Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 291/2021-T
Data da decisão: 2022-02-01  IMT  
Valor do pedido: € 124.083,56
Tema: IMT – Cedência de Posição Contratual / Ajuste de Revenda. Ónus de Prova.
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SUMÁRIO:

1. O CIMT sujeita a imposto o promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação se este ceder a sua posição contratual / ajustar a revenda a terceiro e se este terceiro vier a celebrar o contrato definitivo com o promitente alienante.

2. Apesar de não cumprir com o seu ónus probatório, a que estava obrigada por lei, não tendo, por isso, demonstrado logo no procedimento tributário que teria inexistido qualquer ajuste de revenda, entende este Tribunal que tal não impede o sujeito passivo de poder fazer essa demonstração, posteriormente, no meio impugnatório dirigido contra o acto de liquidação, ou seja, de que não obstante a celebração da cessão da posição contratual não existiu qualquer ajuste de revenda, esclarecendo as razões que a levaram à cessão da posição contratual e provando a ausência do recebimento de qualquer vantagem patrimonial, afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do IMT.

3. Resultando da disposição do artigo 2.º, n.º 3, alínea e), do CIMT a presunção da ocorrência de transmissão onerosa por efeito da cessão da posição contratual, presunção que a Requerente não ilidiu, nem no âmbito do procedimento tributário, nos termos do artigo 4.º, alínea g), do mesmo Código, nem no âmbito do processo arbitral, haverá que considerar improcedente a impugnação.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros Conselheiro Carlos Cadilha (Presidente), Henrique Nogueira Nunes e Francisco Melo (Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam o seguinte:

 

1.                            RELATÓRIO

1.1. A..., S.A., (doravante designada por “Requerente”), com o número de identificação fiscal ..., e com sede na Rua ..., n.° ..., união de freguesias de ...,  ..., vem, por pedido datado de 10 de Maio de 2021, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos conjugados do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. 

1.2. A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre a legalidade do acto de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) e correspondentes juros compensatórios, com o n.º ...2018..., no montante total de € 124.083,56, e, bem assim, condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso do valor pago, acrescido de juros indemnizatórios e nas custas do processo.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

1.3. Como fundamento da sua pretensão a Requerente imputa os seguintes vícios:

(i) Considera que a AT ignorou a onerosidade da cedência da posição contratual defendendo a existência do ajuste de revenda, em conformidade com a previsão do artigo 2.º n.º 3 alínea e) do CIMT, ignorando o facto de não estarem preenchidos os seus pressupostos, ou seja, os factos constitutivos do direito à liquidação do imposto.

(ii) Que incumbia à AT provar que entre esta e o terceiro (cessionário) que adquiriu em definitivo o bem imóvel (adjudicado no processo de insolvência) teria sido celebrado um negócio que para esta tivesse trazido vantagens económicas.

(iii) Que a AT não logrou reunir elementos que evidenciassem a materialização de uma operação económica que configurasse um ajuste de revenda.

(iv) Que não obstante a aparência do negócio, não ocorreu ajuste de revenda, pois não existiu tradição efetiva do imóvel para a sua esfera patrimonial, não tendo esta usufruído do mesmo e sequer lucrado com a cedência da posição  contratual.

(v) E que não existiu contrato de promessa de compra e venda do imóvel, alegando que o que houve foi uma mera apresentação de uma proposta e respetiva adjudicação do bem imóvel em processo de insolvência.

(vi) Que não existiu intenção especulativa nem quaisquer benefícios diretos ou indiretos, porquanto assentando a tributação de IMT na riqueza transmitida decorre que a ser tributada deveria sê-lo em função do sinal pago por forma a respeitar o princípio da capacidade contributiva.

(vii) E que a interpretação que a AT faz da norma consubstancia uma interpretação manifestamente inconstitucional, no seu entendimento, na parte em que determina a cobrança do imposto sem que exista facto tributário subjacente.

                (viii) Sustenta que a norma legal do artigo 2.º n.º 3 alínea e) do CIMT não tem aplicação no caso sub judice, porquanto a AT não cumpriu com o ónus da prova dos factos de que dependia a sujeição  a imposto, e que na falta dessa prova, falece um dos requisitos de que depende a sujeição do negócio de cedência a imposto de IMT que é o ajuste de revenda, entre si e o terceiro que celebrou o contrato de compra e venda com o promitente alienante, pugnando pela ilegalidade da liquidação por vício de violação da Lei, por erro nos pressupostos.

                (ix) Vem igualmente dizer que caso assim não se entenda, e se faça equiparação entre o ato de adjudicação ao contrato de promessa, nada a impedia de ceder a sua posição contratual a terceiro, sendo que para tal apenas precisava do consentimento do promitente alienante, nos termos do artigo 424.0 do Código Civil e que esse consentimento existiu (tácito) pois o promitente vendedor veio a celebrar a escritura de compra e venda com o cessionário da posição contratual do promitente adquirente (a Requerente).

                (x) Alega que no fundo é como se tivesse obtido do promitente alienante uma cláusula de livre cedência da sua posição contratual e nessa data ocorreria o facto gerador previsto na alínea a) do n.0 3 do artigo 2.0 do CIMT, passando a cessão a ser tributada nos termos da alínea b), sendo que o imposto incidiria apenas sobre a parte do preço efetivamente pago pelo cessionário ao cedente (artigo 12.º n.º 4 ponto 18 do CIMT).

                (xi) E que se limitou a receber do terceiro apenas a quantia correspondente ao sinal (€ 100.000,00) conforme consta do contrato de cessão de posição contratual e da escritura definitiva de compra e venda, conforme documentos que junta com o seu PPA.

                (xii) Pugna, a final, pela anulação do acto tributário em crise nos autos, e pela condenação da Requerida a restituir-lhe o valor do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, a contar da data em que foi efetuado o pagamento e no pagamento das custas do processo.

1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:

(i) Vem defender-se por excepção e impugnação.

(ii) Por excepção alega a caducidade do direito à acção.

(ii) Diz que a Requerente não pediu a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, e que esta não faz parte do objeto do pedido, não sendo imputado qualquer vício ou irregularidade nem sendo suscitada e peticionada a sua anulação.

(iii) E que o objeto do pedido, expressamente delimitado pela Requerente, é a invocada ilegalidade do ato de liquidação de IMT e não o indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

(iv) E que face à conjugação do disposto no artigo 10.º do RJAT e da alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, com aplicação nos presentes autos, deve ser apresentado no prazo de 3 meses após o termo do prazo de pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas aos contribuintes, alegando que o prazo para a interposição do pedido de pronuncia arbitral sobre o ato de liquidação em causa nos autos terminou a 30.09.2020, pelo que o presente pedido, interposto a 21.05.2021 é manifestamente extemporâneo, verificando-se, no seu entender, a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual, o que determina a absolvição da instância da Requerida, nos termos do disposto nos artigos 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) ex vi do artigo 29.º do RJAT.

(v) Por impugnação vem dizer que sempre que o promitente adquirente tenha recebido, pelo negócio jurídico da cessão da sua posição contratual, um montante superior ao sinal ou antecipação de pagamento que havia efetuado ao promitente alienante, ou que não prove o contrário, haverá liquidação do imposto.

(vi) Que o valor tributável que servirá de base à liquidação do imposto neste caso, será o valor patrimonial tributário do imóvel ou o valor declarado, consoante o que for mais elevado, seguindo-se a regra geral.

(vii) Que a proposta e respetiva adjudicação do bem imóvel em processo de insolvência em apreço nos presentes autos não pode deixar de integrar a figura jurídica de Contrato Promessa de aquisição e alienação, prevista na alínea e) do n.º 3 do art.º 2.º do CIMT, pois foi através desse contrato que o Administrador de Insolvência e a Requerente se obrigaram a celebrar e a transmitir a propriedade de um bem imóvel mediante um preço.

(viii) E que foi a própria Requerente que declarou no contrato de cessão de posição contratual que era titular de uma “promessa de compra”.

(ix) E que não cabe razão à Requerente, pois para que o contrato em causa pudesse ser considerado um contrato promessa aquisição e de alienação de imóveis com cláusula de livre cedência teria, sempre, de nele constar, ou de documento à parte, uma cláusula expressa de que o promitente adquirente pode ceder livremente – ou seja, sem o consentimento do promitente vendedor - a sua posição contratual a terceiro e que não existindo qualquer cláusula de livre cedência, quer no contrato em apreço, quer em documento à parte, não pode a operação em causa ser subsumida ao regime previsto na alínea a) e b) do n.º 3 do art.º 2.º do CIMT, como propõe a Requerente.

(x) Pelo que o enquadramento do caso sub judice na previsão da alínea e) do n.º 3 do art.º 2.º do CIMT por si feito nada tem de inconstitucional, antes provém do princípio da legalidade que a atuação da administração em geral se encontra vinculada.

(xi) Que apesar de a Requerente ter cedido a sua posição contratual no contrato-promessa, não forneceu prova suficiente, através de documentos idóneos, nomeadamente, os elementos contabilísticos demonstrativos da operação em causa e os meios de pagamento utilizados, bem como não concedeu autorização à administração tributária para aceder à sua informação bancária, permitindo, assim, que legitimamente se inferisse o mencionado ajuste de revenda do imóvel, não tendo provado, no seu entendimento, de forma cabal as alegadas inexistências de lucro ou de finalidade especulativa, como lhe competia.

(xii) Vem pugnar, a final, pela exceção de caducidade do direito de ação ser julgada com a absolvição do pedido e pela total improcedência dos restantes pedidos.

 

1.5. Face à matéria de excepção alegada pela AT entendeu o Tribunal por despacho arbitral notificar a Requerente para se pronunciar, querendo, o que esta fez, mais entendeu o Tribunal dispensar a realização da reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, face à mera questão de direito em causa nos autos, e à não especial complexidade no plano da tramitação processual, o que não mereceu qualquer oposição das partes.

1.6. Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações, querendo, tendo ambas optado por não fazê-lo.

1.7. Entendeu o Tribunal, ao abrigo do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, notificar a Requerente para juntar prova documental do pagamento da quantia de €100.000,00, a título de princípio de pagamento do preço da proposta de adjudicação, a que se refere o artigo 11.º do pedido arbitral, assim como do recebimento da quantia de €100.000,00, correspondente ao preço da cessão da posição contratual, a que se refere a cláusula segunda  do contrato de cessão da posição contratual, que constitui o documento n.º 5 junto com o pedido arbitral, não tendo a Requerente respondido no prazo concedido.

1.8. Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao termo do prazo legal, após uma prorrogação do prazo nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, devidamente fundamentada e notificada às partes.

 

                                                        * * *

 

                O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

                As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

2.            MATÉRIA DE FACTO

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

A) A Requerente dedica a sua atividade à compra e venda de imóveis no âmbito de processos de insolvência e com finalidade de revenda.

B) Em 22 de Julho de 2019, após ter sido declarada a insolvência da sociedade B..., LDA (Processo n.º .../19... T8GMR), a Requerente apresentou à massa insolvente proposta de aquisição, entre outros, do bem imóvel a que se refere a verba n.º ..., constituída por prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o artigo ... . Cfr.  Documento n.º 3 junto aos autos.

C) Proposta essa, no valor global de € 1.100.000,00 (um milhão e cem mil euros) que foi aceite em 30 de julho de 2019. Cfr. Documento n.º 4 junto aos autos.

D) A Requerente procedeu ao pagamento de parte do preço da proposta de adjudicação, emitindo a 30 de julho de 2019, o cheque n.0 ... sobre o Crédito Agrícola, no valor de € 100.000,00 (cem mil euros). Cfr. Documento n.º 6 junto aos autos.

E) A Requerente celebrou com a sociedade C..., Lda., um contrato de cessão da posição contratual do prédio urbano identificado no ponto B) mediante o qual na sua cláusula 2.ª se pode ler:

 

Cfr. Documento n.0 5.

F) No dia 2019-12-12 foi celebrada escritura pública de compra e venda realizada na Segunda Conservatória do Registo Predial de Braga em que a Insolvente alienou à C..., LDA, pelo preço de 1.100.000,00 € (um milhão e cem mil euros) o referido imóvel, isento do pagamento de IMT nos termos do artigo 65.º do CIRE. Cfr. Documento n.º 6 junto aos autos.

G) A AT abriu a ordem de serviço interna de âmbito parcial, em sede de IMT, com o n.º OI2020..., de 27 de janeiro de 2020, com vista em inspecionar a Requerente. Cfr. PA junto aos autos.

H) Em 30-06-2020, foi emitida a liquidação de IMT nº..., ora impugnada, que apurou imposto a pagar, no valor de € 120.402,22, e respetivos juros compensatórios no valor de € 3.681,34, perfazendo o montante total de € 124.083,56, com data limite de pagamento voluntário em 30-06-2020. Cfr. PA e Documento n.º 1 junto aos autos.

I) A Requerente procedeu, em 01-07-2020, ao pagamento desta liquidação de IMT, através do DUC nº ... Cfr. PA junto aos autos.

J) A Requerente deduziu reclamação graciosa contra o referido ato de liquidação, a qual foi instaurada com o nº ...2020... . Cfr. PA junto aos autos

K) A 2020-11-17 o Chefe de Finanças de ... proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa, notificado à Requerente através de ofício n.º..., de 25-11-2020, tendo a Requerente sido notificada de tal decisão no dia 02-12-2021. Cfr. PA e Documento n.º 2 junto aos autos.

L) Em discordância com a liquidação em crise nos autos, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 10-05-2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.            FACTOS NÃO PROVADOS

                Não se provou, apesar de instada pelo Tribunal a fazê-lo, o pagamento da quantia de €100.000,00, correspondente ao preço da cessão da posição contratual, a que se refere a cláusula segunda do contrato de cessão da posição contratual, que constitui o documento n.º 5 junto com o pedido arbitral da Requerente.

                Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.

 

 4.           FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

                Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados, cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

                De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).

                Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

5.            DO DIREITO

Importa, antes de tudo, apreciar a excepção dilatória de caducidade da acção deduzida pela Requerida.

Invoca a Requerida que a Requerente não pede a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, e que o objeto do pedido, expressamente delimitado pela Requerente, é a invocada ilegalidade do ato de liquidação de IMT e não o indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

E que, retomando ao caso em apreço, o prazo para a interposição do pedido de pronúncia arbitral sobre o ato de liquidação terminou a 30.09.2020, pelo que o pedido arbitral, interposto a 21.05.2021 é manifestamente extemporâneo, verificando-se a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual, o que determina a absolvição da instância da Requerida, nos termos do disposto nos artigos 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) ex vi do artigo 29.º do RJAT.

A Requerente, por sua vez, notificada pelo Tribunal para responder, querendo, veio dizer em sua defesa que a reação ao acto de segundo grau (Reclamação Graciosa) implica que é o acto primário (liquidação) que se pretende impugnar e que o prazo para apresentar pedido de pronúncia arbitral, na situação em que houve Reclamação Graciosa seguida de decisão expressa de indeferimento conta-se da notificação desta e não do termo do prazo para pagamento voluntário da liquidação, e nesse sentido defende a sua tempestividade, devendo considerar-se improcedente a excepção invocada pela Requerida.

Apreciando.

Verifica-se pelo respectivo pedido arbitral que apesar de no mesmo se pedir, a final, a anulação do acto tributário de primeiro grau (a liquidação em crise nos autos), a Requerente refere-se extensamente ao longo do seu articulado ao acto tributário de 2.º grau (Reclamação), precisamente para atacar os fundamentos da liquidação posta em crise nos autos, e de facto é esse o acto tributário que se pretende anular, logo, tendo havido lugar a Reclamação Graciosa do acto de liquidação, é aplicável, na contagem do prazo de impugnação, o disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT.

Tendo a Requerente sido notificada a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa em 2 de Dezembro de 2020 e o pedido arbitral dado entrada no CAAD em 10 de Maio de 2021, o pedido é tempestivo, considerando a suspensão de prazos judiciais que ocorreu entre 22 de Janeiro e 5 de Abril de 2021 .

O que determina a consequente improcedência da excepção deduzida pela Requerida.

 

Por Impugnação vem a Requerente fundamentar a sua posição com o argumento principal de que a cedência da posição contratual que fez não foi objeto de ajuste de revenda, tendo sido meramente uma cedência da posição contratual sem obtenção de lucro, não tendo existido uma intenção especulativa da sua parte, mas apenas uma intenção de recuperar o sinal que tinha pago, nada mais lhe tendo sido pago, pelo que nunca retirou qualquer benefício económico de tal ato.

Ou seja, de que se limitou a receber do terceiro apenas a quantia correspondente ao sinal que havia pago (€ 100.000,00), conforme consta do contrato de cessão de posição contratual e da escritura definitiva de compra e venda, pelo que, in casu, inexistiu qualquer ajuste de revenda.

Subsidiariamente vem invocar que, não concordando o Tribunal com essa posição, então teria ocorrido uma situação de inserção tácita de uma cláusula de livre cedência da sua posição contratual, pois seria como se obtivesse do promitente alienante (administrador de insolvência) uma autorização para essa cedência e nessa data, no seu entendimento, ocorreria o facto gerador previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 2.0 do CIMT, passando a cessão a ser tributada nos termos da alínea b), devendo o imposto incidir apenas sobre a parte do preço efetivamente pago pelo cessionário ao cedente (artigo 12.º n.º 4 ponto 18 do CIMT).

Vejamos.

O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional - artigo 2.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis - CIMT.

Nos termos previstos no n.º 3 do artigo 2.º do CIMT:

«Considera-se que há também lugar a transmissão onerosa para efeitos do n.º 1 na outorga dos seguintes actos ou contratos:

(...)

e) Cedência de posição contratual ou ajuste de revenda, por parte do promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação, vindo a contrato definitivo a ser celebrado entre o primitivo promitente alienante e o terceiro».

Ora, da disposição legal supra transcrita resulta que o CIMT sujeita a imposto o promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação se este ceder a sua posição contratual / ajustar a revenda a terceiro e se este terceiro vier a celebrar o contrato definitivo com o promitente alienante.

Perante a verificação dos pressupostos de facto de que depende a sujeição ao imposto, a saber: i) que o promitente-adquirente em contrato-promessa sem cláusula de livre cedência de posição contratual ceda sua posição contratual a terceiro; ii) que entre o terceiro adquirente dessa posição contratual e o promitente alienante seja celebrado contrato definitivo de propriedade do imóvel, pode o contribuinte afastar o regime-regra de tributação, apresentando a prova da verificação dos pressupostos de que depende o regime excepcional e derrogatório.

Tendo então ser observado o disposto na alínea g) do artigo 4.º do CIMT que dispõe:

 «Na situação prevista na alínea e) do n.º 3 do artigo 2.º, o imposto é devido pelo contraente originário, não lhe sendo aplicável qualquer isenção, excluindo-se, porém, a incidência se o mesmo declarar no prazo de 30 dias a contar da cessão da posição contratual ou do ajuste de revenda que não houve lugar ao pagamento ou recebimento de qualquer quantia, para além da que constava como sinal ou princípio no contrato-promessa, demonstrando-o através de documentos idóneos ou concedendo autorização à administração fiscal para aceder à sua informação bancária».

Analisado o processo constata-se que a Requerente não cumpriu o ónus que lhe é imposto por lei e que, desde logo, impõe que, no prazo de 30 dias contados da cessão, declare à AT que não houve lugar ao pagamento ou recebimento de qualquer quantia para além da que constava como sinal ou princípio de pagamento, o que, no caso dos autos, não aconteceu.

Sobre o incumprimento desse ónus declarativo a Requerente nada refere, dizendo que seria a Autoridade Tributária a quem caberia “reunir elementos que evidenciassem a materialização de uma operação económica que configurasse um ajuste de revenda”.

A Requerente invoca que apenas recebeu da sociedade C..., Lda. o mesmo valor que pagou a título de sinal, ou seja, os € 100.000,00, por força do contrato de cessão da posição contratual do prédio urbano em causa nos autos, mediante o qual na sua cláusula 2.ª se pode ler:

 

Só que a expressão que consta desse contrato é que os cessionários “procederão” à liquidação do referido preço, ou seja, refere-se a um evento futuro e não contemporâneo da assinatura desse contrato, pelo que entendeu o Tribunal notificar a Requerente para apresentar prova do pagamento desse preço, não tendo esta respondido, o que é no mínimo inconsistente com toda a argumentação aduzida ao longo do seu pedido arbitral.

É que, para além dos meios de prova previstos no preceito do artigo 4.º, alínea g), do CIMT, sempre caberia à ora Requerente realizar a prova da materialidade fáctica que constituísse facto contrário ou descaracterizante do facto tributário ocorrido.

Ou seja, apesar de não cumprir com o seu ónus probatório, a que estava obrigada por lei, como vimos, não tendo, por isso, demonstrado logo no procedimento tributário que teria inexistido qualquer ajuste de revenda, entende este Tribunal que tal não a impede de poder fazer essa demonstração posteriormente, no meio impugnatório dirigido contra o acto de liquidação, ou seja, de que não obstante a celebração da cessão da posição contratual não existiu qualquer ajuste de revenda, esclarecendo as razões que a levaram à cessão da posição contratual e provando a ausência do recebimento de qualquer vantagem patrimonial, afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do IMT.

Neste mesmo sentido, embora então se referindo ao imposto de sisa, vide o Acórdão do STA, 03.11.2010, P. 0499/10.

Veja-se o seguinte excerto:

“Deste modo, quando se constata que o promitente-comprador originário cedeu a sua posição a terceiro, que veio a celebrar a escritura de compra e venda com o promitente vendedor, pode e deve considerar-se ter havido ajuste de revenda, sendo irrelevante que não tivesse a posse efectiva do bem prometido vender. Isto sem embargo de ele poder demonstrar, logo no procedimento tributário ou posteriormente, no meio impugnatório dirigido contra o acto de liquidação, que não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu qualquer ajuste de revenda, esclarecendo as razões que o levaram à cessão da posição contratual, afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do imposto de sisa”.

Com efeito, a presunção estabelecida no artigo 2.º, n.º 3, alínea e) do CIMT é uma presunção juris tantum, na medida em que consagrada nas normas de incidência tributária. Quer isto dizer que é uma presunção que admite prova em contrário, como, aliás, decorre do disposto no artigo 73º da LGT, nos termos do qual “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.

Esta sujeição / tributação em sede de IMT que, aliás, manteve o que já vinha do CIMSISSD, tem a sua razão de ser “no facto de os contratos promessa de compra e venda de imóveis terem deixado de ser, «progressivamente, com o desenvolvimento da actividade económica, meros negócios preparatórios de contratos de compra e venda, passando a ser utilizados como instrumentos de realização de investimentos e de especulação imobiliária, que têm por base uma transmissão puramente económica dos bens, proporcionadora de rendimentos”- Acórdão do STA. de 21/04/10 (processo nº 924/09).

 

Sendo assim, o sujeito passivo terá de alegar e provar que, não obstante a celebração da escritura entre o promitente vendedor e o terceiro/cessionário, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda.

E, no caso sub judice, a Requerente ensaiou extensa alegação no sentido de evidenciar um determinado contexto/ circunstancialismo justificativo para a perda de interesse no negócio a que estava subjacente a promessa de compra do imóvel objecto da cessão e que apenas teria recebido o valor do sinal pago, não tendo obtido qualquer vantagem patrimonial com a cessão.

Só que, alegando que não procedeu a qualquer ajuste de revenda com terceiro, o ónus dessa prova era seu, conforme o disposto no artigo 74° da LGT, e não da AT que não tinha de fazer tal prova.

Ora, apesar de instada pelo Tribunal a fazê-lo, o certo é que optou por se remeter ao silêncio, pelo que nenhum vício se pode apontar à liquidação emitida, decorrência natural da previsão normativa do CIMT.

Quanto à alegação de que teria havido consentimento tácito do promitente vendedor (administrador de insolvência) porquanto se veio a celebrar a escritura de compra e venda com o cessionário da posição contratual da Requerente, ficcionando-se como se esta tivesse obtido do promitente vendedor (administrador de insolvência) uma cláusula de livre cedência da sua posição contratual e nessa data ocorreria o facto gerador previsto na alínea a) do n.º 3 do art.º 2.º do CIMT, passando a cessão a ser tributada nos termos da alínea b), incidindo o imposto apenas sobre a parte do preço efetivamente pago pelo cessionário ao cedente (art.º 12.º, n.º 4, regra 18.ª do CIMT) e não pelo VPT do imóvel (art.º 12.º, nº1 do CIMT), como aconteceu nos autos, entende o Tribunal, como bem diz a Requerida, que para que o contrato em causa pudesse ser considerado um contrato promessa aquisição e de alienação de imóveis com cláusula de livre cedência teria, sempre, de nele constar, ou de documento à parte, uma cláusula de que o promitente adquirente podia ceder livremente – ou seja, sem o consentimento do promitente vendedor - a sua posição contratual a terceiro, e, in casu, essa cláusula não existe, nem, de resto, foi junto qualquer outro elemento de prova, pelo que não pode a operação em causa ser 

Face ao exposto improcede totalmente o pedido formulado pela Requerente.

 

6.            DECISÃO

                Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Colectivo em:

- Julgar improcedente a excepção dilatória invocada pela Requerida e julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado pela Requerente.

 

* * *

                Fixa-se ao processo o valor de € 124.083,56, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

                Custas no montante de € 3.060,00, a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

              

Lisboa, 01 de Fevereiro de 2022.

Os árbitros,

 

Conselheiro Carlos Cadilha

Dr. Henrique Nogueira Nunes (relator)

Dr. Francisco Melo

 

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.