente exigíveis o que se traduz em «injustiça grave ou notória», ficando, deste modo, preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 4 do artigo 78º da LGT.

 

 Aqui chegados constamos a verificação de todos os requisitos exigíveis para a revisão da matéria tributável prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, pelo que, a Requerida, ao invés de deixar operar o indeferimento tácito, deveria ter proferido despacho de deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa, com a consequente anulação parcial das liquidações respeitantes aos anos 2016, 2017 e 2018, e indeferimento do pedido, por intempestivo, relativamente às liquidações respeitantes a 2015.

 

Nesta perspetiva justifica-se a anulação do indeferimento tácito relativamente às liquidações respeitantes aos anos 2016, 2017 e 2018 e a sua consequente anulação parcial, ao abrigo do artigo 163º, nº 1 do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c) da LGT e ainda a impossibilidade de anulação da liquidação respeitante a 2015.»

 

  1. Regressando ao caso em apreço, e aplicando as normas legais da LGT e CIMI, quanto à revisão oficiosa, e a jurisprudência citada, com as devidas adaptações, constata, o presente Tribunal que, o prazo de 3 anos, previsto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, para que o dirigente máximo do serviço autorizasse a revisão da matéria tributável, quando foi apresentado tal procedimento pela Requerente (26.02.2021), já se encontrava esgotado para ao ato de liquidação de IMI referente ao ano de 2016, cuja liquidação foi emitida em 2017, se atendermos que o prazo para apresentação do pedido de revisão terminou no dia 31 de dezembro de 2020.

 

  1. Tal não sucedeu, contudo, para as liquidações de IMI dos anos de 2017 e 2018, as quais apenas terminam a 31 de dezembro de 2021 e 2022, respetivamente.

 

  1. Assim sendo, poderia e deveria o dirigente máximo dos serviços autorizar a revisão da matéria coletável e corrigir as respetivas liquidações respeitantes ao IMI dos anos de 2017 e 2018.

 

  1. De referir que, segundo, a Requerente «é a AT a entidade responsável pela determinação concreta dos valores patrimoniais tributários dos prédios, tais erros nesta determinação são “erros imputáveis aos serviços” que justificam plenamente a admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa nos termos gerais do n.º 1 do artigo 78.º da LGT»

 

  1. Com efeito, assiste-lhe razão, porquanto, no caso em concreto, constatamos, dos elementos de prova carreados para os autos – cfr. Doc. n.º 4 e 5 juntos com o pedido de pronuncia arbitral - que, a AT, na avaliação e fixação dos valores patrimoniais dos terrenos de construção em causa, datadas de 2007 e 2013 que suportaram as liquidações de IMI dos anos de 2017 e 2018, utilizou as normas legais aplicáveis aos prédios edificados, o que nos permite concluir que os erros apontados pela Requerente na fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção em causa, só poderão ser exclusivamente imputáveis à AT.

 

  1. Tais erros tiveram como resultado o apuramento de valores patrimoniais dos terrenos para construção por via de uma fórmula de cálculo ilegal, por não respeitar a prevista no artigo 45.º do CIMI, e consequentemente, originou atos de liquidação de IMI, que tal como é referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 253/2021-T são «desproporcionalmente superiores aos legalmente exigíveis o que se traduz em «injustiça grave ou notória».  

 

  1. Deste modo, é manifesto que se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo n.º 4 do artigo 78.º da LGT, pelo que, a Requerida deveria ter proferido despacho de deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa, com a consequente anulação das liquidações de IMI respeitantes aos anos de 2017 e 2018, e indeferido o pedido de revisão do ato de liquidação de IMI com referência ao ano de 2016, por extemporâneo,

 

  1. Face ao exposto, deverá ser procedente o pedido de pronuncia arbitral apresentado pela Requerente apenas quanto aos atos de liquidação de IMI dos anos de 2017 e 2018, e a sua consequente anulação, e improcedente o ato de liquidação de IMI respeitante ao ano de 2016 e a sua consequente manutenção na ordem jurídica.

 

  1. Nestes termos, procedendo (mesmo que) parcialmente o pedido de pronúncia arbitral da Requerente, com reflexo na ilegalidade da liquidação impugnada, fica prejudicado, por assegurada a eficaz tutela dos interesses desta, o conhecimento das demais questões, especialmente a de cariz inconstitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2 do Código do Processo Civil aplicável subsidiariamente ex vi do disposto no artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT. 

 

Juros indemnizatórios

 

  1. A Requerente peticiona, ainda, que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.
  2. Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do CPPT, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
  3. Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.
  4. Ora, resultando dos atos tributários impugnados a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.
  5. No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade, embora parcial, dos atos de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
  6. Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do ato é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.
  7. Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.
  8. Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, contados desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante, das liquidações ilegais, referentes ao IMI dos anos de 2017 e 2018.
  9. Contudo, é imprescindível referir, pela sua extrema importância, e de que a Requerida faz o alerta devido, que, no caso em apreço, a Requerente apresentou, no dia 26 de fevereiro de 2021, um pedido de revisão oficiosa.
  10. Com efeito, dispõe a alínea a) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT que «3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.»
  11.  Face a esta previsão legal e às circunstâncias do caso em apreço, atendendo a que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado a 26.02.2021, é manifesto que serão devidos juros indemnizatórios, um ano após a data da apresentação do pedido de revisão, ou seja, 27.02.2022 sobre o montante de € 1.440,42 e € 1.509,63 respeitantes aos atos de IMI dos anos de 2017 e 2018 respetivamente, até ao reembolso do imposto devidamente pago, calculados à taxa legal supletiva nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 4 e 35.º da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

V. DECISÃO

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim:

  1.  julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral respeitante ao pedido de anulação do indeferimento tácito presumido do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente contra as liquidações de IMI dos anos de 2017 e 2018, e a sua consequente anulação parcial, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo aplicável ex vi do artigo 2.º do LGT;
  2. Anular, em consequência, as liquidações de IMI respeitantes ao ano de 2017, no montante de € 1.440,42 e do ano de 2018, na importância de € 1.509,63, num total de € 2.960,05 sobre o qual incidirão os juros indemnizatórios calculados à taxa legal contados a partir do dia 27.02.2022 até à data do seu pagamento;
  3. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte referente à liquidação de IMI do ano de 2016, a qual será mantida na ordem jurídica, e absolvida a Requerida dos respetivos pedidos.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 4.686,62 (quatro mil, seiscentos e oitenta e seis euros e sessenta e dois cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida e Requerente, no respetivo decaimento de (63% para a Requerida e 37% para a Requerente), de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 612,00 (seiscentos e doze euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de março de 2022

***

O Árbitro

 

 

 

 

Jorge Carita