Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 181/2021-T
Data da decisão: 2022-02-18  IMT  
Valor do pedido: € 27.719,13
Tema: IMT - Estatuto dos Benefícios Fiscais; Cumulação de benefícios; Artigo 270º, n.º 2 do CIRE.
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Sumário:

1.            A isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, traduz-se num benefício fiscal automático, resultante direta e imediatamente da lei, devendo ser verificado pelo sujeito ativo da relação jurídico-tributária antes da prolação da liquidação de IMT que seria de efetuar;

2.            A caducidade da isenção prevista no artigo 8.º do CIMT, não extingue ou preclude o direito ao benefício fiscal constante do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, cujos pressupostos se verificavam no momento da aquisição imobiliária;

               

Decisão Arbitral

 

 1. Relatório

A... – SUCURSAL EM PORTUGAL, com sede em ..., ..., ...-... Lisboa, titular do Número único de Identificação de Pessoa Coletiva  e  de  matrícula  na  Conservatória  de  Registo  Comercial  ..., submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em  cumulação de  pedidos, a constituição e pedido de pronúncia arbitral (PPA) com vista à ao abrigo dos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) anulação das liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.ºs ..., de 8 de Fevereiro de 2017, no montante de EUR 14.079,00; ..., de 10 de Julho de 2018, no montante de EUR 1.113,86; 5851169, de 14 de junho de 2018, no montante de EUR 10.634,48; ..., de 28 de Fevereiro de 2019, no montante de EUR 600,00; ..., de 27 de Fevereiro de 2019, no montante de EUR 1.291,79, e, bem assim, das decisões de indeferimento proferidas no âmbito dos procedimentos de revisão oficiosa.

 

A Requerente fundamenta a ilegalidade das decisões e dos atos tributários que lhes subjazem, assente, em termos sintéticos, no seguinte:

- Ter direito à isenção de IMT prevista no artigo 270º, n.º 2 do CIRE, não obstante ter preteritamente tentado beneficiar da isenção de IMT prevista no artigo 8º, n.º 1 do CIMT;

- A situação tributária de um mesmo sujeito passivo de IMT – decorrente de contrato

de compra e venda de imóvel por si celebrado – é suscetível de concorrer para o preenchimento de ambos os benefícios fiscais, sem que tal bula com qualquer deles.

- O benefício fiscal previsto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, sempre que aplicado por referência a processo de insolvência, possui caráter automático na aceção do artigo 5.º, n.º 1, do EBF, na medida em que resulta direta e automaticamente da lei, não estando a sua aplicação dependente da prolação de ato administrativo por parte da Autoridade Tributária.

- No específico caso da isenção prevista no artigo 270.º do CIRE, está-se perante um benefício fiscal para o qual só se prevê, no artigo 16.º, n.º 2, do CIRE, a necessidade de reconhecimento prévio pela Autoridade Tributária quando aplicado no âmbito de processo de reestruturação e revitalização de empresas previsto no Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto.

- Nos outros casos enquadráveis no artigo 270.º do CIRE, não se prevendo expressamente a necessidade de reconhecimento prévio, está-se perante isenções de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no artigo 19.º, n.º 1, do CIMT, como resulta do disposto na alínea d) do n.º 8 do artigo 10.º do CIMT.

- O não averbamento da isenção do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE um erro imputável à Autoridade Tributária, não poderá, naturalmente, o mesmo obstar ao correto enquadramento jurídico-fiscal da situação, pelo que o averbamento na declaração Modelo 1 de IMT de uma isenção diversa (no caso, a isenção do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT) não prejudica a aplicação da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, a qual, como já ficou demonstrado, é aplicável.

- Estando preenchidos os requisitos ínsitos no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, a Autoridade Tributária estava impedida de emitir as liquidações de IMT objeto dos presentes autos.

-Tendo-as emitido, as mesmas padecem de ilegalidade por força da preterição do disposto nos artigos 270.º, n.º 2, do CIRE, 10.º, n.º 8, alínea d), do CIMT e 14.º, n.º 8, do EBF, devendo, por isso, ser expurgadas da ordem jurídica por parte desse Douto Tribunal Arbitral.

-Requer que se reconheça a ilegalidade dos atos decisórios e tributários ora contestados, diligenciando  pela  sua anulação  ao  abrigo  do  artigo  163.º  do  CPA,  impondo-se  a  restituição  do  imposto indevidamente  suportado,  nos  termos  do  artigo  100.º  da  LGT,  acrescido  de  juros indemnizatórios,  nos  termos  do  artigo  43.º,  n.º  3,  da  LGT,  tudo  com  as  demais consequências legais.

- Defendem os serviços da Autoridade Tributária que a opção pela aplicação de um benefício fiscal faz precludir o direito de usufruir de qualquer outro benefício fiscal, incluindo de natureza automática, ainda que a situação fáctica seja passível de enquadramento neste último.

- Tal entendimento colide mesmo, de modo manifesto, com o princípio da legalidade fiscal, por ofensa ao estatuído nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP “É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: [...] i) criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”.

- Esta competência poderá, no entanto, mediante autorização legislativa, ser exercida pelo Governo (cfr. artigo 165.º, n.º 1, in fine, da CRP).

- De acordo com o preceituado no artigo 198.º, n.º 1, alínea b), da CRP “Compete ao Governo, no exercício de  funções  legislativas:  […]  fazer decretos-leis em  matérias  de  reserva  relativa  da Assembleia da República, mediante autorização desta”.

- Prescreve o artigo 8.º, n.º 1, da LGT que “Estão sujeitos ao princípio da legalidade  tributária  a  incidência,  a  taxa,  os  benefícios  fiscais,  as  garantias  dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contraordenações fiscais”.

- O legislador constitucional reservou à Assembleia da República e ao Governo, mediante autorização legislativa, o poder legislativo de criar impostos e dispor sobre a totalidade

da sua disciplina jurídica.

- Embora, em rigor, os benefícios fiscais não se incluam nos elementos essenciais do imposto, é inequívoco, em face da literalidade do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que a criação de benefícios fiscais está também sujeita à reserva de lei formal, independentemente da modalidade que assuma (v.g., isenções, reduções de taxas, exclusões de incidência, etc.).

- Os benefícios fiscais estão sujeitos à reserva de lei formal, pelo que só poderão ser criados e, por maioria de razão, derrogados ou revogados por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado do Governo.

- A reserva relativa da Assembleia da República para criar impostos inclui, naturalmente, a competência para  modificar,  derrogar  ou  revogar  qualquer  aspeto  da  sua  disciplina  jurídica, designadamente  a  incidência  subjetiva  e  objetiva,  a  taxa,  os  benefícios  fiscais  e  as  garantias  dos contribuintes.

- Sendo um benefício fiscal criado por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado do Governo, a competência para a sua revogação ou derrogação está reservada pela CRP a estes órgãos de soberania.

- É notório que a aplicação de um benefício fiscal de isenção de IMT não pode ser restringida e/ou disciplinada por um mero entendimento da Autoridade Tributária, não sufragado no texto legal, sob pena de afrontar o princípio da legalidade em matéria tributária, na sua vertente de reserva de lei.

- Nessa medida, resulta evidente que o princípio da legalidade se mostra afrontado quanto à dimensão do princípio da reserva de lei, uma vez que os artigos 270.º, n.º 2, do CIRE, 10.º, n.º 8, alínea d), do CIMT, e 14.º, n.º 8, do EBF não contemplam expressamente – porque tal não foi a opção do legislador – qualquer obstáculo à subsunção de determinada situação fáctica a diversos benefícios fiscais.

- Interpretando-se conjugadamente as normas em causa – reitere-se, os artigos 270.º, n.º 2, do CIRE, 10.º, n.º 8, alínea d), do CIMT e 14.º, n.º 8, do EBF – como derrogando tacitamente a aplicação sucessiva ou cumulativa de benefícios fiscais, ainda que verificando-se os pressupostos de que depende a sua aplicação, é inequívoco que aquele princípio se mostra violado.

- Atento todo o exposto, sempre será de concluir que a interpretação conjugada dos artigos 270.º, n.º 2, do CIRE, 10.º, n.º 8, alínea d), do CIMT e 14.º, n.º 8, do EBF, no sentido de derrogar a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, como aventada pela Autoridade  Tributária,  afigura-se  violadora  do  princípio  constitucional  da  legalidade 

tributária, na vertente de reserva de lei formal, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º,

n.º 1, da alínea i), da CRP, impondo-se a anulação dos atos decisórios e tributários em  conformidade,  nos  termos  do  artigo  163.º  do  CPA,  tudo  com  as  demais consequências legais.

Em 30.03.2021 foi aceite o pedido do PPA apresentado pela Requerente, não tendo a Requerida procedido à revogação dos atos tributários arbitralmente impugnados.

 O árbitro único foi designado em 31.05.2021.

Nesta decorrência, foi este Tribunal Arbitral constituído em 22.06.2021.

 

Notificada a Requerida para, querendo, apresentar Resposta, veio esta a exercer esse mesmo direito, pugnando pela improcedência do PPA, defendendo-se quer por exceção, quer por impugnação.

Assim, nos termos da Resposta aduzida pela Requerida, esta fundamenta o seu posicionamento, assente na formulação que igualmente aqui sinteticamente se sumariza:

- Sem prejuízo do que adiante se dirá em sede de defesa por impugnação sobre o entendimento veiculado pela Requerente, importa desde já suscitar o erro na forma de processo.

- A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral visando atacar a supra identificada liquidação de IMT.

-Porém, o thema decidendum prende-se com a concessão e reconhecimento de dois benefícios fiscais previstos no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE e no art.º 8.º do CIMT.

Ora, à luz desta pretensão é a acção administrativa que configura o meio processual adequado para efectuar a apreciação da matéria (pois que aquela constitui o meio de reacção destinado a apreciar actos em matéria tributária – n.º 2 do art.º 97.ºdo CPPT), e não o pedido de pronúncia arbitral (pois que este constitui um dos meios de reação destinados a apreciar actos tributários – n.º 1 do art.º 2.º RJAT), de onde se colhe que a Requerente pretende enxertar uma acção Administrativa no presente pedido de pronúncia arbitral.

-Porém, tal não é legalmente possível, pelo que este centro de arbitragem deve abster-se de conhecer do pedido, uma vez que o meio processual utilizado pela Requerente não comporta a apreciação daquele.

- A impropriedade do meio processual consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos art.º 577.º e n.º 1 do art.º 278.º ambos do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

- Em decorrência directa do que se acaba de suscitar, importa igualmente suscitar a incompetência deste centro de arbitragem, porquanto a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei.

- Com efeito, a competência dos tribunais arbitrais está circunscrita às matérias elencadas no artigo 2.º/1 do RJAT, a saber:

«(…) a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.»

- À luz daquele artigo resulta claramente que se encontra fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes ao reconhecimento de isenções fiscais, sob pena de violação da lei.

- Na realidade, a questão do reconhecimento de isenções fiscais é matéria reservada à jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais.

- A incompetência matéria deste centro de arbitragem para a apreciação da questão da isenção fiscal consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no n.º 1 e 2 do art.º 576.º e na alínea a) do art.º 577.º do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

- Importa igualmente suscitar a incompetência deste centro de arbitragem para a apreciação do reconhecimento de isenção fiscal relacionada com a transmissão de bens imóveis integrados em processo de insolvência.

- Como acima foi dito, a competência dos tribunais arbitrais está circunscrita às matérias elencadas no artigo 2.º/1 do RJAT, sendo que as isenções fiscais previstas no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE assentam na verificação de dois pressupostos:

1.º          Que a transmissão dos imóveis opere por (i) venda, (ii) permuta ou (iii) cessão da empresa ou de estabelecimentos desta; e

2.º          Que a (i) transmissão dos imóveis esteja integrada num plano de insolvência ou num plano de pagamentos ou (ii) a transmissão seja praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente.

- Contudo, a verificação daqueles pressupostos legais recai exclusivamente sobre o órgão judicial onde correu o processo de insolvência.

- E isto porque apenas o juiz titular do processo de insolvência está em condições de proceder à verificação dos pressupostos legais exigidos no n.º 2 art.º 270.º do CIRE.

- O mesmo se diga quanto à isenção prevista no n.º 1 do art.º 8.º do CIMT e, consequentemente, com a verificação dos pressupostos legais ínsitos naquela norma, verificação essa que é exclusivamente feita pelo juiz titular do processo judicial (executivo, falimentar ou de insolvência), pelo que só os autos de insolvência (que o magistrado judicial dirige e conhece) é que contêm os elementos necessários para aferir aquela verificação.

- Ora, este centro de arbitragem não foi o órgão judicial onde correu o processo de insolvência.

- Acresce que este centro de arbitragem não detém sequer os elementos mínimos para aferir da verificação dos pressupostos legais exigidos no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE e no n.º 1 do art.º 8.º do CIMT.

- Significa isto que, quer à luz do n.º 2 do art.º 270.º do CIRE e no n.º 1 do art.º 8.º do CIMT, quer por força dos elementos carreados no pedido de pronúncia arbitral, resulta claramente que se encontra fora da esfera deste centro de arbitragem a apreciação de quaisquer questões referentes ao reconhecimento de isenções fiscais relacionadas com a transmissão de bens imóveis integrados em processo de insolvência.

- A incompetência material deste centro de arbitragem para a apreciação da questão da isenção fiscal consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no n.º 1 e 2 do art.º 576.º e na alínea a) do art.º 577.º do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

Já quanto ao objeto dos presentes autos propriamente dito, aduziu a Requerida a seguinte argumentação em prol da legalidade dos atos tributários e das respetivas decisões de indeferimento que aqueles tinham por base:

- Os benefícios fiscais constituem derrogações ao regime normal de tributação – a chamada «tributação–regra» - consubstancia-se numa vantagem (desagravamento) em favor de certas entidades ou actividades e são sempre instrumentos de política que visam alcançar objectivos extra-fiscais, de natureza económica, social ou de outra natureza com relevante interesse público.

- Só se admitem benefícios fiscais de natureza individual – contratuais – por razões excepcionais, devidamente justificadas no diploma que os instituir (art.º 6.º EBF e n.º 5 art.º 36.º e art. 37.º da LGT).

- Por outro lado, e para o que aqui nos interessa e ocupa os benefícios fiscais, são uma despesa fiscal   passiva nas palavras de Casalta Nabais  , na medida em que incide sobre uma situação sujeita a tributação e equivale, em termos quantitativos, a uma receita fiscal não arrecadada.

- Em termos interpretativos, as normas que os estabeleçam não são susceptíveis de integração analógica – dada a sua natureza excepcional (art.º 10.º do EBF e n.º 4 do art.º 11.º, da LGT).

- No caso concreto, não está verificada uma coexistência de um direito subjectivo a duas isenções aplicáveis ao mesmo facto tributário, nem qualquer outra circunstância que, de algum modo, possam legitimar um direito superveniente à opção por parte da empresa interessada na isenção de IMT.

- Ou seja, pretende a Requerente, enviesadamente e conforme mais lhe apraz, que  não sendo possível beneficiar de um beneficio fiscal, pós o mesmo haver caducado, então beneficie-se de outro.

- Aliás, dissecando o EBF, tão pouco se vislumbra ou antevê essa possibilidade, i.e., a lei não prevê a sucessão ou acumulação destas isenções.

- Ou seja, perante a factualidade enquadrável em ambas as previsões, n.º 2 do art.º do 270.º do CIRE e do art.º 8º do CIMT, não há que admitir que se possa verificar qualquer tipo de aplicação cumulativa ou sucessiva de benefícios fiscais.

- Em termos gerais, as condições para usufruir de uma isenção de IMT têm de ser aferidas no momento em que ocorre o facto gerador de imposto, que a isenção visa impedir.

- Ora, a obrigação tributária em sede de IMT constitui-se no momento em que ocorre a transmissão. (cfr. n.º 2 do art.º 5.º do CIMT).

- A usufruição de uma isenção no momento em que ocorre a obrigação tributária traduz-se na verificação de um facto impeditivo da tributação e invalida (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção.

- No caso concreto, verificando-se que a ora Requerente optou, no acto translativo do prédio, por invocar outra isenção de IMT para impedir a tributação, deve considerar-se que existiu uma renúncia à isenção ora requerida, ao abrigo do n.º 2 do art.º 270.º do CIRE, cuja aplicação ficou, subsequentemente, prejudicada.

- Efectivamente, relembre-se e saliente-se que cada benefício fiscal tem fins e objectivos próprios e constitui, sempre, uma despesa fiscal,

- Não sendo o EBF e os demais benefícios fiscais, esparsos pela legislação, inletutavalmente e por conseguinte, um mero cardápio ao dispor dos contribuintes que vendo caducada uma isenção, logo lançam mão de outro qualquer benefício fiscal, não invocado ab initio, conforme mais lhes apraz.

- É que o acto de concessão de um benefício fiscal está legalmente vinculado e os pressupostos e procedimento de atribuição resultam diretamente da lei.

- Tendo sido a isenção, prevista no art.º 8.º do CIMT, requerida e usufruída pelo contribuinte no acto de aquisição/translativo, não existe possibilidade de atribuição posterior de outra isenção,

- Exactamente por, repristine-se e repita-se à saciedade, a lei não prever a sucessão ou acumulação destas isenções.

- Assim, não tendo optado por exercer o direito subjetivo à isenção prevista no n.º 2 art.º 270.º do CIRE à data do acto translativo do imóvel, o exercício deste direito ficou precludido e deixou de existir na esfera jurídica da empresa adquirente.

Tanto mais que a ora Requerente nem sequer o fez valer, em tempo oportuno, perante a entidade competente para o seu reconhecimento.

- O benefício fiscal a que se refere o artigo 8º do CIMT Trata-se de uma isenção de IMT que visa um mecanismo técnico de “transparência fiscal” em operações em que as instituições de crédito/sociedades financeiras acedem ao património dos seus devedores, [sem que essa transferência de titularidade estivesse prevista ab initio ou possa revestir minimamente a natureza de investimentos imobiliários].

- Aliás, tão pouco deter imóveis é um instrumento ou objecto nuclear do negócio das entidades destinatárias desta isenção, pelo que, a passagem de bens com esta natureza pelos activos das mesmas há de ser meramente residual e transitória nos termos das disposições antes referidas do RGICSF;

- Por isso, facilmente se compreende que, nos termos do n.º 6 do art.º 11.º do CIMT, as aquisições referidas deixarão de beneficiar de isenção se os prédios não forem alienados no prazo de cinco anos.

-Em suma, trata-se de uma isenção criada especificamente em sede de IMT, de carácter estrutural, específica, dirigida ao sector financeiro aquando da “obrigação” de aquisição de imóveis, sendo que as aquisições deste tipo de bens “será marginal” à actividade das entidades suas beneficiarias, no entanto, não raras as vezes, estas transmissões ocorrem como meio legítimo de a banca cobrar os seus créditos, ou parte deles, cujos devedores não os conseguiram satisfazer.

- Já no que concerne ao n.º 2 do art.º 270.º do CIRE, a sua aplicação depende de as transmissões onerosas de imóveis da empresa insolvente se encontrarem integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

- Pelo que não poderia, obviamente, estar sujeita a uma qualquer condição resolutiva de caducidade, por outro lado é uma isenção que, contrariamente à isenção prevista no art.º 8.º do CIMT, poderá ser aplicada independentemente de quem seja sujeito passivo do imposto: a entidade devedora, os seus credores ou alguns terceiros.

- Demonstra-se, assim, a manifesta diferença da mens legis e a ratio subjacente a isenção do IMT, prevista no n.º 1 do art.º 8.º do CIMT, tal como para a isenção prevista no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE.

- Considerando que na isenção prevista no art.º 8.º do CIMT, o legislador pretendeu delimitar o âmbito da isenção de forma a manter a ideia de que a isenção para este tipo de instituições é devido à especificidade do seu negócio e não permitir utilizações abusivas por parte dos agentes económicos.

- Ora o indeferimento que recaiu sobre pedido de isenção formulado nos termos do n.º 2 do artigo 270º do CIRE deverá manter-se na ordem jurídica, uma vez que, pelos motivos ora apontados, o direito subjetivo a tal isenção precludiu à data do acto translativo do imóvel, no qual a ora Requerente optou pela isenção do art.º 8.º do CIMT – a qual caducou - , pelo que deverá improceder o alegado.

- O princípio de legalidade, expresso no n.º 2 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) impõe que os impostos e os seus elementos essenciais (incidência; taxa, benefícios fiscais e garantia dos contribuintes) têm obrigatoriamente de ser criados por lei.

- Nesta perspectiva, o princípio da legalidade está ligado umbilicalmente ao princípio democrático, visto que os impostos apenas podem ser criados e regulamentados pelo órgão que representa directamente o povo soberano – a Assembleia da República (AR).

- De facto, a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP estabelece que as matérias referentes a impostos são da reserva relativa da Assembleia da República (AR).

- Quer isto dizer que os impostos apenas podem nascer ou de uma lei da Assembleia da República ou de um decreto-lei autorizado pelo Governo, habilitado primeiramente por uma lei de autorização legislativa nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 165.º da CRP.

- Por outro lado, atendendo à natureza excepcional das normas que conferem benefícios fiscais, os preceitos que estabelecem isenções devem ser interpretados restritivamente e com enorme parcimónia, conforme já aqui foi referido.

- Repita-se, a Requerente ao beneficiar da isenção do IMT nos termos do n.º 1 do art.º 8.º do IMT a mesma torna-se eficaz no momento do nascimento da obrigação tributária, que, ao impedir a tributação, inviabiliza a possibilidade – ainda que hipotética – de funcionar, relativamente à mesma situação de facto, a previsão contida na norma que estabelece uma outra isenção.

- Admitir-se uma actuação diferente ao quadro legal que vem de expor-se, configuraria ao que se considera uma actuação por parte da administração tributária em violação do princípio da legalidade.

- Por tudo o quanto vem ante exposto e uma vez que em ambas as previsões, quer a do art.º 270.º, n.º 2 do CIRE quer a do art.º 8.º do CIMT, não se prevê a possibilidade de admitir qualquer tipo de aplicação cumulativa ou sucessiva de benefícios fiscais, o entendimento da AT em nada viola o princípio constitucional da legalidade tributária – antes reforça esse mesmo princípio – , inclusive na vertente de reserva de lei formal, nos termos do n.º2 do art.º 103.º e alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP.

- E, reforce-se neste âmbito que, sendo os benefícios fiscais medidas fiscais de carácter excepcional, relacionadas com a própria tributação que impedem – n.º 1 do art.º 2.º do EBF, o legislador delimita, com rigor, as situações concretas objecto de benefício e as condições para operar, em conformidade com o princípio da legalidade.

- Na sequência das exceções erigidas pela Requerida, veio a Requerente a responder às exceções, tendo aduzida a argumentação que sumariamente se descreve:

-Em nenhum momento pretendeu a Requerente enxertar qualquer outra forma processual na presente ação, pois que não pretende que esse Douto Tribunal reconheça ou conceda qualquer benefício fiscal.

- O que pretende a Requerente é que esse Douto Tribunal se pronuncie sobre a (i)legalidade dos atos objeto do pedido, atentos determinados factos e direito aplicável – ou seja, face a determinada causa de pedir, que não se pode, pois, confundir com os pedidos formulados ou o efeito pretendido com a procedência dos mesmos.

- Assim, e ao contrário do que alega a Entidade Requerida, a forma processual empregue pela Requerente é a correta, apta e legalmente prevista para as pretensões que formulou, atento que, como resulta claro do pedido de pronúncia arbitral, o  thema decidendum nos presentes autos não é o  reconhecimento  ou concessão de qualquer benefício fiscal, mas antes a (i)legalidade dos atos em crise, porquanto praticados com absoluta (e inexplicável) desconsideração da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do Código da

Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”).

- Note-se, ainda, quanto a este particular, ser também a própria Entidade Requerida a reconhecer na sua resposta, mais adiante, ser o thema decidendum o pedido “dirigido contra os atos de liquidação de IMT em  apreço,  bem  como  contra  o  indeferimento  dos  pedidos  de  revisão”  (cfr.  ponto  V  da  resposta, concretamente epígrafe e artigo 43.º).

-Termos  em  que  deverá  a  exceção  de  impropriedade  do  meio  processual  empregue

improceder, o que desde já se requer a esse Douto Tribunal para os devidos efeitos legais.

- Em segundo lugar, vem a Entidade Requerida suscitar a exceção de incompetência material desse Douto  Tribunal  para  julgar  os  pedidos  formulados  pela  Requerente  (cfr.  artigos  26.º  a  41.º  da resposta).

- Se bem se entende a alegação da Entidade Requerida, a Requerente pretensamente

pretenderia que fosse esse Douto Tribunal a proceder ao reconhecimento de um qualquer benefício fiscal ou a apreciar a legalidade de um qualquer ato de reconhecimento de um benefício fiscal.

- Sucede, porém, que tal não é o caso, pretendendo (e tendo peticionado) a Requerente, tão somente, a declaração de ilegalidade dos atos tributários e dos atos decisórios que sobre a legalidade dos primeiros versaram.

- Razões pelas quais, não poderá proceder a alegada exceção de incompetência material invocada pela Entidade Requerida.

- Por outro lado, entende a Entidade Requerida que esse Douto Tribunal é incompetente para apreciar o reconhecimento de isenções fiscais relacionadas com a transmissão de bens imóveis integrados em processo de insolvência, porquanto a verificação dos respetivos pressupostos recai exclusivamente sobre o órgão jurisdicional onde correu termos o processo de insolvência, por apenas o respetivo juiz titular estar em condições de verificar o preenchimento dos respetivos pressupostos (cfr. artigos 31.º a 35.º da resposta).

-Com efeito, segundo a Entidade Requerida, o conhecimento dos factos de que depende a aplicação da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE apenas seria admitido ao magistrado titular do processo de insolvência, sendo ilícito (e impossível, refere) a qualquer outro órgão jurisdicional (cf. artigos 37.º a 39.º da resposta).

-Conforme se vem dizendo, em parte alguma do pedido de pronúncia arbitral se requereu a esse Douto Tribunal o reconhecimento de um qualquer benefício fiscal ou mesmo a emissão de pronúncia quanto a qualquer ato de reconhecimento.

- Pretende a Entidade Requerida, com o devido respeito, tratar para estes efeitos indistintamente os factos dos autos, bem como os benefícios constantes do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT e aqueloutro previsto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.

Sucede que, desde logo, não se trata nos presentes autos nem do reconhecimento da isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, nem de nenhum putativo reconhecimento da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.

-  A prolação de decisão arbitral foi objeto de prorrogação nos termos do artigo 21º do RJAT, tendo sido definida e notificadas as partes da data para prolação da mesma a 20.12.2021.

- Por um lado, e quanto ao benefício previsto no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, o mesmo foi requerido e concedido à  Requerente,  tendo  posteriormente  caducado    conforme  resulta  provado  quer  por documento, quer por acordo (cfr. artigos 10.º e 11.º da resposta).

- Por outro,  e  conforme  amplamente  demonstrado  no  pedido  de  pronúncia  arbitral    que  aqui  se considera integralmente reproduzido –, o benefício plasmado no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE é um benefício fiscal automático e, portanto, não dependente de qualquer reconhecimento.

- Com efeito, o direito ao gozo do benefício fiscal emerge direta e automaticamente da lei, não estando sujeito a qualquer reconhecimento por parte da Autoridade Tributária nem de qualquer tribunal.

- Questão diferente, e é aquela que releva nos presentes autos, é a de saber se a esse Douto Tribunal é admissível conhecer dos factos que determinam a aplicação (automática e irrenunciável) do benefício constante do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE; e claramente se diga que não poderá a resposta deixar de ser afirmativa.

Conforme  decorre  do  artigo  5.º,  n.º  1,  do  Estatuto  dos  Benefícios  Fiscais,  resultando  direta  e imediatamente da lei que a verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais automáticos será efetuada por qualquer órgão aplicador da lei fiscal no âmbito das respetivas atribuições e competências, isto é: (i) pela Autoridade Tributária (designadamente, antes da emissão de quaisquer liquidações de imposto) e, bem assim, (ii) pelos tribunais, sempre que, como é o caso, tenha sido impugnada uma liquidação de imposto ilegal em virtude de se estar perante uma isenção.  

- Mas, também, não procede o argumento da impossibilidade/inviabilidade desse Douto Tribunal tomar conhecimento dos pressupostos (factos) que consubstanciam a previsão da isenção (automática) em causa.

- Em primeiro lugar, tais factos são públicos, na exata medida em que o próprio processo onde os mesmos ocorrem também o é, nos termos dos artigos 17.º do CIRE e 163.º do CPC.

- Mas também, e mesmo que assim não fosse, sempre teria esse Douto Tribunal conhecimento dos factos relevantes para a verificação da aludida isenção através da alegação e prova trazidas ao processo pelas partes, como sucede, aliás, nos presentes autos – alegação e prova realizadas quer pela Requerente quer mesmo pela Entidade Requerida.

- Termos em que deverá a alegada exceção de incompetência material improceder, o que desde já se requer a esse Douto Tribunal para os devidos efeitos legais.

- Refira-se, por fim, que a matéria aqui em causa foi já amplamente discutida (e uniformemente decidida) pela jurisprudência arbitral e tributária.

- Com efeito, a competência material dos tribunais arbitrais para o julgamento de causas em tudo semelhantes à dos presentes autos foi corroborada, por exemplo, no âmbito dos processos n.os 123/2015- T, 599/2015-T, 693/2015-T, 252/2016-T, 283/2016-T, 286/2016-T e 20/2018-T.

- Por  tudo  quanto  se  expôs,  pugna-se  pela  improcedência  das  exceções  invocadas  pela Entidade Requerida, o que não poderá deixar de ser sindicado por esse Douto Tribunal antes da apreciação do mérito da presente causa.

 

Em 20.12.2021 foi proferido Despacho Arbitral no qual se prorrogou o prazo para prolação de decisão e convidadas as partes a, querendo, formular Alegações escritas.

 

Requerente e Requerida vieram a apresentar as suas respetivas Alegações, através das quais, no essencial, secundaram as posições já inicialmente expendidas em sede de PPA e de Resposta, respetivamente.

A Requerente veio a proceder ao pagamento da taxa de justiça subsequente.

 

 

 2. Saneamento

1. O tribunal arbitral singular foi regularmente constituído em 22 de Junho de 2021, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2.As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3. A cumulação de pedidos efetuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em que estão em causa decisões de indeferimento de revisões oficiosas, baseadas em  liquidações de um mesmo imposto - Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis - assentes em similar base factual e aplicando as mesmas regras de direito, objeto de subsequentes pedidos de Revisão Oficiosa indeferidos, encontra-se destarte plenamente justificada a cumulação de pedidos efetuada,  face ao princípio da economia processual consagrado no artigo 3º do RJAT.

4.            O processo não padece de vícios que o invalidem;

5.            A matéria de exceção suscitada pela Requerida será apreciada a final.

 

     3. Fundamentação de Facto:

3. 1. Factos Provados:

Analisada a prova documental produzida e o posicionamento das partes, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.            A Requerente é uma instituição financeira que exerce normal e habitualmente a atividade comercial prevista no artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

2.            No âmbito da sua atividade, na sequência da resolução de contratos de concessão de crédito, a Requerente adquire alguns dos imóveis que haviam sido dados como garantia pelos seus clientes.

3.            A aquisição destes imóveis pela Requerente tem lugar, muitas das vezes, em processos de execução, insolvência ou dação em cumprimento, tendo em vista a recuperação do investimento realizado aquando da concessão do crédito.

4.            Nos anos de 2011 e 2013, a Requerente tornou-se proprietária dos prédios urbanos identificados infra:

− Fração autónoma A do prédio inscrito na matriz predial urbana na união das freguesias de ... e ..., distrito e concelho de Aveiro, sob o artigo matricial ..., doravante “imóvel 1” – cfr. cópias do título de transmissão e da caderneta predial, juntas como documento n.º 3 do PPA;

− Fração autónoma B do prédio inscrito na matriz predial urbana na união das freguesias de ... e ..., distrito e concelho de Aveiro, sob o artigo matricial ..., doravante “imóvel 2” – cfr. cópias do título de transmissão e da caderneta predial, juntas como documento n.º 4 do PPA;

− Fração autónoma A do prédio inscrito na matriz predial urbana na união das freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e..., distrito e concelho do Porto, sob o artigo matricial..., doravante “imóvel 3” – cfr. cópias do título de transmissão e da caderneta predial, juntas como documento n.º 5 do PPA;

− Fração autónoma D do prédio inscrito na matriz predial urbana na freguesia de..., concelho de Silves e distrito de Faro, sob o artigo matricial ..., doravante “imóvel 4” – cfr. cópias do título de transmissão e da caderneta predial, juntas como documento n.º 6 do PPA;

− Fração autónoma J do prédio inscrito na matriz predial urbana na freguesia de..., concelho de Silves e distrito de Faro, sob o artigo matricial ..., doravante “imóvel 5” – cfr. cópias do título de transmissão e da caderneta predial, juntas como documento n.º 7 do PPA;

− Prédio urbano inscrito na respetiva matriz na freguesia de ..., concelho da Calheta (Madeira) e distrito do Funchal, sob o artigo matricial..., doravante “imóvel 6” – cfr. cópias do título de transmissão e da caderneta predial, juntas como documento n.º 8 do PPA.

5.            As aquisições dos supra identificados imóveis tiveram lugar no âmbito de processos de insolvência em que a Requerente havia assumido a posição de credor com garantia real, os quais abaixo melhor se identificam.

6.            Assim, os imóveis 1 e 2 foram adquiridos no âmbito do processo de insolvência n.º .../09...T2AVR que correu termos no Juízo do Comércio de Aveiro da Comarca do Baixo Vouga, em que era insolvente a sociedade “B..., Lda.”, tendo nos autos ficado lavrada a adjudicação à Requerente, na ausência de qualquer proposta de valor superior, pelo preço de EUR 120.400,00 (cento e vinte mil e quatrocentos euros) e EUR 96.200,00 (noventa e seis mil e duzentos euros), respetivamente, preço que a Requerente ficou parcialmente dispensada de depositar nos termos do artigo 815.º (anterior artigo 887.º) do Código de Processo Civil (“CPC”) – cfr. documentos n.ºs 3 e 4 junto com o PPA;

7.            − O imóvel 3 foi adquirido no âmbito do processo de insolvência n.º .../12...TYVNG que correu termos no Primeiro Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, em que era insolvente a sociedade  “C...,  Lda”,  tendo  nos  autos  ficado  lavrada  a adjudicação imediata à Requerente nos termos do artigo 164.º, n.º 3, do CIRE pelo preço de EUR 163.000,00 (cento e sessenta e três mil euros), tendo a mesma procedido ao pagamento de 20% do valor proposto, no montante de EUR 32.600,00 (trinta e dois mil e seiscentos euros), tendo ficado dispensada do pagamento do restante nos termos dos artigos 815.º (anterior artigo 877.º) do CPC, 164.º e 165.º do CIRE – cfr. documento n.º 5 junto com o PPA;

8.            Os imóveis 4 e 5 foram adquiridos no âmbito do processo de insolvência n.º .../12...TYLSB que correu termos no Primeiro Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, em que era insolvente a sociedade “D..., Lda.”, tendo nos autos ficado lavrada a adjudicação à Requerente pelo preço de EUR 93.458,01 (noventa e três mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e um cêntimo) e EUR 110.455,01 (cento e dez mil quatrocentos e cinquenta e cinco euros e um cêntimo), respetivamente – cfr. documentos n.os 6 e 7 junto com o PPA;

9.            O imóvel 6 foi adquirido no âmbito do processo de insolvência n.º .../12...TBFUN que correu termos  no  Primeiro  Juízo  Cível do  Tribunal  Judicial  do  Funchal,  em  que  era  insolvente  a sociedade “E..., Lda”, tendo nos autos ficado lavrada a adjudicação à Requerente nos termos do artigo 164.º, n.º 3, do CIRE  pelo montante de EUR 48.000,00 (quarenta e oito mil euros), tendo procedido ao pagamento de 5% do valor proposto, no montante de EUR 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros), tendo ficado dispensado do pagamento do restante nos termos dos artigos 815.º (anterior artigo 887.º) do CPC, 164.º e 165.º do CIRE ) – cfr. documento n.º 8 junto com o PPA;

10.          No âmbito das aquisições supra identificadas, a Requerente requereu o benefício da isenção de IMT prevista no artigo 8.º do CIMT, entregando as respetivas declarações Modelo 1 de IMT, tendo beneficiado de isenção aplicável à aquisições de imóveis por instituições de crédito, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efetuadas em processo de insolvência, desde que, em qualquer caso, destinadas à realização de créditos resultantes de empréstimos concedidos ou de fianças prestadas – cfr. cópias das liquidações de IMT, juntas como documento n.º 9 com o PPA;

11.          A isenção em apreço estava condicionada à efetiva alienação dos imóveis no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 11.º, n.º 6 do CIMT;

12.          Decorrido o prazo de cinco anos sem que tivesse tido lugar a alienação de tais imóveis, a Requerente solicitou a emissão das correspetivas liquidações de IMT, tendo a Autoridade Tributária emitido os seguintes atos tributários, constantes de Doc. 1 junto com o PPA:

- Imóvel 1, a liquidação de IMT n.º ..., no montante de € 7.826,00;

- Imóvel 2, a liquidação de IMT n.º ..., no montante de € 6.253,00;

- Imóvel 3, a liquidação de IMT n.º..., no montante de € 10.634,48;

- Imóvel 4, a liquidação de IMT n.º..., no montante de €1.113,86;

- Imóvel 5, a liquidação de IMT n.º ..., no montante de € 1.291,79;

- Imóvel 6, a liquidação de IMT n.º..., no montante de € 600,00;

13.          A Requerente veio a proceder ao pagamento do valor de imposto (IMT) contido nesses mesmos atos tributários – Doc. 1 junto com o PPA;

14.          Em 8 de setembro de 2020, a Requerente apresentou perante a Unidade dos Grandes Contribuintes pedido de revisão oficiosa, em sede do qual solicitou a anulação das liquidações de IMT acima identificadas, no montante total de € 27.719,13, pugnando pelo preenchimento de todos os requisitos para a aplicação do regime constante do artigo 270.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”) – cfr. documento n.º 10 do PPA.

15.          Nesta sequência, a UGC – Unidade de Grandes Contribuintes – Divisão de Justiça Tributária, veio a instaurar processos administrativos de Revisão Oficiosa (adiante também designados por «PRV»), aos quais, por referência à identificação dos imóveis constantes em 12.  couberam os seguintes números:

- Processo n.º ...2020...: Imóvel 1 e Imóvel 2;

- Processo n.º ...2020...: Imóvel 3;

- Processo n.º ...2020...: Imóvel 4;

- Processo n.º ...2020...: Imóvel 5;

- Processo n.º ...2020...: Imóvel 6;

16.          Após projeto de decisão de indeferimento levados a efeito em cada um dos PRV identificados no número anterior e não tendo a Requerente apresentado Audição Prévia, veio a referida UGC, por Despacho exarado pelo Sr. Chefe de Divisão a 11.12.2020, por subdelegação de competência, daquela unidade orgânica a indeferir os pedidos de revisão oficiosa, assente no essencial da fundamentação de informação que infra se transcreve, através de notificações datadas de 11.12.2020:

 

                (…)

 

                (…)

 

17.          Inconformada com o indeferimento dos PRV’s supra identificados, veio a Requerente a deduzir, em 29.03.2020, Pedido de Constituição de Tribunal e de Pronúncia Arbitral, o qual deu lugar aos presentes autos, suscitando a questão da ilegalidade de tais decisões e bem assim a ilegalidade das subjacentes liquidações de IMT também já supra identificadas, tendo pago a respetiva taxa inicial;  

18.          Em 31.01.2022 veio a Requerente a proceder à junção do pagamento da taxa subsequente.

 No que se refere aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pela Requerente e pela Requerida, designadamente o teor de todo o Processo Administrativo e no posicionamento das partes em relação à factualidade aduzida.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

3.2. Factos Não Provados:

 Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

4. Do Direito:

4.1. Das Exceções invocadas pela Requerida:

A Requerida, conforme supra se evidenciou, veio a erigir três diferentes exceções:

a)            Da impropriedade do meio processual de defesa empregue pela Requerente - pontos 17 a 25 da Resposta;

b)           Da incompetência deste Tribunal Arbitral em razão da matéria (I) – pontos 26 a 30 da Resposta;

c)            Da incompetência deste Tribunal Arbitral em razão da matéria (II) – pontos 31 a 42 da Resposta;

 

Assim, cumpre apreciar da matéria de exceção a que se reporta a alínea a): 

a)            Erro na forma de processo ou impropriedade do meio processual de defesa empregue pela Requerente

Aduz a este respeito a Requerida e em síntese, que a Requerente pretende enxertar uma Ação Administrativa Especial no PPA deduzido, na medida em que a seu ver o thema decidendum se prende com a concessão e reconhecimento de dois benefícios fiscais.

Analisemos então a questão à luz aquela que é a competência atribuída aos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD.

O artigo 2º do RJAT dispõe que:

“1 — A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes

pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação,

de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não

dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria

colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.”.

 

Por outro lado, esta competência é delimitada pela vinculação conferida pela AT, a qual veio a ser legislativamente estabelecida, considerando o disposto no n.º 1 do artigo 4º do RJAT, através da Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte:

“Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”

Refira-se que o Tribunal Central Administrativo pronunciou-se sobre a questão no sentido da admissibilidade do recurso à arbitragem tributária quando se reaja a indeferimento de pedido de revisão oficiosa contra ato de liquidação – cf. acórdãos de 27 de abril de 2017, processo n.º 08599/15, e de 25 de junho de 2019, processo n.º 44/18.6BCLSB (consultáveis em www.dgsi.pt ).

Sentido este, de resto, sufragado pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do acórdão n.º 244/2018, de 11 de maio de 2018. Como aí se declara, não está em causa ampliar a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, mas antes interpretar uma norma da portaria que exclui essa vinculação, pelo que “não se verificando uma exclusão expressa, não se poderá dizer que estamos perante uma ampliação da vinculação, mas tão-somente perante interpretação de norma de exclusão de vinculação”, não havendo assim a este propósito qualquer dúvida sobre a admissibilidade teórica de apreciação em sede de tribunal arbitral de litígio que tenha por base decisão de indeferimento de Revisão Oficiosa.

A impugnação de atos administrativos em matéria tributária é feita, no processo judicial tributário (e de acordo com as alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)) através de impugnação judicial ou ação administrativa especial, conforme esses atos comportem ou não a apreciação da legalidade de atos administrativos de liquidação de imposto, devendo o termo «liquidação» ter-se como aquele  que englobam todos os atos que se reconduzem à aplicação de uma determinada taxa a uma determinada matéria tributável.

Neste mesmo sentido, alinham-se, de forma constante, diversas decisões arbitrais singulares e coletivas e bem assim diversas decisões dos nossos tribunais superiores, devendo aqui pela sua pertinência, citar-se o acordado no âmbito do processo acometido ao CAAD sob o n.º 403/2019-T, o qual foi presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no qual se sufragou o seguinte:

“No art. 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos tributários, pois, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».

                Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT.

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de que o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] (   ), e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido art. 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (art. 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de actos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

O acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação constitui um acto administrativo, à face da definição fornecida pelo art. 148.º do Código do Procedimento Administrativo [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no art. 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que, no exercício de poderes públicos visou produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um acto em matéria tributária, pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.

Assim, o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «acto administrativo em matéria tributária».

Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (a que se reportam as referências recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação. (   )

Assim, resulta igualmente assente que está excluída da jurisdição arbitral, por não estar abrangida pelo art.º 2.º, n.º1 do RJAT, a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação, razão pela qual a questão da alegada impropriedade do meio processual (e das incompetências em razão da matéria) aventada pela Requerida, carece de ser aferida tendo presente este mesmo uniforme entendimento.

Ante o vindo de alinhar, central se torna aferir se no caso em apreço se está perante decisão que comportou ou não a apreciação da legalidade das liquidações de IMT.

Isto é, saber se in casu o ato tributário de segundo grau – decisão de revisão oficiosa – versou ou não sobre a legalidade em concreto dos atos tributários de primeiro grau objeto de apreciação – as liquidações de IMT.

Ora, para este Tribunal Arbitral Singular, a resposta não poderá deixar de ser  afirmativa, porquanto, inequívoca e objetivamente, as decisões que recaíram no âmbito dos PRV’s instaurados pela AT comportaram a apreciação dessa mesma legalidade, tendo nessa instância a AT aduzido diversos argumentos de fundo ou de substância (que supra sinteticamente se reproduziram) em ordem a sustentar a posição segundo a qual os valores de IMT quantitativamente apurados se encontravam em conformidade com a legalidade tributária, rejeitando assim a argumentação expendida pela Requerente com base na qual esta entendia serem as liquidações desconformes com o quadro legal aplicável, designadamente, por entender que as operações sujeitas a tributação não poderiam deixar de estar isentas ao abrigo do regime do artigo 270º do CIRE.

Ora, independentemente da justeza ou não de tais invocações, certo é que as decisões dos PRV’s em causa versaram e comportaram a apreciação crítica sobre esses mesmos atos tributários de liquidação, de onde insofismável se torna concluir no sentido de que no caso que ora cabe dirimir, as decisões de indeferimento objeto do PPA comportaram a apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de IMT, de onde o meio de defesa processual adequado para a apreciação da conformidade ou não de tais decisões dos PRV’s se terá de reconduzir à impugnação judicial ou, como foi o caso, ao pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente.

Devendo ainda referir-se que, não se vislumbra do teor do PPA deduzido, a formulação de qualquer pedido relativo ao reconhecimento por este Tribunal Arbitral singular de qualquer isenção por benefício fiscal, pedido de reconhecimento esse que, a existir, extravasaria a natureza do processo arbitral tributário, o qual, é consabida e quase exclusivamente (exceção feita à questão atinente aos juros indemnizatórios e indemnização por garantia prestada) limitado à natureza anulatória dos atos tributários que se encontram acometidos, nos termos do quadro legal  já supra melhor referenciado, à jurisdição arbitral tributária.

Destarte, não poderá, em consequência, merecer provimento a exceção de impropriedade do meio de defesa processual aventada pela Requerida.

a)            Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria (I):

Já em matéria da segunda exceção invocada pela Requerida, vale igualmente tudo o quanto já supra se deixou alinhado e sufragado a propósito da suposta impropriedade do meio de defesa processual.

Na verdade, conforme vem sendo entendimento reiterado da jurisprudência dos tribunais superiores, bem como das decisões proferidas no âmbito do CAAD, o contencioso tributário por impugnação integram, no essencial, poderes anulatórios:

Veja-se neste sentido o   acordado pelo TCA-Sul, no seu acórdão de 09-07-2020, proferido no processo 9655/16.3BCLSB, no qual resulta  perentório em afirmar que  sendo “pacífico que, não obstante este contencioso ser essencialmente de mera anulação, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estreitamente ligados com o poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios ou com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia”, no contencioso tributário “estamos perante um contencioso tendencialmente de mera anulação. Significa isso que, perante a impugnação de um ato tributário perante um tribunal arbitral (ou perante um tribunal tributário estadual, dado que, ao nível da impugnação judicial, os poderes de uns e outros são idênticos), a este tribunal cabe apenas considerar o ato legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo (ou declarar a sua nulidade ou inexistência).”.

Radica assim, sem sombra de dúvida, que os tribunais arbitrais tributários não podem emitir injunções condenatórias para além dos poderes diretamente conectados a esse mesmo poder anulatório, o qual constitui o núcleo essencial dos poderes acometidos a esta instância arbitral, com ressalva das já versadas exceções.

Ora, sucede que, conforme já oportunamente referimos supra, em momento algum resulta do petitório formulado pela Requerente a final, qualquer pedido suscetível de extravasar a natureza essencialmente anulatória, na medida em que, à exceção do pedido referente a juros indemnizatórios (devidamente enquadrada), todos os demais pedidos se circunscrevem objetivamente no âmbito da versada natureza anulatória da impugnação tributária.

Ainda assim, pela sua total aderência à exceção em apreciação, não podemos deixar de aqui citar e acompanhar o entendimento, que entendemos absolutamente uniforme nesta matéria, produzido no âmbito do processo de arbitragem coletiva n.º 599/2015-T deste CAAD, presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa:

“Refere ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que a competência para verificação dos pressupostos da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE «recai exclusivamente sobre o órgão judicial onde correu o processo de insolvência», porque apenas o juiz titular do processo está em condições de proceder a verificação dos pressupostos legais exigidos por aquela norma.

As questões do erro na forma de processo e da incompetência material têm parcialmente fundamentos comuns pelo que serão apreciadas concomitantemente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita as excepções do erro na forma de processo e da incompetência material deste Tribunal Arbitral por, em suma, estar em causa o reconhecimento de uma isenção de IMT e, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira não estar abrangido no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral o conhecimento da matéria relativa ao reconhecimento de isenções tributárias, que deve ser apreciada nos tribunais tributários em acção administrativa.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

 

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

Como se vê, apenas em relação a matérias aduaneiras a definição de competências é feita tendo em atenção o tipo de tributos a que se dirigem as pretensões. E quanto a estes a Autoridade Tributária e Aduaneira só se vinculou quanto aos impostos por esta administrados.

Quanto ao resto, a competência é definida apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto da impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação.

No caso em apreço, são impugnados actos de liquidação de IMT, que se inserem na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e cuja apreciação não é excluída por qualquer das normas da referida Portaria.

Assim, no processo arbitral pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99.º do CPPT, subsidiariamente aplicável.

Só não será assim, nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que são pressuposto dos actos de liquidação, como pode suceder com os actos de reconhecimento de isenções fiscais, que, nos casos das isenções não automáticas, assumem a natureza de actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa. Mas, para haver esta limitação à impugnabilidade do acto de liquidação impugnado, teria de ser praticado, anteriormente, algum acto administrativo que fosse pressuposto do acto de liquidação, o que não sucedeu no caso em apreço.

Por outro lado, neste caso, está-se perante uma isenção de reconhecimento automático, como resulta da alínea d) do n.º 8 do artigo 10.º do CIMT, pelo que nem tinha de haver qualquer acto autónomo de reconhecimento da isenção, sendo no momento apropriado para a prática de um acto de liquidação a Autoridade Tributária e Aduaneira terá de apreciar se o interessado usufrui de benefício fiscal.

Por isso, sendo os actos de liquidação lesivos dos interesses da Requerente, por não ser neles aplicada uma isenção mais favorável do que a que foi aplicada, e sendo aqueles os únicos actos praticados pela Administração Tributária na sequência das declarações modelo 1 de IMT apresentadas, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.

Por outro lado, a questão de saber se o acto de liquidação é legal ao não reconhecer uma isenção, tem a ver com a legalidade da liquidação, pelo que deve ser apreciada nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Assim, não tem qualquer suporte legal a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira de que está «fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes ao reconhecimento de isenções fiscais», pois os limites definidos no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT são definidos exclusivamente com base no tipo de actos e não com base no tipo de questões de ilegalidade que lhes são imputadas.

No que concerne à tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que seria exclusivamente competente o Tribunal Judicial onde correu termos o processo de insolvência, é claro que ela não tem qualquer fundamento legal.

Na verdade, não há qualquer norma especial do processo de insolvência que atribua competência aos Tribunais Judiciais para reconhecerem isenções fiscais e o regime geral dos benefícios fiscais contraria inequivocamente essa hipótese.

Com efeito, o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) aplica-se a todos os benefícios fiscais (seu artigo 1.º). Do artigo 5.º do EBF resulta que os benefícios fiscais, quando são automáticos, não são objecto de qualquer acto autónomo de reconhecimento, pelo que é no próprio momento adequado a decidir se deve ser praticado um acto de liquidação que se coloca a questão da verificação pela Autoridade Tributária e Aduaneira da ocorrência ou não dos pressupostos do benefício fiscal. No que concerne aos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, este é feito através de acto administrativo, como resulta dos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo 5.º, em consonância com os artigos 54.º, n.º 1, alínea d), da LGT e 65.º do CPPT.

No específico caso da isenção prevista no artigo 270.º do CIRE, está-se perante um benefício fiscal para o qual só se prevê, no artigo 16.º, n.º 2, do CIRE, a necessidade de reconhecimento prévio pela Autoridade Tributária e Aduaneira quando aplicado no âmbito de processo de reestruturação e revitalização de empresas, previsto no Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto ( [1] ). Nos outros casos enquadráveis no artigo 270.º do CIRE, não se prevendo expressamente a necessidade de reconhecimento prévio (nem no CIRE, nem no EBF, nem no artigo 10.º do CIMT), está-se perante isenção de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no artigo 19.º, n.º 1, do CIMT, como resulta do disposto na alínea d) do n.º 8 daquele artigo 10.º

Por outro lado, sendo o direito a benefícios fiscais direito em matéria tributária, a possibilidade do seu reconhecimento directo pelos Tribunais está reservada aos Tribunais Tributários, através da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, nos termos dos artigos 212.º, n.º 3, da CRP, 144.º, n.º 1,da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), 49.º, n.º 1,alínea c), do ETAF, 101.º, alínea b) da LGT e 97.º, n.º 1, alínea h) e 145.º do CPPT, pelo que não há qualquer suporte legal para afirmar a competência exclusiva dos Tribunais Judiciais para reconhecimento da isenção em apreço.

Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo, como órgão judicial máximo em matéria tributária, tem reiterada e pacificamente apreciado se se verificam os pressupostos da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos

– de 30-05-2012, processo n.º 0949/11;

– de 3-7-2013, processo n.º 765/13;

– de 17-12-2014, processo n.º 01085/13;

– de 11-11-2015, processo n.º 968/13;

– de 18-11-2015, processo n.º 1067/15;

– de 18-11-2015, processo n.º 575/15;

– de 16-12-2015, processo n.º 01345/15.

É de salientar, além do inequívoco reconhecimento da competência dos tribunais tributários para apreciarem a verificação dos pressupostos da isenção, que todos os recursos apreciado pelo Supremo Tribunal Administrativo neste processo foram interpostos em processos de impugnação judicial, o que também afasta qualquer dúvida sobre o entendimento uniforme do Supremo Tribunal Administrativo sobre a viabilidade de apreciação em processo de impugnação judicial da verificação dos pressupostos da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, o que tem como corolário a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para a apreciação da legalidade de liquidações deste tipo.”

Ante a clareza e fundada argumentação expendida em tal aresto arbitral, o qual aqui, como já se referiu, secundamos, importará apenas deixar claro que em momento algum é peticionado que este Tribunal Arbitral singular reconheça a existência de um determinado benefício fiscal, antes radicando do teor do PPA o alinhar de argumentos que, na ótica da Requerente, são suscetíveis de sustentar a ilegalidade dos atos de liquidação de IMT, cuja anulação peticionada em sede de PRV’s a AT indeferiu.

Por outro lado, a questão de saber se o ato de quantificação tributária (liquidação) é legal ou não em função da existência de uma determinada isenção é bem distinta de uma hipotética condenação da Requerida ao reconhecimento de determinada isenção fiscal, contendendo a primeira tão somente com a legalidade da liquidação apreciada nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e não com a emissão de qualquer decisão arbitral condenatória da Requerida de reconhecimento de determinada isenção fiscal.

Não pode, pelo exposto, este Tribunal arbitral singular deixar de acompanhar o entendimento da Requerente segundo o qual não se está perante a apreciação do reconhecimento por este Tribunal Arbitral de benefícios fiscais, porquanto ante o teor do PPA, quer do pedido de Revisão Oficiosa pela Requerente formulado, está em causa, isso sim, a ilegalidade em concreto dos atos de liquidação de IMT e as decisões de indeferimento dos PRV’s entretanto proferidas pela AT, as quais na perspetiva da Requerente são ilegais, por desatenderem ao direito à isenção fiscal que lhe assistiria, de onde improcede também mais esta exceção erigida pela Requerida.

 

b)           Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria (II):

Por último, invoca a Requerida em abono da impossibilidade de conhecimento do mérito do pedido arbitral, a incompetência deste Tribunal Arbitral singular em razão da matéria, por entender que os pressupostos para a verificação do regime da isenção fiscal a que respeita o n.º 2 do artigo 270º do CIRE - transmissões de imóveis integrados em processo de insolvência - recai exclusivamente sobre o órgão judicial onde correu termos o processo de insolvência.     

Ora, como oportunamente já supra se expendeu, a invocação de mais esta exceção por incompetência em razão da matéria lavra na errónea assunção, pelo menos tácita, pela Requerida de um pressuposto que este Tribunal Arbitral não acompanha, pelas razões já supra alinhadas: o de que a Requerente pretende que na presente instância arbitral se venha a determinar o reconhecimento de uma determinada isenção fiscal.

Sustenta a Requerida para o efeito, que apenas ao juiz titular do processo falimentar cabe proceder à aferição da verificação dos pressupostos que permitem conduzir ao regime da isenção fiscal ínsitos no artigo 270º, n.º 2 do CIRE.

Ora, com tal asserção também não pode este Tribunal Arbitral singular deixar de dissentir, na esteira, de resto, da jurisprudência arbitral consolidada nesta matéria, como sejam as decisões proferidas nos processos n.º 123/2015-T, 599/2015-T, 693/2015-T e ainda no processo n.º 283/2016-T, cujo sentido e fundamentação não cremos existir razão para nos afastarmos.

Pela sua clareza e aplicabilidade aos vertentes autos, não podemos deixar de transcrever trecho do último aresto arbitral vindo de supra identificar:

“Também a tese defendida pela AT de que só o órgão judicial onde correu o processo de insolvência teria competência para a verificação dos pressupostos legais exigidos no artigo 270º, nº 2 do CIRE, não tem qualquer fundamento legal.

Citando o mesmo acórdão [599/2015-T]:

“Na verdade, não há qualquer norma especial do processo de insolvência que atribua competência aos tribunais judiciais para reconhecerem isenções fiscais e o regime geral dos benefícios fiscais contraria inequivocamente essa hipótese.

Com efeito, o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) aplica-se a todos os benefícios fiscais (seu artigo 1.º). Do artigo 5.º do EBF resulta que os benefícios fiscais, quando são automáticos, não são objecto de qualquer acto autónomo de reconhecimento, pelo que é no próprio momento adequado a decidir se deve ser praticado um acto de liquidação que se coloca a questão da verificação pela Autoridade Tributária e Aduaneira da ocorrência ou não dos pressupostos do benefício fiscal.

No específico caso da isenção prevista no artigo 270.º do CIRE, está-se perante um benefício fiscal para o qual só se prevê, no artigo 16.º, n.º 2, do CIRE, a necessidade de reconhecimento prévio pela Autoridade Tributária e Aduaneira quando aplicado no âmbito de processo de reestruturação e revitalização de empresas, previsto no Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto. Nos outros casos enquadráveis no artigo 270.º do CIRE, não se prevendo expressamente a necessidade de reconhecimento prévio (nem no CIRE, nem no EBF, nem no artigo 10.º do CIMT), está-se perante isenção de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no artigo 19.º, n.º 1, do CIMT, como resulta do disposto na alínea d) do n.º 8 daquele artigo 10.º

Por outro lado, sendo o direito a benefícios fiscais direito em matéria tributária, a possibilidade do seu reconhecimento directo pelos Tribunais está reservada aos Tribunais Tributários, através da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, nos termos dos artigos 212.º, n.º 3, da CRP, 144.º, n.º 1,da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), 49.º, n.º 1,alínea c), do ETAF, 101.º, alínea b) da LGT e 97.º, n.º 1, alínea h) e 145.º do CPPT, pelo que não há qualquer suporte legal para afirmar a competência exclusiva dos Tribunais Judiciais para reconhecimento da isenção em apreço.”

Acresce que o STA tem repetidamente apreciado a verificação dos pressupostos da isenção prevista no artigo 270, nº 2 do CIRE, como pode ver-se nos acórdãos proferidos nos procs nºs 1350/2015, 1345/2015, 1085/2015 e 1067/2015, de entre muitos mais, todos eles recursos interpostos em processos de impugnação judicial, o que contraria igualmente a posição da AT ao defender a “acção administrativa ou outro” como meio processual de reacção à não atribuição da isenção de IMT ao abrigo do artigo 270, nº 2 do CIRE.”

Ante o sentido do entendimento vindo de citar, o qual, como já referimos, secundamos,  votada está ao insucesso também, pelas razões vindas de explicitar, a invocada incompetência em razão da matéria agitada pela Requerida.

4.2. Da questão de fundo:

A questão a analisar refere-se à legalidade das liquidações de IMT já identificadas e das subsequentes decisões dos PRV’s, através das quais decidiu considerar legais as primeiras, ao não considerar aplicável a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, relativa à aquisição de imóveis adquiridos no âmbito de liquidação por massas insolventes, impondo-se assim apreciar se, tendo sido emitida uma primeira liquidação de IMT com fundamento em isenção caducada prevista no artigo 8.º do CIMT, estava ou não a Requerente em condições de poder beneficiar da aplicação do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE atenta a caducidade do benefício fiscal a que respeita o artigo 8º do CIMT, devendo notar-se que, a este propósito, a Requerida não dissente da Requerente quanto à verificação dos pressupostos constante do n.º 2 do artigo 270º do CIRE, antes discordando que desta isenção possa colher benefício em razão do aproveitamento que teve ao abrigo da isenção constante do versado artigo 8º do CIMT.

Como decorre da matéria de facto dada como provada, a Requerente, relativamente às aquisições de imóveis objeto das liquidações de IMT em apreço, requereu e beneficiou de isenção de IMT ao abrigo disposto no artigo 8º do CIMT.

Sucede que, conforme resulta igualmente pacífico entre Requerente e Requerida, não veio aquela a alienar, no prazo legalmente estabelecido no n.º 6 do artigo 11º do CIMT, os imóveis adquiridos junto das massas insolventes.

De tal circunstancialismo factual resultou a caducidade dessas mesmas isenções de IMT, e o pagamento pela Requerente do IMT devido por tais aquisições, tendo, como já supra se aludiu, em sede de Revisão Oficiosa, a Requerente requerido a aplicação do regime da isenção previsto no n.º 2 do artigo 270º do CIRE, pedido esse que veio a ser indeferido e levou à apreciação arbitral da legalidade de tais decisões dos PRV’s.

Importa pois e antes de mais, atentar no regime da isenção fiscal ínsita no n.º 2 do artigo 270º do CIRE para, a partir da análise do mesmo, discorrer e apreciar da legalidade ou ilegalidade das decisões de indeferimento objeto dos presentes autos, preceituando a referida norma o seguinte:

  “2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”

Tal isenção fiscal, se bem se acompanha o seu racional, tem por finalidade permitir uma aceleração da liquidação dos bens pertencentes a massas insolventes, de molde a limitar tanto quanto possível, do ponto de vista temporal, o período durante o qual esses mesmos bens se mantêm parqueados (e mais das vezes improdutivos) ao abrigo de tais processo falimentares, assim prosseguindo uma teleologia de interesse público, em que se visa minimizar (neste caso, pela via fiscal) a turbulência que a insolvência dos operadores económicos acarretam para o mercado.

Tal finalidade é ainda e obviamente acompanhada de um outro fito, o qual se prende com o evidente genérico interesse dos credores numa liquidação célere, celeridade essa que se vê indiscutivelmente incentivada por via fiscal, por força da opção do legislador em isentar de tributação em sede de IMT os imóveis que hajam de ser liquidados no âmbito falimentar.

Nesse mesmo sentido, veja-se, de resto, o decidido pelo Pleno da 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 3/2017, em que aborda a teleologia da medida de desagravamento fiscal constante da referida norma do compêndio falimentar:

“Ora, como se evidenciou no já referido acórdão 1085/13, haverá que ter em conta o fim que o legislador pretende alcançar com a concessão de tal isenção, - «fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador», dando incentivos fiscais a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente e que serão vendidos em fase de liquidação.

Não havendo que diferenciar, para tal fim, as situações em que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, das situações em que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, ou em que se estejam a vender bens imóveis que integravam o seu activo.”

Atenta a teleologia de tal isenção fiscal legalmente consignada, não se afigura qualquer óbice para que uma aquisição por uma instituição financeira, como é o caso da Requerente,  possa ser, em abstrato, afastada da aplicabilidade de tal regime em função da natureza e atividades específicas previstas no n.º 1 do artigo 4º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, uma vez se evidenciar claramente que a finalidade do desagravamento fiscal em causa ter a sua tónica no imprimir da maior celeridade possível na liquidação dos ativos imobiliários à guarda dos processos falimentares, pelas razões que supra se vêm de evidenciar.

Finalidades do regime a que a natureza e/ou atividade dos adquirentes desses mesmos bens imóveis são absolutamente indiferentes e neutras para a consecução das mesmas.

De resto, na linha do entendimento que se vem sustentando, independentemente da natureza da atividade do adquirente, resulta claro que a finalidade em que assenta o racional do estabelecimento de tal isenção fiscal se mostra almejada, na medida em que é suscetível de encurtar o período de liquidação patrimonial e destarte do processo falimentar no seu global e assim permite potenciar os interesses do universo de credores, porquanto verão aumentadas as possibilidades e encurtados os tempos de ressarcimento dos seus créditos.

Destarte, não se vislumbra qualquer limitação em abstrato, do ponto de vista da teleologia do regime na aplicabilidade do regime a uma instituição financeira como a Requerente, importa assim e agora considerar a natureza do benefício fiscal em apreço, atenta a dicotomia entre benefícios fiscais de reconhecimento automático por contraponto aos benefícios fiscais sujeitos a reconhecimento a requerimento dos interessados.

Dispõe, a respeito da vinda de referir dicotomia, o artigo 10º do CIMT, o seguinte:

Artigo 10.º

Reconhecimento das isenções

1 - As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar.

2 - O pedido a que se refere o n.º 1 deve, quando for caso disso, conter a identificação e descrição dos bens, bem como o fim a que se destinam, e ser acompanhado dos documentos para demonstrar os pressupostos da isenção, designadamente:

a) No caso a que se refere a alínea b) do artigo 6.º, de documento emitido pelo organismo competente do Ministério dos Negócios Estrangeiros comprovativo do destino dos bens, bem como da existência de reciprocidade de tratamento;

b) Nos casos a que se referem as alíneas d), e) e f) do artigo 6.º, de documento comprovativo da qualidade do adquirente e de certidão ou cópia autenticada da deliberação sobre a aquisição onerosa dos bens, da qual conste expressa e concretamente o destino destes;

c) No caso a que se refere a alínea g) do artigo 6.º, de documento emitido pelas entidades competentes;

 d) Nos casos a que se referem as alíneas h), i) e l) do artigo 6.º, de documento comprovativo da qualidade do adquirente e certidão ou cópia autenticada da deliberação sobre a aquisição onerosa dos bens, da qual conste expressa e concretamente o destino destes;

e) No caso a que se refere a alínea j) do artigo 6.º, cópia dos documentos de candidatura aos apoios previstos no Decreto-Lei n.º 81/91, de 19 de Fevereiro.

3 - As isenções a que se referem as alíneas h), i), j) e l) do artigo 6.º só serão reconhecidas se a câmara municipal competente comprovar previamente que se encontram preenchidos os requisitos para a sua atribuição.

4 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Direcção-Geral dos Impostos solicita à câmara municipal competente a emissão do parecer vinculativo.

5 - Nos casos referidos no n.º 2, a Direcção-Geral dos Impostos poderá ouvir os serviços competentes dos ministérios que superintendem nas respectivas actividades.

6 - São de reconhecimento prévio, por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças sobre informação e parecer da Autoridade Tributária e Aduaneira, as seguintes isenções:

 a) As previstas na alínea b) do artigo 6.º;

b) As previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 8.º, desde que o valor que serviria de base à liquidação do IMT, caso este fosse devido, apurado nos termos da regra 5.ª do artigo 12.º, seja superior a (euro) 300 000;

c) As estabelecidas em legislação extravagante ao presente código, cuja competência, nos termos dos respectivos diplomas, seja expressamente atribuída ao Ministro das Finanças.

7 - São de reconhecimento prévio, por despacho do director-geral dos impostos sobre informação dos serviços competentes, as seguintes isenções:

a) As previstas nas alíneas f), h), i), j) e l) do artigo 6.º;

b) As estabelecidas em legislação extravagante ao presente Código, cuja competência, nos termos dos respetivos diplomas, seja expressamente atribuída ao diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

8 - São de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as seguintes isenções:

a) As previstas nas alíneas a), c), d), e) e g) do artigo 6.º, no artigo 7.º e nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 8.º, desde que o valor que serviria de base à liquidação do IMT, caso este fosse devido, apurado nos termos da regra 5.ª do artigo 12.º, seja igual ou inferior a (euro) 300 000;

b) As previstas no artigo 9.º;

c) As estabelecidas nos termos do n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro;

d) As isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código.

9 - Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos competentes para informar os pedidos de isenção poderão ouvir os organismos que superintendem nas actividades em que os requerentes se integram sempre que tal se revele necessário para a adequada proposta de decisão.

10 - Não obstante o disposto na alínea b) do n.º 6, para as situações aí previstas, o requerente pode obter a suspensão do pagamento do imposto nos casos em que a dação em cumprimento tenha sido efectuada por devedor pessoa singular, desde que entregue o requerimento a solicitar a respectiva isenção devidamente instruído conjuntamente com a declaração referida no n.º 1 do artigo 19.º

11 - A emissão da declaração de isenção a que se refere o número anterior compete ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração referida no n.º 1 do artigo 19.º

12 - Se a isenção a que se refere o n.º 10 não vier a ser objecto de reconhecimento, ao imposto devido são acrescidos juros compensatórios, nos termos do artigo 35.º da lei geral tributária, pelo prazo máximo de 180 dias.

Visto o teor do normativo vindo de citar, resulta do preceituado na alínea d) do seu n.º 8 a consideração, enquanto de reconhecimento automático, as isenções constantes de legislação extravagante.

Ante o teor da versada disposição legal, dúvidas não poderão emergir quanto ao facto de o CIRE se consubstanciar como um diploma legal extravagante, logo, não podendo deixar de recair sobre o regime de isenção prevista no n.º 2 do artigo 270º o labelo de benefício de «reconhecimento automático».

 Em idêntico sentido, encontramos plúrimos antecedentes jurisprudenciais e doutrinais no que à natureza do benefício fiscal a que se refere o n.º 2 do artigo 270º do CIRE diz respeito, os quais vão, de resto, ao encontro do que se vem de assentar, ao considerarem o mesmo enquanto automático.

Veja-se, por todos e pela sua acuidade e pertinência, o aresto proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 01044/17, de 14.03.2018, o qual perfilhamos e sobre o qual se formulou o seguinte Sumário:

I - Quer o art.º 269 quer o art.º 270º do CIRE fazem um elenco detalhado dos actos que beneficiam de isenção de imposto de selo, quando devido, e, de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis indicando que tais actos, para beneficiarem das ditas isenções têm que cumprir um único requisito: estarem previstos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente (actos) ou integrados (transmissões)em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação.

II - Trata-se de actos e transacções profundamente escrutinados pelo Tribunal onde corre termos o processo de insolvência, pelos administradores de insolvência, pelos credores da insolvência, pelo Magistrado do Ministério Público afecto ao processo, e, mais tarde pelos notários onde serão celebradas as escrituras públicas correspondentes. A prova de que as operações em questão se desenrolam num processo de insolvência é, diríamos, esmagadora.

III - O legislador não conferiu à Administração Tributária qualquer poder vinculado ou discricionário relativamente à concessão desta isenção.

IV - O artigo 10.º n.º 8, al. d) prevê que são de reconhecimento automático as isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código, como é o CIRE.

Para, já no relatório do acórdão, assentar que “A interpretação e aplicação do disposto no referido art.º 10.º não prescinde de um momento prévio de indagação sobre se a isenção em causa é ou não de reconhecimento automático. Só depois de definida esta questão se pode o intérprete lançar a correr o referido artigo para descortinar em que concreta situação é enquadrável o caso concreto, para ver definido qual o procedimento legal a seguir para obtenção da isenção.

Um primeiro indício desta questão pode logo recolher-se de uma análise sumária que nos permite perceber que o próprio artigo considera uma outra divisão, há isenções constantes deste código (Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) e outras concedidas em legislação extravagante. Ora o CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), nesta qualificação é uma legislação extravagante. Extravagante por ser uma regulamentação jurídica estranha, diversa, separada dos códigos tributários, ainda que numa ou outra situação possa regular concretas relações jurídico tributárias, como a que aqui nos ocupa.”

Para, de seguida, destrinçar a natureza dos benefícios fiscais na perspetiva do reconhecimento: “Há isenções que dependem do cumprimento de certas formalidades, identificadas neste e outros artigos que visam averiguar se, no caso concreto, estão preenchidos os requisitos legais que permitem a concessão de isenções. Há isenções que são de reconhecimento automático quando os requisitos para a concessão da isenção não dependem de averiguação por parte da Administração Tributária do respectivo preenchimento, no caso concreto.

Quer o art.º 269 quer o art.º 270º do CIRE fazem um elenco detalhado dos actos que beneficiam de isenção de imposto de selo, quando devido, e, de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis indicando que tais actos, para beneficiarem das ditas isenções têm que cumprir um único requisito:

- atos, desde que previstos em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente: actos, no que ao Imposto de selo diz respeito,

- transações de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação: no que ao Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis diz respeito.

Trata-se de actos e transacções profundamente escrutinados pelo Tribunal onde corre termos o processo de insolvência, pelos administradores de insolvência, pelos credores da insolvência, pelo Magistrado do Ministério Público afecto ao processo, e, mais tarde pelos notários onde serão celebradas as escrituras públicas correspondentes. A prova de que as operações em questão se desenrolam num processo de insolvência é, diríamos, esmagadora. Mas, para além disso, permitir, ou impor, que a concessão da isenção dependesse de requerimento apresentado perante a Administração Tributária ou seria mero acto de inútil burocracia, ou, permitiria conferir à Administração Tributária o poder de considerar que a isenção se aplicava numas circunstâncias e não em outras, o que cremos que o legislador não deu o menor sinal de achar adequado que ocorresse, e, por isso, não conferiu à Administração Tributária qualquer poder vinculado ou discricionário nesta matéria.”

Ora, como resulta do entendimento jurisprudencial vindo de citar, o qual não cremos existirem razões para dele nos afastarmos, o qual tem vindo, aliás, a ser uniforme, forçoso se torna concluir, ser o regime de isenção fiscal prevista no n.º 2 do artigo 270º do CIRE um benefício fiscal de reconhecimento automático, o que significa que o legislador fiscal não conferiu à AT qualquer poder vinculado ou discricionário com vista à concessão da isenção prevista no artigo 270º do CIRE.

Dado que, tal benefício não fica dependente de qualquer prévia indagação por parte do sujeito ativo da relação tributária, em ordem a permitir que o contribuinte, relativamente a uma isenção de caráter automático, dela possa vir a beneficiar após tal apreciação; tudo, evidentemente, sem prejuízo dos poderes de controlo a posteriori que sobre a AT impendem no tocante à efetiva verificação dos respetivos requisitos.

 Ante o entendimento vindo de alinhar, não é possível deixar de concluir no sentido da isenção fiscal a que se refere o n.º 2 do artigo 270º do CIRE assumir natureza de benefício fiscal de reconhecimento automático, significando assim que o mesmo não fica dependente de qualquer apreciação ex ante pela administração tributária relativamente à verificação ou não, em concreto, dos respetivos requisitos para que dele possa ser beneficiário, antes radicando e operando direta e automaticamente da lei.

Estando-se assim perante benefício fiscal cujo reconhecimento flui diretamente da lei, sem necessidade de decisão pela AT quanto ao seu concreto reconhecimento, não poderemos deixar de apreciar a questão relativa à coexistência e eventual cumulação de benefícios fiscais, in casu, dos regimes constantes do artigo 8º do CIMT e daquele que dimana do n.º 2 do artigo 270º do CIRE.

Matéria esta sobre a qual, entende este tribunal arbitral singular, radicar o cerne da dissonância entre Requerente e Requerida, entendendo a primeira pela aplicabilidade cumulativa de ambos os regimes, contrapondo a segunda que tal  cumulação não é legalmente admissível porquanto não prevista na letra da lei, invocando ainda  ter ocorrido a renúncia à isenção do regime do n.º 2 do artigo 270º do CIRE, aquando da opção tomada pela Requerente em beneficiar da aplicação da isenção a que se reporta o artigo 8º do CIMT.

O argumento sustentado pela Requerida relativo a tal impossibilidade legal de cumulação sucessiva de benefícios fiscais está, na perspetiva deste tribunal arbitral singular, longe de poder atingir o pretendido desiderato. 

No direito fiscal a disciplina da interpretação das leis partilha dos demais requisitos aplicáveis aos demais ramos do direito cujo cerne e base se encontra consagrada no regime do art.º 9.º do Código Civil, questão que hoje se encontra directamente regulada na norma do art.º 11.º da LGT.

Norma última esta que determina, como princípio geral, que as normas fiscais deverão ser aplicadas de harmonia com as ditames e princípios gerais de interpretação e aplicação das demais leis, entendimento este que já anteriormente era o comummente sufragado pela generalidade da jurisprudência dos tribunais.

Assim, atento a solução preconizada pelo artigo 11º da LGT, importará não deixar de ter presente o artigo 9º do Código Civil, preceito base e ponto de partida e de referência em qualquer tarefa interpretativa das normas legais:

Artigo 9.º - (Interpretação da lei)

       1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

       2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

       3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Ora, tendo presente o referente legal basilar em matéria de interpretação da norma jurídica e cotejados os diversos diplomas legais passíveis de aqui serem chamados à colação como sejam, desde logo, o Estatuto dos Benefícios Fiscais, mas igualmente o CIMT e a LGT, não se vislumbra normativo que isolada ou conjugadamente, permita trilhar o caminho e sobretudo, a solução interpretativa a que a Requerida alude.

Isto porque, na verdade não se deteta em qualquer um dos compêndios legais vindos de referir, a existência de qualquer norma ou regra que admita uma interpretação como aquela que flui da posição veiculada pela Requerida, isto é, o legislador não efetuou qualquer menção que permita excluir a priori a coexistência ou até a cumulação (sucessiva) de mais do que um benefício fiscal.

Que o mesmo significa afirmar que não se detetou na letra da lei qualquer comando que permitisse fundar o entendimento segundo o qual um sujeito passivo estivesse impedido, ope legis, de poder beneficiar de, por exemplo, de mais do que um benefício fiscal.

Ora, inexistindo normativo que consinta extrair esse entendimento, pelo menos a partir da letra da lei, mais exígua fica a hipótese e interpretação pela Requerida sustentada.

Mas se é certo que da letra da norma não se colhe tal limitação ou impedimento à cumulação, por exemplo sucessiva, de benefícios fiscais, importa tentar que a letra constitui o ponto de partida da interpretação da norma, devendo esta servir de referente ao intérprete para com base nela poder “reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo”.

Assim, partir-se-á do texto da lei para densificar o espírito da lei, o pensamento, o sentido, que o texto da norma ou normas pretendem manifestar.

Sucedendo, no entanto, que em tal exercício, o intérprete está balizado pelos limites de interpretação definidos pelo artigo 9º do C. Civil, isto é, pela letra da lei, na medida em que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”;

Que o mesmo desagua em afirmar que, de entre os vários sentidos possíveis que a consideração de todos os elementos de interpretação possam sugerir ao intérprete (ou que resultem de aspetos puramente subjetivos do mesmo intérprete), não poderão ser considerados aqueles que não tenham na letra da lei alguma correspondência, ainda que mínima ou remota.

Sendo para mais igualmente pacífico que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador […] soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, razão pela qual na tarefa interpretativa caberá ao intérprete eleger o sentido e significado das normas interpretadas que mais ou melhor se aproximem do natural sentido e significado dessas mesmas normas objeto de interpretação.

Ora, também nesta perspetiva da teleologia dos benefícios fiscais em presença nos presentes autos, não é possível concluir no sentido da existência de tal limitação ou impedimento à cumulação sucessiva de benefícios fiscais – artigo 8º do CIMT e n.º 2 do artigo 270º do CIRE – porquanto nem fazendo apelo à teleologia dos regimes em suposto confronto, é admissível, à face do artigo 9º do C. Civil, concluir por tal impossibilidade de cumulação.

Não se coloca em causa que a teleologia de cada um dos regimes das isenções fiscais convocadas pela Requerente possa ser (e seja, efetivamente) absolutamente distinta, mas tal destrinça teleológica nada aporta quanto à possibilidade ou impossibilidade de per se da Requerente de qualquer um deles ou de ambos poder beneficiar.

Ora, no que às finalidades do regime do n.º 2 do artigo 270º do CIRE concerne, como já supra se expendeu e apreciou, o fito do legislador foi o de dotar o processo de liquidação no âmbito dos processos falimentares da necessária celeridade que potencie uma rápida alienação desses mesmos bens, assim se retomando a normalidade do comércio jurídico,  ao mesmo tempo que potencia um outro efeito que se afigura pretendido pelo legislador, o de potenciar a satisfação dos créditos dos credores face ao devedor, funcionando assim esta isenção fiscal, como já se aduziu, como um inelutável incentivo em vista a tais desideratos.

Ora, como já supra se assentou, os critérios teleológicos em que se funda a opção legislativa de isentar determinadas alienações de imóveis no âmbito de processo de insolvência, em nada conflituam com a natureza da atividade do potencial adquirente, porquanto a finalidade do desagravamento fiscal visa, isso sim e antes de tudo, potenciar uma alienação tão célere quanto possível dos bens imobiliários, a fim de melhor defender os interesses dos credores e bem assim pôr termo à «perturbação» que a insolvência sempre traz para os operadores económicos e comércio jurídico em geral.

Ante o exposto, não se colhendo do texto da lei qualquer norma que permita secundar o entendimento da Requerida, nem tão-pouco tal dimanando do espírito da lei e do elemento teleológico que serve de escopo ao regime do n.º 2 do artigo 270º do CIRE, não se vislumbra como possa ser dado provimento à argumentação por esta erigida.

De resto, em contraponto com a tese apresentada pela Requerida, constata-se que o legislador fiscal, no que aos benefícios fiscais em concreto diz respeito, sempre que pretendeu tolher a cumulação de benefícios, afigura-se que o fez de forma explícita e expressa.

Para tal conclusão, basta observar o disposto no artigo 66.º-G do EBF, segundo o qual:

Artigo 66.º-G - Não cumulação

A DLRR não é cumulável, relativamente às mesmas despesas de investimento elegíveis, com quaisquer outros benefícios fiscais ao investimento da mesma natureza.

Ou seja, da leitura do normativo supra afigura-se, ao contrário do que propugna a Requerida,  que quando o legislador pretendeu impedir ou limitar a cumulação de benefícios fiscais, fê-lo de forma expressa e aqui com mais acuidade e pertinência, por referência a determinadas situações que considerou não serem suscetíveis de cumulação, o que permite formular asserção segundo a qual o princípio disciplinador dos benefícios fiscais se funda na apetência, pelo menos em abstrato, de cumulação destes e não na sua proibição.

Ante o exposto, não tendo o legislador efetuado similar opção normativa para os casos dos regimes, quer do artigo 8º do CIMT, quer do n.º 2 do artigo 270º do CIRE, não cabe ao intérprete, sem qualquer base, quer no texto, quer no espírito e teleologia das normas, presumir e assumir o contrário da lógica e princípio legislativos que tão bem expressa e evidenciada se colhem através deste aludido exemplo.

Em suma, inexiste qualquer fundamento para que, por princípio se deva considerar impedida ou arredada a cumulação de benefícios fiscais, onde se inclui, no caso, a cumulação sucessiva dos regimes em apreço, decorrentes do artigo 8º do CIMT e do n.º 2 do artigo 270º do CIRE.

Dilucidada a questão relativa à inexistência de qualquer regra legal ou princípio que impedisse, em tese, a cumulação destes dois benefícios fiscais, ao contrário do que se encontra sustentado nas decisões do PRV’s objeto destes autos e reafirmados em sede de Resposta pela Requerida, importa apreciar em concreto e in casu, de uma outra linha de defesa de tais decisões de indeferimento, a qual se prende com a ocorrência renúncia  e preclusão do direito a poder beneficiar do regime ínsito no n.º 2 do artigo 270º do CIRE.

A este respeito, comina o n.º 8 do artigo 14º do EBF, sob a epígrafe de “Extinção dos Benefícios Fiscais” que: “É proibida a renúncia aos benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento oficioso, sendo, porém, permitida aos benefícios fiscais dependentes de requerimento do interessado, bem como aos constantes de acordo, desde que aceite pela administração tributária. . conformidade ou não de tal eventual cumulação.”

Conforme decorre da leitura do normativo vindo de citar, o legislador estabeleceu a proibição de renúncia no tocante aos benefícios fiscais automáticos.

Como tivemos a oportunidade de supra explicitar e assentar, é entendimento jurisprudencial pacífico que o benefício fiscal a que se refere o n.º 2 do artigo 270º do CIRE é de reconhecimento automático, razão pela qual não poderia considerar-se que a Requerente, por via da opção primeiramente manifestada de usufruir do benefício fiscal constante do artigo 8º do CIMT, pudesse ter operado tácita (ou mesmo expressamente) a qualquer renúncia a um outro benefício fiscal de reconhecimento automático, como é o caso daquele constante do CIRE e já supra referenciado.

Isto é, ante a objetiva proibição legal pelos sujeitos passivos em procederem à renúncia a qualquer benefício fiscal de reconhecimento automático, não pode deixar de sucumbir também esta linha de sustentação da decisão dos PRV’s.

Igualmente pertinente se afigura apreciar da eventual existência de qualquer preclusão do direito (que não por renúncia) ao benefício pela Requerente, por via de não ter ab initio suscitado o benefício do regime constante do n.º 2 do artigo 270º do CIRE e ao invés, ter optado pelo referido no artigo 8º do CIMT.

Efetivamente, a Requerente, na sequência da preclusão do prazo legal (5 anos) para a alienação dos imóveis, viu caducar o direito à isenção requerida nos termos do artigo 8º do CIMT, tendo ante esse conspecto factual apresentado Modelos 1 de IMT, com vista à emissão de liquidações de IMT relativas ao imposto devido, as quais foram pagas e posteriormente deduzido revisão oficiosa, na qual entendia não ser devido qualquer IMT, uma vez que se mostravam verificados os pressupostos para a aplicação do regime de isenção fiscal a que se refere o n.º 2 do artigo 270º do CIRE.

Como se teve ocasião de explicitar, está-se no caso do benefício vindo de referenciar, perante isenção de reconhecimento automático, logo, não carecendo de qualquer decisão de reconhecimento por parte do sujeito ativo da relação jurídico-tributário para que tal desagravamento possa a Requerente beneficiar.

Ora, entende este tribunal arbitral que perante um benefício fiscal automático cujo direito surge com a verificação dos requisitos que para o efeito a lei faz depender, o que determina a necessidade do sujeito ativo da relação tributária em aferir da existência ou não de tal benefício antes da emissão das liquidações.

 

Neste mesmo sentido, numa situação similar de cumulação sucessiva de benefícios fiscais, decidiu-se no âmbito do processo 20/2018-T deste CAAD, cujo entendimento in totum acompanhamos, o seguinte: “Estando em causa um benefício que emerge automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, a administração não poderá deixar de apreciar a subsistência dessa isenção previamente à liquidação oficiosa que haja novamente de efetuar, porquanto a sua verificação positiva impede que o facto tributário readquira a sua força obrigatória, razão pela qual a reposição do regime regra de tributação fica dependente não apenas da extinção do benefício fiscal condicionado pela revenda do imóvel, mas também pela inexistência de qualquer outra situação de isenção cuja verificação e declaração a lei imponha que a administração verifique e declare em momento prévio à liquidação do imposto que seja de efetuar.

Nessa medida, o disposto no artigo 14.º do EBF não pode deixar de ser interpretado sistematicamente tendo em consideração, entre o mais, o momento em que se deve considerar constituído, e, como tal, juridicamente vigente um determinado benefício fiscal, ainda que a sua declaração venha a ocorrer em momento subsequente ao caducidade de um outro benefício fiscal.

É que, no caso do benefício fiscal em causa, a administração é absolutamente vinculada, competindo-lhe uma tarefa meramente declarativa de verificação dos pressupostos legais, sendo que, no caso de se verificarem esses pressupostos, e, independentemente do momento em que essa decisão for proferida, sempre se considera que os efeitos reportam-se à data da aquisição do imóvel, bloqueando-se com isso a operatividade do facto tributário em sede de IMT.”

Em face do quanto se vem de expor, estando-se perante benefício fiscal de reconhecimento automático, tem-se o mesmo por constituído e reportado ao momento em que se mostram preenchidos os respetivos pressupostos, no caso em apreço à data da aquisição de cada um dos imóveis, pelo que não poderia a Autoridade Tributária deixar de considerar a existência de tal benefício, enquanto facto impeditivo da tributação-regra trazida pela Liquidações de IMT identificadas em 12. da matéria de facto dada por provada.

Ora, no caso das transmissões em apreciação nestes autos, deu-se por provado que os imóveis adquiridos pela Requerente o foram em conformidade com os pressupostos exigidos pelo n.º 2 do artigo 270º do CIRE, o que, de resto, a Requerida não refuta, entendendo antes, como supra se explicitou e deixou apreciado, que a Requerente estava impedida de a este benefício poder aceder de forma cumulativa, uma vez ter já beneficiado da isenção fiscal prevista no artigo 8º do CIMT.

Ao não ter reconhecido a existência do direito a beneficiar da isenção a que se refere o n.º 2 do artigo 270º do CIRE até à emissão das liquidações de IMT (pós-caducidade da isenção  fiscal prevista no artigo 8º do CIMT), nem a posteriori, já em sede da decisão dos PRV’s, ao arrepio da lei andou a Autoridade Tributária, no que à conformidade legal dos atos tributários de liquidação e das respetivas decisões de indeferimentos dos PRV’s diz respeito, incorretamente interpretando e aplicando os preceitos legais vindos de conjugadamente supra suscitar, assim violando o disposto no n.º 2 do artigo 270º do CIRE, ao desconsiderar o direito à isenção neste preceito legal prevista, pelo que não poderão, quer as decisões dos PRV’s ora arbitralmente sindicadas, quer as liquidações de IMT àquelas subjacentes, deixar de ser declaradas ilegais, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 270º do CIRE. 

4.3. Dos juros indemnizatórios

 A Requerente solicita o reembolso das quantias pagas, aí incluindo os juros compensatórios, e peticiona, também, o pagamento de juros indemnizatórios por parte da Requerida.

  A LGT estabelece, no seu artigo 43.º, n.º 1, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

O direito à perceção de juros indemnizatórios assenta num conjunto de pressupostos de verificação cumulativa, quais sejam: a existência de um erro imputável aos serviços, em função do qual resulte pagamento de imposto em montante superior ao devido, sendo a ratio subjacente ao artigo 43.º da LGT consubstanciada na imputabilidade do erro aos serviços, como reflexo da não atuação em conformidade com a lei, ao arrepio, desde logo, do disposto no art.º 266.º, n.ºs 1 e 2, da CRP.           

No caso concreto, não há dúvida de que o erro que inquina as liquidações de ilegalidade é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, porquanto praticou o ato de liquidação, sem ter levado em consideração que a Requerente estava em condições de beneficiar, como demonstrou em sede administrativa, de uma isenção impeditiva das liquidações de IMT objeto das decisões dos PRV’s em apreciação nestes autos.

Nessa medida, reconhece-se à Requerente o direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento da prestação tributária indevida até ao seu integral reembolso.

5. DECISÃO:

Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este tribunal

a) Julgar improcedentes a exceção de impropriedade do meio processual de defesa arbitral utilizado e bem assim as exceções relativas à incompetência deste tribunal em razão da matéria, suscitadas pela Requerida;

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral; e, em consequência, anular, por ilegais, as decisões dos processos de revisão oficiosa n.ºs ...2020..., ...2020..., ...2020..., ...2020... e ...2020... e bem assim anular as liquidações de IMT n.º..., no montante de € 14.079,00, n.º..., no montante de € 10.634,48, n.º ..., no montante de €1.113,86, n.º ..., no montante de € 1.291,79 e n.º ..., no montante de € 600,00; e, por fim,

c) Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido das agora anuladas liquidações até ao seu integral reembolso, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira ao seu pagamento.

 

6.            Valor do Processo:

Assim, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 27.719,13 (vinte e sete mil setecentos e dezanove euros e treze cêntimos)

7.            Custas:

De acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último, fixam-se as custas no montante de € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), as quais vão a cargo da Requerida.

 

Notifique-se esta decisão arbitral à Requerente e à Requerida e, oportunamente, arquive-se o processo.

 

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2022.

 

O árbitro singular

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 131º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.