SUMÁRIO
1- O prazo de dedução do pedido de pronúncia arbitral, conta-se, nos termos do art. 3º-A do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT,) de acordo com o art. 67º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), de acordo com o qual os prazos de duração inferior a seis meses se suspendem nos sábados, domingos e feriados.
2- Resulta da alínea a) do nº 1 do art. 29º do RJAT que o nº3 do art. 57º da Lei Geral Tributária (LGT) e o nº 1 do art. 20º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) só seriam aplicáveis à contagem desse prazo, em caso de lacuna do RJAT, no caso, inexistente, motivo pelo qual o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser considerado tempestivo.
3- Não está abrangida pelo nº 1 do art. 7º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), mas apenas pela alínea a) do nº 1 do art. 2º, a promessa de compra e venda, com tradição, de bens imóveis, ainda que a intenção de revenda seja manifestada no contrato.
4- Após a entrada em vigor do art. 197º da Lei nº 64-A/2008, de 31/12, que alteraria o nº 3 do art. 22º do CIMT, quando do título de transmissão definitiva do imóvel venha a constar a intenção de revenda, não obstante a tributação anterior do contrato promessa , passou a poder ser aplicada, por iniciativa do titular, a isenção desse nº 1 do art. 7º.
5- O direito à isenção previsto naquela norma depende de, antes da aquisição, o adquirente ter apresentado a declaração prevista no art. 112º.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) ou na alínea a) do n.º 1 do art. 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), consoante o caso.
6- Tal isenção não impede, nos termos do nº 2 do art. 7º do CIMT, a liquidação e pagamento de IMT nos termos gerais, salvo quando o adquirente comprove, mediante certidão passada nos termos do nº 3 dessa norma, o exercício normal e habitual anterior da atividade de compra de imoveis para revenda.
7- Caso, não obstante a liquidação e pagamento do IMT, o prédio seja revendido sem ser novamente para revenda no prazo de três anos, o adquirente pode requerer ao chefe do serviço de finanças competente, nos termos do nº 4 do art. 7º, a anulação da liquidação e consequente reembolso do imposto;
8- O reconhecimento da isenção em virtude do exercício normal e habitual da atividade de compra de prédios para revenda, dado o seu efeito meramente impeditivo de nova liquidação e não reverter a liquidação efetuada a quando do contrato promessa, não constitui o adquirente no direito a obter a anulação e consequente reembolso do IMT liquidado e suportado a quando deste contrato, apenas possível nos termos referidos nº 4 do art. 7º.
9- A liquidação de IMT consequente da caducidade da isenção do nº 1 do art. 7º do CIMT apenas recai, não sobre a totalidade, mas sobre a parte do valor da transmissão definitiva do imóvel que exceda o valor que serviu de base à liquidação inicial com base no contrato promessa, sob pena de duplicação de coleta, definida, na ausência de outro conceito legal, nos termos do nº 1 do art. 205º do CPPT.
10- Nos termos do nº 6 do art. 78º da LGT, o prazo de reclamação graciosa com fundamento em duplicação de coleta é de quatro anos, independentemente da existência ou não de erro imputável aos serviços na liquidação reclamada.
DECISÃO ARBITRAL
I- RELATÓRIO
1.Identificação das Partes
1.1. Requerente
A… – Imobiliária e Consultoria, Lda., sociedade por quotas, com sede na Rua …, Guimarães, com o número de identificação de pessoa coletiva ….
1.2. Requerida
Autoridade Tributária (AT), representada pelas juristas Drªs B… e C… , designadas por despacho do diretor da Direção de Serviços e do Contencioso, por delegação, de 27/9/2021.
2.Tramitação e constituição do Tribunal
2.1. A 13/9/2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral, aceite nessa dia ;
2.2. A 15/9/2021, a Requerida seria notificada do pedido e, a 27/9/2021, designaria as referidas juristas para a representarem no presente processo arbitral;
2.3- A 19/10/2021, ocorreria a nomeação do Árbitro e a 17/11/2021, por despacho do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD desse dia, seria constituído o Tribunal Arbitral;
2.4.- Nesse dia, a Requerida seria notificada para apresentar Resposta, requerer prova adicional, se necessário, e enviar integralmente o Processo Administrativo no prazo de 30 dias;
2.5-A 4/11/2022, a Requerida enviaria a Resposta e o Processo Administrativo, não tendo invocado qualquer questão de extemporaneidade que obstasse ao conhecimento do pedido.
3.O Pedido
Solicita a Requerente a declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IMT n.º …, datada do 23.07.2020, titulada pelo Documento Único de Cobrança(DUC) n.º …, no valor de € 10.038,88, e, consequentemente, do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …, de 18/1/2021, sobre o valor de € 4.151,90, notificado à Requerente a 11/5/2021, da autoria, por delegação, do chefe do 1º serviço de finanças do concelho da …, que, após apreciação da legalidade desse ato, o manteve integralmente, bem como o consequente reconhecimento do direito a pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do art. 43º da LGT .
4.1- Posição da Requerente
Na Petição Inicial (PI), defende a Requerente que, com a aquisição, a 30/6/2017, da propriedade do imóvel, através da celebração da escritura definitiva de compra e venda, teria ocorrido novo facto tributário sujeito a IMT, diferente da anterior promessa de compra e venda do mesmo bem, com tradição, de 15/7/2016, sobre a qual já tinha recaído IMT no valor da liquidação parcialmente impugnada. A aquisição de 30/6/2017, no entanto, beneficiou da isenção constante do nº 1 do artigo 7.º do CIMT, dado o imóvel adquirido se destinar a revenda, como, aliás, resultava do Campo 11 do Quadro II da Declaração modelo 1, que apresentou a 28/6/2017, com a consequente não realização da liquidação de IMT.
Em virtude de o bem imóvel não ter sido revendido dentro do prazo de três anos após a aquisição, a que se refere o nº 4 do art. 7º do CIMT, nos termos do nº 5 do art. 11º , a 15/7/2020, a Requerente solicitaria à AT a liquidação de IMT, que esta efetuaria pelo referido valor de € 10.038,88 . Essa liquidação, para a Requerente, não seria uma liquidação inicial, mas adicional. Para a Requerente, tal liquidação adicional não teria considerado o nº3 do art. 22.º do CIMT que prevê, para essas situações, um regime de crédito de imposto, no caso, os referidos € 4.151,90.
Tal regime aplicar-se-ia, para a Requerente, a todos os casos, sem exceção, em que, após uma transmissão ficcionada para efeitos de IMT, venha a ocorrer a transmissão para efeitos civis, ficando, assim, garantida a neutralidade fiscal em que assenta a tributação das transmissões onerosas de imóveis.
Com efeito, a liquidação resultante da outorga da escritura de compra e venda não foi determinada, como deveria ter sido, dada a sua natureza de liquidação adicional pela diferença entre o valor da transmissão definitiva da propriedade e o valor da promessa de compra e venda com tradição, mas apenas pelo valor da transmissão definitiva da propriedade, sem qualquer dedução do imposto anteriormente suportado a montante pelo adquirente, em virtude da anterior promessa de compra e venda com tradição.
4.2. Posição da Requerida
Segundo a Requerida, a celebração do contrato-promessa de compra e venda do imóvel com tradição seria uma transmissão meramente fiscal, sujeita a IMT nos termos gerais.
Já a celebração da escritura definitiva seria facto tributário distinto do anterior: uma transmissão meramente jurídica do imóvel, também sujeita a IMT, apesar de isenta, nos termos do nº 1 do art. 7º do CIMT.
Resulta dos n.ºs 1 e 3 do art.º 19.º do CIMT a liquidação do IMT ser da iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios eletrónicos, uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida, no caso, a Declaração modelo 1 Tal obrigação compreenderia igualmente os sujeitos passivos que pretendessem utilizar as isenções automáticas ou de reconhecimento automático previstas nesse Código.
À luz desse quadro legal, todo o contribuinte teria a responsabilidade de informar a AT que, anteriormente à transmissão definitiva do imóvel, ainda quando esta estivesse isenta, já tinha pago IMT por força de contrato promessa com tradição, sob pena de já o não poder deduzir ao imposto definitivamente liquidado a quando daquela transmissão.
Para a Requerida, a omissão desse dever seria admitida pela Requerente, no nº 38º da PI que se cita : «Assim, em 30 /7/2017, altura que a Requerente celebrou o contrato de compra e venda do imóvel objeto do contrato de promessa com tradição daquele, seria a altura de efetuar o encontro de contas entre o IMT devido em virtude da promessa com tradição e o IMT devido pela transmissão definitiva da propriedade, nos termos do n.º 3 do art. 22.º do Código do IMT”.
Também de acordo com a al. d) do n.º 1 do art.º 20.º do CIMT, o interessado deveria fornecer todos os esclarecimentos indispensáveis à exata liquidação do imposto, incluindo o montante do IMT a deduzir ao valor apurado a final. Tal dedução ficaria, assim, definitivamente prejudicada se esses esclarecimentos não fossem prestados pelo interessado.
Assim , para a Requerida, a Requerente, antes da outorga da escritura de compra e venda do imóvel, de 30/6/2017, deveria, quando solicitou a liquidação a que chama de originária, ter preenchido os campos 52 e 53 do quadro V da Declaração modelo 1 , aí inscrevendo o IMT suportado no contrato promessa e o nº da liquidação, de forma a que o valor de € 4.151,90 pudesse então ser anulado e devolvido , conforme determinariam as instruções de preenchimento daquela Declaração, integrantes da Portaria n.º 1423-H/2003, de 3/12.
Caberia, pois, à Requerente desencadear por sua iniciativa, quando solicitou a liquidação inicia, a aplicação do mecanismo previsto no n.º 3 do art.º 22.º do CIMT anteriormente à outorga do contrato prometido, ocorrida a 30/6/2017, o que não teria feito na Declaração modelo 1 apresentada, que serviu de base ao reconhecimento da isenção do nº 1 do art. 7º do CIMT e consequente liquidação do IMT por valor zero.
Não teria, assim, fundamento a alegação, no art. 41º do PI, que a AT violou o regime instituído pelo n.º 3 do art. 22.º do CIMT ao emitir a liquidação impugnada, sem qualquer dedução do IMT suportado aquando do contrato promessa, uma vez a ausência dessa dedução ser imputável à Requerente, por ausência de correto preenchimento dos Campos 52 e 53 do Quadro V da Declaração modelo 1, em que se baseou a liquidação originária, cuja legalidade não pode ser posta em causa em liquidação adicional que a ela acresça.
Caso a Requerente tivesse revendido em tempo, o imóvel aqui em causa, com o consequente preenchimento dos pressupostos da isenção do nº 1 do art. 7º do CIMT, essa liquidação adicional não teria sido, aliás, emitida.
Seria em consequência da outorga do contrato definitivo que operou a transmissão jurídica do bem formalizado na escritura pública ocorrida no seguimento do contrato promessa com tradição pelo qual a Requerente viria a pagar imposto em consequência de ulterior condição resolutiva da isenção, que esta poderia atempadamente ter utilizado a argumentação constante da PI, direito que, por não exercido na Declaração modelo 1 nem no prazo de reclamação graciosa precludiu. Tal liquidação, no entanto, já não é passível de reclamação, por, como referiu, terem largamente decorrido os prazos da parte final do nº 1 e do nº 4 do art. 78º da LGT e do nº 1 do art. 70º do CPPT, aplicável por força da primeira dessas normas.
A liquidação a que se refere o pedido de pronúncia arbitral não precedeu, com efeito, a outorga da escritura de compra e venda, não tendo, assim, as caraterísticas de uma liquidação originária, mas foi posterior, tendo resultado .do incumprimento do prazo de três anos para revenda previsto no nº 5 do art. 11º do CIMT.
Os pressupostos da liquidação originária, ainda que de valor zero, quando esta estiver consolidada na ordem jurídica, não podem ser reapreciados aquando da liquidação adicional que a ela se reporte.
A liquidação que deveria ter sido impugnada seria a efetuada a 28/6/2017 no valor desses € 0,00, que, essa sim, precedeu o ato translativo do imóvel e da qual teria resultado, caso estivessem reunidos os respetivos pressupostos legais, o direito à dedução a que a Requerente almeja.
Assim, quando, no art. 19º da PI, a Requerente refere que “a liquidação efetuada pela outorga da escritura de compra e venda não foi determinada pela diferença entre o definido na promessa com tradição e na transmissão da propriedade”, tal vício não pode ser imputado à liquidação adicional reclamada, pois esta foi efetuada posteriormente à outorga da escritura, na sequência do incumprimento da obrigação desse nº 5 do art. 11º do CIMT, mas a uma liquidação anterior, a liquidação originária, que, por terem decorrido os respetivos prazos legais, já não pode ser administrativa nem judicialmente posta em causa.
Nessa medida, o pedido de pronúncia arbitral não teria fundamento, bem como a exigência de juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do art. 43º da LGT, por ausência de qualquer erro imputável aos serviços na liquidação impugnada.
5.Saneamento
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).
6.Fundamentação de facto
6.1. Factos Provados
I-Em 15/07/2016, foi celebrado contrato-promessa de compra e venda da fração autónoma “DZ” do artigo …, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias da Póvoa de Varzim, Beiriz e Argivai, concelho da Póvoa de Varzim, entre a Requerente, na qualidade de Primeira Outorgante e promitente compradora, representada pelo sócio-gerente e representante legal D…, NIF …, residente na freguesia de Azurém , concelho de Guimarães , e , na qualidade de Segundo Outorgante e promitente vendedora, E…, NIF …, em seu nome e na qualidade de tutora nomeada do marido F…, NIF …, dada a interdição deste último, nos termos do art. 138º do Código Civil(CC), na redação anterior à dada pelo art. 2º da Lei nº 49/2018, de 4/8,por decisão judicial transitada em julgado de 9/3/ 2015, ambos residentes na freguesia da Ponte do concelho de Guimarães. Intervieram igualmente no Contrato, como refere a Cláusula 16ª, como Terceiros Outorgantes, os filhos dos Segundos Outorgantes na qualidade de vogais do Conselho de Família do interdito, cuja intervenção consta dos arts. 1451º a 1460º do CC.
II-Consta na Cláusula Terceira do Contrato, o preço estipulado para a prometida compra e venda ter sido de € 260.000,00.
III- Consta da Cláusula Quarta do Contrato, que, a título de sinal e princípio de pagamento seriam pagos aos promitentes compradores pela promitente compradora € 130.000,00, na data da outorga da promessa, e o remanescente na data da celebração da escritura definitiva, que deveria ter lugar, segundo os nºs 1 e 2 da Cláusula Nona, no prazo de um ano e, independentemente desse prazo, nos 15 dias posteriores ao trânsito em julgado da autorização da venda do bem a conceder à tutora nomeada do interdito, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 2º do DL nº 272/2001, de 13/10, sob pena de o negócio ficar sem efeito. .
IV- Nos termos da Cláusula Oitava do Contrato, as partes declararam a promitente adquirente, ora Requerente, pretender entrar na posse do imóvel no prazo máximo de 30 dias contados da sua celebração, não tendo sido clausulado, no contrato ou posteriormente, a promitente adquirente, ora Requerida, pudesse ceder a sua posição contratual a terceiro, nos termos das alíneas a) e b) do nº 3 do art. 22º do CIMT.
V- Em consequência de a promessa de aquisição e de alienação de bem imóvel com tradição estar sujeita a IMT, nos termos da al. a) do n.º 2 do art.º 2.º do CIMT e de a promitente adquirente, na vigência do contrato, ter entrado na posse do bem imóvel, o marido da promitente vendedora F…, a quando do Contrato celebrado a 4/5/2016, não obstante a sua interdição anterior, assinou e entregou em seu nome, a 8/8/2016 , a Declaração modelo 1 da qual fez constar esse facto tributário no Campo 10 do Quadro II.
VI- No Campo 61 do Quadro VII, indicaria o F… o valor global do Contrato para efeitos de liquidação de IMT de € 260.000,00.
VII- O Campo 11 do Quadro II da Declaração modelo 1 apresentada não evidenciaria qualquer código de isenção eventualmente aplicável, abrangida pelo art. 11º do CIMT.
VIII- O apresentante dessa Declaração modelo 1, F…, não preencheria o Anexo I aplicável quando a transmissão seja efetuada por mais de um titular, nem fez constar esse facto do Quadro II.
IX-Com base nessa Declaração modelo 1, a AT emitiria a liquidação n.º …, de 08/8/2016, no montante de € 4.151,90, constante do DUC ….
X-O valor que serviria de base à liquidação seria, no entanto, não esses € 260.000,00 mas metade, € 130.000,000,
XI- Como o valor patrimonial total do imóvel é de € 175.928,88 é superior a esses € 130.000,000, entendeu a AT dever este último valor- e não metade - a prevalecer para efeitos da liquidação de IMT, nos termos do nº 1 do art. 12º do CIMT.
XII- O valor da liquidação incidente sobre o contrato promessa resultou, assim, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 17º do CIMT e em virtude de o imóvel vendido ter por destino exclusivo a habitação, da aplicação a esses € 175.928,88, da taxa de 7 %, com a dedução da parcela a abater de € 8.163,12.
XIII. Em 08/08/2016, a Requerente procedeu ao pagamento do IMT devido nos termos do n.º 1 e da al. a) do n.º 2 do art.º 2 do CIMT, constante do DUC acima identificado, no montante de € 4.151,90
XIV. Em 30-06-2017 foi celebrada a escritura de compra e venda do imóvel identificado entre as partes que outorgaram o referido contrato-promessa, incluindo o F…, pelo preço, cláusulas e condições definidas do contrato-promessa, ou seja, pelo valor de € 260.000,00, sendo aí feita menção ao casamento deste em regime de comunhão de adquiridos.
XV. Ficou consignado na escritura que a aquisição pela Requerente beneficiou da isenção do art.º 7.º do CIMT aplicável à aquisição de imóveis para revenda.
XVI. Em 28-06-2017, a AT emitiria o DUC n.º …, no valor de € 0,00 .
XVII- Do processo administrativo não consta a Declaração modelo 1 que teria servido de base à emissão desse DUC.
XVIII-A Requerente solicitou a liquidação do imposto devido por o imóvel não ter sido revendido no prazo de 3 anos nos termos do n.º 5 do art.º 11.º do CIMT , tendo, por isso, a AT emitido a liquidação de IMT impugnada n.º …, de 23/07/2020, no montante de € 10.038,88.
XIX A liquidação deu origem ao DUC nº … e foi paga em 04/08/ 2020, tendo servido de base à liquidação os valores apurados aquando da escritura de compra e venda realizada em 30/06/2017 de acordo com o estabelecido no contrato-promessa, sem qualquer dedução do IMT pago aquando deste.
XX- A Declaração modelo 1 que deveria evidenciaria o pedido de liquidação não consta do Processo Administrativo, nem foi junta pela Requerente.
XXI- A Requerente apresentou reclamação graciosa em 23/11/2020, que seria autuada como Procedimento de Reclamação Graciosa n.º ….
XXII-. Em 22/01/2021, a Requerente foi notificada para exercer o seu direito de audição sobre o projeto de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa, não tendo exercido esse direito dentro do prazo que lhe foi fixado.
XXIII- Em 11/05/2021 a Requerente foi notificada do indeferimento deste procedimento, da autoria, por delegação, do chefe do 1º serviço de finanças do concelho da …, conforme documenta o Processo Administrativo junto aos autos.
6.1. Factos não Provados
Não se consideram não provados quaisquer factos invocados pelas partes suscetíveis de relevância para o conhecimento da presente causa.
7.Fundamentação de direito
7.1. Tempestividade do pedido
A Requerente foi notificada, a 11/5/2021, como admitiria no art. 19º da PI, a II, B desse documento, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que agora pretende impugnar, apresentada a 23/11/2020. Nessa data de 11/5/2020, já tinha terminado, a 6/4/2021, por força do art. 7º da Lei nº 13-B/2021, de 5/4, o regime excecional de suspensão dos prazos administrativos e judiciais adotado no âmbito da doença COVID 19.
A propositura do pedido de pronúncia arbitral ocorreu apenas a 13/9/2021.
Nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 10º, do RJAT, o pedido de constituição do tribunal arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos ns. 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma, em que se inclui o indeferimento de reclamação graciosa abrangida por esse nº 2, e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico, e de 30 dias quando o objeto do pedido de pronúncia arbitral consista na declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
O prazo de propositura do pedido de constituição de tribunal arbitral não é processual, uma vez o processo arbitral apenas se iniciar na data da constituição do tribunal arbitral, nos termos do nº 8 do art. 11º do RJAT. Antes da constituição do tribunal, não há processo arbitral.
Até à constituição do tribunal arbitral, não há, assim, processo arbitral, mas mero procedimento administrativo, ainda que dirigido à constituição do tribunal arbitral.
Tal doutrina seria sustentada pelas Decisões Arbitrais nºs 75/2012-T. de 11/12, 83/2012-T, de 14/12 188/2013-T, de 6/1, sendo pacífica.
Posteriormente aos factos a que se referenciaram essas Decisões Arbitrais, o 17º- A do RJAT, aditado pelo art. 229º da Lei nº 66-B/2012, de 31/12, esclareceria o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho arbitral, se suspender durante as férias judiciais, nos termos do art. 144.º do Código de Processo Civil (CPC), com as necessárias adaptações.
Tal norma não é obviamente suficiente, ainda que se recorresse primariamente a um argumento “a contrario sensu”, que seria sempre de eficácia duvidosa, para fundamentar a tempestividade ou intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
O juízo sobre a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral deve ser efetuado de acordo com as normas aplicáveis à contagem ao respetivo prazo, que não são as do direito processual civil, faltando definir quais são à luz do RJAT.
Nos termos do nº 3 do art. 57º da LGT, no procedimento tributário, os prazos são contínuos e contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil (CC).
Reafirmando e desenvolvendo essa norma, o nº 1 do art. 20º do CPPT, na redação do art. 4º da Lei nº 7/2021, de 26/2, em vigor a quando da notificação do ato impugnado, dispõe que os prazos do procedimento tributário e interposição da impugnação judicial contam-se de modo contínuo e nos termos do art. 279.º do CC, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em dia em que os serviços ou os tribunais estiverem encerrados, para o primeiro dia útil seguinte, o que não é mais que a previsão da alínea e) desta norma.
Tal regime de continuidade do prazo de impugnação judicial viria a ser transposto para o nº 2 do art. 58º do CPTA, na redação do art. 2 º do DL nº 214-G/2015, de 2/10, de acordo com o qual sem prejuízo do disposto no n.º 4 do art. 59.º, os prazos estabelecidos no anterior nº 1 contam-se nos termos do art.279.º do CC, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em férias judiciais ou em dia em que os tribunais estiverem encerrados, para o 1.º dia útil seguinte. Na anterior redação, a contagem dos prazos referidos no nº obedecia ao regime aplicável aos prazos para a propositura de ações previstos no Código de Processo Civil, com a consequente suspensão de contagem nas férias judiciais.
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Assim, caso fosse aplicável essa alínea e) do art. 279º do CC, o prazo de apresentação do pedido de pronúncia arbitral devia ser contado sem suspensões nem interrupções, transferindo-se o seu termo, quando este ocorresse em domingo ou dia feriado para o primeiro dia útil; sendo aos domingos e dias feriados equiparadas as férias judiciais, se o ato sujeito a prazo tivesse de ser praticado em juízo.
Nos termos do art. 28º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26/8), as férias judiciais decorrem de 22/12 a 3/1, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16/7 a 31/8.
Caso esta última norma fosse aplicável ao pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente, não fosse a emergência das férias judiciais, o prazo de impugnação deveria ter terminado a 9/8, mais de um mês antes da apresentação do pedido de pronúncia arbitral (20 dias em maio, 30 dias em junho, 31 dias em julho e os restantes dias em agosto, não fosse a transferência do seu termo para 31/8 por força da referida alínea e) do art. 279º do CC). Como a PI foi entregue após essa data, deveria ser considerada extemporânea.
À luz dessa argumentação, acolhida nos seus traços essenciais pelas Decisões Arbitrais nº 272/2017-T, de 14/7, e nº 361/2017-T, de 15/12, o presente pedido de pronúncia arbitral teria de ser julgado intempestivo.
Tal argumentação está muito longe de ser pacífica.
A LGT e o CPPT são certamente direito subsidiário do RJAT, o que não quer dizer que essa subsidiariedade se aplique a todas as matérias, mesmo nos casos em que o RJAT entendeu inequivocamente ser outro o direito subsidiário.
Tal aplicação da LGT e do CPPT depende, com efeito, de uma lacuna do RJAT, no entanto, inexistente.
Nos termos do nº 1 do art. 29º do RJAT, são de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos:
a) As normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais normas tributárias;
b) As normas sobre a organização e funcionamento da administração tributária;
c) As normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários;
d) O Código do Procedimento Administrativo;
e) O Código de Processo Civil.
A aplicação dessa norma pressupõe, por força da sua natureza subsidiária, um caso omisso no RJAT.
Por outro lado, o nº 1 do art. 29º apenas se aplica à contagem dos prazos ao processo arbitral tributário, iniciado com a constituição do tribunal arbitral.
Nos termos do art. 3º-A do RJAT, igualmente aditado pelo art. 229º do RJAT, no procedimento arbitral, os prazos contam-se nos termos do Código do Procedimento Administrativo, com as necessárias adaptações, e não pelo CPPT ou pela LGT.
Apenas segundo o nº 2 desse art. , o prazos para a prática de atos no processo arbitral , como os que podem ser considerados abrangidos pela alínea a) do nº 1 do RJAT, se contam nos termos do CPC.
Nos termos do art. 67º do CPA, aprovado pelo art. 1º do DL nº 4/2015, de 7/1, os prazos procedimentais previstos nesse Código começam a correr independentemente de quaisquer formalidades, não se inclui na contagem o dia do evento a partir do qual o prazo começa a correr, os prazos fixados suspendem-se nos sábados, domingos e feriados, na contagem dos prazos legalmente fixados em mais de seis meses transfere-se para o primeiro dia útil seguinte e o termo do prazo que coincida com dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o ato não esteja aberto ao público ou não funcione durante o período norma transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
O art. 3º- A do RJAT, conjugado com o art. 67º do CPA, prejudica a aplicação do nº 3 do art. 57º e do nº 1 do art. 20º do CPPT, com os quais é incompatível.
O pedido de pronúncia arbitral não é, por outro lado, um ato praticado em juízo. A secretaria do CAAD não é a secretaria de um tribunal judicial, administrativo ou fiscal, motivo pelo qual se lhes não aplicam o nº 1 do art. 20º do CPPT ou o nº 2 do art. 58º do CPTA.O facto de o termo do prazo de apresentação do pedido de pronúncia arbitral ocorrer durante férias judiciais não tem qualquer relevo para a sua contagem.
Já que o prazo do pedido de pronúncia arbitral é inferior a seis meses, deve considerar-se que se suspendeu a 12,23,19,20, 26 e 27 de maio,3,5,6, 10,19, 20, 26 e 27 de junho, 3,4,10,11,18,19, 25, 26 e 31 de julho, 1,7,8,14,15,22, e 29 de agosto e a,5,11, e 12 de setembro, já que todos esses dias são sábados, domingos ou férias judiciais.
Assim, a PI foi apresentada muito antes do termo do prazo legal, não tendo, assim, caducado o direito de ação da Requerente, caducidade que, a ocorrer, seria do conhecimento oficioso do tribunal. Ponderando igualmente que, de acordo com a jurisprudência do STA (Acórdão do Pleno de 30/1/2019, proc. 0624/18.0BALSB), o nº 1 do art. 25º do RJAL limita o direito de recurso das decisões arbitrais que decidam sobre o mérito da causa, qualquer dúvida que porventura houvesse teria de ser decidida com base no princípio “in dubio pro actione” no sentido da admissibilidade do recurso.
7.2. –Caraterização da liquidação controvertida como adicional ou originária
Aquando da tradição subsequente ao contrato de promessa de 5/7/2016, o promitente vendedor F… apresentou a Declaração modelo 1 para efeitos da liquidação de IMT. Dessa Declaração modelo 1 resultaria a liquidação n.º …, de 08/8/2016, no montante de € 4.151,90, constante do DUC… , que é, para todos os efeitos legais, uma verdadeira liquidação inicial ou originária, por referencia com a liquidação parcialmente controvertida, que lhe é posterior.
O facto de F… não ser o promitente comprador, mas o promitente vendedor, não lhe retirou , por outro lado, a legitimidade da apresentação da Declaração modelo 1, já que, nos termos do nº 1 do art. 19º do CIMT, o pode fazer qualquer interessado. Tão pouco a sua incapacidade, seja de acordo com o estatuto de interdito, seja, na nova nomenclatura com o estatuto de menor acompanhado, prejudicaria a eficácia da Declaração modelo 1, que emitiu : nos termos do nº 4 do art. 16º da LGT, o cumprimento dos deveres tributários dos incapazes não invalida o respetivo ato, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação do representante, que não se provou ter sido exercido por qualquer outro interessado.
Tal contrato promessa está abrangido pela norma de ampliação da incidência do IMT da alínea a) do nº 2 do art. 2º do CIMT, mas não se lhe aplica a isenção do nº 1 do art. 7º.
Com efeito, o contrato promessa em causa não contém qualquer menção do destino a revenda e, mesmo que tivesse, sempre foi entendimento da administração fiscal e da jurisprudência superior que a isenção do nº 1 do art. 7º , correspondente à do art. 11º, 3º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações(CIMSISD), apenas abrangia os contratos de compra e venda devidamente titulados, que, por isso, a administração fiscal possa eficazmente controlar através dos elementos oficiais ao seu dispor, dotados de fé pública, e não as promessas de venda em gera constantes de documento particular, inaptas para transmitir o bem( ver acórdãos do STA de 23/5/79 , in “Acórdãos Doutrinais nº 216, pgs. 1167 a 1173, e do Pleno do STA de 23/01/2013, proc. 01061/11, bem como as anotações ao art. 7º do CIMT em Silvério Mateus e Leonel Corvelo de Freitas “Os impostos sobre o património imobiliário anotados”, Lisboa, 2005, Editora Rei dos Livros , em que contêm uma enumeração tendencialmente exaustiva da jurisprudência e das orientações administrativas sobre o tema a propósito da norma de redação igual à nº 1 desse art. 7º do art. 11º, 3º , do CIMSISD, que, por isso, mantém atualidade).
O apresentante dessa Declaração modelo 1, F…, não preencheria, por outro lado, o Anexo I, aplicável quando a transmissão seja efetuada por mais de um titular.
Nos Campos 7 e 8 do Quadro I, o Requerente fez, porém, expressa menção ao estado de casado em regime de comunhão de adquiridos.
Por outro lado, não consta do Processo Administrativo qualquer indicação de que a AT tivesse notificado o apresentante para entregar o Anexo I., identificando aí o outro contitular do imóvel, para efeitos de lhe liquidar autonomamente o imposto.
Apesar da anteriormente referida inscrição no Campo 61 do Quadro VII do preço de venda de € 260,000,00, a AT tributaria o contrato promessa pelo valor de € 130.000,00 ou seja, por metade do valor da transmissão declarado pelo interessado. Tal alteração é possível: o IMT não é um imposto de autoliquidação, sendo liquidado pela AT, nos termos do nº 1 do art. 21º do CIMT, com base na declaração do contribuinte, mas, tendo em conta todos os restantes elementos de que a AT disponha.
Tal não quer dizer que liquidação inicial ou originária tenha respeitado a legislação aplicável.
O facto de os € 130.000,00 serem o montante do sinal devido não justifica essa alteração do valor declarado: nos termos do nº 1 do art. 12º do CIMT, o IMT incide sobre o valor constante do ato ou contrato ou sobre o valor patrimonial dos imóveis, quando superior, não sendo a sua liquidação dependente do pagamento do preço.
Se esse entendimento fosse aceitável, poderiam sempre as partes escapar a essa norma legal fixando um sinal meramente simbólico, cuja simulação a administração fiscal teria de provar.
A tributação com base no sinal apenas poderia incidir, de acordo com a regra 18ª do art. 12º do CIMT sobre as situações especialmente previstas nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 22º do CIMT: celebração de contrato-promessa de aquisição e alienação de bens imóveis em que seja clausulado no contrato ou posteriormente que o promitente adquirente pode ceder a sua posição contratual a terceiro e cessão da posição contratual no exercício do direito conferido por esse contrato-promessa. Tal tributação não é possível na situação da alínea a) do nº 2 do art. 2º (promessa de compra e venda com tradição, sem esse tipo de cláusula), em que o valor tributável é o do contrato e não o do sinal.
Essa alteração de € 260,000,00 para € 130.000,00 também não poderia ter por justificação a omissão na Declaração modelo 1 e no Anexo 1 do outro contitular do bem imóvel, cuja existência, independentemente do preenchimento do Anexo I, resultaria sempre dos Campos 7 e 8 do Quadro I da Declaração modelo 1 e cuja identificação a AT podia ter apurado, através dos elementos ao seu dispor e da própria notificação do apresentante para entregar o Anexo I.
Caso essa omissão porventura tivesse induzido a AT a tributar a operação em causa como mera transmissão de quota ideal de imóvel em vez de pela totalidade do seu valor, essa solução careceria de base legal.
Tal alteração ao valor declarado da transmissão apenas seria possível caso cada um dos cônjuges, não obstante o regime de comunhão de adquiridos, pudesse alienar separadamente uma quota ideal do imóvel.
Os bens comuns dos cônjuges são objeto, no entanto, não de uma relação de compropriedade, mas de uma propriedade coletiva ou, se se quiser, de mão comum, envolvendo uma posse partilhada, que proíbe essa possibilidade.
Na propriedade coletiva, o direito de propriedade é um só, enquanto a compropriedade envolve o aglomerado das quotas dos vários comproprietários. O direito de cada um dos cônjuges não incide sobre cada bem objeto da comunhão, mas recai uma fração ideal do património comum, a efetivar apenas aquando da partilha, nos termos do nº 1 do art. 1689º do CC, momento que cada um dos cônjuges recebe os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns se os houver (ver, entre outros, Acórdão do STJ de 7/3/2019, proc. 1065/16.9T8VRL.GI.SI.).
Nessa medida, o valor a considerar na liquidação inicial deveriam ter sido, não os referidos € 175.928,88, Facto Provado XIV, que, para efeitos da aplicação do nº 1 do art. 12º do CIMT, foram indevidamente comparados, não com o valor total da transmissão, , mas apenas com metade , mas a totalidade do preço declarado, € 260.000,00, de acordo com o teor da Declaração modelo 1 que serviu de base à liquidação inicial.
Consequentemente, o imposto devido seria € 10.038,88 e não o inicialmente liquidado € 4.151,90.
Tal imposto devia ter sido cobrado antecipadamente, por conta, relativamente ao apurado a quando da execução do contrato promessa, caso tivesse sido respeitado o teor da Declaração modelo 1 entregue por F… , como, aliás, refere a Requerente no art. 6º da PI. Caso a liquidação tivesse sido efetuada por esse valor, o presente litígio careceria de objeto, já que o IMT devido a final já teria sido integramente cobrado aquando do contrato promessa, pelo que inexistiriam os pressupostos da emissão de ato tributário adicional, acrescendo à primitiva liquidação.
Essa liquidação originária, de montante inferior ao devido, antes da entrada em vigor do art. 97º da Lei nº 64-A/2008, de 31/12, que alteraria o nº 3 do art. 22º do CIMT, apenas poderia ter sido corrigida através de liquidação adicional dentro do prazo de 4 anos, nos termos dos nºs 1 a 3 do art. 31º do CIMT, com fundamento em erro no apuramento do valor tributável do imposto na liquidação inicial ou quando o valor da transmissão fosse superior ao fixado no contrato promessa.[1]
Não tinha, no entanto, como ainda continua a não ter reflexos na liquidação inicial o facto de o preço fixado na transmissão definitiva vir a ser igual ou inferior ao previsto no contrato promessa, bem a transmissão definitiva estar abrangida por norma de isenção automática ou de reconhecimento automático, como as dos arts. 7º e 8º do CIMT, que não tivesse sido considerada na liquidação adicional.
Por efeitos da nova redação do art. 97º da Lei nº 64-A/2008, o nº 3 do art. 22º do CIMT passaria a dispor, sempre que o contrato definitivo seja celebrado com um dos contraentes previstos nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 3 do artigo 2.º, ou que o facto tributário ocorra antes da celebração do contrato definitivo que opere a transmissão jurídica do bem, e o contraente já tenha pago o imposto devido por esse facto, só há lugar a liquidação adicional quando o valor que competir à transmissão definitiva for superior ao que serviu de base à liquidação anterior, procedendo-se à anulação parcial ou total do imposto se o adquirente beneficiar de redução de taxa ou de isenção.
Essa parte final do nº 3 do art. 22º justifica-se com a natureza meramente por conta do imposto pago aquando da promessa de venda com tradição: não havendo imposto a pagar afinal em virtude da isenção da transmissão definitiva, deixa de ter fundamento o imposto pago por conta deste.
Tal anulação só se justifica, assim, quando o imposto arrecadado aquando da promessa de venda seja superior ao cobrado a quando da transmissão definitiva.
Esse nº 1 do art. 22º deve ser, no entanto, interpretado conjugadamente com o nº 1 do art. 7º e o nº 5 do art. 11º , que regulam globalmente a isenção para aquisição de imóveis para revenda
Tal regulamentação é incompatível com a qualificação como verdadeira liquidação a liquidação de valor nulo contida no DUC n.º …, cujo resultado não é o apuramento de qualquer dívida ou crédito tributário.
Nos termos do nº 1 dessa primeira norma, são isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do nº seguinte do mesmo art. , desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no art. 112º.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do art. 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), consoante o caso. Tal requisito- o adquirente aquando da aquisição, ter declarado previamente o exercício da atividade de compra de prédios para revenda – é essencial ao reconhecimento da isenção.
Segundo a 1ª parte do nº 2 dessa norma, a isenção prevista no nº anterior não prejudica, não obstante a anterior apresentação da declaração do exercício da atividade de compra de prédios para revenda, a liquidação e o pagamento do imposto nos termos gerais.
Tal liquidação e pagamento apenas podem ser evitados, nos termos da parte final desse nº 2, se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda.
Para esse efeito, segundo o nº 3, considera-se o sujeito passivo exercer normal e habitualmente a atividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.
Caso o imóvel seja revendido no prazo legal de três anos sem ser novamente para revenda, com o consequente afastamento da causa de caducidade do nº 5 do art. 11º, cabe ao chefe de finanças, a requerimento do interessado, anular a liquidação do IMT
O reconhecimento da isenção do nº 1 do art. 7º do CIMT impede, assim, o apuramento de qualquer dívida ou crédito tributário, que apenas são liquidados em caso de caducidade , se se verificar a circunstância do nº 5 do art. 11º.
Em consequência do reconhecimento da isenção e consequente efeito impeditivo da liquidação de IMT, a Requerente à não pôde deduzir ao IMT suportado na aquisição do imóvel o IMT suportado anteriormente à transmissão definitiva, o IMT suportado em virtude do contrato de promessa de compra e venda com tradição.
Tal dedução pressuporia o IMT poder ser liquidado aquando da transmissão definitiva, com a consequente dedução do IMT suportado por conta a quando do contrato de promessa de compra e venda com tradição, da qual poderia resultar a redução da dívida tributária ou a constituição de um crédito tributário.
Tal dedução ficou prejudicada pelo nº 2 do art. 7º do CIMT, quando consagrou o reconhecimento da isenção do anterior nº 1 impedir a liquidação do imposto.
A inscrição pelo serviço de finanças- e não pelo adquirente , no Campo 11 do Quadro II da Declaração modelo 1 , do Código de Caducidade da Isenção 09, relativo à aquisição de imóveis para revenda, a que se referem as Instruções de Preenchimento previstas na Portaria nº 1423-H/2003, de 31/12, é, assim, incompatível com a liquidação do IMT no momento da transmissão definitiva e, portanto, com o “encontro de contas” referido no art. 38º da PI, como, aliás, reconheceria o art. 39º dessa PI: tal “encontro de contas” não se fez, em virtude da isenção.
Caso o imóvel tivesse sido revendido, salvo quando para revena, no prazo de três anos, poderia a Requerente solicitar a anulação do imposto suportado aquando da promessa nos termos do nº 4 do art. 7º do CIMT, o que não aconteceu.
Não fosse a liquidação do IMT a quando da promessa de compra e venda com tradição, a liquidação controvertida não poderia deixar de ser considerada originária, à luz da doutrina do Acórdão do STA de 3/7/2019 , 01855/11.9, com o consequente afastamento da aplicação do nº 3 do art. 22º do CIMT.
Tal liquidação foi, no entanto, adicional: não por referência à efetuada aquando da transmissão definitiva, uma vez a Requerente acionou o mecanismo da isenção dos nº s 2 e 3 do art. 7º do CIMT., mas à efetuada aquando do contrato promessa de compra e venda com tradição.
Sendo a liquidação controvertida adicional e não originária, não se vê como se lhe não pudesse aplicar o nº 3 do art. 22º do CIMT. À luz dessa norma legal, o valor tributável seria a diferença entre o preço fixado na transmissão definitiva e o valor base do contrato promessa, sobre o qual recaiu IMT .
Ainda que se considerasse teoricamente procedente a argumentação da Requerida, a sua eficácia seria sempre prejudicada pelo nº 6 do art. 78º da LGT que dispõe que a revisão do ato tributário pode efetuar-se por motivo de duplicação de coleta, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
Na falta de outro conceito deve ser utilizado o conceito de duplicação de coleta do nº 1 do art. 205º do CPPT, de acordo com o qual haverá duplicação de coleta para efeitos do fundamento da oposição da alínea g) do nº 1 do art. 204º quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.
À luz desse critério, a não dedução ao imposto finalmente apurado do imposto pago ou retido por conta é duplicação de coleta, independentemente de a culpa ser ou não do contribuinte, o que constitui uma clara diferenciação entre o regime aplicável à duplicação de coleta e o regime das restantes ilegalidades.
O prazo de reclamação graciosa por motivo de duplicação de coleta conta-se, ao abrigo dessa norma, a partir da notificação da segunda liquidação e não do pagamento da primeira liquidação, momento em que tal duplicação ainda não existe e, por isso, não pode ser reclamada.
Nessa medida, a liquidação de valor nulo contida no DUC n.º … , por não ter apurado qualquer coleta, não determina o início da contagem de qualquer prazo de reclamação, que começaria apenas com a notificação da liquidação n.º …, de 23/07/2020, no montante de € 10.038,88, pelo que a reclamação graciosa cujo indeferimento é agora impugnado não pode deixar de ser considerada tempestiva.
8-Decisão:
Termos em que o Tribunal decide:
-Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IMT n.° …, datada do 23.07.2020, titulada pelo Documento Único de Cobrança (DUC) n.° …, e, consequentemente, do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.° …, de 18/1/2021, sobre o valor de € 4.151,90, bem como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios contados a partir de 04/08/ 2020, sobre esse valor, até à data da emissão da nota de crédito consequente da presente Decisão Arbitral;
- Condenar a Requerida nas custas do processo, dada a procedência total do pedido.
9. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € € 4.151,90, (nos termos da alínea a) do nº 1 do 97.º-A, n.º 1,do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT)
10. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, n os termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado totalmente procedente, nos termos do n° 2 do art. 12.°, n.° 2, e do n° 4 do 22.° ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 2 de fevereiro de 2022
O Árbitro Singular
(António de Barros Lima Guerreiro)
[1] Com efeito, o nº 3 do art. 22º do CIMT dispunha inicialmente que, sempre que o contrato definitivo fosse celebrado com um dos contraentes previstos nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 3 do artigo 2.º (quando seja clausulado no contrato ou posteriormente que o promitente adquirente pode ceder a sua posição contratual a terceiro ,cessão da posição contratual no exercício do direito conferido por esse contrato-promessa, outorga de procuração que confira poderes de alienação do imóvel, quando o representado deixe de poder revogar a procuração ou o seu substabelecimento, ou quando, não obstante a cedência de posição contratual ou ajuste de revenda, o contrato vier a ser celebrado entre o primitivo promitente alienante e um terceiro) só havia lugar a liquidação adicional quando o valor que competisse à transmissão definitiva fosse superior ao que serviu de base à liquidação anterior, procedendo-se à anulação parcial ou total do imposto se o adquirente beneficiasse, em virtude da transmissão definitiva, de redução de taxa ou de isenção. Apenas nos casos previstos no nº 3 do art. 2º e não no caso de mero contrato de compra e venda com tradição a transmissão definitiva do imóvel a transmissão definitiva era suscetível de originar nova liquidação, circunscrita aos casos em que o valor desta fosse superior ao que serviu de base à liquidação anterior ou a transmissão definitiva beneficiasse de redução de taxa ou isenção, circunstâncias essas em que o imposto pago a quando da transmissão fiscal se degradava em mero imposto por conta do devido em virtude da transmissão definitiva.