Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 325/2021-T
Data da decisão: 2022-03-20  ISV  
Valor do pedido: € 17.670,82
Tema: ISV – Liquidação pelo «método alternativo». Incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria
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SUMÁRIO: Os Tribunais Arbitrais (CAAD) são incompetentes, em razão da matéria, para apreciar a alegada omissão da AT em efetuar uma liquidação de ISV por aplicação do «método alternativo», previsto no n.º 3 do art. 11.º do CISV, em substituição de liquidação efetuada nos termos do n.º 1 da mesma norma.

 

DECISÃO ARBITRAL

A árbitra do Tribunal Singular Dra. Catarina Belim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 03.08.2021, decide o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

A..., doravante designado por “Requerente”, número de identificação fiscal...,  morada em Rua ... veio, ao abrigo do disposto no art. 99.º do CPPT, requerer, em 27.05.2021, a constituição de Tribunal Arbitral e submeter pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do ato de liquidação do Imposto sobre Veículos (“ISV”), respeitante à introdução no consumo de veículo usado, proveniente da Alemanha, da marca ..., modelo..., movido a gasolina, cilindrada ... cc, matrícula nacional ... . Foi solicitado pedido de constituição de Tribunal Arbitral com árbitro singular, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea b), 10.º e 2.º n.º 1 alínea a) “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

  1. O Requerente pretende: (i) a anulação parcial da liquidação de ISV impugnada, de forma a aplicar-se a redução da liquidação do ISV para o valor resultante da aplicação do método alternativo constante do artigo 11.º n.º 3 do CISV, na fórmula existente antes da entrada em vigor da Declaração de Retificação n.º 6/2021, de 24.02.2021, (ii) a restituição da quantia de

€ 17.670,82, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição.

 

  1. De acordo com os artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) e 6.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitra singular do Tribunal Arbitral a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 03.08.2021, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

  1. O Requerente invoca, em síntese, o seguinte:

 

“Na data em que o Requerente decidiu proceder à compra deste veículo e respetiva introdução da mesma em Portugal, estava em vigor o art. 11.º do CISV, mais propriamente, o seu n.º 3 que define a fórmula a aplicar para a liquidação do ISV através do método alternativo e que se transcreve:

 

 Fórmula que tinha sido aprovada a par da aprovação e publicação da Lei do Orçamento para 2021 – Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro.

 

A aplicação deste método alternativo na liquidação do ISV, tinha sido já introduzida com a aprovação do Código do Imposto Sobre Veículos e Código do Imposto Único de Circulação, através da Lei 22-A/2007 de 29 de junho 1, que, conforme a redação do º n 3 do art. 11 º, permitia aos sujeitos passivos deste imposto requerer a liquidação deste imposto com o recurso a este método, quando determinadas características dos veículos introduzidos em Portugal o justificasse.

 

(…) O Requerente, tendo efectuado as contas ao ISV que iria pagar através da aplicação do método alternativo, calculado pela fórmula aprovada pela Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro, optou por adquirir o veículo melhor identificado no art. 1.º.

 

Tendo, em 15.02.2021 comprado a referida viatura na Alemanha.

 

Posteriormente à compra, submeteu o pedido de homologação nacional da viatura, pedido esse que lhe foi confirmado em 15.02.2021.

 

Tendo em 16.02.2021 requerido junto dos serviços da Requerida a liquidação do ISV pelo método previsto no nº 3 do art. 11 ° do CISV. Junta cópia do requerimento - DOC.2.

 

Acontece, porém que, em 24.02.2021, o Requerente tomou conhecimento que tinha sido publicada no Diário da República, I Série, nº 38, de 24.02.2021, a Declaração de Retificação nº 6/2021, que procedeu à alegada retificação da fórmula de cálculo do método alternativo que tinha entrado em vigor com a Lei nº 75-B/2020 de 31 de dezembro.

 

Retificação que produziu efeitos retroativos à data de 1 de janeiro de 2021.

 

A alteração desta fórmula alterou radicalmente o método de cálculo do ISV através a aplicação deste método, tendo o Requerente sido confrontada que da liquidação por este método resultaria o valor de ISV a pagar de € 30.865,06.

 

Enquanto pela fórmula que estava em vigor esse valor era de € 12.093,80.

 

Perante o valor elevado que resultaria da aplicação do método alternativo através da fórmula alegadamente retificada, o Requerente requereu que o ISV referente à sua viatura fosse liquidado pelo método previsto no nº 1 do art. 11 ° do CISV, ou seja, através da aplicação da tabela de desvalorização pelo número de anos de uso do veículo.

 

Do que resultou um ISV a pagar no valor de € 29.764,62, que o Requerente pagou, conforme a DAV que junta -DOC. 3.”

 

  1. Em sede material, entende o Requerente que:
  1. a referida retificação não pode ser enquadrada como tal, pois não preenche os requisitos do art. 5.º da Lei n.º 74/98 de 11 de novembro, com a redação introduzida pela Lei n.º 43/2014 de 11 de julho, na medida em que não se trata de um “lapso gramatical, ortográfico, de cálculo ou de natureza análoga ou para correção de erros materiais provenientes de divergências entre o texto original e o texto do diploma publicado”. Pois que a fórmula publicada e aprovada reproduz na íntegra a que constava das propostas apresentadas e votadas sem apresentar qualquer erro de transcrição;
  2. a alegada retificação da fórmula mais não é do que uma alteração do art. 11.º do CISV, alteração essa efetuada ao abrigo de uma intitulada retificação, proposta pela Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares e aprovada pela Comissão de Orçamento e Finanças, órgãos que não têm competência para promover nem para aprovar uma alteração legislativa;
  3.  a alteração desta fórmula padece de um vício de inconstitucionalidade orgânica, pois promoveu uma alteração legislativa em matéria de competência relativa da Assembleia da República – art. 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP. Padece igualmente de uma inconstitucionalidade material, face aos efeitos retroativos que lhe foram atribuídos – art. 103.º, n.º 3, da CRP;
  4. o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, expressamente consagrados no art. 2.º da CRP, enquanto princípios classificadores do Estado de Direito, foram grosseiramente violados com a atribuição dos efeitos pretendidos a esta alegada retificação;
  5. mesmo que se considerasse que a retificação da fórmula era admissível, o certo é que a aplicação desta fórmula esvazia por completo a aplicação do método alternativo, pois da mesma resultaria sempre a liquidação de um ISV, sejam quais forem as características dos veículos em questão, muito superior ao que resulta do obtido através da aplicação do método tradicional previsto no n.º 1 do art. 11.º do CISV. O que traduz mais um incumprimento por parte do Estado Português do art. 110.º do TFUE.

 

  1. A Requerida apresentou resposta no dia 22.09.2021, tendo-se defendido por exceção e por impugnação.

 

  1. Invoca em síntese que:

Por exceção:

  1. A Requerente vem suscitar uma questão que se prende com a natureza e conformidade jurídico-constitucional da Declaração de Retificação n.º 6/2021 e, concomitantemente, do artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento para 2021), que alterou o artigo 11.º do CISV;
  2. No presente caso, não é impugnado qualquer ato de liquidação resultante da aplicação do preceito legal sobre o qual se pretende ver exercido um escrutínio de legalidade;
  3. A liquidação que resultou da DAV n.º 2021/... foi efetuada por aplicação do n.º 1 do artigo 11.º e não ao abrigo do n.º 3 do mesmo artigo do CISV, independentemente de a sua redação ser a inicial ou a versão resultante da Declaração de Retificação n.º 6/2021;
  4. O teor do pedido de pronúncia arbitral e sua fundamentação extravasa o âmbito da ação arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a “atos de liquidação de tributos”, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa;
  5. A incompetência material do tribunal arbitral consubstancia uma exceção dilatória, nos termos da alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC), impeditiva do conhecimento do mérito da causa, implicando a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 99.º e n.º 2 do artigo 576.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Por impugnação

  1. O artigo 11.º do CISV veio a ser alterado, recentemente, pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2021);
  2. O Requerente no pedido de pronúncia arbitral pretende a aplicação da fórmula de cálculo do método alternativo inicialmente publicada em 31.12.2020, e que continha um erro na fórmula, lhe seria mais favorável, razão pela qual vem agora requerer que a liquidação seja efetuada com recurso ao método alternativo previsto no n.º 3 do artigo 11.º;
  3. O Requerente peticiona a anulação parcial da liquidação efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, a qual foi por ele requerida conforme requerimento enviado por email dirigido à alfândega, no qual desistiu de modo expresso e inequívoco do pedido no sentido de pretender ver aplicado o método de avaliação previsto no n.º 3 do mesmo artigo;
  4. O Requerente nem sequer invoca a ilegalidade da liquidação até porque a liquidação foi efetuada nos termos da lei em vigor à data da introdução no consumo do veículo, de acordo com a redação do n.º 1 do artigo 11.º, atualmente em vigor, que prevê percentagens de redução para as duas componentes; Não podendo, por conseguinte, sequer, ser-lhe imputado qualquer vício de violação do direito da União Europeia, mormente do artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, por não ter sido aplicada a redução de anos de uso à componente ambiental, porque a nova redação do n.º 1 do artigo 11.º, já prevê na Tabela D percentagens de redução para a componente ambiental.

 

  1. O Requerente foi convidado, por despacho de 19.10.2021: (i) a pronunciar-se sobre a matéria de exceção invocada pela Requerida (ii) a confirmar, face ao conteúdo da resposta da AT, se prescindia da prova testemunhal solicitada no pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. O Requerente respondeu à matéria de exceção por requerimento de 28.10.2021. Indica que, ao contrário do invocado pela Requerida, não pretende obter a suspensão da eficácia de um ato legislativo mas sim a declaração de ilegalidade da liquidação do imposto em causa – violação do Direito Europeu que prevalece, nos termos do art.º 8.º da CPR, sobre o direito nacional – dentro das competências do Tribunal Arbitral.

 

  1. Por requerimento da mesma data, o Requerente prescindiu da produção de prova testemunhal atendendo a que não foi impugnada matéria de facto na resposta da AT.

 

  1. Em 04.11.2021 a Requerida apresentou requerimento de junção aos autos da decisão arbitral proferida no processo 117/2021-T, por versar sobre idêntica matéria.

 

  1. Em 11.11.2021 foi dado contraditório ao Requerente quanto ao conteúdo do requerimento da Requerida de 04.11.2021. O Requerente não se pronunciou sobre o mesmo.

 

  1. Em 31.01.2022, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e por não existir produção de prova adicional. Foi ainda prorrogado o prazo da decisão por dois meses, devido à tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e infeção por COVID-19 da árbitra e seus familiares diretos.

 

  1. Saneamento

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas.

 

  1.  O tribunal arbitral não é materialmente competente para apreciar o presente pedido de pronúncia – pedido principal (vide ponto IV).

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

A.       Factos provados

 

  1. O Requerente introduziu em Portugal um veículo automóvel de marca ..., com primeira matrícula registada na Alemanha.

 

  1. Ao proceder à declaração aduaneira de tal veículo o Requerente solicitou a que a liquidação do imposto fosse feita segundo o «método alternativo» previsto no nº 3 do art. 11 do CISV em 16.02.2021 (DOC.2 do ppa).

 

  1. Em 24.02.2021, o Requerente tomou conhecimento que tinha sido publicada no Diário da República, I Série, nº 38, de 24.02.2021, a Declaração de Retificação nº 6/2021, que procedeu à alegada retificação da fórmula de cálculo do método alternativo que tinha entrado em vigor com a Lei nº 75-B/2020 de 31 de dezembro (com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2021).

 

  1. Na medida em que a nova fórmula de cálculo do método alternativo agravava o valor do ISV a pagar, o Requerente requereu que o ISV referente à viatura fosse liquidado pelo método previsto no artigo 11.º n.º 1 do CISV ((DOC.3 do ppa).

 

  1. Foi emitida pela Alfândega do Freixieiro a liquidação ora impugnada, ao abrigo da DAV n.º 2021/..., com base no método do artigo 11.º n.º 1 do CISV.

 

  1. O ISV liquidado naquela DAV foi pago pelo Requerente, no valor de € 29.764,62.

 

B.      Factos não provados

 

  1. Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

C.      Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

  1. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

  1. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.

 

  1. DO DIREITO E DO MÉRITO

 

Da exceção de incompetência material do tribunal arbitral

 

  1. Na sua Resposta, a Requerida invocou a exceção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, por entender que, no caso destes autos, “não é impugnado qualquer ato de liquidação resultante da aplicação do preceito legal sobre o qual se pretende ver exercido um escrutínio de legalidade. De facto, a liquidação que resultou da DAV n.º 2021/..., foi efetuada por aplicação do n.º 1 do artigo 11.º e não ao abrigo do n.º 3 do mesmo artigo do CISV, independentemente de a sua redação ser a inicial ou a versão resultante da Declaração de Retificação n.º 6/2021.”

 

  1. Na sua resposta à referida exceção, o Requerente afirma que, ao contrário do alegado pela Requerida, a pretensão do Requerente não visa a suspensão ou declaração de ilegalidade de um ato legislativo, mas sim a declaração da ilegalidade da liquidação do imposto por si pago.

 

  1. Ficou provado que a liquidação de ISV aqui em causa, consubstanciada na DAV n.º 2021/..., foi efetuada nos termos do método previsto no artigo 11.º n.º 1 do CISV.

 

  1. O pedido principal do Requerente visa a anulação parcial desta DAV n.º 2021/... “de forma a aplicar-se a redução da liquidação do ISV para o valor resultante da aplicação do método alternativo constante do artigo 11.º n.º 3 do CISV, na fórmula existente antes da entrada em vigor da Declaração de Retificação n.º 6/2021, de 24.02.2021”.

 

  1. Resulta assim evidente que o que está em causa não é a mera anulação da liquidação impugnada com fundamento em ilegalidade, mas sim a pretensão do Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada.

 

  1. Ora esta posição do ora Requerente não encontra suporte legal porque, como bem se refere na Decisão Arbitral de 29/10/2021, proferida no Proc. n.º 117/2021-T: i) resulta do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 11.ºdo CISV que “a liquidação do CISV seja feita sempre com base nas regras gerais, podendo o interessado, posteriormente, requerer que a mesma seja feita por aplicação do n.º 3 do art. 11.º (o chamado «método alternativo»)”; ii) “a lei é expressa na previsão da existência de duas liquidações, na obrigatoriedade de ser feita uma primeira liquidação segundo as regras previstas no n.º 1 do art. 11.º do CISV”; iii) se o Requerente não invoca ilegalidades da liquidação «provisória» efetuada tal como previsto no n.º 1 do art.11.º do CISV, então é “evidente o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão da Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada”.

 

  1. A pretensão de que seja emitida outra liquidação não se insere no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais, limitados à “anulação” do ato tributário ilegal e não à sua substituição ou reforma (poderes esses mais amplos próprios, “strictu sensu”, dos tribunais administrativos). A competência deste tribunal arbitral (e do contencioso tributário em geral) é apenas a de apreciar a legalidade de liquidações de tributos, tal como previsto pelo n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, com base nos vícios arguidos (pelas partes) que conduzam à sua anulação (cfr. art. 124.º n.º 1 do CPPT).

 

  1. Assim sendo, conclui-se, que assiste razão à Requerida quando invoca a exceção de incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria (quanto ao pedido principal).

 

  1. Nos termos do nº 1 do art. 16 do CPPT, a infração das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, sendo que, para além do mais, segundo o seu n.º 2, a incompetência absoluta é de conhecimento oficioso.

 

  1. Este Tribunal considera procedente a exceção dilatória invocada, em conformidade com o disposto no artigo 577.º, al. a), do CPC (aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT), com a consequente absolvição da Requerida da instância (vd. artigos 99.º, n.º 1, e 576.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. Concluindo-se pela incompetência absoluta do tribunal, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no processo.

 

  1. DECISÃO

 

Absolve-se a Requerida da instância, por incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria.         

 

  1. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária
fixa-se ao processo o valor de € 17.670,82.

 

  1.  CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

CUSTAS pela Requerente, uma vez que foi total o seu decaimento.

 

Notifique.

Lisboa, 20 de março de 2022

 

(Catarina Belim)