SUMÁRIO:
Não se descortinando no Relatório da Inspecção que serviu de base às correcções que deram origem à liquidação sindicada que as prestações de serviços desconsideradas pela Administração fiscal como abrangidas pelo âmbito da isenção das operações conexas com o ensino não se afiguram indispensáveis à realização deste ou que se destinem essencialmente a proporcionar receitas suplementares, originando distorções da concorrência e sendo verosímil que a generalidade dos serviços prestados tenham tido conexão com a actividade de formação profissional, impunha-se à Administração fiscal explicitar as razões pelas quais entendia que tais prestações de serviços, alegadamente conexas com o ensino, deviam como tal ser desconsideradas.
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
1. No dia 11 de Setembro de 2020, A... UNIPESSOAL, LDA, NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos períodos dos anos de 2016, 2017 e 2018, com os n.ºs 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., no valor de € 201.619,82.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
i. ao contrário do entendimento da AT plasmado no seu Relatório Final de Inspeção, a Requerente não presta vários serviços distintos;
ii. os serviços que a Requerente realiza consubstanciam uma prestação de serviços única, de natureza educativa/formativa, composta por diferentes serviços, os quais representam uma unidade económica para o sujeito passivo adquirente, pelo que apenas se afigura aplicável a regra geral de localização prevista no artigo 6.º, n.º 6, alínea a) do CIVA aplicável, a contrario, e não da alínea e) do n.º 8 do mesmo artigo, sendo o IVA devido na sede do adquirente.
iii. a inscrição do número de identificação fiscal no VIES é um mero requisito formal que permite validar se determinado sujeito passivo está inscrito como operador económico que realiza operações intracomunitária, pelo que, uma vez que os estabelecimentos de ensino aos quais a Requerente fornece os seus serviços, praticam operações tributáveis no país onde estão estabelecidas, as mesmas devem considerar-se sujeitos passivos para efeitos da aplicação do artigo 6.º do CIVA, não podendo o registo (ou ausência deste registo) no VIES servir de critério material para afastamento da regra geral de localização, conforme pretende a AT.
iv. os serviços em causa estão abrangidos pela isenção prevista no artigo 132.º, alínea i) da Diretiva IVA, transposta para o ordenamento jurídico interno através do artigo 9.º, n.º 9 e 10 do CIVA, e segundo a qual estão isentas as operações relacionadas com a educação da infância e da juventude, o ensino escolar ou universitário, a formação ou reciclagem profissional, e bem assim as prestações de serviços e as entregas de bens com elas estreitamente relacionadas.
v. vício de violação de lei, designadamente dos artigos 55.º, 58.º e 74.º, todos da LGT, por violação do princípio do inquisitório e do ónus da prova, dado a AT não ter levado a cabo as diligências necessárias à descoberta da verdade material.
3. No dia 14-09-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 04-11-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 07-12-2020.
7. No dia 26-01-2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma sociedade que tem como objecto social a promoção, desenvolvimento e implementação de actividades de formação com o objectivo de proporcionar a aquisição de competências técnico-profissionais, promover a aprendizagem de línguas estrangeiras, gestão e coordenação de projectos educativos, apoio escolar e organização de programas de intercâmbio de estudantes.
2- No âmbito da sua actividade, a Requerente especializou-se na componente técnico-profissional, através de cursos educativos cuja oferta se destina, maioritariamente, a estabelecimentos de ensino de Estados-Membros da União Europeia no âmbito de um programa de mobilidade europeia de estudantes designado Erasmus+.
3- O programa comunitário Erasmus+ tem como principal objectivo o intercâmbio de estudantes com idades compreendidas entre os 15 e 18 anos que frequentem, nos seus países de origem, o ensino secundário na vertente técnico profissional, permitindo, no caso concreto, que estes venham a Portugal realizar parte da sua formação curricular.
4- Os referidos cursos fornecidos pela Requerente têm uma duração compreendida entre 2 e 4 semanas, sendo os seus participantes alunos selecionados pelos estabelecimentos de ensino de origem, ou seja, destinatários específicos, não sendo permitida a inscrição fora daquele núcleo de alunos, previamente selecionado pela entidade de ensino.
5- Os ensinamentos obtidos no âmbito dos cursos integram o plano dos estudos nos Estados-Membros de proveniência dos estudantes, sendo as avaliações obtidas integradas no programa curricular de origem, através do sistema ECVET – European Credit Vocational Educational System, que é um sistema europeu que visa a transferência, o reconhecimento e a acumulação de resultados de aprendizagem, num contexto de mobilidade, para efeitos de obtenção de uma qualificação profissional no âmbito do Quadro Europeu de Qualificações.
6- A Requerente é subcontratada para a realização do currículo na vertente técnico profissional, inserido no ensino secundário dos alunos que frequentam os estabelecimentos de ensino no país de origem.
7- No âmbito destes cursos, inseridos no plano curricular de ensino secundário técnico profissional, a Requerente fornece ainda uma vertente sociocultural, que tem em vista o sucesso dos projectos executados e o desenvolvimento profissional e pessoal dos alunos.
8- Os Partnership Agreement estipulam a forma como deverão ser estabelecidos os termos e condições de cada programa, designadamente a forma de pagamento do orçamento correspondente a cada um.
9- Na esfera das entidades que acolhem os estudantes, no caso concreto a Requerente, esta contribui com toda a parte lectiva curricular formativa, e com outros aspectos associados à realização desta formação transnacional, tais como, transfers, alojamento, alimentação, programas culturais, transportes públicos, etc.
10- O programa lectivo curricular formativo, é idealizado e preparado em conjunto com os estabelecimentos de ensino dos países de origem com cerca de dois anos de antecedência, sendo posteriormente a Requerente responsável pela organização de todo o programa, como se de um projecto chave na mão se tratasse, tendo como base o Learning agreement-Acordo de Formação.
11- A Requerente, para além de garantir toda a componente de ensino, a qual normalmente envolve o recurso a formadores externos ou a centros do IEFP-Instituto do Emprego e Formação Profissional, como sejam o B..., para formações na área da mecatrónica, ou o C... para formações na área electrónica, é ainda responsável pelo cumprimento dos aspectos logísticos e culturais associados aos programas de mobilidade.
12- A Requerente é uma entidade acreditada junto da entidade da Comissão Europeia que gere o Erasmus+, condição sine qua non para o exercício desta actividade.
13- O programa ERASMUS + é um programa da responsabilidade Comissão Europeia, a qual delega a gestão do mesmo em entidades nacionais, uma delas a Agência Nacional Erasmus+ Educação e Formação.
14- Enquanto entidade competente, a ANE+ EF aprovou a candidatura da Requerente ao programa.
15- As avaliações obtidas pelos alunos são transferidas para os respetivos sistemas de educação nacionais através do ECVET – European Credit Vocational Educational System sistema europeu que visa a transferência, o reconhecimento e a acumulação de resultados de aprendizagem, num contexto de mobilidade, para efeitos de obtenção de uma qualificação profissional no âmbito do Quadro Europeu de Qualificações.
16- A Requerente obteve certificado emitido pela Direcção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho, do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que a reconheceu como entidade formadora, a partir de 7 de Abril de 2020.
17- De acordo com o Learning agreement e Partnership agreement, pelos serviços prestados, à Requerente é fixada uma remuneração total, a qual é calculada em função de vários elementos.
18- Aquando da emissão das facturas, a Requerente é obrigada a fazer menção expressa a tais elementos que contribuem para o preço global dos cursos.
19- A Requerente foi objecto de uma inspecção tributária, referente aos anos de 2016, 2017 e 2018, em execução das ordens de serviço n.º OI012019..., 012019... e OI01019..., tendo o procedimento tido origem na identificação de divergências entre os valores constantes do VIES e os valores declarados pela Requerente nas suas declarações de IVA como aquisições de serviços.
20- A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia durante a fase inspectiva, na qual apresentou o seu entendimento e, em prol da descoberta da verdade material e requereu a inquirição de duas testemunhas.
21- Do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) consta, para além do mais, o seguinte:
(...)
22- Mais consta do RIT:
23-
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , o “relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Conforme já previamente exposto, a Requerente suscita, nos presentes autos de processo arbitral, as seguintes questões:
i. os serviços que realiza consubstanciam uma prestação de serviços única, de natureza educativa/formativa, composta por diferentes serviços, os quais representam uma unidade económica para o sujeito passivo adquirente, pelo que apenas se afigura aplicável a regra geral de localização prevista no artigo 6.º, n.º 6, alínea a) do CIVA aplicável, a contrario, e não da alínea e) do n.º 8 do mesmo artigo, sendo o IVA devido na sede do adquirente.
ii. a inscrição do número de identificação fiscal no VIES é um mero requisito formal que permite validar se determinado sujeito passivo está inscrito como operador económico que realiza operações intracomunitária, pelo que, uma vez que os estabelecimentos de ensino aos quais a Requerente fornece os seus serviços, praticam operações tributáveis no país onde estão estabelecidas, as mesmas devem considerar-se sujeitos passivos para efeitos da aplicação do artigo 6.º do CIVA, não podendo o registo (ou ausência deste registo) no VIES servir de critério material para afastamento da regra geral de localização, conforme pretende a AT.
iii. os serviços em causa estão abrangidos pela isenção prevista no artigo 132.º, alínea i) da Diretiva IVA, transposta para o ordenamento jurídico interno através do artigo 9.º, n.º 9 e 10 do CIVA, e segundo a qual estão isentas as operações relacionadas com a educação da infância e da juventude, o ensino escolar ou universitário, a formação ou reciclagem profissional, e bem assim as prestações de serviços e as entregas de bens com elas estreitamente relacionadas.
iv. vício de violação de lei, designadamente dos artigos 55.º, 58.º e 74.º, todos da LGT, por violação do princípio do inquisitório e do ónus da prova, dado a AT não ter levado a cabo as diligências necessárias à descoberta da verdade material.
Antes de mais, é de notar que, não obstante a Requerente peticionar reiteradamente a anulação das liquidações impugnadas in totum, o certo é que apenas o último vício elencado compreende aquela totalidade, já que toda a restante argumentação da Requerente se reporta, unicamente, à correcção a que se refere o ponto III.1.2 do RIT, referente a IVA não liquidado nas prestações de serviços.
Posto isto, em relação aos pontos i. e ii. elencados supra, é manifesto, julga-se, a improcedência dos mesmos.
Efectivamente, no que diz respeito ao primeiro, é a própria Requerente que reconhece (cfr. artigos 64.º e ss. do requerimento inicial) que, para que se considere uma prestação como única e complexa, é necessário, para além do mais, que a “disponibilização dos serviços conexos/acessórios seja de uma natureza ou de uma qualidade tais que, na falta dos mesmos, não poderia ser assegurado que a atividade principal teria valor equivalente.” (art.º 68.º do requerimento inicial).
Ora, é, também, a própria Requerente que confessa que “caso a Requerente não disponibilizasse os serviços logísticos complementares (alojamento, alimentação e transporte), aquela prestaria exatamente os mesmos serviços relacionados com o ensino e formação dos alunos em questão, os quais – pela sua excelência – seriam na mesma contratados.” (art.º 58.º do requerimento inicial).
Assim sendo, manifestamente que não se pode considerar que as prestações conexas sejam incindíveis da prestação principal, já que, como a Requerente refere, o serviço seria contratado na mesma, assim se evidenciando a não essencialidade daquelas.
Por outro lado, e já no que tange ao ponto ii. elencado supra, devidamente lido o RIT, verifica-se que a questão do registo no sistema VIES, apenas ali é relevada para a localização dos serviços designados “AC – Administration Costs”, tendo a AT considerado como não sujeitos passivos desse imposto, os clientes da Requerente, sedeados no estrangeiro, e não constantes do VIES.
Em todo o caso, e ainda relativamente a esta matéria, o que se verifica é que a Requerente vem, em sede arbitral, alegar que “que os estabelecimentos de ensino aos quais a Requerente fornece os seus serviços, praticam operações tributáveis no país onde estão estabelecidas” (art.º 96.º do seu requerimento inicial), sem, contudo, oferecer qualquer prova a tal respeito.
Deste modo, e pelo exposto, a questão fundamental a dirimir nos presentes autos, é a de aferir se, como pretende a Requerente, os serviços em causa estão abrangidos pela isenção prevista no artigo 132.º, alínea i) da Diretiva IVA, transposta para o ordenamento jurídico interno através do artigo 9.º, n.º 9 e 10 do CIVA, e segundo a qual estão isentas as operações relacionadas com a educação da infância e da juventude, o ensino escolar ou universitário, a formação ou reciclagem profissional, e bem assim as prestações de serviços e as entregas de bens com elas estreitamente relacionadas.
Vejamos, então.
*
Dispõe o artigo 9.º do CIVA aplicável, nos seus números 9 e 10, que:
“Estão isentas do imposto: (...)
9) As prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efectuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes;
10) As prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento, alimentação e material didáctico, efectuadas por organismos de direito público ou por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes;”.
Em causa nos presentes autos, conforme consta do RIT, estão os seguintes tipos de prestações:
- Alojamento (taxadas a 6%);
- Transportes (taxadas a 6%);
- Alimentação (taxadas a 6%);
- Restantes serviços sob as rúbricas “AC – Administrative Costs”, “CP – Cultural Program”, e “CP+PT+LC – Cultural Program and Portuguese Language Course” (taxadas a 23%).
A Requerente pretende, em primeira linha, que as prestações sejam consideradas uma prestação única de ensino, enquadrável directamente no n.º 9 do art.º 9.º do CIVA, ou, eventualmente, de formação profissional. enquadrável directamente no n.º 9 do art.º 9.º do CIVA.
Não obstante, e como já se viu, não é esse o caso, restando, por isso, aferir se se tratam de prestações conexas com alguma delas, tal como pressuposto por aqueles números 9 ou 10.
A este respeito, cumpre notar que se julga claro, face à matéria de facto dada como provada, que a situação em causa apenas se poderá enquadrar no número 10, já que o que se apura é que a actividade principal da Requerente, e as próprias formações em questão nos autos, têm a natureza de formação profissional.
Pressuposto daquele número 10, conforme resulta directamente do mesmo, é que as prestações sejam efectuadas por “por organismos de direito público ou por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes”.
Não sendo a Requerente, manifestamente, um organismo de direito público, cumpre apurar então se será enquadrável como entidade reconhecida como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes.
A AT, no RIT, assumiu que não, referindo, taxativamente, ali que “A sociedade, de acordo com informação da sócia gerente, não se encontra certificada como entidade formadora”, apurando-se, efectivamente, que a Requerente obteve certificado emitido pela Direcção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho, do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que a reconheceu como entidade formadora, a partir de 7 de Abril de 2020.
Contudo, apura-se ainda que, à data dos factos tributários:
- A Requerente era uma entidade acreditada junto da entidade da Comissão Europeia que gere o Erasmus+, condição sine qua non para o exercício desta actividade;
- O programa ERASMUS + é um programa da responsabilidade Comissão Europeia, a qual delega a gestão do mesmo em entidades nacionais, uma delas a Agência Nacional Erasmus+ Educação e Formação;
- Enquanto entidade competente, a ANE+EF aprovou a candidatura da Requerente ao programa.
Ora, tal não poderá deixar de se julgar como adequado a preencher o requisito legal do reconhecimento como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes.
Com efeito, o n.º 10 do artigo 9.º do CIVA aplicável não se refere especificamente a certificação pela DGERT, mas antes, ao reconhecimento de competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes, previsão genérica, que se deverá entender como abrangendo todas as formas legais de reconhecimento de competência para a prestação de serviços de formação profissional, com o consequente reconhecimento das habilitações daí resultantes.
Ora, é precisamente esse o caso da Requerente, que foi acreditada não só pela entidade comunitária que gere o programa Erasmus+, como teve aprovação da Agência Nacional Erasmus+ Educação e Formação, o que não se poderá deixar de considerar como suficiente para que o interesse público na formação profissional, que subjaz à isenção consagrada no n.º 10 do artigo 9.º do CIVA aplicável, se verifique no caso.
Assim, e pelo exposto, julga-se que a Requerente preenchia já, à data do facto tributário, o requisito de ser entidade reconhecida como tendo competência nos domínios da formação profissional pelos ministérios competentes.
Aqui chegados, resta, então, aferir se as prestações que não se reconduzam a serviços de formação profissional, se deverão considerar como prestações conexas daqueles serviços.
Não sendo o RIT exaustivo, aquilo que se apura, como se referiu já, é que as prestações em questão serão da seguinte natureza:
- Alojamento;
- Transportes;
- Alimentação;
- Outros serviços sob as rúbricas:
-> “AC – Administrative Costs”, que inclui o programa de trabalho, a documentação de apoio, a taxa de participação e a gestão e coordenação do projecto;
-> “CP – Cultural Program”, visitas de estudo, incluindo guias e acesso aos locais visitados; e
-> “CP+PT+LC – Cultural Program and Portuguese Language Course”, curso de preparação linguística.
Conforme resulta da previsão legal do n.º 10.º do artigo 9.º do CIVA aplicável, as prestações de fornecimento de alojamento, alimentação e material didáctico, porque relacionadas com os cursos de formação (o que não é questionado pela AT), deverão ser consideradas conexas.
Já no que respeita às restantes prestações, também se deverá concluir da mesma forma, reconduzindo-se à parte exemplificativa (“como sejam”) do normativo em causa.
Com efeito, nada no descritivo dos serviços facturados, ou em qualquer parte do RIT, sugere ou, muito menos, evidencia, que não se tratem de prestações indispensáveis à realização deste ou que se destinem essencialmente a proporcionar receitas suplementares à Requerente, antes se indiciando que se tratam de prestações relacionadas com os serviços de formação profissional em concreto (direccionados a alunos estrangeiros), nos mesmos termos que os serviços de fornecimento de alojamento, alimentação e material didáctico.
Assim, e como se escreveu no Ac. do STA de 25-03-2015, proferido no processo 01209/14:
“Não se descortinando no Relatório da Inspecção que serviu de base às correcções que deram origem à liquidação sindicada que as prestações de serviços desconsideradas pela Administração fiscal como abrangidas pelo âmbito da isenção das operações conexas com o ensino não se afiguram indispensáveis à realização deste ou que se destinem essencialmente a proporcionar (...) receitas suplementares, originando distorções da concorrência e sendo verosímil que a generalidade dos serviços que prestou tenham tido conexão com a actividade de ensino, impunha-se à Administração fiscal explicitar as razões pelas quais entendia que tais prestações de serviços, alegadamente conexas com o ensino, deviam como tal ser desconsideradas.”.
Face ao exposto, e deste modo, deve proceder o pedido arbitral nesta parte, anulando-se, em consequências, as liquidações impugnadas na parte em que reflectem as correcções a que se reporta o ponto III.1.2 do RIT, referente a IVA não liquidado nas prestações de serviços.
*
A Requerente argui ainda, abrangendo todas as correcções, a verificação de vício de violação de lei, designadamente dos artigos 55.º, 58.º e 74.º, todos da LGT, por violação do princípio do inquisitório e do ónus da prova, dado a AT não ter levado a cabo as diligências necessárias à descoberta da verdade material.
Assenta a Requerente essa sua alegação nas circunstância de que:
- A Requerente requereu à AT, aquando do exercício do direito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção, a inquirição de testemunhas;
- A AT não se pronunciou sobre tal requerimento;
- A AT emitiu o relatório de inspeção tributária afirmando que ela não solicitou tais diligências;
- Por não ter sido a AT a solicitar tais diligências, a AT não se pronunciou sobre o requerido, impedido a Requerente de, durante a fase inspectiva, fazer prova do por si invocado no direito de audição.
Relativamente a esta matéria, consta, expressamente, do relatório de inspecção:
Conforme se constata da mera leitura do RIT, não é verdade o alegado pela Requerente relativamente a a AT não se ter pronunciado sobre o seu requerimento, e a AT ter afirmado que ela não solicitou tais diligências.
Quanto à circunstância de a AT ter impedido a Requerente de, durante a fase inspectiva, fazer prova do por si invocado no direito de audição, conforme denota este mesmo processo arbitral, não é igualmente verdade, já que a AT nunca questionou os factos alegados pela Requerente, divergindo apenas quanto à sua qualificação jurídica.
Assim, não se verificando qualquer violação dos artigos 55.º, 58.º e 74.º, todos da LGT, deverá improceder esta parte do pedido arbitral.
*
A Requerente formula, também, um pedido de reenvio prejudicial.
Todavia, conforme fundamentação atrás exposta, a presente decisão acolhe a pretensão da Requerente, no que diz respeito à matéria que seria objecto do reenvio sugerido, em termos de não se suscitarem a este Tribunal arbitral quaisquer dúvidas na aplicação do direito europeu, tal como interpretado pelo TJUE, pelo que se indefere o requerido pedido de reenvio.
*
No pedido, a Requerente solicita, para além do mais, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Todavia, não se mostra alegado, nem consequentemente provado, que a Requerente haja pago o imposto ilegalmente liquidado, pelo que não poderá ser deferido o referido pedido acessório, sem prejuízo de, mostrando-se aqueles juros devidos, e não sendo os mesmos pagos, os mesmos poderem ser exigidos em sede de execução de julgado.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular os actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos períodos dos anos de 2016, 2017 e 2018, com os n.ºs 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., na parte em que reflectem as correcções a que se reporta o ponto III.1.2 do RIT, referente a IVA não liquidado nas prestações de serviços;
b) Julgar improcedente a restante parte do pedido arbitral, dele absolvendo a Requerida;
c) Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de €134,00 a cargo da Requerente e de € 4.150,00, a cargo da Requerida.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 201.619,82, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2022
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Elisabete Flora Louro Martins Cardoso)
O Árbitro Vogal
(Arlindo José Francisco)