SUMÁRIO:
I. As isenções de IMI previstas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF exigem, além da componente subjectiva conexa com a natureza jurídica das entidades proprietárias, que os prédios estejam directamente afetos à prossecução dos seus fins estatutárias;
II. As pessoas colectivas de utilidade pública ou equiparadas podem beneficiar da isenção de IMI prevista na alínea d) do n.º 1 da Lei n.º 151/99, de 14/9, em relação aos prédios urbanos que se encontrem afetos à realização dos seus fins estatutários, mesmo quando esses prédios produzem rendimentos para custear os referidos fins;
III. Improcede o pedido arbitral formulado por pessoa jurídica que se dedica a atividades de assistência e solidariedade, se fundamentar o seu pedido de anulação da liquidação de IMI incidente sobre os prédios de que é proprietária apenas com base na sua natureza jurídica e nos fins que prossegue, não demonstrando que suscitou o reconhecimento das isenções referidas em I e II junto das autoridades tributárias competentes e aí fez prova da verificação dos seus requisitos.
DECISÃO ARBITRAL
O Árbitro Joaquim Silvério Mateus, designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, profere decisão nos termos que seguem:
I. RELATÓRIO
1.A…, pessoa coletiva religiosa n.º …, com sede na Rua … LISBOA, vem, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e ao abrigo do disposto nos artigos 99.º e 102.º do CPPT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral para apreciação da legalidade do ato tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis, liquidação n.º 2020 …, no montante de € 33.865,81.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou Requerida).
2.A Requerente alega, em resumo, que:
2.1. É uma pessoa coletiva canonicamente ereta, reconhecida pelo Estado português ao abrigo da Concordata celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa, e que foi reconhecida como corporação missionária, por Despacho de 22 de Janeiro de 1994 e desenvolve a sua missão evangelizadora, quer em Portugal, quer em Angola e em São Tomé e Príncipe.
2.2. As atividades que prossegue são de natureza social, nomeadamente no apoio a crianças e idosos, apoio à família, apoio à formação e acompanhamento de jovens, apoio aos sem-abrigo e emigrantes, e que ministra ensino gratuitamente, sendo que estas atividades se integram no elenco do artigo 1.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Instituições Particulares de Segurança Social (IPSS) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/2, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 172-A/2014 de 14/11;
2.3. Ora, acrescenta a Requerente, face ao artigo 40.º do Regime Jurídico acima referido, as organizações e instituições religiosas e os seus institutos que, para além de fins religiosos, exerçam atividades legalmente tipificadas como de interesse geral, são equiparáveis a IPSS, ficando sujeitas, quanto ao exercício daquelas atividades ao regime estabelecido para as IPSS.
2.4. Por outro lado, o artigo 12.º da Concordata de 18/05/2004, que vigora na ordem interna nacional face ao artigo 8.º da CRP, reconhece que as pessoas jurídicas canónicas com personalidade jurídica civil reconhecida pelo Estado Português que, além dos fins religiosos, também prossigam fins de assistência e solidariedade, gozam dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas coletivas privadas que prossigam fins da mesma natureza;
2.5. Ora, diz a Requerente, encontrando-se o prédio objecto do presente requerimento afecto directamente à realização dos seus fins de assistência e solidariedade, ou ao financiamento desses fins, o que para o efeito de isenção tem a mesma consequência, deve beneficiar da isenção de IMI nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 44 do EBF.
2.6. E defende que por força da equiparação a IPSS é uma pessoa coletiva de utilidade pública, devendo beneficiar das isenções que lhe forem aplicáveis, como foi decidido no processo arbitral 384/2020-T.
2.7. Assim e finalmente alega a Requerente que tributar de modo diferenciado a titularidade de património imobiliário de igual valor detido por pessoas diferentes em razão de critérios que podem contender, sem a mínima justificação nem plausabilidade, com o princípio da capacidade contributiva não pode deixar de ser considerada inconstitucional, por direta violação dos princípios da igualdade geral e fiscal, da capacidade contributiva, da justiça relativa e da equidade na distribuição dos encargos fiscais, tal como de resto decorre da CRP – arts. 13.º, 103.º, 104.º e 266.º e da citada jurisprudência do TC-Tribunal Constitucional (embora não indique a que decisões jurisprudenciais se refere);
2.8. A Requerente conclui que o ato de liquidação impugnado é ilegal com fundamento em erro sobre os factos por erro sobre as qualidades do bem objeto de tributação, erro sobre os pressupostos de direito da lei aplicada e consequente violação de lei imperativa e ofensa dos referidos princípios fundamentais, pelo que deve ser ordenada a sua anulação integral, com as demais consequências.
2.9. Com o pedido de pronúncia arbitral a Requerente apresentou 4 documentos;
3. Em conformidade com o RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo o tribunal sido constituído em 31 de agosto de 2021.
4. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
5.Tendo sido notificada para o efeito, a Requerida apresentou Resposta em 4 de outubro de 2021, na qual defende sucintamente o seguinte:
5.1. Que face à Concordata é concedida a isenção de impostos aos prédios afetos ao culto e à realização de fins religiosos, aos seminários e estabelecimentos destinados à formação eclesiástica e ensino da religião católica, às dependências e anexos daqueles prédios que estejam cedidos a instituições de solidariedade social e aos jardins e logradouro dos mesmos prédios que não estejam destinados a fins lucrativos e que, quando as pessoas jurídicas canónicas prosseguem também fins de assistência e solidariedade são equiparadas a instituições particulares de solidariedade social caso em que, face à alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, gozam de isenção de IMI quanto aos prédios ou parte de prédios destinados diretamente à realização dos seus fins.
5.2. Porém, acrescenta a Requerida, “no caso em apreço, a actividade principal do colégio é o alojamento de alunos universitários (não sendo lecionado qualquer tipo de disciplina nessas instalações), disponibilizando vários serviços mediante o pagamento de uma mensalidade”.
5.3. Ora, acrescenta a Requerida, a remuneração destes serviços, que incluem alojamento, alimentação, tratamento de roupas, espaços para estudar e praticar desporto, é estipulada sem que tenha sido demonstrado que o foi ao abrigo de qualquer acordo ou modalidade de apoio social que tivesse em conta os rendimentos dos agregados familiares a que os alunos pertencem.
5.4. De resto, diz ainda a Requerida, esta situação está refletida no enquadramento tributário da Requerente que está registada no Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) na actividade mista de prestação de serviços de apoio social sem finalidade lucrativa e na atividade de prestação de serviços com finalidade lucrativa, estando também registada em IVA imposto onde, segundo a Requerida, revela “um fluxo de bens e serviços com muita expressão”
5.5. Assim, conclui a Requerida, uma vez que as partes do prédio destinadas a colégio e a residência universitária não estão diretamente destinadas à realização dos fins de assistência e solidariedade proclamados pela Requerente não há lugar à aplicação da isenção prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.
5.6. Quanto à invocação da Requerente de que a liquidação impugnada sofre do vício de falta de fundamentação e viola o princípio da legalidade, a Requerida contesta tais violações considerando que foi a Requerente que não usou da faculdade de requerer a notificação dos fundamentos da liquidação, acrescentando que não houve violação do princípio da legalidade porque “a Administração só pode fazer aquilo que legalmente lhe for permitido”, devendo ser absolvida de todos os pedidos.
6.Exercício do contraditório. Na sequência da notificação da Resposta, a Requerente veio pronunciar-se em 20 de outubro de 2021 renovando a argumentação apresentada no PPA, salientando que “encontrando-se o prédio objecto do presente litígio afecto directamente à realização dos seus fins de assistência e solidariedade”, que “de facto as únicas actividades que a requerente pode licitamente prosseguir são as de natureza religiosa e as de natureza social atenta a sua natureza canónica, pelo que tal facto decorrente da lei não carece de prova” e que “Não são os fins imediatos decorrentes da utilização do imóvel que determinam a isenção mas antes a sua afectação aos fins da instituição como reconhece a decisão fundamento” (invocando mais uma vez a decisão arbitral proferida no processo 384/2020-T).
7. Por despacho arbitral proferido em 29 de dezembro de 2021 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, foram notificadas as partes para, querendo, alegarem por escrito e foi fixado o final do mês de fevereiro de 2022 como data limite para a prolação e notificação da decisão arbitral.
8. Apresentando alegações escritas em 21 de janeiro de 2022, a Requerente repete o texto que apresentou em 20 de Outubro de 2021.
9. Em 25 de janeiro de 2022, a Requerida apresentou também alegações escritas onde mantém as posições da Resposta, nomeadamente quanto ao facto da Requerente exercer uma atividade mista auferindo lucros tributáveis em IRC e estar sujeita a IVA com um expressivo volume de transmissão de bens e prestação de serviços, reafirmando também que a atividade principal do Colégio B… é o alojamento de alunos universitários (não sendo lecionado qualquer tipo de disciplina nessas instalações), disponibilizando vários serviços mediante o pagamento de uma mensalidade, o que não corresponde a uma atividade de assistência social ou de solidariedade.
II. MATÉRIA DE FACTO
1. Factos provados
A liquidação de IMI impugnada é referente aos prédios, não isentos, de que a Requerente era titular no ano de 2020 nela constando que o pagamento voluntário da primeira prestação deveria ser efetuado durante o mês de Maio de 2021, tendo o PPA sido apresentado tempestivamente em 28 de Junho de 2021
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
1.1.Identificação dos prédios cujo IMI integra a liquidação impugnada
A Requerente – referindo-se embora e por diversas vezes “ao prédio objecto do presente litígio” – junta cópia da nota demonstrativa da liquidação correspondente ao ano de 2020, com n.º 2020 … (DOC 1 junto ao PPA), a qual contém uma listagem de prédios em relação aos quais é indicado o artigo matricial, a freguesia e o município da localização, o valor patrimonial tributário, a indicação de isenção parcial ou total, a taxa aplicável, o imposto liquidado em relação aos prédios não isentos e o total do imposto liquidado (a nota demonstrativa não menciona o nome da Requerente mas indica que a mesma respeita ao contribuinte com o NIF …).
A referida listagem inclui um conjunto de prédios rústicos e urbanos localizados nos municípios de Lisboa, Sintra, Porto, Vila Nova de Gaia, Ourém, Setúbal e Tondela, sendo que neste conjunto há prédios de elevado valor patrimonial tributário (vpt) e outros de valores reduzidos, alguns com indicação de estarem totalmente isentos de IMI, outros com isenção parcial e outros totalmente sujeitos.
O imposto liquidado, no montante total de € 33.865,81, é a soma das tributações parciais que incidem sobre os prédios parcial ou totalmente sujeitos constantes na referida listagem.
Detalhando e atentando nos montantes mais expressivos:
O prédio urbano artigo …, situado na freguesia de Alvalade, Lisboa, tem o vpt de €1.576.548,75, é totalmente tributado e apresenta a coleta de € 4.729,65;
O prédio urbano artigo …, situado na mesma freguesia, tem o vpt total de € 10.441.308,00, é parcialmente isento sobre o vpt de € 2.808.709,70, com a colecta de € 22.897,77;
O prédio urbano artigo …, situado na freguesia Lordelo, município do Porto, tem o vpt de € 444.874,50, é totalmente tributado e apresenta a coleta de € 1.441,39;
O prédio urbano n.º …, situado na freguesia de Pedroso, município de Vila Nova de Gaia, tem o vpt de € 596.190,00, é totalmente tributado e apresenta a coleta de € 2.265,52;
O prédio urbano artigo …, freguesia de Agualva e Mira Sintra, município de Sintra, tem o vpt de € 596.480,00, é totalmente tributado e apresenta a coleta de € 1.795,44;
A listagem ainda mais alguns prédios rústicos e urbanos, sujeitos a tributação, com valores mais reduzidos.
1.2. Das indicações fornecidas sobre o enquadramento tributário e sobre a afectação dos prédios que integram a listagem constante na nota demonstrativa da liquidação
Dá-se também por demonstrado que a Requerente não apresentou qualquer outra indicação ou informação sobre os prédios cuja liquidação de IMI constitui o objecto do PPA, nem sobre a sua localização concreta, nem sobre a sua afetação, nem sobre o reconhecimento das isenções parciais ou totais de que a maioria dos prédios já beneficia, desde quando vigoram os benefícios, ou se em relação ao ano de 2020 a que respeita a liquidação impugnada a AT procedeu à revogação de alguma isenção anteriormente reconhecida ou se indeferiu qualquer pedido de isenção apresentado pela Requerente.
A Requerente também não achou relevante a entrega de cópia das cadernetas prediais, do registo predial ou qualquer outro documento conexo com os referidos prédios.
A Requerente não trouxe ao processo qualquer indicação ou prova sobre se algum dos prédios que integram a listagem supra referida, sujeito a tributação, está afeto aos fins previstos no n.º 2 do artigo 26.º da Concordata de 2004, mormente a lugares de culto, a seminários ou a fins de natureza semelhante aí referidos.
Dá-se por provado que a Requerente vem desenvolvendo a sua missão evangelizadora, quer em Portugal, quer no estrangeiro, que dá assistência a pessoas carenciadas e que desenvolve atividades de educação e ensino.
Dão-se por provadas as informações da Requerida, às quais a Requerente se não opôs, que esta se encontra registada, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), com atividade mista desenvolvida no âmbito do setor social (sem finalidade lucrativa) e no setor comercial, industrial e de prestação de serviços (com finalidade lucrativa), e, em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), está enquadrada no regime normal mensal, revelando um fluxo de bens e serviços com muita expressão e que a atividade principal do Colégio B… é o alojamento de alunos universitários (não sendo lecionado qualquer tipo de disciplina nessas instalações), disponibilizando vários serviços mediante o pagamento de uma mensalidade, o que não corresponde a uma atividade de assistência social ou de solidariedade.
1.3. Da natureza jurídica da Requerente
Dá-se por provado, face a documento apresentado pela Requerente, que a mesma está registada no Registo Nacional de Pessoas Colectivas com o NIPC …, desde 09-11-1978, com a denominação “A…”, com sede na Rua …, como “pessoa colectiva religiosa católica” com o objecto social de “Actividades Religiosas e de ensino da religião católica, actividades de educação, ensino secundário, tecnológico, artístico e profissional”.
A Requerente juntou cópia de certidão do Governo Civil de Lisboa, datada de 5 de Maio de 2005, em que é certificado que a “C…” – nada dizendo sobre a desconformidade entre a denominação desta entidade e a da requerente – é uma “pessoa moral canonicamente erecta” reconhecida como corporação missionária ao abrigo decreto-lei n.º 31.207, de 5 de abril de 1941.
1.4.Motivação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (vd. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (vd. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental apresentada e os factos notórios.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
III. MATÉRIA DE DIREITO
1. Do resumo e interpretação dos fundamentos da pretensão apresentada ao tribunal arbitral
Ao iniciar a análise de mérito do pedido arbitral em apreço cabe desde logo assinalar a forma como o pedido foi apresentado ao tribunal, atentando no articulado da petição inicial, nas alegações e nos documentos de prova que foram juntos.
Ora, o que se constata, e como supra foi amplamente demonstrado, é que a Requerente não imputa qualquer ilegalidade concreta e individualizada quanto à sujeição, parcial ou total, de cada um dos prédios que integram a listagem que consta na nota de liquidação que lhe foi notificada.
A pretensão que decorre do PPA é que o tribunal arbitral conheça, como um todo, da legalidade da tributação dos prédios sujeitos que integram a dita listagem e, reconhecendo o direito à isenção da Requerente, declare a ilegalidade da liquidação.
Para sustentar a sua pretensão, a Requerente considera que a sua qualidade de pessoa colectiva religiosa, canonicamente ereta, reconhecida pelo Estado Português ao abrigo da Concordata, a que acresce o facto de ter como atividade principal a prestação de serviços de natureza social, mormente a nível do apoio a crianças necessitadas, a idosos, aos sem-abrigo, ao acompanhamento e apoio ao ensino, dando aqui como exemplo o papel desempenhado pelo Colégio B… e o ensino gratuito ministrado no Colégio D..., são razões suficientes para declarar o direito à isenção de IMI dos seus prédios e a consequente ilegalidade da liquidação.
Com efeito, decorre do discurso da Requerente que, em seu entender, a atividade que prossegue lhe confere o direito a ser equiparada a uma instituição particular de solidariedade social (IPSS), dado que prossegue as actividades previstas no artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25/2 (Regime Jurídico das IPSS), donde decorreria o direito de beneficiar da isenção de IMI prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), e que este direito abrange a totalidade dos prédios de que é titular, independentemente da afectação ou destino que é dado a cada um deles.
Por outro lado, além da isenção prevista na referida alínea f), o PPA considera também que o tipo de atividade que desenvolve e a sua equiparação a IPSS lhe conferem a qualidade de pessoa colectiva de utilidade pública e o consequente direito às isenções que a lei estatui para estas entidades, estando assim subjacente que está a reivindicar a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF e, apelando à decisão arbitral proferida no processo 384/2020-T, que denomina como decisão fundamento, a reivindicar também a isenção prevista na alínea d) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 151/99, de 14/9 (vd. artigo 21.º do PPA e alegações escritas).
Anota-se, como já referido supra, que a Requerente não achou sequer relevante trazer ao processo o historial da situação tributária conexa com as isenções e com as sujeições respeitantes à listagem de prédios cuja tributação se reflete na liquidação que impugnou, não informando se procedeu ou não a diligências junto da AT para obter o reconhecimento das isenções que reivindica, ou se a ilegalidade que invoca se prende com a revogação de alguma isenção anteriormente reconhecida
O que a Requerente entende, atentando na formulação do seu pedido e nas provas que apresentou, é que face à sua natureza jurídica deve considerar-se que todos os prédios de que é titular estão afetos à sua actividade de assistência e solidariedade e, consequentemente, devem beneficiar automaticamente de isenção de IMI, sem mais requisitos ou condições.
Por outras palavras, embora a Requerente o não afirme expressamente, decorre do PPA que a mesma considera que os benefícios fiscais que invoca têm natureza exclusivamente subjetiva, decorrem directamente da lei, e que, como a AT incumpriu a lei, lançando a liquidação, pretende que seja o tribunal arbitral a reconhecer a isenção e a anular a liquidação.
São ilustrativas deste entendimento as afirmações produzidas pela Requerente no final das suas alegações dizendo que “ De facto as únicas actividades que a requerente pode licitamente prosseguir são as de natureza religiosa e as de natureza social atenta a sua natureza canónica, pelo que tal facto decorrendo da lei não carece de prova”, acrescentando que “Não são os fins imediatos decorrentes da utilização do imóvel que determinam a isenção mas antes a sua afectação aos fins da instituição como reconhece a decisão fundamento”(anota-se que esta “decisão fundamento” é a decisão arbitral proferida no processo 384/2020-T que adiante será comentada).
Mas não tem razão. Vejamos
2. Do reconhecimento e pressupostos das isenções de IMI previstas nas alíneas e) e f) do artigo 44.º do EBF
Dando-se por adquirido que a Requerente é uma pessoa jurídica religiosa canonicamente ereta e que pode beneficiar das isenções de IMI atribuídas às instituições particulares de solidariedade social e até às pessoas colectivas de utilidade pública e não entrando, por desnecessário, nas questões das limitações de competência do tribunal arbitral, vejamos qual a modalidade do seu reconhecimento e os pressupostos para que tais benefícios sejam obtidos.
Determina o artigo 5.º do EBF:
1 - Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.
2 - O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.
3 - O procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais regula-se pelo disposto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Como se constata, a própria lei fiscal pode determinar que determinado facto tributário ou que determinado contribuinte está isento de imposto ou de impostos, sem quaisquer condições, caso em que nenhuma dúvida se coloca ou nenhum procedimento se impõe para que esse facto tributário ou esse contribuinte beneficiem da isenção. São benefícios fiscais decorrentes directamente da lei, de atribuição automática e de natureza imperativa, vinculando a administração pública e os tribunais a agir em conformidade adaptando as suas decisões ao ditame legal em causa.
É o caso, por exemplo, das Misericórdias, em que, face à parte final da alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, a própria lei atribui isenção de IMI aos prédios de que sejam titulares independentemente de qualquer condição ou reconhecimento.
Noutros casos, os benefícios fiscais só vigoram depois de proferido um ato administrativo ou com a celebração de um acordo entre a administração e o contribuinte interessado, através dos quais, em ambos os casos, se constate a verificação dos pressupostos legais para atribuição desses benefícios.
Quanto aos benefícios previstos nas alíneas e) e f) do artigo 44.º do EBF, salvo quanto ao referido caso das Misericórdias, não subsistem quaisquer dúvidas que se trata de benefícios dependentes de reconhecimento.
Com efeito, basta atentar no que dispõe o artigo 44.º, n.º 1, alíneas e) e f), e nos números 2 e 4 deste mesmo artigo. Assim:
Artigo 44.º, n.º 1 - Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis:
e) As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins;
f) As instituições particulares de solidariedade social e as pessoas colectivas a elas legalmente equiparadas, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins, salvo no que respeita às misericórdias, caso em que o benefício abrange quaisquer imóveis de que sejam proprietárias;
2 - As isenções a que se refere o número anterior iniciam-se:
b) Relativamente às situações previstas nas alíneas e) e f), a partir do ano, inclusive, em que se constitua o direito de propriedade;
4 - As isenções a que se refere a alínea b) do n.º 2 são reconhecidas oficiosamente, desde que se verifique a inscrição na matriz em nome das entidades beneficiárias, que os prédios se destinem directamente à realização dos seus fins e que seja feita prova da respectiva natureza jurídica.
Dos preceitos legais transcritos decorrem exigências para que algum contribuinte possa obter as isenções de IMI aí previstas.
Desde logo prevê-se uma exigência de natureza subjectiva, ou seja, o proprietário do prédio terá que ter o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa ou de mera utilidade pública (caso da alínea e)), ou de instituição particular de solidariedade social ou pessoa colectiva equiparada (caso da alínea f)).
Além disso, em qualquer das duas alíneas, o proprietário terá que estar em condições de demonstrar que os prédios ou parte de prédios estão directamente afetos à realização dos seus fins estatutários.
Trata-se, pois, em qualquer uma das referidas alíneas, de uma isenção mista exigindo-se a verificação cumulativa da natureza jurídica da proprietária se enquadrar no elenco das entidades que podem beneficiar da isenção e, por outro lado, que o prédio ou prédios em causa estejam directamente afetos à realização dos fins dessa entidade.
Como se constata, não basta que os prédios sejam destinados à realização dos fins estatutários da proprietária. A norma determina expressamente que os prédios terão que estar directamente afetos a esses fins.
Ou seja, as referidas normas de isenção não abarcam prédios que, por exemplo, estejam a gerar rendimentos que, por sua vez, serão aplicados nos fins da entidade. É que, nestes casos, a relação entre o prédio e os fins da entidade proprietária não é directa mas indirecta. Estaria nesta situação, face à informação fornecida pela Requerida, o prédio onde está instalado o Colégio B… (nem Requerente nem Requerida informaram no processo qual o artigo matricial que lhe corresponde na listagem da nota de liquidação), onde, segundo tal informação, os alunos que aí estão alojados pagam uma mensalidade pelos serviços que lhe são prestados.
A jurisprudência é pacífica quanto à exigência de que uma das condições da isenção é que o prédio tenha afetação direta aos fins da instituição. Veja-se, por exemplo, o Acórdão do TCAS de 13.07.2016, processo 09581/16: “O litígio dos autos centra-se, exclusivamente, no exame do pressuposto objectivo consagrado no artº.44, nº.1, alínea e), do E.B.F. – sendo que no tocante ao requisito da afectação dos prédios as alíneas e) e f) têm a mesma redacção – concretamente, na questão de saber se o recorrente destinou o imóvel em causa à directa realização dos seus fins. O normativo em causa deve ser interpretado no sentido de que a isenção de imposto municipal sobre imóveis só abrange o tributo que incida sobre os prédios ou a parte dos prédios que, em si mesmos, sejam destinados aos fins de utilidade pública prosseguidos pela pessoa colectiva, importando acrescentar que o benefício fiscal é reconhecido oficiosamente desde que, além do mais, se verifique que os prédios se destinam, directamente, à realização dos seus fins, sem prejuízo do dever dos seus titulares de revelarem à A. Fiscal os pressupostos da sua concessão (cfr.artº.14, nº.2, da L.G.T; artº.44, nº.4, do E.B.F.).
Por sua vez, no acórdão do STA n.º 2/2017, processo 1658/15, consignou-se, a propósito da alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, – sendo que no tocante ao requisito da afectação dos prédios as alíneas e) e f) têm a mesma redacção – que a isenção prevista no artigo 44.º, n.º 1, alínea e) do Estatuto dos Benefícios Fiscais apenas respeita aos prédios que estão diretamente afetos aos fins estatutários da pessoa coletiva de utilidade pública, v.g., os necessários à instalação da sua sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários, sendo o seu reconhecimento oficioso nos termos do disposto no artigo 44.º, n.º 4, do mesmo Estatuto dos Benefícios Fiscais.
O n.º 4 supra transcrito determina efectivamente o reconhecimento oficioso das isenções previstas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.
Porém, reconhecimento oficioso não é a mesma coisa que aplicação automática do benefício. O reconhecimento é oficioso no sentido em que a isenção pode ser declarada por iniciativa e intervenção dos serviços competentes da administração tributária, sendo que, antes da isenção começar a vigorar e a produzir os seus efeitos, a referida administração terá que proceder à verificação dos pressupostos que a lei exige para a atribuição do benefício.
O dito reconhecimento oficioso não é da competência dos tribunais, cabe sim às autoridades tributárias, nomeadamente, ao chefe do serviço de finanças da área de localização dos prédios face às suas competências genéricas de verificação e controlo das situações tributárias previstas na lei e também face ao disposto no artigo 12.º do EBF e dos artigos 78.º e 83.º do CIMI.
Decorrendo de tudo isto e sem necessidade de mais indagações que não tendo a Requerente demonstrado que preenchia os pressupostos objectivos da isenção prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF – apenas se preocupou em demonstrar o pressuposto subjectivo – nem que tal demonstração foi feita perante a autoridade tributária competente, tendo esta denegado o reconhecimento oficioso da isenção, tem que concluir-se que nenhum vício pode imputar-se à liquidação de IMI objecto do PPA e que este tem que improceder.
3 Outras isenções de IMI de que as pessoas colectivas de utilidade pública e entidades equiparadas podem beneficiar
Remetendo para outra decisão arbitral, a Requerente invoca o direito de beneficiar da isenção de IMI, menos condicionada, que é concedida às pessoas colectivas de utilidade pública e entidades equiparadas através do artigo 1.º, alínea d), da Lei n.º 151/99, de 14/9.
Com efeito, determina o referido preceito legal (cuja redação foi mantida pelo n.º 4 do artigo 50.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30/12) que:
“Sem prejuízo de outros benefícios previstos na restante legislação aplicável, podem ser concedidas às pessoas colectivas de utilidade pública as seguintes isenções:
a) ………………….;
b) …………………..;
c) ……………………
d) Contribuição autárquica de prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários;
Embora a norma transcrita se refira à contribuição autárquica, a isenção deve agora considerar-se reportada ao IMI por força do n.º 6 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, que aprovou o Código do IMI.
A jurisprudência tem considerado que o referido benefício continua a poder aplicar-se às referidas entidades, não dependendo a sua aplicação da restrição prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, ou seja, pode abranger prédios urbanos que, por exemplo, estejam afetos à obtenção de rendimentos para que a entidade sua proprietária possa custear as actividades de natureza social que prossegue.
Porém, a isenção também não é automática, terá que ser requerida pela interessada e está dependente de reconhecimento da administração tributária.
Veja-se, entre outra jurisprudência, o que a este propósito foi consignado no Acórdão do STA, de 03.10.2018, processo 0734/130BEPNF, segundo o qual a “isenção prevista no artigo 1º, al. d) da Lei n.º 151/99 mantém-se presentemente em vigor e abrange apenas os prédios urbanos que pertençam às pessoas colectivas de utilidade pública, que se encontrem destinados à realização dos fins estatutários e carece de reconhecimento por parte do órgão competente, dependente de pedido expressamente formulado nesse sentido pela interessada”.
Também aqui, improcede o pedido arbitral dado que a Requerente não demonstrou que requereu a dita isenção à entidade competente e que esta denegou infundadamente o seu reconhecimento.
Perante a repetida invocação de outra decisão arbitral em que, segundo a Requerente, terá sido reconhecida a isenção de IMI com base nas normas invocadas, este tribunal apenas observa que tal decisão tem efeitos exclusivos no âmbito do referido processo e que a Requerente nem sequer demonstrou que a situação fática aí analisada e decidida era idêntica à dos presentes autos.
Quanto à alegada violação do dever de fundamentação e dos princípios da igualdade geral e fiscal, da capacidade contributiva, da justiça relativa e da equidade na distribuição dos encargos fiscais, decorre de tudo o que fica dito sobre as omissões probatórias do próprio PPA que se trata de invocações sem qualquer fundamento e sem qualquer conteúdo de que caiba conhecer.
IV. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos, decide este Tribunal Arbitral:
Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral de declarar a ilegalidade da liquidação de IMI n.º 2020 …, no montante de € 33.865,81.
Absolver a Requerida do referido pedido.
VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 33.865,81 indicado pela Requerente, sem oposição da Requerida.
CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, do artigo 4.º, n.º5, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.836,00, a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2022
O Árbitro
(Joaquim Silvério Dias Mateus)