Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 44/2021-T
Data da decisão: 2022-03-14  IRC  
Valor do pedido: € 1.852.643,88
Tema: IRC/2016 - Banco - Perdas por imparidades - Atividade normal - Artigos 28º-A, 28º-C e 64º, do CIRC - Resultado tributário - Artigo 64º-3/b), do CIRC.
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SUMÁRIO: I - A concessão de suprimentos e a realização de prestações acessórias às sociedades participadas, não são operações subtraídas à ou excluídas da atividade normal bancária para efeitos do disposto nos  artigos 28º-A e 28º-C, do CIRC/2016. II - As perdas por imparidade verificadas nos suprimentos e prestações acessórias àquelas participadas, cumprem, em consequência do referido em I,  os requisitos legais de integração no conceito de “aplicações decorrentes da recuperação de créditos resultantes da atividade normal” previsto no artigo 28º-A/1 e 2 e 28º-C/2 e 5, do CIRC. III - É de considerar, para efeitos da determinação do resultado tributário na transmissão de imóveis, o VPT definitivo à data da aquisição pelo Requerente, através de dação em pagamento e de arrematação judicial, nos termos dos artigos 64º/3-b), do CIRC e das Regras previstas no artigo 12º-4, do CIMT e não o VPT definitivo à data da alienação desses imóveis. IV - Na resolução do contrato de locação financeira, o locador recupera a propriedade plena do imóvel e, consequentemente, o valor tributário a considerar para determinação do resultado tributário na respetiva transmissão (artigo 64º-3/b), do CIRC) será o correspondente ao das rendas vincendas à data da rescisão antecipada do contrato.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A..., S.A., sociedade com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., com sede na Rua..., n.º ..., no Porto (...-...) (adiante, abreviada e conjuntamente, designado por “Requerente”), notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que tempestivamente apresentou contra a liquidação de  IRC  n.º 2020... e demonstração n.º 2020... relativas ao ano de imposto de 2016, e demonstração n.º 2020... relativas ao ano de imposto de 2016, apresentou pedido arbitral visando a anulação da mencionada liquidação adicional de IRC e do despacho de indeferimento parcial da sobredita reclamação graciosa.
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também designada somente por “Requerida” ou “AT”).
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
  4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou  como árbitros do tribunal arbitral coletivo o Juiz José Poças Falcão,  o Dr. José Eduardo Mendonça da Silva Gonçalves e o Dr. António Franco (após substituição de dois árbitros que haviam sido nomeados mas que renunciaram justificadamente  às funções no decurso do processo) que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  5. As partes foram devida e regulamentarmente notificadas dessa designação, aceitando-a (Cfr artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 21-5-2021.
  7. Em virtude das citadas sucessivas e justificadas renúncias às funções por dois dos árbitros anteriormente designados, foram, pelo Conselho Deontológico do CAAD, desencadeados os respetivos processos de substituição desses árbitros por despachos de 6-10-2021 e 24-11-2021 e em razão do que foi determinada a suspensão da instância entre 8-10-2021 e 5-11-2021 e 24-11-2021 e 16-12-2021.
  8. O prazo regulamentar para prolação e notificação da decisão, previsto no artigo 21º-1, do RJAT foi também cautelarmente prorrogado por despachos de 5-11-2021 e 16-12-2021.

Posição do Requerente

  1. Pede o requerente a anulação da liquidação adicional de IRC em apreço, nos termos do artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d), do CPPT, assim como do despacho de indeferimento da respetiva reclamação graciosa e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 24.º, n.º 5, do RJAT.
  2. Alega no essencial e em síntese, que:
  1. É uma instituição de crédito que se dedica principalmente à atividade de comércio bancário, sujeito à supervisão do Banco de Portugal de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), previsto no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro;
  2. Com referência ao exercício de 2016 e ao ato tributário melhor identificado no introito, na sequência de exame realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes à escrita do Requerente relativa àquele exercício, foram propostas diversas correções em sede de IRC, de Imposto do Selo (“IS”) e de Imposto sobre o valor Acrescentado (“IVA”), conforme se constata do respetivo projeto de relatório de inspeção tributária que se junta como documento n.º 2.
  3. Por Ofício n.º..., de 28.11.2019, o Requerente foi notificado para, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e do Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária (“RCPIT”), exercer o direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção tributária, o que fez, por escrito, em 20.12.2019, conforme documento n.º 3.
  4. Após o exercício do direito de audição supramencionado, o Requerente foi notificado, por Ofício n.º... de 02.01.2020, com entrada nos serviços no dia 08.01.2020, do relatório final de inspeção tributária cuja cópia se junta como documento n.º 4.
  5. Conforme se constata da análise do respetivo relatório final de inspeção tributária, as correções efetuadas com referência ao exercício de 2016 foram as seguintes:

Ponto

Descrição da Correcção

Montante €

 
 

III.

1.1

CORREÇCÕES À MATÉRIA COLETÁVEL - IRC

 

 

III.

1.1.1.

Perdas por imparidade em ativos não financeiros fiscalmente não dedutíveis (art. 28.º - A.º e n.º 5 do art 28.º-C, ambos do CIRC)

413.901,32

 

III.

1.1.2.

Realizações de utilidade social não dedutíveis (art. 43.º do CIRC)

58.051.866,65

 

III.

 

 

 

 

 

 

1.1.3.

 

 

 

 

 

 

Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato  (alínea a) do nº3 do art. 64.º do CIRC)

 

 

A – Imóveis em que o sujeito passivo acionou o procedimento previsto no art.º 139.º do CIRC

2.921.637,20

 

B – Imóveis em que o sujeito passivo não acionou o procedimento previsto no art.º 139.º do CIRC

29.568,32

 

III.

1.1.4.

Correções relativas a períodos de tributação anteriores por reversão de perdas por imparidade tributadas, associadas a créditos desreconhecidos do ativo em anos anteriores, recuperados em 2016 (n.º 2 do art. 18.º do CIRC)

-102.506,37

 

III.

1.1.5.

Provisão para riscos gerais de crédito (art. 28.º - A.º a 28.º-C do CIRC)

-5.561.320,24

 

III.

1.1.6.

Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão (alínea b) do n.º 3 do art. 64.º do CIRC)

 

 

 

 

Recuperação Habitação e Outros

4.329.379,67

 

 

 

Recuperação de Leasing e recuperação de Leasing - outros

2.018.193,03

 

III.

1.1.7.

Perdas por imparidade em créditos e benefícios pós emprego ou a longo prazo de empregados dedutíveis com o limite do montante do lucro tributável, calculado antes da dedução destes gastos e variações patrimoniais negativas (n.º 1 do art.º 4.º do REAID)

-25.775.485,01

 

 

 

IRC - Total das Correcções à Matéria Coletável

36.325.234,57

 

III.

 

IMPOSTO EM FALTA

 

III.

2.1.

Tributação Autónoma (derrogação da aplicação do n.º 14 do art. 88.º do CIRC)

-967.895,36

 

 

IRC - Total de Imposto em Falta

-967.895,36

 

 

Resumo das correções efetuadas pelos SIT no Relatório de Inspeção

Imposto do Selo

Ponto do Relatório

Descrição

Montante

III.2.2.1

Taxa de serviço do Comerciante

€ 471.467,57

III.2.2.2

Taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s

€ 1.032.173,07

Total

€ 1.503.640,64

 

Resumo das correções efetuadas pelos SIT no Relatório de Inspeção

Imposto sobre o Valor Acrescentado

Ponto do Relatório

Descrição

Montante

III.2.3.1

Regularizações indevidas a favor do sujeito passivo – campo 40 da declaração Periódica

€ 750.675,11

Total

€ 750.675,11

  1. Na sequência de tais correções, o Requerente foi notificado, em 05.02.2020, do ato tributário de liquidação, que apura um montante de IRC a reembolsar de € 18.623.278,68.
  2. Não obstante a liquidação se mostrar favorável ao sujeito passivo, o Requerente não se conforma com as correções supra, identificadas nos pontos III.1.1.1, III.1.1.2, III.1.1.3 (apenas quanto aos imóveis em que o sujeito passivo acionou o procedimento previsto no art.º 139.º do CIRC) e III.1.1.6, do relatório de inspeção tributária (cf. quadro constante do artigo 11.º supra).
  3. Destarte, o Requerente deduziu contra o mencionado ato de liquidação reclamação graciosa, solicitando ainda o reconhecimento como custos fiscais, em IRC, das correções de IVA e IS decorrentes da mesma inspeção tributária, já antes peticionadas em sede de direito de audição quanto ao projeto de inspeção tributária (cf. quadro constante do artigo 11.º supra), cuja cópia se junta como documento n.º 5.
  4. O Requerente foi notificado do projeto de indeferimento da Unidade dos Grandes Contribuintes, cfr. cópia da notificação, que se junta como documento n.º 6.
  5. Tendo exercido o seu direito de audição respetivo, cuja cópia se junta como documento n.º 7.
  6. Por fim, foi notificado do despacho de indeferimento da referida reclamação graciosa.
  7. Vem por isso o Requerente pelo presente submeter um pedido de pronúncia arbitral quanto às correções identificadas nos pontos III.1.1.1, e III.1.1.6 (sublinhado do Tribunal), nos termos que se seguem.
  8. Quanto às correções identificadas nos pontos III.1.1.2 e III.1.1.3 (apenas quanto aos imóveis em que o sujeito passivo acionou o procedimento previsto no art.º 139.º do CIRC), assim como o reconhecimento como custos fiscais, em IRC, das correções de IVA e IS decorrentes da mesma inspeção tributária, será submetida uma impugnação judicial na presente data nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

 

Da (não) dedutibilidade das perdas por imparidades em ativos não financeiros. Atividade normal. Suprimentos e prestações acessórias

 

  • A AT procedeu com base no entendimento de que as perdas por imparidade relativas a suprimentos e prestações acessórias, constituídas no período de tributação de 2016, não integrariam o conceito de “aplicações decorrentes da recuperação de créditos resultantes da atividade normal” e que, como tal, não devem ser fiscalmente aceites nos termos do disposto nos artigos 28.º-A e 28.º-C, n.º 3, do Código do IRC.
  • Todavia, ao contrário do entendimento da AT, é hoje assente que o cômputo da atividade exercida pelas instituições de crédito é mais amplo do que a tradicional receção de depósitos e concessão de crédito, sendo o artigo 4.º do RGICSF elucidativo desta amplitude porquanto, no escopo da atividade bancária e a título de exemplo, a tomada de participações sociais, com implicações no envolvimento do sócio na sua capitalização, seja por via de prestações acessórias, seja de suprimentos.
  • A “normalidade” a que o legislador tributário se refere nos artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC deve, pois, ser aferida em face do que é expetável e regular face à atividade exercida pela empresa.
  • E a atividade normal do Requerente envolve todas as atividades bancárias para as quais se encontra vocacionado e, naturalmente, autorizado.
  • Não tem fundamento a posição da AT ao considerar que estamos perante “atos ocasionais e isolados, alheios à atividade bancária  (cfr. p. 10/20 do documento n.º 6).
  • “(...) No caso dos suprimentos e prestações acessórias atribuídos à B..., S.A., à C... SGPS, S.A., à D..., SGPS, S.A. e à E... SGPS, S.A., como o demonstram os respetivos contratos e acordos celebrados entre o Requerente, os demais bancos envolvidos e aquelas sociedades (Cf., respetivamente, Anexos I, II, III e IV do documento n.º 3), estava em causa a reestruturação financeira e societária de sociedades participadas por aqueloutras sociedades, quais sejam, a F..., S.A., G..., S.A., H..., SGPS, S.A. e os Grupos I..., J... e K..., respetivamente (...)”.
  •  Em todos os casos considerou-se que as empresas participadas tinham potencial de desenvolvimento e de valorização, sendo inegável o interesse do Requerente no processo de reestruturação financeira e societária das mesmas, designadamente ao nível da recuperação dos créditos que  (o requerente) detinha nessas sociedades.
  •  Já no caso da sociedade L..., Lda. (L...), estão em causa perdas por imparidades reforçadas pelo Requerente durante o exercício de 2016 tendo por base a perda de valor daquela sociedade (cf. Anexo VI do documento n.º 3).
  • Em novembro de 2016, a L... procedeu à alienação do edifício sito em Paço d’Arcos pelo montante de € 5.200.000,00.
  • Em face de todo o exposto, conclui-se que os suprimentos e as prestações acessórias em apreço integram o conceito de atividade normal do Requerente.
  • Por outro lado, a imposição da constituição de provisões para menos valias de outras aplicações decorre do Aviso n.º 3/95, de 30 de junho, do Banco de Portugal, o qual dispõe no seu n.º l, parágrafo 2.º, alínea e), que “As instituições de crédito e as sociedades financeiras, incluindo as sucursais de instituições com sede em países não pertencentes à União Europeia, umas e outras adiante designadas por instituições, são obrigadas a constituir provisões, nas condições indicadas no presente aviso, com as seguintes finalidades: e) Para menos-valias de outras aplicações (...)”.
  •   Deste modo, da conjugação do disposto no artigo 28.º-A do Código do IRC com o disposto no Aviso n.º 3/95, de 30 de junho, do Banco de Portugal, decorre a obrigatoriedade de constituição de perdas por imparidade/provisões para menos-valias de outras aplicações e consequente dedutibilidade fiscal.
  • Para efeitos do cálculo das perdas por imparidade/provisões para menos-valias de outras aplicações preceitua o parágrafo 1.º do n.º 11 do Aviso n.º 3/95, de 30 de junho, do Banco de Portugal, que tais provisões “(...) devem corresponder ao total das diferenças apuradas entre o custo das aplicações, nomeadamente as decorrentes da recuperação de créditos, e o respectivo valor de mercado, quando este for inferior àquele.”, disposição aquela que o artigo 28.º-C do Código do IRC reproduz quando este remete para o Aviso do Banco de Portugal ao estabelecer no seu n.º 5 que “O regime constante do presente artigo, em tudo o que não estiver aqui especialmente previsto, obedece à regulamentação específica aplicável”.
  • Conclui no sentido de que o artigo 9.º, n.º 2, do RGICSF é uma norma que vem, precisamente, permitir a concessão de suprimentos pelas instituições financeiras atenta a exclusão, por via normativa, do conceito de operações de crédito.

Da  correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT para a determinação do resultado tributário - € 6.347.572,70 (artigo 64.º do Código do IRC e regras 5.ª e 16ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT):

  1.  O Requerente deduziu no campo 772 do quadro 07 da declaração periódica de rendimentos referente ao exercício de 2016 uma quantia de € 6.347.572,70, a título de correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário (“VPT”) definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão, nos termos da al. b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC; todavia, ...
  2. ...os serviços de inspeção tributária discordam dos valores apurados pelo Requerente, decorrentes da adoção do VPT definitivo, promovendo a reversão da referida correção no montante de € 6.347.572,70 (€ 4.329.379,67 relativos a “Recuperação Habitação e Outros”, acrescidos € 1.218.454,71 e € 799.738,32 relativos a “Recuperação de Leasing”, no primeiro caso relativamente a “imóveis objeto de contratos de locação financeira imobiliária celebrados em 2016” e no segundo caso “outras situações”)  – cfr. p. 42/175, p. 43/175 e p. 45/175 respetivamente do Documento n.º 4.
  3.  Entendem os serviços de inspeção tributária que “nos casos em que os imóveis foram adquiridos por dação em pagamento, o valor patrimonial tributável a considerar será o que se encontrava legalmente determinado à data de aquisição daqueles e que serviu (ou serviria) de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (VPT ou quantia em dívida) e...
  4. ...por outro lado, se os imóveis foram arrematados judicialmente o valor tributável corresponderá ao valor da arrematação e que serviu (ou serviria) de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis” (cf. p. 42/175 do documento n.º 4)
  5. Entende ainda a AT, para os casos em que os imóveis foram adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, “o valor de aquisição dos bens imóveis a considerar deverá ser o valor da transmissão onerosa ocorrida no momento em que o banco efetuou a aquisição do imóvel e não o valor das rendas vincendas aquando da rescisão do contrato por parte do locatário.” (cf. p. 45/175 do documento n.º 4)
  6. No que concerne os casos em que os imóveis foram adquiridos por dação em pagamento ou arrematação judicial conforme os serviços de inspeção tributária bem observam, o Requerente considerou como valor de aquisição o valor constante do título aquisitivo ou escritura de dação ou auto de adjudicação do imóvel, comparando-o com o VPT definitivo à data da alienação.
  7. Para efeitos de determinar se, relativamente a estes imóveis, havia lugar à correção prevista no artigo 64.º do Código do IRC, o Requerente considerou como valor de aquisição o valor constante da escritura de dação ou do auto de adjudicação do imóvel, comparando-o com o valor patrimonial tributário definitivo à data. Quando o valor de aquisição era inferior ao valor patrimonial tributário do imóvel, o Requerente procedeu à dedução da diferença.
  8. Os serviços de inspeção tributária consideram que a referida dedução era indevida, considerando que “(...) o valor tributável para efeitos de apuramento do IMT está previsto no art.º 12.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT);  O n.º 1 do art.º 12.º do CIMT dispõe que “[o] IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior(cf. pp. 41/175 e 42/175 do documento n.º 4) e...
  9. ... tendo em consideração as regras 5.º e 16.º do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT, que “(...) nas transmissões por meio de dação de bens em pagamento, o imposto é calculado sobre o seu valor patrimonial tributário, ou sobre a importância da dívida que for paga com os bens transmitidos, se for superior” (n.º 4 regra 5.ª) ou, nos casos em que são adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, pelo preço constante do ato ou do contrato (n.º 4 regra 16.ª) (cf. pp. 42/175 do documento n.º 4)...
  10. ...“[n]estas situações dos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, ou mediante arrematação judicial ou administrativa, o legislador não precisa de acautelar ou prevenir o perigo de evasão ou fraude fiscal uma vez que tais imóveis foram adquiridos aos órgãos da administração pública, tratando-se deste modo de uma exceção à regra geral plasmada no art.º 64.º do CIRC (cf. pp. 42/175 do documento n.º 4)...
  11. ... concluindo que “sempre que se estiver perante: (...) imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias Locais, ou mediante arrematação judicial ou administrativa, o valor que serviu de base à liquidação do IMT, conforme consta expressamente da redação do art.º 64.º do CIRC, não é o VPT definitivo, mas sim o valor constante do ato ou do contrato, de acordo com a regra 16.ª do n.º 4 do art.º 12.º do CIMT” (cf. pp. 42/175 do documento n.º 4). Todavia,
  12. ... o ato tributário em crise padece de vício de violação de lei por errónea interpretação do disposto no artigo 64.º do Código do IRC porquanto só este procedimento se coaduna e exprime a vontade do legislador: a lei não consagra a adoção do valor patrimonial tributário definitivo à data da aquisição do imóvel; tal exigência não se encontra expressamente prevista nem sequer é inferível da letra da lei, co0nsagrando esta expressa e tão somente a adoção do valor patrimonial tributário definitivo.
  13.  Quando o legislador tributário alude no artigo 64.º do Código do IRC ao conceito de Valor Patrimonial Tributário Definitivo, está a referir-se a um conceito perfeitamente identificado, isto é, pretende que seja considerado o valor definitivo resultante das novas regras objetivas de avaliação previstas no Código do IMI: a remissão para esse conceito é perfeitamente identificável, desde logo, por força do elemento histórico de interpretação, uma vez que o referido artigo foi aditado ao Código do IRC pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, aquando da reforma da tributação do património.
  14. Estabelece o n.º 1 do aludido artigo 64.º do Código do IRC que “Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto” (sublinhado nosso).
  15. Por sua vez, o n.º 2 do mesmo preceito legal determina que “sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável” (sublinhado nosso).
  16. Aliás, com a alteração de redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 159/2009 ao referido artigo, veio estabelecer-se no n.º 3 que, para o adquirente, deixa de haver qualquer flexibilidade na consideração ou não do VPT definitivo, passando a estar obrigado a adotar “(…) o valor patrimonial definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel (...)”.
  17. O referido Decreto-Lei n.º 159/2009 aditou também o n.º 5 ao artigo 64.º do Código do IRC estabelecendo que no caso do VPT definitivo ser superior ao valor do contrato, “(...) o sujeito passivo adquirente deve comprovar no processo de documentação fiscal previso no artigo 130.º, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3, o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel (…)”.
  18. Decorre, assim, dos citados normativos que, para efeitos de apuramento do lucro tributável em IRC, deve o sujeito passivo considerar como valor relevante dos imóveis o respetivo valor patrimonial tributário definitivo, sempre que este seja superior ao valor do contrato.
  19. se o VPT definitivo pode ou não servir para determinar o lucro fiscal do alienante, consoante este proceda à demonstração do preço efetivo de venda ou não o faça, já no que se refere ao adquirente, está sempre obrigado a considerar como valor de aquisição para efeitos fiscais o VPT definitivo.
  20. A administração tributária, apoiando-se na expressão “valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as Transmissões onerosas de imóveis (IMT)”, constante do artigo 64.º, n.º 1, do Código do IRC, alega que o valor relevante é o valor do contrato, por aplicação da regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT.
  21. Contudo, o artigo 12.º do Código do IMT não fornece o conceito de valor patrimonial tributário definitivo, mas antes estabelece as regras aplicáveis à determinação do valor tributável para efeitos de IMT.
  22. Ora, sendo certo que o artigo 64.º do Código do IRC não se refere ao valor tributável para efeitos de IMT nem às regras próprias deste imposto, ao contrário do que sucede, por exemplo, no caso no n.º 2 do artigo 46.º do Código do IRS, mas antes ao valor patrimonial tributário definitivo que serviu de base à liquidação daquele imposto, e tendo presente que, de acordo com o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, ex vi artigo 11.º, n.º l, da LGT, na interpretação da Lei deve o intérprete presumir que o legislador “(...) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, é o conceito de valor patrimonial tributário definitivo que se impõe relevar, ou seja, o valor que resulta das novas regras de avaliação, sendo que tal conceito se encontra  definido no Código do IMI, não obstante ser utilizado pelo Código do IMT, assim como pelo Código do Imposto do Selo.
  23. Com efeito, prevê o artigo 7.º, n.º 1, do Código do IMI que “O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do presente Código
  24. Por sua vez, os artigos 38.º a 46.º do mesmo código fixam as regras de determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos, o qual apenas se torna definitivo se, relativamente ao mesmo, não for apresentado um pedido de segunda avaliação (cf. artigo 76.º do Código do IMI) ou, sendo tal pedido apresentado, com a notificação do resultado da segunda avaliação.
  25. De facto, e por forma a que não restem dúvidas, importa reiterar que, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, “O sujeito passivo adquirente adopta o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel” (sublinhado nosso).
  26. É inegável, pois, que a intenção do legislador foi a de que o adquirente adotasse na determinação do lucro tributável o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, que se encontra definido no Código do IMI.
  27. A referência no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC às “transmissões onerosas previstas no número anterior” não obsta a esta conclusão.
  28. Com efeito, não pode considerar-se que, por se referir às “transmissões onerosas previstas no número anterior”, se pretenderia com tal expressão, conjugada com a redação do n.º 1 do artigo 64.º do Código do IRC, relevar o valor tributável para efeitos de IMT.
  29. De facto, esta menção tem um propósito meramente circunstancial, qual seja, o de circunscrever o âmbito de aplicação da norma às transmissões onerosas de direitos reais sobre bens imóveis (e não a quaisquer outras).
  30. O legislador poderia ter remetido para o valor tributável para efeitos de IMT, mas não o fez, limitando-se antes a  prever que sempre que o valor do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, seria este o valor a considerar pelo adquirente do imóvel.
  31.   tendo em conta que no caso concreto o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis identificados no relatório de inspeção tributária era superior ao valor de aquisição constante dos respetivos atos de transmissão, ao relevar o primeiro para efeitos da determinação do lucro tributável, o Requerente agiu no estrito cumprimento dos n.ºs 2 e 3 do artigo 64.º do Código do IRC.
  32. Por último, importa notar que a posição do Requerente já foi subscrita por jurisprudência arbitral, designadamente pela decisão proferida no âmbito do processo n.º 105/2019-T, de 26-09-2019, onde se elucidou que (destaques e sublinhados nossos):

“Não se vê, de todo o modo, a que título é que esta regra específica da determinação do valor tributável para efeitos de IMT opera a derrogação do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, implicando o afastamento da fórmula que aí se encontra prevista para determinar o lucro tributável em IRC quando haja lugar à transmissão onerosa.

Compreende-se que nas situações consideradas na falada norma da subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT não subsistam as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transações, pelo que não se torna necessário comparar o valor declarado com o valor patrimonial (cfr. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e o Selo, Coimbra, 2010, pág. 211). No entanto, a ratio legis que torna justificável essa solução para a fixação do valor tributável em IMT não tem de ser transposta para as correcções a efectuar no âmbito do apuramento do lucro tributável em IRC, nem pode justificar a revogação parcial do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC apenas para os casos em que funcione a excepção à regra geral da determinação do valor tributável para efeitos de IMT.

Por outro lado, uma interpretação conjugada das disposições do artigo 64.º, n.º 3, do Código do IRC e da subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12º do Código do IMT não pode conduzir à fixação de um sentido e alcance da lei que não tem na norma do artigo 64.º, n.º 3 a mínima correspondência verbal. Para a determinação do lucro tributável, esta norma prevê acréscimos correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor da alienação do imóvel, e deduções correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor da aquisição. O entendimento formulado pela Autoridade Tributária, a pretexto de uma interpretação conjugada de normas, ignora completamente estes critérios e passa a ter como assente um outro, não expresso na lei, e que resulta de uma disposição que é aplicável à determinação do valor patrimonial tributável para efeitos de IMT e não à determinação do lucro tributável para efeitos de IRC”.

  1. Atento o supra descrito, afigura-se ilegal a correção em presença, na parte relativa aos imóveis adquiridos por dação em pagamento ou arrematação judicial, pelo que deverá a mesma ser corrigida, no montante total proposto de € 4.329.379,67.
  2.  Urge concluir que a intenção legislativa, confirmada pela letra da lei, é indiscutivelmente a de que o que releva é o valor patrimonial tributário definitivo.

 

Dos acrescidos € 1.218.454,71 relativos imóveis objeto de contratos de locação financeira imobiliária celebrados em 2016:

 

  1. Alega  a este propósito a AT que: “No entanto, a regra do art.º 64.º aplica-se à transmissão de um direito real sobre bens imóveis, não incluindo as situações em que apenas se transmite a posse sem o direto de propriedade.

Esse direito de opção concedido ao locatário não configura uma tradição do imóvel, porquanto não existe ainda decisão sobre a aquisição do mesmo. O que existe de facto é então uma cedência para efeitos de gozo temporário do imóvel.” – cf. p. 43/175 do Documento n.º 4. E continua, na nota de rodapé 44 a este último parágrafo “Apenas para efeitos de IMT se equipara a transmissão quando, em caso de promessa de aquisição e de alienação, se dá a tradição para o promitente adquirente (alínea b) do n.º 2 do art.º 2.º do Código do IMT)” – cf. p. 43/175 do Documento n.º 4.

  1. Desde logo, não é verdade, pois mesmo para efeitos de IRC o artigo 46.º, n.º 5, al. a) do Código respetivo estabelece que se considera uma transmissão onerosa “A promessa de compra e venda ou de troca, logo que verificada a tradição dos bens”.
  2.   E se não estivéssemos perante uma mais-valia em resultado de transmissão onerosa na qual se aplicasse o artigo 64.º do Código do IRC, porque motivo exigiria a AT, quando o preço efetivamente praticado em situação idêntica, é inferior ao VPT, que seja feita a prova de preço efetivo nos termos do artigo 139.º do CIRC?!
  3. Para determinação do resultado tributável em IRC, o Requerente considerou o primado da substância sobre a forma, uma vez que para efeitos contabilísticos e fiscais, durante a locação financeira o imóvel não pertence ao locador, mas sim ao locatário.
  4.  As correções previstas no artigo 64.º do CIRC assentam unicamente em dois pressupostos: (i) a existência de valor patrimonial tributário definitivo; e (ii) que o valor constante do contrato seja inferior ao VPT definitivo.

 

Os imóveis que foram adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros (correção no valor de € 799.738,32),

 

  • No que concerne os imóveis que foram adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros (correção no valor de € 799.738,32), na determinação do seu resultado fiscal, o Requerente considerou como valor de aquisição dos referidos imóveis o valor das prestações vincendas que ficaram por liquidar na sequência da rescisão antecipada, comparando-o depois com o VPT aplicável à data da alienação ao terceiro adquirente, procedimento este que, no entendimento do Requerente traduz o princípio do primado da substância sobre a forma, que na situação em apreço se materializa na consideração como valor de aquisição o valor em dívida à data da rescisão antecipada dos contratos de leasing.
  • O artigo 64.º do Código do IRC não circunscreve os seus efeitos à aquisição da propriedade plena de imóveis.
  • Entende o Requerente dever concluir-se que a resolução do contrato de locação financeira equivale a uma transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis a favor do locador.
  • Contabilisticamente o imóvel só passa a constar do ativo do Requerente com a resolução do contrato de locação financeira.
  • A retoma do imóvel equivale contabilisticamente à sua aquisição, pelo que deve ser o valor do capital em dívida relevado como valor do ato ou do contrato para efeitos do artigo 64.º do Código do IRC.
  •      A posição do Requerente já foi subscrita por jurisprudência arbitral, designadamente   pela decisão proferida no âmbito do processo n.º 105/2019-T, de 26-09-2019, onde se elucidou que (destaques e sublinhados nossos):“Não se vê, de todo o modo, a que título é que esta regra específica da determinação do valor tributável para efeitos de IMT opera a derrogação do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC, implicando o afastamento da fórmula que aí se encontra prevista para determinar o lucro tributável em IRC quando haja lugar à transmissão onerosa. Compreende-se que nas situações consideradas na falada norma da subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT não subsistam as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transações, pelo que não se torna necessário comparar o valor declarado com o valor patrimonial (cfr. JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e o Selo, Coimbra, 2010, pág. 211). No entanto, a ratio legis que torna justificável essa solução para a fixação do valor tributável em IMT não tem de ser transposta para as correcções a efectuar no âmbito do apuramento do lucro tributável em IRC, nem pode justificar a revogação parcial do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC apenas para os casos em que funcione a excepção à regra geral da determinação do valor tributável para efeitos de IMT. Por outro lado, uma interpretação conjugada das disposições do artigo 64.º, n.º 3, do Código do IRC e da subalínea 16.ª do n.º 4 do artigo 12º do Código do IMT não pode conduzir à fixação de um sentido e alcance da lei que não tem na norma do artigo 64.º, n.º 3 a mínima correspondência verbal. Para a determinação do lucro tributável, esta norma prevê acréscimos correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor da alienação do imóvel, e deduções correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor da aquisição. O entendimento formulado pela Autoridade Tributária, a pretexto de uma interpretação conjugada de normas, ignora completamente estes critérios e passa a ter como assente um outro, não expresso na lei, e que resulta de uma disposição que é aplicável à determinação do valor patrimonial tributável para efeitos de IMT e não à determinação do lucro tributável para efeitos de IRC”.
  • Atento o supra descrito, afigura-se ilegal a correção em presença, na parte relativa aos imóveis adquiridos por dação em pagamento ou arrematação judicial, pelo que deverá a mesma ser corrigida, no montante total proposto de € 4.329.379,67.

 

Resposta da Requerida

  1. A Requerida remeteu a sua posição, de facto e de direito,  para a fundamentação constante do  relatório da ação inspetiva (RIT)  e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (RG), assinalando designadamente:

- que a concessão de suprimentos e a realização de prestações acessórias às sociedades participadas, são operações subtraídas à atividade normal bancária do requerente a que alude o artigo 28º-A e 28º-C, do CIRC;

- consequentemente as perdas por imparidade verificadas nos suprimentos e prestações acessórias àquelas participadas, não cumprem os requisitos legais de integração no conceito de “aplicações decorrentes da recuperação de créditos resultantes da atividade normal” previsto no artigo 28º-A/1 e 2 e 28º-C/2 e 5, do CIRC;

- quanto à correção pelos SIT, no montante de € 6.347.572,70 (€4.239.379,67+€1.218.454,71+799.738,32), os SIT consideraram, para efeitos da determinação do resultados tributário na transmissão, o VPT definitivo á data da aquisição,  nos termos dos artigos 64º/3-b), do CIRC e das Regras previstas no artigo 12º-4, do CIMT e não, como pretende o Requerente, o VPT definitivo à data da alienação;

- quanto à correção no montante de € 1.218.454,71, respeitante aos imóveis objeto de contratos de locação financeira imobiliária celebrados em 2016, será de manter porquanto o que releva é a transferência jurídica onerosa da propriedade dos imóveis para ulterior celebração dos contratos de locação financeira, não tendo fundamento a argumentação do Requerente no sentido de considerar que, na resolução do contrato de locação financeira, o locador recupera a propriedade plena do imóvel;

- relativamente à correção no montante de € 799.738,20 respeitante a imóveis que foram adquiridos por rescisão antecipada dos contratos de locação financeira, o valor de aquisição originário dos imóveis alienados é o que releva e não, como pretende o Requerente, o valor correspondente ao das rendas vincendas à data da rescisão antecipada do contrato

 

II – SANEADOR     

  1. O Tribunal é competente.
  2. Não foram invocadas exceções.
  3. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  4. Não se evidencia a existência de nulidades, invocadas e/ou de conhecimento oficioso, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

III - FUNDAMENTAÇÃO

Questões a decidir

  1. Alega o Requerente (cfr. artigo 20º, do PPA) que, “(...) quanto às correções identificadas nos pontos III.1.1.2 e III.1.1.3 [cfr. artigo 12º, do PPA] (apenas quanto aos imóveis em que o sujeito passivo acionou o procedimento previsto no art.o 139º,  do CIRC), assim como o reconhecimento como custos fiscais, em IRC, das correções de IVA e IS decorrentes da mesma inspeção tributária, será submetida uma impugnação judicial na presente data nos termos do artigo 3º, nº, 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (...)”
  2. Assim é que “(...)vem (por isso) o Requerente pelo presente submeter um pedido de pronúncia arbitral quanto às correções identificadas nos pontos III.1.1.1, e III.1.1.6 (...)”  (sublinhado nosso)(cfr artigo 19º, do PPA).
  3. Donde resulta estar em causa nestes autos apenas a apreciação da legalidade das correções à matéria coletável - IRC/2016, relativas a  (i) perdas por imparidades em ativos não financeiros fiscalmente não dedutíveis (artigo 28º-A e nº 5 do artigo 28º-C, do CIRC e (ii) a correção pelo adquirente de imóvel quando adota o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão [artigo 64º-3/b), do CIRC].

 

Os factos

 

  1. São os seguintes os factos essenciais provados com vista ao conhecimento das sobreditas questões:
  1.     O Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (“IRC”) n.º 2020 ... e demonstração n.º 2020 ... relativas ao ano de imposto de 2016, tendo sido notificado do despacho de indeferimento da mesma, de 14-10-2020 da unidade dos grandes contribuintes (cfr PA e documentos juntos);
  2. O Requerente é uma instituição de crédito que se dedica principalmente à atividade de comércio bancário, sujeito à supervisão do Banco de Portugal de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), previsto no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro;
  3. As correções efetuadas com referência ao exercício de 2016 foram as seguintes:

Ponto

Descrição da Correcção

Montante €

 
 

III.

1.1

CORREÇCÕES À MATÉRIA COLETÁVEL - IRC

 

 

III.

1.1.1.

Perdas por imparidade em ativos não financeiros fiscalmente não dedutíveis (art. 28.º - A.º e n.º 5 do art 28.º-C, ambos do CIRC)

413.901,32

 

III.

1.1.2.

Realizações de utilidade social não dedutíveis (art. 43.º do CIRC)

58.051.866,65

 

III.

 

 

 

 

 

 

1.1.3.

 

 

 

 

 

 

Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato  (alínea a) do nº3 do art. 64.º do CIRC)

 

 

A – Imóveis em que o sujeito passivo acionou o procedimento previsto no art.º 139.º do CIRC

2.921.637,20

 

B – Imóveis em que o sujeito passivo não acionou o procedimento previsto no art.º 139.º do CIRC

29.568,32

 

III.

1.1.4.

Correções relativas a períodos de tributação anteriores por reversão de perdas por imparidade tributadas, associadas a créditos desreconhecidos do ativo em anos anteriores, recuperados em 2016 (n.º 2 do art. 18.º do CIRC)

-102.506,37

 

III.

1.1.5.

Provisão para riscos gerais de crédito (art. 28.º - A.º a 28.º-C do CIRC)

-5.561.320,24

 

III.

1.1.6.

Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão (alínea b) do n.º 3 do art. 64.º do CIRC)

 

 

 

 

Recuperação Habitação e Outros

4.329.379,67

 

 

 

Recuperação de Leasing e recuperação de Leasing - outros

2.018.193,03

 

III.

1.1.7.

Perdas por imparidade em créditos e benefícios pós emprego ou a longo prazo de empregados dedutíveis com o limite do montante do lucro tributável, calculado antes da dedução destes gastos e variações patrimoniais negativas (n.º 1 do art.º 4.º do REAID)

-25.775.485,01

 

 

 

IRC - Total das Correcções à Matéria Coletável

36.325.234,57

 

III.

 

IMPOSTO EM FALTA

 

III.

2.1.

Tributação Autónoma (derrogação da aplicação do n.º 14 do art. 88.º do CIRC)

-967.895,36

 

 

IRC - Total de Imposto em Falta

-967.895,36

 

 

Resumo das correções efetuadas pelos SIT no Relatório de Inspeção

Imposto do Selo

Ponto do Relatório

Descrição

Montante

III.2.2.1

Taxa de serviço do Comerciante

€ 471.467,57

III.2.2.2

Taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s

€ 1.032.173,07

Total

€ 1.503.640,64

 

Resumo das correções efetuadas pelos SIT no Relatório de Inspeção

Imposto sobre o Valor Acrescentado

Ponto do Relatório

Descrição

Montante

III.2.3.1

Regularizações indevidas a favor do sujeito passivo – campo 40 da declaração Periódica

€ 750.675,11

Total

€ 750.675,11

  1. Na sequência de tais correções, o Requerente foi notificado, em 05.02.2020, do ato tributário de liquidação mencionado anteriormente, em (i) e documentado, que apura um montante de IRC a reembolsar de € 18.623.278,68;
  2. A AT procedeu [no que releva para a apreciação do presente pedido de pronúncia arbitral - PPA] com base no entendimento de que as perdas por imparidade relativas a suprimentos e prestações acessórias, constituídas no período de tributação de 2016, não integrariam o conceito de “aplicações decorrentes da recuperação de créditos resultantes da atividade normal” e que, como tal, não foram fiscalmente aceites
  3. Nos citados suprimentos e prestações acessórias atribuídos à B..., S.A., à C... SGPS, S.A., à D..., SGPS, S.A. e à E... SGPS, S.A., [como o demonstram os respetivos contratos e acordos celebrados entre o Requerente, os demais bancos envolvidos e aquelas sociedades (Cf., respetivamente, Anexos I, II, III e IV do documento n.º 3]), estava em causa a reestruturação financeira e societária de sociedades participadas por aqueloutras sociedades, quais sejam, a F..., S.A., G... , S.A., H..., SGPS, S.A. e os Grupos I..., J... e  K..., respetivamente (...)”.
  4. Em todos os casos considerou-se que as empresas participadas tinham potencial de desenvolvimento e de valorização, sendo inegável o interesse do Requerente no processo de reestruturação financeira e societária das mesmas, designadamente ao nível da recuperação dos créditos que  (o requerente) detinha nessas sociedades.
  5. No caso da sociedade L..., Lda. (L...), estavam em causa perdas por imparidades reforçadas pelo Requerente durante o exercício de 2016 tendo por base a perda de valor daquela sociedade (cf. Anexo VI do documento n.º 3).
  6.  Em novembro de 2016, a L... procedeu à alienação do edifício sito em Paço d’Arcos pelo montante de € 5.200.000,00.
  7. A constituição de provisões para menos valias de outras aplicações decorre do Aviso n.º 3/95, de 30 de junho, do Banco de Portugal, o qual dispõe no seu n.º l, parágrafo 2.º, alínea e), que “As instituições de crédito e as sociedades financeiras, incluindo as sucursais de instituições com sede em países não pertencentes à União Europeia, umas e outras adiante designadas por instituições, são obrigadas a constituir provisões, nas condições indicadas no presente aviso, com as seguintes finalidades: e) Para menos-valias de outras aplicações (...)”.
  8.   Para efeitos do cálculo das perdas por imparidade/provisões para menos-valias de outras aplicações preceitua o parágrafo 1.º do n.º 11 do Aviso n.º 3/95, de 30 de junho, do Banco de Portugal, que tais provisões “(...) devem corresponder ao total das diferenças apuradas entre o custo das aplicações, nomeadamente as decorrentes da recuperação de créditos, e o respectivo valor de mercado, quando este for inferior àquele.”, disposição aquela que o artigo 28.º-C do Código do IRC reproduz quando este remete para o Aviso do Banco de Portugal ao estabelecer no seu n.º 5 que “O regime constante do presente artigo, em tudo o que não estiver aqui especialmente previsto, obedece à regulamentação específica aplicável”.
  9. O Requerente deduziu no campo 772 do quadro 07 da declaração periódica de rendimentos referente ao exercício de 2016 a quantia de € 6.347.572,70 [€ 4.329.379,67+€ 2.018.193 - Cfr III. 1.1.6., do mapa de correções mencionado supra, em (iii)], a título de “(...) correção pelo adquirente do imóvel quando adota o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão (alínea b) do nº 3 do art. 64º, do CIRC”;
  10. Os serviços de inspeção tributária discordaram dos valores apurados pelo Requerente, decorrentes da adoção do VPT definitivo, promovendo a reversão da referida correção no citado montante de € 6.347.572,70 (€ 4.329.379,67 relativos a “Recuperação Habitação e Outros”, acrescidos € 1.218.454,71 e € 799.738,32 relativos a “Recuperação de Leasing”, no primeiro caso relativamente a “imóveis objeto de contratos de locação financeira imobiliária celebrados em 2016” e no segundo caso “outras situações”)  – cfr. p. 42/175, p. 43/175 e p. 45/175, respetivamente, do Documento n.º 4 -...
  11.  Entendendo que “nos casos em que os imóveis foram adquiridos por dação em pagamento, o valor patrimonial tributável a considerar será o que se encontrava legalmente determinado à data de aquisição daqueles e que serviu (ou serviria) de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (VPT ou quantia em dívida) e...
  12. ...por outro lado, se os imóveis foram arrematados judicialmente o valor tributável corresponderá ao valor da arrematação e que serviu (ou serviria) de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis” - cfr. p. 42/175, p. 43/175 e p. 45/175, respetivamente, do Documento n.º 4.
  13. Entende ainda a AT, para os casos em que os imóveis foram adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, “o valor de aquisição dos bens imóveis a considerar deverá ser o valor da transmissão onerosa ocorrida no momento em que o banco efetuou a aquisição

do imóvel e não o valor das rendas vincendas aquando da rescisão do contrato por parte do locatário.” (cf. p. 45/175 do documento n.º 4)

  1. Para efeitos de determinar se, relativamente a estes imóveis, havia lugar à correção prevista no artigo 64.º do Código do IRC, o Requerente considerou como valor de aquisição o valor constante da escritura de dação ou do auto de adjudicação do imóvel, comparando-o com o valor patrimonial tributário definitivo à data;  quando o valor de aquisição era inferior ao valor patrimonial tributário do imóvel, o Requerente procedeu à dedução da diferença.
  2. Do relatório da inspeção tributária, em cujas conclusões se fundou o despacho de indeferimento da reclamação graciosa citada, consta designadamente, o seguinte:

 

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(...)”

Motivação

 

  1. Relativamente à fixação da matéria de facto, deverá preliminarmente ser assinalado que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim e apenas o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe e impõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo, para além da citada, outra factualidade que seja relevante para a correta composição da lide arbitral.
  3. Para a convicção do Tribunal foram essenciais os documentos juntos aos autos, a cópia do processo administrativo instrutor, com o relatório e conclusões dos serviços de inspeção tributária e que esteve na base do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e da consequente liquidação (transcrevem-se supra, nos factos provados,  excertos relevantes para o objeto do pedido) e a posição das partes espelhadas nos respetivos articulados, tudo analisado de forma crítica por este colégio arbitral de modo a concluir que a controvérsia espelhada nos autos não é de facto mas essencialmente de direito.

 

III - Fundamentação (Cont): O  Direito

 

Questões a decidir nestes autos relativamente ao mérito do pedido

 

  1. Como se deixou anteriormente assinalado, está em causa nos autos a apreciação da legalidade e qualificação das correções à matéria coletável - IRC/2016, relativas a  (i) perdas por imparidade em ativos relativos a suprimentos e prestações acessórias (artigo 28º-A e nº 5 do artigo 28º-C, do CIRC e (ii) a correção pelo Requerente, adquirente de imóvel (em que não foi acionado o procedimento previsto no artigo 139º, do CIRC) quando adota o VPT para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão [artigo 64º-3/b), do CIRC
  2. Apreciando cada uma das questões:

 

  1. Perdas por imparidade em ativos relativos a Suprimentos e prestações acessórias (artigo 28º-A e artigo 28º-C, do CIRC)

 

  1. Especificamente em causa está o acréscimo à matéria coletável da importância de € 413.901,32 relativa a perdas por imparidade em suprimentos e prestações acessórias, classificadas pelo Requerente como “imparidades em ativos não financeiros” e contabilizadas na conta 76941, entendendo a AT que tais perdas não se enquadram no quadro legal invocado pelo Requerente (arts 28º-A e 28º-C, nº 5, do CIRC/2016).
  2. O despacho e liquidação ora sindicados pela Requerente tem na sua base o entendimento de que as perdas por imparidade relativas a suprimentos e prestações acessórias, constituídas no período de tributação de 2016, não integram o conceito de “aplicações decorrentes da recuperação de créditos resultantes da atividade normal” (do Requerente)  e, como tal, não têm relevância fiscal à luz do disposto nos artigos 28º-A e 28º-C, nº 3, do CIRC.
  3. Traduz-se esta questão em saber se as perdas por imparidade em ativos financeiros no valor de €413.901,32 devem ou não ser fiscalmente dedutíveis (correção identificada no ponto iii.1, do pedido de pronúncia arbitral) e que tem o seu quadro factual mais desenvolvido no RIT, com transcrição essencial supra, em (xix), dos factos provados

Vejamos:

  1. O legislador faz depender a aceitação fiscal das perdas por imparidade da natureza das mesmas, isto é, a dedutibilidade fiscal das perdas por imparidade em outras aplicações depende de os créditos serem ou não “resultantes da atividade normal do sujeito passivo”, pelo que, o facto de se estar perante suprimentos e outras prestações acessórias e não perante créditos resultantes da sua atividade normal, afastaria a aplicação do n.º 5 do art.º 28.º-C do CIRC (que define expressamente os limites de dedutibilidade fiscal das perdas por imparidade referidas no n.º 2 do art.º 28.º-A do CIRC).
  2. Pois bem:  uma das atividades das instituições de crédito autorizadas (e o Requerente é uma instituição de crédito), expressamente prevista no respetivo regime jurídico, é “(...) a tomada de participações no capital de sociedades (...)”, sendo habitual que as sociedades participadas sejam financiadas através de suprimentos ou prestações suplementares/acessórias.
  3. Com efeito, a atividade das instituições de crédito encontra-se definida no art.º 4º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, doravante também o RGICSF, contido no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
  4. Ora, insiste-se,  uma das atividades que se encontra aí expressamente prevista [alínea l) do referido art.º 4º], é “a tomada de participações no capital de sociedades”. Esta atividade constitui mesmo uma das atividades principais dos bancos de investimento, sendo nesse caso extremamente comum que as sociedades participadas sejam financiadas através de suprimentos, conforme ao estatuído no art.º 243º do Código das Sociedades Comerciais.
  5. Ou seja:  nada na lei permite concluir que a tomada de participações no capital de sociedades seja uma atividade anormal dos bancos, ou estranha à sua atividade.
  6. Com efeito, da conjugação do disposto na referida alínea l) do n.º 1 do art.º 4º do RGICSF com o estatuído na alínea a) do n.º 2 do art.º 9º do mesmo diploma, resulta unicamente que a tomada de participações no capital de sociedades não é considerada uma operação de crédito, não obstante estar autorizada a ser efetuada pela primeira daquelas alíneas como atividade normal das instituições de crédito (sublinhado nosso).
  7. O que significa que o art.º 9º, n.º 2, a) do RGICSF, se limita a não considerar o regime dos suprimentos como sujeito à disciplina bancária que rege a concessão de crédito, e não a considerá-los como atividade anormal de um banco.
  8. Não há assim qualquer fundamento, legal ou doutrinário, válido para concluir que a tomada de participações de um banco no capital de sociedade esteja subtraída à atividade normal dessas entidades.
  9. A tomada de participações por um banco no capital de sociedades só não é considerada uma operação de crédito, não obstante estar autorizada em termos de não transformar essa atividade numa atividade anormal.
  10. É hoje reconhecida uma amplitude que não existiria no passado relativamente à atividade bancária, entendida então na visão tradicional de receção de depósitos e concessão de crédito.
  11. Essa amplitude atual da atividade bancária está espelhada, designadamente, no citado artigo 4º, do RGISCF.
  12. Por isso é que também não estão manifestamente excluídos pela lei os créditos por suprimentos, sendo até dalgum modo  normal  a sua realização por qualquer comum sócio, incluindo, como se viu,  os bancos, nos termos das disposições referidas.
  13. Certo que pode não ser esta, no caso dos Bancos, (como outras haverá), uma atividade incluída na sua atividade principal e até tenha um caráter, de certo modo, acessório ou menos corrente;  mas tal não significa que se transfigure em atividade excluída porque não incluída no que poderá designar-se, passe o  anglicismo, o core business dos Bancos.
  14. O importante ou relevante é que a “normalidade” a que o legislador se refere nos citados artigos 28º-A e 28º-C, do CIRC, seja aferida à luz do que é expectável e regular face à atividade exercida pela empresa.
  15. No caso dos autos, está demonstrado ou, pelo menos, não foi impugnado que os suprimentos e prestações acessórias “(...) atribuídos à B..., S.A., à C... SGPS, S.A., à D..., SGPS, S.A. e à E... SGPS, S.A., [como o demonstram os respetivos contratos e acordos celebrados entre o Requerente, os demais bancos envolvidos e aquelas sociedades (Cf., respetivamente, Anexos I, II, III e IV do documento n.º 3]), estava em causa a reestruturação financeira e societária de sociedades participadas por aqueloutras sociedades, quais sejam, a F..., S.A.,  G..., S.A., H..., SGPS, S.A. e os Grupos I..., J... e K..., respetivamente (...)” - Cfr  factos provados, (vii) e supra.
  16. À luz do exposto, não se demonstra a existência de suprimentos e/ou prestações acessórias que advenham de atividade do Requerente não integrada na sua atividade normal na perspetiva apontada.
  17. Assim é que, na linha do que já tem sido decidido pela jurisprudência arbitral, assiste razão ao Requerente no que a esta correção diz respeito – cfr, v.g. o Acórdão arbitral proferido no processo do CAAD n.º 371/2017, que aqui se segue de perto, e o acórdão arbitral proferido, por unanimidade, por Coletivo a que presidiu o também presidente deste Tribunal, no âmbito do processo nº 610/2020-T, entre as mesmas partes e ainda não publicado.

 

  1. VPT para efeito de apuramento do resultado tributário sem ter havido recurso ao procedimento previsto no artigo 139º, do CIRC  (arts 64º, do CIRC e 12º-4, Regras 15ª e 16ª, do CIMT)
  1. Trata-se aqui de apreciar a correção identificada no ponto III.1.1.6.[“Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributário na respetiva transmissão (alínea b) do nº 3 do artigo 64º do CIRC”], do mapa de correções à matéria coletável transcrito em (v)  do elenco de factos provados.
  2. O Requerente deduziu no campo 772 do quadro 07 da declaração periódica de rendimentos referente ao exercício de 2016 a quantia de € 6.347.572,70, a título de correção pelo adquirente dos imóveis quando adota o Valor Patrimonial Tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC.
  3. Contudo, os Serviços de Inspeção Tributária discordaram dos valores apurados pelo Requerente, decorrente da adoção do VPT definitivo, promovendo a reversão da referida correção no montante de € 6.347.572,70 (€ 4.329.379,67, importância relativa a “Recuperação Habitação e outros”, acrescidos € 1.218.454,71 e € 799.738,32, relativa a “Recuperação de Leasing”, no primeiro caso relativamente a “imóveis objeto de contratos de locação financeira imobiliária celebrados em 2016” e no segundo caso “outras situações” - Cfr p. 42/175, p. 43/175 e p. 45/175, do documento junto pelo Requerente sob o nº 4.
  4. Entende a AT, ao proceder às correções citadas, que “nos casos em que os imóveis foram adquiridos por dação em pagamento, o valor patrimonial tributável a considerar será o que se encontrava legalmente determinado à data de aquisição daqueles (imóveis) e que serviu (ou serviria) de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (VPT ou quantia em dívida) e, se os imóveis foram arrematados judicialmente o valor tributável corresponderá ao valor da arrematação e que serviu (ou serviria) de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis” (cf. p. 42/175 do documento n.º 4)
  5. Por outro lado, para os casos em que os imóveis foram adquiridos por rescisão antecipada do respetivo contrato de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros,  entendeu a AT que “o valor de aquisição dos bens imóveis a considerar deverá ser o valor da transmissão onerosa ocorrida no momento em que o banco efetuou a aquisição do imóvel e não o valor das rendas vincendas aquando da rescisão do contrato por parte do locatário.” (cf. p. 45/175 do documento n.º 4)
  6. Precisando melhor este ponto: o Requerente contestou o montante de € 5.129.117,99 (€ 4.329.379,67+€ 799.738,32) da correção efetuada pela AT (Serviços de Inspeção Tributária).
  7. Estão em causa os valores a considerar como valor patrimonial tributário (VPT) e como valor do ato ou contrato para efeitos da determinação do resultado tributário na respetiva transmissão, nos termos previstos na alínea b) do nº 3 do artigo 64º, do CIRC e das regras constantes do nº 4 do artigo 12º, do CIMT.
  8. De acordo com o artigo 64º, do CIRC, nas transmissões onerosas de direitos reais sobre imóveis, sempre que o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo (VPT) do imóvel que serviu de base à liquidação do IMT ou que serviria no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto, é este (VPT) o valor a considerar pelo alienante, o qual deve, igualmente, relevar para a determinação do resultado para efeitos fiscais, em sede de IRC.
  9. Por outro lado e em princípio, os valores constantes dos contratos de compra e venda de direitos reais sobre imóveis devem refletir os valores de mercado efetivamente praticados pelas partes, de tal modo que, havendo diferença positiva entre o  VPT e o valor constante do contrato, o alienante está obrigado a proceder à respetiva correção na declaração fiscal (vulgo “modelo 22”), relativa ao período de tributação em que é imputável o rendimento associado à transmissão do imóvel - Cfr artigo 64º-3/a), do CIRC.
  10. Para prova de que o valor do imóvel que está registado na contabilidade do sujeito passivo é o verdadeiro, estabelece o nº 3, do artigo 139º, do CIRC, os procedimentos necessários de molde a, no final, poder ser afastado o valor do critério que resulta do disposto no artigo 64º, n.º 3, do CIRC, ou seja, o de que deve ser corrigido o valor constante do contrato, considerando, para efeitos de determinação do lucro tributável, o VPT quando este seja superior àquele.
  11. No caso e para efeitos de apurar o cumprimento dos normativos anteriormente citados, os Serviços de Inspeção da AT solicitaram, com os detalhes necessários, uma listagem com todos os imóveis alienados pelo Requerente em 2016.
  12. Em resposta ao solicitado, o Requerente disponibilizou uma listagem desses prédios, elencando-os em duas classificações: “Recuperação Habitação e Outros” e “Recuperação de Leasing”, identificando ainda aqueles em que foi acionado o citado procedimento ou mecanismo de comprovação do preço verdadeiro ou efetivo, previsto no artigo 139º, do CIRC.
  13. Ora relativamente aos imóveis que foram adquiridos pelo Requerente por dação em pagamento e/ou arrematação judicial, a divergência resulta do momento a considerar para a verificação do VPT: (i) defende o Banco que o VPT deverá ser o definitivo à data da alienação e (ii) defende a AT que o VPT a considerar será ou deverá ser o VPT definitivo à data da aquisição.
  14. Pois bem e em primeiro lugar, à luz do artigo 12º, do Código do IMT (CIMT) o imposto incide sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.
  15. Depois e conforme dispõe a Regra 5ª do nº 4, do citado artigo 12º, “(...) nas transmissões por meio de dação de bens em pagamento, o imposto é calculado sobre o seu valor patrimonial tributário ou sobre a importância da dívida que for paga com os bens transmitidos, se for superior (...)”
  16. Por outro lado, com vista ao cumprimento da obrigação prevista no citado artigo 64º, nº 3, b), do CIRC, o momento a atender para apuramento do VPT definitivo é o da aquisição dos imóveis pelo impugnante (e não o da sua alienação a terceiros) porquanto é esse e não outro o momento da aquisição efetiva dos bens e logo o momento relevante para a aferição da existência da obrigação corretiva imposta pela alínea b) do nº 3 do artigo 64º, do CIRC.
  17. Assim é que, tal como defende a AT,  quanto aos imóveis adquiridos por meio de dação em pagamento, o Requerente deveria ter considerado como valor de aquisição o correspondente à dívida que foi paga com os bens transmitidos se superior ao VPT definitivo á data da aquisição.
  18. Relativamente aos bens adquiridos em arrematação judicial ou administrativa o valor a considerar para efeitos do imposto deveria ter sido, como defende a AT,  o correspondente ao “(...) preço constante do ato ou do contrato (...)”,conforme dispõe a Regra 16ª do nº 4, do citado artigo 12º, do CIMT.
  19. Só deste modo se cumpre o disposto no artigo 64º-1, do CIRC quando estatui que “(...)os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos de determinação do lucro tributável (...) valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do(...) IMT ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto (...)”  (sublinhados nossos).
  20. Ou seja e concluindo nesta parte: o VPT definitivo a considerar é o que se encontra estabelecido à data da aquisição dos imóveis pelo impugnante (e não à data da sua alienação a terceiros), seja por meio de dação em pagamento, seja através de arrematação judicial (ou administrativa)
  21. Por outro lado, nos casos em que os imóveis foram adquiridos por rescisão antecipada dos respetivos contratos de locação financeira imobiliária e alienados a terceiros, o valor de aquisição dos bens imóveis a considerar deverá ser (segundo a AT) o valor da transmissão onerosa ocorrida no momento em que o banco efetuou a aquisição do imóvel e não o valor das rendas vincendas aquando da rescisão do contrato por parte do locatário.”

Vejamos o caso concreto:

  1. O montante inscrito no campo 772 do quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 inclui ainda, conforme apuraram os serviços de inspeção tributária, o montante de € 666.393,94, relativo ao ajustamento decorrente da alienação de imóveis adquiridos no âmbito do exercício da atividade de locação financeira imobiliária e em que houve resolução dos contratos por incumprimento dos respetivos locatários.
  2. Relativamente a estes imóveis, o procedimento adotado pelo Requerente para efeitos de determinar se, relativamente a estes imóveis, havia lugar à correção prevista no artigo 64.º do Código do IRC, foi o de considerar como valor de aquisição o valor em dívida à data da resolução antecipada dos contratos de locação financeira imobiliária, comparando-o com o Valor Patrimonial Tributário definitivo à data da alienação de tal modo que, verificado ser esse valor de aquisição inferior ao Valor Patrimonial Tributário definitivo do imóvel, a diferença entre esse valores foi pelo Requerente deduzida ao lucro tributável.
  3. Os serviços de inspeção tributária discordaram desse procedimento e do montante apurado pelo Requerente, revertendo essa  dedução (€ 646 643,94).
  4. Pois bem: importa ter presente que um imóvel locado nunca deixa de ser propriedade do locador durante a vigência dos contratos de locação financeira. Assim é que a rescisão antecipada do contrato não é equiparável a uma aquisição para efeitos de IMT e igualmente para efeitos do artigo 64.º do Código do IRC, não obstante, do ponto de vista contabilístico, e pelo princípio da substância sobre a forma, o bem imóvel seja reintegrado no ativo da locadora, por força da rescisão.
  5. Assinale-se, no entanto, que o que está em litígio é apenas uma parte da correção efetuada pela AT, mais exatamente, o montante de € 646.643,94 relativo aos imóveis “adquiridos” por rescisão antecipada do contrato de locação financeira imobiliária.
  6. Com vista a apurar se haveria lugar à correção prevista no citado artigo 64º, do CIRC, considerou o Requerente como valor de aquisição o correspondente ao valor em dívida à data da resolução antecipada dos contratos e, depois, comparou esse valor com o VPT definitivo à data da mencionada alienação de modo a que se o valor de aquisição por esse modo obtido fosse inferior ao VPT do imóvel, procedia à dedução da diferença.
  7. Ora é certo que os imóveis objeto de locação financeira mantêm-se na esfera de domínio (propriedade) do locador.
  8. Todavia, aquela norma (artigo 64º, do CIRC) abrange na sua previsão quaisquer transmissões onerosas de direitos reais sobre imóveis (sublinhado nosso).
  9. A esta luz e sendo evidente, no caso de locação financeira, que o direito de propriedade do locador não é pleno mas limitado pelo ónus de locação, a extinção deste pela resolução do contrato provoca a recuperação plena daquele direito por parte do locador.
  10. Destarte, será de concluir que a resolução do contrato de locação financeira equivale a uma transmissão onerosa, a favor do locador, de direitos reais sobre imóveis e, consequentemente, o valor do ato ou contrato para efeitos do disposto no artigo 64º, do CIRC, será o equivalente ao valor pelo qual o locador readquire a plena propriedade do imóvel ao locatário e que corresponde ao valor das rendas vincendas à data da resolução e não ao valor de aquisição originário do imóvel.
  11. A Jurisprudência assim o entendeu também  na decisão proferida no âmbito do processo do CAAD nº 371/2017-T (www.caad.org.pt) , de que citamos o seguinte excerto da sua fundamentação: “(...) O Tribunal entende que a rescisão do contrato de locação financeira e a aquisição da propriedade pelo locador sem qualquer limitação de uso tem efeitos reais e não meramente obrigacionais. E concorda com a posição do Requerente ao defender que se trata de uma aquisição onerosa, pois o proprietário não se limita a receber o bem, está adstrito ao pagamento ao locatário do montante das rendas vincendas acrescidas do montante dos respetivos juros. E é sobre o valor que o adquirente do bem paga que deve incidir a tributação consignada no art.º 64º do CIRC. É este o valor pago, logo é este o montante que deve servir para o cálculo da tributação a incidir na transmissão, de acordo com o princípio geral consignado no n.º 2 do art.º 104º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual a tributação das empresas deve ser feita pelo rendimento real. Resta acrescentar que o valor das rendas vincendas não é apenas o que releva para efeitos fiscais. O legislador também o adotou no processo civil como critério para a fixação do valor das causas em que se discutam contratos de locação financeira. Com efeito, se o valor a atender para a fixação do valor da causa fosse o do bem, aplicar-se-ia a regra geral consignada no art.º 302º do Código de Processo Civil, mas o legislador não entendeu assim e incluiu o caso da locação financeira nos critérios especiais de fixação do valor das causas, previstos no art.º 298º do mesmo código, determinando que ´Nos processos referentes a contratos de locação financeira, o valor é o equivalente ao da soma das prestações em dívida até ao fim do contrato acrescido dos juros moratórios vencidos. Ora, de acordo com o princípio da unidade do sistema jurídico, plasmado no n.º 1 do art.º 9º do Código Civil, se dúvidas existissem no âmbito do direito tributário, as mesmas devem ser colmatadas face às referidas disposições do direito civil adjetivo supra convocadas (...)’”
  12. É fundamentação que aqui se acompanha por, designadamente, não se encontrar razões ou fundamentos válidos para dela divergir, não sendo também irrelevante para esta conclusão a circunstância de que só com a resolução do contrato de locação financeira é que os imóveis objeto do mesmo passam ou devem passar a integrar e a ser tratados contabilisticamente como ativos do locador/proprietário. Até então o débito estava registado contabilisticamente, numa rubrica de crédito, o valor pelo qual foi adquirido o imóvel e na qual se creditavam as rendas que iam sendo faturadas durante a vigência do respetivo contrato. Só com a resolução é debitado, numa conta de ativos tangíveis para venda, o valor do imóvel por contrapartida do crédito da rubrica na qual se registava o capital em dívida.

 

Juros indemnizatórios

 

  1. O Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos do art. 43.º da LGT.
  2. De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
  3. Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à Acão para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
  4. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”  (sublinhado nosso) e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
  5. Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
  6. No caso em apreço, não está alegada nem demonstrada a existência de pagamento por parte do Requerente que permita a formulação de um juízo condenatório de reembolso com juros nos termos citados.
  7. Daí não haver fundamento para a formulação de um juízo de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

IV - DECISÃO

            Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o pedido e, em consequência:

  1. Revoga-se, parcialmente, por falta de pressupostos de facto e de direito, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa na parte que desconsidera para efeitos de apuramento do lucro tributável, as perdas por imparidades na importância de € 413.901,32;
  2. Mantém- se na ordem jurídica a citada decisão na parte em que considera o VPT dos imóveis adquiridos por dação em pagamento e arrematação judicial (€ 4.329.379,67);
  3. Revoga-se a citada decisão na parte em que reverte a dedução efetuada ao lucro tributável na importância de € 1.218.454,71 (“acrescidos relativos a imóveis objeto de contratos de locação financeira imobiliária celebrados em 2016”);
  4. Anula-se a liquidação adicional de IRC objeto da presente impugnação  na parte em que espelhou as decisões ora revogadas;
  5. Declara-se a total improcedência do pedido de juros indemnizatórios e
  6. Condenam-se ambas as partes nas custas do processo na proporção de 60% pelo Requerente e 40% pela Requerida.

 

  • Valor do pedido: o indicado pelo Requerente -  € 1.852.643,88 -   e que não foi impugnado.
  • Custas: Fixa-se em € 24.480,00 o valor das custas, a suportar proporcionalmente por ambas as partes conforme condenação supra.

 

  • Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de março de 2022

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

 

 

António Franco

(Adjunto)

 

 

 

José Eduardo Gonçalves

(Adjunto)